DÉCIMO OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
Lucas 16.1-13
7 de outubro de 2001
CONTEXTO E TEXTO
A parábola do administrador infiel apresenta a dificuldade, perceptível já em uma primeira leitura, de aparentemente estar elogiando a malandragem! Por outro lado, o contexto social, cultural e econômico por detrás da parábola tem algo a dizer. Possivelmente os ouvintes de Jesus e os leitores de Lucas entenderam a parábola. Não se pode dizer o mesmo dos leitores de hoje. Basta verificar comentários escritos sobre este texto para notar as diferenças de opinião entre os estudiosos. Em nossas observações, utilizaremos especialmente a excelente obra de Kenneth Bailey, As Parábolas de Lucas (3a edição; São Paulo: Vida Nova, 1995), cujo autor é grande conhecedor da cultura do oriente. Além disso, procuramos interpretar o texto, com vistas ao sermão, à base da analogia da fé.
Observando novamente a questão do caráter do personagem principal da parábola, é importante lembrar que, dentro de um grande propósito que cada parábola tem, nem sempre o caráter dos personagens em si é o elemento mais importante. Basta lembrar a parábola do juiz iníquo (Lc 18.1-8). Por outro lado, o caráter do administrador lembra, até certo ponto, a atitude do filho mais novo da parábola que antecede. De fato, é curioso que esta parábola siga imediatamente aquela do “filho pródigo”. Naquele caso, o contexto mostra que Jesus contou a parábola visto estarem os fariseus e escribas reclamando dele estar andando com pecadores (15.1,2). Curioso é o uso do mesmo verbo (????????????) em 15.13 e 16.1, referindo-se às atitudes consumista/defraudadora do filho mais novo e do administrador infiel.
Parece que Jesus, de uma certa forma, está fazendo uma comparação entre os dois personagens. E, de fato, há o que comparar. Em ambos os casos houve pecado (na forma de trair a confiança que lhe era depositada) e reconhecimento do pecado. O pecador não tem com que se desculpar. É preciso agir na confiança da misericórdia de quem pode ajudá-lo. Interessante ainda é que nas duas parábolas “falta a cena final. Não sabemos qual foi a reação final do filho mais velho, nem o resultado final dos atos do mordomo” (Kenneth Bailey, As Parábolas de Lucas, p 278).
Ainda convém lembrar que o administrador infiel não é elogiado por Jesus como exemplo de ética. Ele é chamado de “infiel” e “filho do mundo” (16.8). O exemplo a aprender é outro.
A parábola não pretende ensinar moral, mas mostra uma verdade sobre o reino dos céus, manifesto em Jesus. O jovem gastador (15.11-32) foi levado, em arrependimento, a reconhecer que era fundamental voltar ao Pai. Assim também, o problema (a iminente demissão) leva o administrador a pensar no futuro. Jesus compara isto com o reino dos céus e o juízo que virá. Ao descobrir que seu servo o estava defraudando (dissipando os bens - cf. 15.13: ????????????), o senhor chama o administrador para que ele “preste contas da administração” (16.2). A expressão usada ??????????????????????? - é empregada em diversos textos para referir-se ao juízo final, quando todas as pessoas estarão prestando contas perante Deus (por exemplo, Mt 12.36; Rm 14.12; Hb 4.13; 1 Pe 4.5).
A proposta de Jesus é que nesta vida, naquilo que fazemos ou deixamos de fazer, o reino dos céus (enquanto realidade futura) precisa ser levado em conta. A parábola trata, assim, da prontidão necessária ante a chegada do Reino. A analogia da fé depõe contra qualquer interpretação que proponha justificação por obras (garantir o céu pela maneira como se vive). Na verdade é preciso olhar a situação ao inverso: tendo o céu como presente (Jesus estava falando para seus discípulos - 16.1), vamos agir neste mundo com sabedoria, também no que se refere ao uso dos bens materiais.
