A Crucificação, Morte E Sepultamento De Cristo, Lc. 23. 26-56.
A solidariedade das mulheres, V. 26) E como o conduzissem, constrangendo um cireneu, chamado Simão, que vinha do campo, puseram-lhe a cruz sobre os ombros, para que a levasse após Jesus. 27) Seguia-o numerosa multidão de povo, e também mulheres que batiam no peito e o lamentavam. 28) Porém Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos. 29) Porque dias virão em que se dirá: Bem aventuradas as estéreis, que não geraram nem amamentaram. 30) Nesses dias dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos. 31) Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco? Cf. Mt. 27. 31-34; Mc. 15. 21. Conforme a decisão de Pilatos, Jesus foi levado do pretório, para um lugar fora dos muros, em que os malfeitores eram crucificados. A cruz de Jesus, que ele, como um criminoso condenado, fora obrigado a carregar pelo caminho a fora, ficou-lhe pesada demais. O grande esforço de energia dos últimos dias, a agonia da noite anterior, a vigília da noite, as indignidades que foi obrigado a suportar, tudo isto se juntou e lhe trouxe uma fraqueza corporal tão grande que já não mais conseguia suportar o peso da cruz. Por isso os soldados atacaram, ou recrutaram ao serviço, um certo Simão de Cirene, cidade da costa norte da África. Este era um judeu da, assim chamada, diáspora, e viera a Jerusalém para a festa. Provavelmente mais tarde, e talvez já neste momento, era uma discípulo de Jesus, Rm. 16. 13. E assim este homem teve a honra de carregar a cruz de Cristo, no lugar deste, e de participar de alguns dos sofrimentos destinados ao Salvador. Enquanto os soldados, com Cristo e os dois malfeitores, em passo lento passavam pelas ruas estreitas em direção do descampado fora dos muros, houve um grande número de pessoas e também de mulheres que os seguiam. Destes, alguns, provavelmente, estiveram presentes no palácio do governador, outros, talvez, se juntaram por curiosidade à procissão, mas mulheres, segundo a solidariedade humana, estavam movidas por sincera compaixão. Seu sentimento, provavelmente, teria sido o mesmo se a pessoa fosse outra. Batiam em seu peite e o lamentavam. Evidenciavam todos os sinais duma profunda tristeza. Estas atitudes moveram Jesus a se voltar para elas e dirigir-lhes uma comovente admoestação. Chama-as de filhas de Jerusalém. Representavam a cidade, sendo que muitas delas se haviam criado na sombra do majestoso templo. Por isso deviam estar bem familiarizadas com as palavras dos profetas. Deviam lamentar e chorar não sobre ele e nem por causa dele, mas sobre elas mesmas e sobre seus filhos. Indicou com compreensível exatidão o fado da cidade que tanto amavam, e cuja destruição final, conforme as profecias, era só uma questão de poucos anos. São as mães que, em tempos de grande tristeza e castigo, sofrem mais pesadamente. Virá o tempo em que as mulheres estéreis e sem filhos serão mais felizes e afortunadas do que as demais, cap. 21. 23. pois a aflição daqueles dias será tão horrível que as pessoas não saberão onde se refugiar, por causa da imensidão do terror que lhes sobrevém. Clamarão aos montes e outeiros para que caiam sobre eles e os ocultem diante da cólera do Deus onipotente, Os. 10. 8; Is. 2. 19. Pois, se até o justo e santo Filho de Deus precisa sofrer de modo tão terrível sob o peso do juízo de Deus, o que acontecerá a todos aqueles que são como o impuro e cujas justiças são como trapos imundos? Notemos: O Senhor indica aqui que o seu sofrimento é o resultado do pecado que ele, o Santo de Deus, tomou sobre si, 2. Co. 5. 21. Também: As palavras de Jesus mostram em que consiste a verdadeira solidariedade com o sofrimento de Cristo, a saber, não em mera emoção externa, em lágrimas e no torcer das mãos, mas em real arrependimento. “Devemos aceitar essa admoestação como dirigida a nós. Pois todos precisamos confessar que, por causa dos pecados, somos semelhantes a árvores infrutíferas e secas, em que não há nada de bom, e donde nenhum bem pode provir. Por isso, o que nos caberá fazer? Nada do que chorar e clamar a Deus por perdão, e resistir sinceramente à natureza perversa e pecaminosa, não lhe dando livre ação. Pois a sentença está lançada: Tendo em vista que a árvore infrutífera é tratada deste modo e porque Deus permite que sobrevenham sofrimentos tão duros sobre seu próprio Filho amado, com certeza não devemos sentir-nos seguros, mas reconhecer nosso pecado, temer a cólera de Deus e suplicar perdão”15).
