Trabalho: Luther discovers the Gospel, Uuras Saarnivaara
Introdução
Quando Lutero estava buscando uma forma de ter paz com Deus e certeza de sua salvação, ele se deparou com algumas questões. Primeiro, como ele poderia encontrar paz para a sua consciência através do perdão dos pecados? E segundo, como ele poderia tornar-se justificado ou justo aos olhos daquele que é Santo. Na verdade, Lutero não enfrentou essas questões ao mesmo tempo. Houve o intervalo de alguns anos entre essas duas crises de sua vida, de modo que ele encontrou solução para cada uma delas.
Para entender os desafios da juventude de Lutero na sua busca de solução para essas questões, é preciso recordar as três interpretações sobre o caminho para a justiça disponíveis para ele. Em primeiro lugar, como era comum entre as pessoas religiosas da época, Lutero se deparou com o entendimento de que Deus olha com favor para aqueles que fizeram seu melhor para obedecer à lei divina. Ele recompensa as boas obras e pune as obras más. Na terminologia teológica, isso é chamado de visão “ativa” da justificação, porque, de acordo com esse entendimento, o homem é aceitável diante de Deus se ele é justo nas suas ações, ou seja, se o seu comportamento está de acordo com o que a lei divina requer. Em segundo lugar, Lutero aprendeu a conhecer o ensino oficial da Igreja Romana, onde o homem é justificado ao ser curado da enfermidade do pecado e da corrupção, tornando-se apto para amar a Deus e aos homens e, assim, cumprir a lei. Ele se torna aceitável diante de Deus, ou justo aos olhos do Senhor, pela renovação da graça e por sua ação justa, ou boas obras. Assim, o homem é “passivo” e “ativo” na justificação. A cura da enfermidade do pecado não ocorre instantaneamente, pois é preciso tempo para a prática das boas obras, através das quais a vida eterna é merecida. O terceiro caminho para a justificação foi apresentado pelo apóstolo Paulo e por outros escritores do Novo Testamento. Aqui, o homem é justificado pela fé, pela redenção que há em Cristo. O homem que tem seus pecados perdoados e a quem Deus não imputa pecado é justo aos Seus olhos por causa do sangue e do sacrifício de Cristo, em quem o homem coloca sua confiança em fé (Rm 3.23-25; 5.3-6; Hb 10.14). Esse homem é uma nova criatura, criado em Cristo Jesus para boas obras. Mas essas boas obras são somente o fruto, não o fundamento da justificação (2Co 5.15; Ef 2.8-10; Gl 2.20; 5.6). Nesse tipo de justificação o homem é “passivo”.
Até recentemente, a teologia protestante era unânime em reconhecer a doutrina de Lutero como pertencente a este último grupo, o que fez dele o reformador. Mas nos últimos tempos, Karl Holl, um reconhecido estudante de Lutero, tentou provar que o ensino dele sobre a justificação pertence ao segundo grupo apresentado, embora de uma forma mais desenvolvida e pura. Para resolver esta questão, é preciso averiguar o conteúdo do ensino maduro de Lutero sobre a justificação e a sua descoberta do evangelho; depois, é preciso delinear o caminho que ele percorreu para a paz de consciência e para a redescoberta do evangelho, observando a data desses acontecimentos. Lutero declarou várias vezes que Agostinho, Staupitz e as Escrituras deram a ele ajuda e direção na sua busca pela verdade e paz. Assim, é importante investigar as influências desses três fatores no seu desenvolvimento espiritual e teológico.