É importante no exame deste texto, especialmente tendo em vista a pregação, a determinação de lei e evangelho. Não há maior dificuldade de perceber a chicotada da lei sobre a infidelidade, sobre a ganância, sobre o mau uso dos bens. Isto, porém, não esgota o tema. Se a questão é o preparo ante a vinda do reino futuro, a lei denuncia a pessoa que ignora a iminência e seriedade do julgamento que há de vir. Neste ponto, a leitura do Antigo Testamento para o dia (Am 8.4-7) traz elementos que podem ser utilizados no sermão. Um povo que se considerava da aliança vivia de forma gananciosa, avarenta e de desprezo ao próximo. O Senhor diz: “Eu não me esquecerei de todas as suas obras para sempre!” (Am 8.7). Uma vida ímpia no que se refere ao uso dos bens reflete o que se passa no coração e tem conseqüências no juízo.
Possivelmente questão ainda mais complexa é determinar onde está o evangelho nesta parábola. Chama a atenção a atitude do homem rico. Sabendo da desonestidade do seu administrador, ele imediatamente o despede. No entanto, conforme padrão da época, o correto seria que o administrador pagasse pelo prejuízo causado (é isto que significa “prestar contas” - ver acima). Mas, estranhamente, ele não é preso, tanto que tem tempo de agir, garantindo seu futuro junto a outras pessoas (K. Bailey, As Parábolas de Lucas, p 268). O senhor que é rigoroso e pronto em declarar o juízo, no entanto é lento em condenar. Estará aí uma demonstração de graça e misericórdia (cf. 2 Pe 3.9)? Assim parece.
A comparação a ser feita poderia ser esta: em sua lei, Deus declara juízo merecido sobre cada pecador. No entanto, ele dá tempo para arrependimento e uma nova vida. Vale lembrar que a atitude do administrador, após a acusação do seu patrão, quando ficou calado, é admissão de culpa. Ele não se explica; assim como o pecador não tem como se explicar perante Deus. O tempo que ainda falta para o julgamento (a demissão propriamente dita, com o administrador perdendo de vez seu cargo e ganha pão) é tempo da graça, é tempo de oportunidade.
Após a parábola propriamente dita, Jesus acrescenta uma “aplicação” (vv. 9-13). Duas coisas podem ser especialmente observadas: 1) os bens materiais são perigo ou oportunidade - perigo quando nos apegamos a eles; oportunidade, para servirmos o próximo. 2) Fidelidade é uma palavra chave. Somos administradores de Deus. O que Ele nos confiou, seja “pouco” ou “muito”, é bênção. O importante, porém, é não nos apegarmos às bênçãos, mas ao Doador delas (v. 13).
Voltando ao uso, por Jesus, de uma pessoa desonesta nesta parábola, é significativo o comentário de K. Bailey: “Jesus está usando o princípio rabínico de ‘do leve para o pesado’, que significa geralmente ‘quanto mais ...’. Em outras palavras: se esta viúva recebeu o que desejava, dessa espécie de juiz (18.1-9), quanto mais recebereis de Deus? Se este homem recebeu pão de noite deste vizinho (11.5-7), quanto mais vós, de Deus. Se este mordomo desonesto resolveu o seu problema confiando na misericórdia do seu senhor para solucionar a sua crise, quanto mais Deus ajudará na vossa crise, quando confiardes em sua misericórdia?” (As Parábolas de Lucas, p 274,5).
Perceba-se ainda como continua o texto, após a parábola do administrador infiel. A menção aos fariseus (assim como em 15.2) vem ressaltar a ligação da parábola em estudo com aquela do filho pródigo. E mais: os fariseus entenderam (mas não gostaram) a parábola. A eles soou como lei, questionando sua avareza. O evangelho é o próprio Jesus, rejeitado pelos fariseus, mas Salvador dos pecadores.
APLICAÇÕES HOMILÉTICAS
Partindo do fato que o administrador é elogiado não pela desonestidade, mas por sua sabedoria em agir diante da crise, podemos sugerir uma aplicação homilética que contemple a atitude cristã sábia no presente mundo, tendo em vista o mundo porvir. A mensagem da parábola não permite que se faça uma separação entre a vida de cada dia e o reino dos céus. Não podemos viver duas vidas, uma como cristãos e outra como cidadãos deste mundo. A fé escatológica implica uma vida na perspectiva escatológica.
Vivemos neste mundo e administramos o que Deus nos tem concedido, sem perder de vista o elemento passageiro das coisas que temos.
SUGESTÃO DE TEMA
Nossa vida de mordomos na perspectiva do futuro
Gerson Luis Linden
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