A crucificação, V. 32) E também eram levados outros dois, que eram malfeitores, para serem executados com ele. 33) Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, bem como aos malfeitores, um à direita, outro à esquerda. 34) Contudo Jesus dizia: Pai, perdoalhes, porque não sabem o que fazem. Então, repartindo as vestes dele, lançaram sortes. Na mesma ocasião em que Jesus era conduzido para ser crucificado fora da cidade, conforme a palavra da profecia, mais dois homens foram levados ao mesmo lugar. Estes homens, contudo, eram verdadeiros malfeitores, e haviam feito um mal que merecia a morte. Estes deviam ser levantados ao mesmo tempo com ele, e deviam sofrer a morte por crucificação. Jesus foi colocado no mesmo
nível com eles, Is. 53. 12. Chegaram ao lugar que era chamado Calvário, o lugar da caveira, provavelmente, por causa do aspecto do morro que se assemelhava à parte superior dum crânio. Lá crucificaram o Senhor em meio aos malfeitores. Abriram seus braços sobre as partes da cruz, 15) 102) Lutero, 13a. 440. fincaram pregos em suas mãos e pés para prender seu corpo no lugar. Foi assim que Cristo sofreu o castigo de nossos pecados, assim ele carregou nossos pecados em seu próprio corpo na cruz, 1.Pe. 2. 24; Is. 53. 5. A cruz era um lenho de maldição e ignomínia, Hb. 12. 2.; Gl. 3. 13. Ele foi ferido pelas nossas transgressões e traspassado pelas nossas iniqüidades, Is. 53. 5. Mas, ainda assim, no coração de Jesus não houve amargura ou ressentimento, nem mesmo contra os que executaram a sentença que em nada foi gentil, tendo em vista que a usual crueldade foi praticada. Jesus, enquanto seu coração se condoia quanto aos que cegamente cometiam esta ato criminoso, exclama em benefício das cabeças de seus torturadores: Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo! Rogou pelos criminosos e pelos inimigos que lhe causaram a morte. Não conhecem o Senhor da glória, pois sua glória estava oculta sob a aparência dum servo humilde. Mas eles o fizeram na ignorância, At. 3. 17. Por isso, aqui o Senhor orou por todos eles, e mesmo depois teve paciência com eles. Enviou seus apóstolos para que lhes pregassem o evangelho de sua ressurreição. E foi só depois que rejeitaram de modo absoluto e final a este evangelho, que ele fez que se executasse sobre eles a sentença da destruição. Esta primeira palavra de Cristo do alto da cruz está cheia de conforto para todos os pecadores. Nele temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados, Ef. 1. 7. os soldados romanos naquele momento, porém, não sabiam nada deste fato maravilhoso. Para eles todas estas ocorrências faziam parte de sua missão. Calmamente sentaram-se sob a cruz, onde alguns deles permaneceram como guardas, e, lançando sortes, dividiram entre si as vestes do Senhor. Passaram as horas, jogando. Da mesma maneira os filhos do mundo, que diariamente crucificam Cristo novamente, sentam-se na sombra de igrejas cristãs, e se distraem e jogam fora o tempo da graça, até que, em muitos casos, lhes é demasiado tarde para o arrependimento. A zombaria do povo, V. 35) O povo estava ali e a tudo observava. Também as autoridades zombavam e diziam: Salvou os outros; a si mesmo se salve, se é de fato o Cristo de Deus, o escolhido. 36) Igualmente os soldados o escarneciam e, aproximando-se, trouxeram-lhe vinagre, dizendo: 37) Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo. 38) Também sobre ele estava esta epígrafe em letras gregas, romanas e hebraicas: ESTE É O REI DOS JUDEUS. Fora atingido o anticlímax da fúria do povo. Fora satisfeita sua sede por sangue, e foi só mais sua curiosidade que os conservou no Calvário. Observaram aos soldados até que haviam concluído sua medonha tarefa, ou até que a crucificação fora consumada. Mas, nem então, permaneceram indiferentes. Não se lhes oferecendo mais outra distração, juntaram-se aos dirigentes. Pois estas dignidades, que em qualquer outro tempo teriam considerado uma humilhação misturar-se ao vulgo, não se furtaram a alegria de vir da cidade e expressar sua satisfação sobre o sucesso de seu plano. Torciam seus narizes em sinal de extremo desprezo ao Senhor, e debochadamente observavam: Salvou outros; salve-se ele a si mesmo, se realmente é o Cristo de Deus, o Escolhido. Aquilo que anteriormente haviam negado com toda a amargura de seus invejosos corações, agora confessaram, mostrando que, até no fundo de alma, eram hipócritas corruptos. Haviam visto e ouvido um número suficientemente grande de evidências da sua divindade, as quais podem satisfazer qualquer pessoa normal, mas aqui novamente lançam dúvida sobre o assunto todo, desafiando-o para descer da cruz para se salvar, cf. Sl. 22. 