A concepção de Agostinho sobre a salvação do pecador e sua relação com o ensino maduro de Lutero
1. Agostinho e a justificação de um pecador:
Agostinho lida com a justificação do pecador principalmente naqueles escritos contra as heresias de Pelágio. Foi essencialmente por estes escritos que Lutero foi influenciado na época de sua busca pela verdade. De acordo com Agostinho, o homem, quando caiu em pecado, voltou-se contra Deus, arrogantemente desejando ser o seu próprio senhor. Essa rebelião corrompeu tanto a sua natureza que o homem não mais busca o seu bem – sua alegria e felicidade – em Deus, mas sim em coisas terrenas. Portanto, ele não tem liberdade de escolha em questões espirituais, pois seu espírito está em escravidão em relação à sua carne, e a morte o atormenta. Tudo isso devido ao pecado. A lei de Deus demanda vontade e obediência espontânea. O homem, no entanto, está tão corrompido que não consegue cumprir essa demanda. A lei revela a ele a sua fraqueza e pecaminosidade. Quando este homem ouve a boa nova da graça de Deus, uma fome e uma sede de salvação são criadas nele. Ele começa a orar por perdão e pela graça regeneradora, que permitirá que ele ame a Deus e ao próximo. Deus concede sua graça ao homem no batismo. Aqueles que afastaram-se da graça do batismo são restaurados pelo arrependimento (conversão). Dessa forma, o homem tem sua natureza aflita e vontade curadas, tornando-se capaz de buscar seu bem em Deus e de obedecer seus mandamentos. O Espírito tem que recriar o coração do homem para tornar a sua vontade livre. A vontade humana é divinamente ajudada na busca pela justiça, e o homem recebe o Espírito Santo, que lhe dá prazer e amor por Deus. Assim, a natureza humana é reparada pela graça, e o Espírito da vida escreve a lei de Deus em nossos corações. Agostinho ensina que todo amor é ganancioso: direcionado às coisas criadas do mundo é um amor pecaminoso, cobiçoso; mas quando ele é direcionado para a busca do bem em Deus, esse amor é cristão. O homem criado por Deus possuía bondade, mas na queda seus desejos se voltaram para a busca do bem no mundo. O trabalho principal da graça é curar sua natureza. Agostinho chama isso de renovação, vivificação, regeneração e justificação. Para ele, justificação significa que o homem é feito justo em relação à sua vontade e comportamento.
Os pensamentos de Agostinho expressados no seu tratado On the Spirit and the Letter foram fundamentais para Lutero entender a frase “a justiça de Deus”. Na sua exposição de Rm 1.17, “a justiça de Deus se revela no evangelho”, Agostinho declara: “ele não diz a justiça do homem ou a justiça de sua vontade, mas a justiça de Deus – querendo dizer não aquela pela qual Ele mesmo é justo, mas aquela com a qual ele dota o homem quando Ele justifica o ímpio”. Não é que a justificação ocorre sem a nossa vontade; mas nossa vontade se mostra fraca diante da lei. Assim, a graça cura essa fraqueza, a fim de que nossa vontade possa cumprir a lei. Somos justificados sem qualquer mérito prévio. Caso contrário, graça não é mais graça, já que a recebemos não porque praticamos boas obras, mas sim para que sejamos capazes de praticá-las. Justificação é a inscrição da lei nos corações dos homens pelo Espírito Santo. A justiça não é algo que é recebido por completo, mas um processo gradual de se tornar justo onde a vontade humana renovada do homem coopera com a graça de Deus. O homem deve constantemente desejar e orar por justiça ou justificação, para que Deus possa dar a ele mais poder para deixar o mundo para trás e para cumprir a lei em amor e obediência. O homem nunca se torna totalmente justo nesta vida, mas ele está sempre avançando em direção à justiça. O crente é chamado justo porque a justiça começou a operar nele. O pecado permanece com a sua atividade no homem, mas não é mais imputado para culpa, porque Deus perdoa esses pecados. Agostinho nunca se cansa de dizer que o homem é salvo somente pela graça. Antes da fundação do mundo, Deus decidiu salvar alguns da perdição e permitiu que outros recebessem sua justa condenação. Esse era o seu eterno decreto de predestinação.
Teólogos geralmente concordam que a concepção de Agostinho sobre a salvação é uma combinação de idéias cristãs e neo-platônicas. Segundo ele, o pecado do homem consiste em seu amor pelas coisas terrenas, de modo que a sua conversão, então, é uma “mudança de gosto”. Sua preocupação maior na conversão não é encontrar um Deus misericordioso através da redenção dos pecados, mas receber de Deus um novo “gosto” e também poder para sujeitar sua concupiscência, bem como para buscar as coisas celestiais.
2. O Lutero maduro quanto à justificação e Agostinho:
Existem alguns aspectos bem característicos na concepção de Lutero sobre justificação e santificação:
A. O homem é justificado totalmente por Cristo, que se entregou na cruz por todos nós. Os benefícios e frutos do seu sacrifício são perdão e justificação.
B. O homem é justificado pela imputação dessa justiça (e perdão), preparada e conquistada por Cristo para benefício do pecador. Um cristão não é aquele que não tem pecado, mas aquele a quem Deus não imputa pecado por causa da fé em Cristo. A justiça passiva que o crente pecador recebe como dom gratuito através da imputação graciosa de Deus é idêntica ao perdão dos pecados. Essa absolvição da culpa faz ele ser aceitável diante de Deus e inocente aos seus olhos.
C. O homem é justificado quando ele se apropria e recebe pela fé esse perdão da justiça imputada. A fé não justifica como uma obra, mas porque ela captura a misericórdia revelada em Cristo.
D. Justificação não é um processo gradual, mas um ato instantâneo de Deus pelo qual Ele declara o pecador livre de sua culpa. Somente a fé nos trás essas boas coisas de Deus – justificação e salvação – e instantaneamente nos faz filhos e herdeiros, que livremente praticam boas obras de todo tipo.
E. Lutero ensina que Deus não somente perdoa pecados e considera o pecador justo, mas Ele também renova o homem e faz com que ele seja justo em seu coração e vida. Essa renovação, no entanto, ele distingue como a segunda parte da obra de salvação divina. Ele chama isso de “segunda justificação”, sendo “primeira justificação” a justificação pela fé, pela imputação de Deus. De acordo com Rm 5.15, ele chama ambas de “graça” e “dom”. A “graça”, ou justiça da fé, é dada completa e instantaneamente; e o “dom”, ou o Espírito Santo e o renovo dado por Ele, é dado gradualmente. Enquanto a graça, que não é dividida em pedaços, justifica completamente diante de Deus, os dons e o Espírito crescem em nós a cada dia e ainda não são perfeitos, de modo que permanecem em nós a cobiça do mal e o pecado. O problema do relacionamento entre justificação e renovação, ou santificação, foi enfrentado constantemente no meio acadêmico de Wittenberg de 1536 a 1543. Lutero definiu o relacionamento entre esses dois dons de Deus assim: Deus purifica o homem, ou seja, o considera purificado, porque ele tem fé, embora seja pecador. Depois, Ele dá o Espírito Santo, por quem nós somos limpos em relação à nossa substância. Lutero nega definitivamente que quaisquer mudanças possíveis em nós pertençam à justificação. A obediência não está envolvida na justificação, porque Paulo recebeu perdão de pecados antes mesmo de sua obediência. O propósito final da obra de salvação divina é a completa renovação do homem, mas isso só ocorrerá na eternidade. Aqui na terra essa renovação, ou a “segunda justiça”, a justiça da vida, nunca progride além de um mero começo.
F. A correta distinção entre Lei e Evangelho está ligada à doutrina da justificação. O objetivo da lei espiritual é trazer convicção de pecado ao coração do homem, preparando-o para receber o evangelho da graça. O evangelho não demanda qualquer obra do homem. O cumprimento da lei através do amor a Deus e ao próximo não pertence à justificação. Na “segunda justiça”, o relacionamento do crente com a lei é diferente. A lei é gravada em seu coração pelo Espírito de Deus, e então o homem é renovado, ou transformado, tanto interna como externamente para se ajustar à lei. O Espírito cria nele a atitude correta em relação a Deus e ao próximo. Justificação e renovação devem ser claramente distinguidas mas não separadas uma da outra. Deus nunca justifica o homem sem renová-lo; e Ele nunca renova-o sem justificá-lo.
Portanto, Agostinho entende justificação como a renovação ou gradual transformação do homem na imagem de Deus; Lutero a entende como o perdão de pecados, a imputação da justiça por causa de Cristo. Ambos ensinam que a salvação do homem consiste em dois dons de Deus: perdão e renovação. Ambos também acreditam que a renovação do homem é obra do Espírito de Deus, recebido através da fé. Ambos ensinam que a graça divina e a não imputação suprem aquilo que falta na justiça humana. Finalmente, ambos falam de arrependimento, humildade, confissão de pecados, auto-acusação e oração por misericórdia como pré-requisitos de um inicial e contínuo recebimento da graça.
A exegese moderna é quase unânime em dizer que Lutero está correto na sua interpretação dos ensinamentos de Paulo sobre a justificação, e que Agostinho erra na sua exposição. A palavra latina iustificare (=fazer justo) levou Agostinho a extraviar-se. Por não conhecer o grego adequadamente, ele falhou em dar-se conta de que dikaioo significa “eu declaro justo, ou absolvo”.