6-8, 17. O Senhor, contudo, não respondeu os insultos na mesma moeda. Quando ele foi insultado não respondeu com insultos, quando sofreu, não ameaçou, 1.Pe. 2. 23. Igualmente os soldados, cansados do seu jogo de dados, juntaram-se ao deboche, fazendo gracejo, em especial, da designação “Rei dos judeus”. Parecia-lhes o cúmulo do ridículo que este homem tivesse aspirado ser governante dos desprezados israelitas. A justificativa para usar justamente este nome foi dada pelo fato que Pilatos precisou colocar um sobrescrito no alto da cabeça de Jesus, no alto da cruz, mencionando a causa ou razão de sua condenação: Este homem é o rei dos judeus, ou, como rezava literalmente: Jesus Nazareno, O Rei Dos Judeus. O sobrescrito fora redigido em grego, a língua comumente falada nas ruas e nos negócios, em latim, a língua oficial dos romanos, e em hebraico ou aramaico, a língua materna da maioria dos judeus. Notemos: Aqui Jesus, como diz Lutero, se tornou a rocha de ofensa diante do mundo todo, estando aqui representadas todas as classes do gente e as línguas mais representativas do mundo. Também: Pilatos, sem dúvida, quis expressar seu desprezo tanto aos judeus como a Jesus, escolhendo o sobrescrito desta forma. Suas palavras, contudo, foram absolutamente verdadeiras e confortam, ainda hoje, a todos os que são filhos de Abraão no sentido espiritual que é o verdadeiro. O Rei da graça, o Rei da Glória, este é o Salvador em quem depositamos nossa confiança.
O malfeitor penitente, V. 39) Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também. 40) Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o, dizendo: Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? 41) Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez. 42) E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. 43) Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso. Durante a primeira hora da torturante agonia da crucificação, os dois malfeitores se haviam juntado às multidões ululantes nas injúrias, maldições e zombarias ao homem suspenso no meio deles, Mt. 27. 44. Mas o exemplo de maravilhosa paciência, junto com as palavras que provieram da boca do sofredor, levaram gradualmente um dos criminosos ao silêncio. Seu coração foi ferido por pensamentos de tristeza e arrependimento, isto é, ele reconheceu Jesus como o seu Salvador. Por isso, quando o outro malfeitor continuou suas objurgações, zombeteiramente pedindo a Jesus que salvasse a si mesmo e também a eles, então o homem do lado direito o repreendeu. É difícil afirmar a forma em que, exatamente, expressou a ênfase, mas, provavelmente, queria dizer: Não há em teu coração, ao menos, temor ao Deus santo e justo, sem falar de qualquer sentimento de comiseração e piedade? Lembrou ao outro que ambos estavam sofrendo com justiça, recebendo a plena paga pelos pecados que haviam cometido, isto é, exatamente o que seus atos mereciam. Mas só eles eram desta classe de gente; pois este homem, este Jesus, nada fizera de anormal, nada de errado e nenhum mal. Este malfeito, por isso, reconheceu sua culpa imensa ante Deus e aceitou sua punição como uma paga justa da cólera divina. Lamentava de coração seus pecados. E esta tristeza foi suplementada e completada por fé. Voltando-se a Jesus, rogou-lhe: Recorda-te de mim quando vieres em teu reino. Que o Senhor em sua graça e misericórdia pensasse nele e o recebesse em seu reino no tempo quando o Messias retornasse em sua glória. Desta forma este pobre rejeitado fez uma confissão esplêndida de Cristo. Reconheceu nele o Rei do céu. Sabe que não é digno da misericórdia deste Rei, mas é bem sobre esta misericórdia que se apóia, sua confiança nela lhe dá a força de fazer esta petição. Esta fé foi um milagre da graça divina. Sempre é um triunfo da graça quando Deus concede a um pobre criminoso e a um excluído da sociedade humana, o qual a vida inteira serviu ao pecado, graça para o arrependimento, ainda que seja na última hora de sua existência humana. E sobre este malfeitor Jesus derramou a plenitude de seu perdão divino. Com ênfase solene deu-lhe a garantia, de que naquele mesmo dia estaria com ele no paraíso. Não foi necessário esperar por alguma glória futura. A felicidade do paraíso seria sua tão logo que fechasse seus olhos na morte. O Senhor abriu as portas do paraíso a todos os pecadores do mundo inteiro, por meio de sua vida, sofrimento e morte. E quem crê nele esse tem plena salvação tão logo que morre. Este é o fruto da paixão de Cristo: o perdão dos pecados, vida e salvação.
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