De acordo com Agostinho, conversão significa uma “mudança de gosto”, ou o homem voltando-se para buscar sua alegria e felicidade em Deus. Isso ele é capaz de fazer pela renovação da sua vontade, algo que somente o Espírito de Deus pode efetivar. Quando o chamamento cria dentro do homem o desejo de voltar-se para Deus, sua primeira tarefa é confessar sua depravação e fraqueza, e orar para que Deus possa renovar seu coração e vontade. Para Lutero, conversão é se apropriar do perdão dos pecados. Quando a lei leva o homem a ter convicção dos seus pecados, sua grande preocupação é sua culpa, por causa de quem ele está debaixo do desprazer e da ira divina. Ele precisa orar por perdão e misericórdia e aceitar a promessa de perdão de pecados em Cristo. A “mudança de gosto” é o fruto da fé que justifica, ou a obra do dom do Espírito Santo, não a justificação em si. Agostinho acredita que o homem é justificado por cumprir a lei de Deus através do poder que ele recebe. Lutero ensina que o homem deve primeiro ser justificado e possuir pela fé o perfeito cumprimento da lei consumada por Cristo. Somente então é possível para ele empenhar-se para cumprir a lei em amor e obediência.
Na visão agostiniana, a justificação é uma realização futura. O cristão deve se esforçar por isso continuamente, sempre permanecendo em humildade, condenando a si próprio, orando por misericórdia e se esforçando para se ajustar à lei. Na visão luterana, justificação e possessão da justiça é uma realidade presente, pois é recebida na sua plenitude pela fé na promessa do evangelho. Somente na santificação o esforço contínuo é necessário. O pesar pela presença do pecado e da falta de justiça é uma característica da fé agostiniana, enquanto que a alegria pela salvação e a perfeita justiça em Cristo têm lugar central na fé luterana. Na fé agostiniana, a presença do pecado tende a destruir a certeza da salvação, já que a pecaminosidade é equivalente à falta de justiça; enquanto que na fé luterana o pecado não causa, ou não deveria causar, dúvida devido à completa, total e suficiente justiça de Cristo. Eles concordam sobre a necessidade de uma luta constante contra o pecado e da mortificação diária da carne. No entanto, nesta batalha espiritual, Lutero não vê a necessidade de se preocupar com o exame de si mesmo e com o seu crescimento em santidade. Essa liberdade ele considera essencial para o sucesso nesta luta.
Agostinho pertenceu à igreja católica. Sua concepção de salvação era católica, e não evangélica. A igreja romana desenvolveu e modificou sua doutrina da justificação em diversos aspectos, mas basicamente ela ainda é agostiniana. No Concílio de Trento (1545-63), a Igreja Católica Romana definiu sua doutrina contra os ensinos da Reforma. Teólogos protestantes seguidamente têm se confundido com essas similaridades, pois não é simples a diferença de ênfase que separa esses ensinamentos.
Descobrimento de Lutero na Torre
A “experiência da Torre” de Lutero foi o descobrimento da visão completa da Reforma em justificação, que Deus justifica o pecador por graciosa imputação ou considerando, os méritos de Cristo para ele como sua justiça. A experiência de Lutero na Torre não foi sua conversão. Era o descobrimento final exegético-religioso do caminho evangélico da salvação, mas que ele custou a entender.
“Certamente tenho sido possesso por um extraordinário ardente desejo para compreender Paulo em sua Epístola aos Romanos. Ainda assim, a despeito do ardor de meu coração, fui impedido pela única palavra de sua primeira carta: ‘A justiça de Deus é revelada nisto (Rm 1.7)’”.
Lutero se aborreceu e muito com a frase “justiça de Deus”, porque os seus professores e mestres o tinham ensinado a entender essa frase filosoficamente, como significando a formal ou ativa justiça, de acordo a que Deus é justo e pune o pecador.
Durante o período que Lutero foi monge, ele buscava impecavelmente guardar e obedecer aos mandamentos de Deus. Mas, mesmo assim, ele sentia-se um pecador diante de Deus, e sua consciência o atormentava.
“Dia e noite tentei meditar no significado daquela frase: ‘A justiça de Deus é revela nisto, como está escrito: O justo viverá por fé”.
Lutero diz que depois de muita meditação e reflexão sobre essa passagem bíblica do apóstolo Paulo em Romanos, que Deus teve compaixão dele, e lhe abriu o entendimento, e ele começou a compreender: “...que a justiça de Deus é este dom de Deus para que um homem justo viva, isto é, fé e que esta sentença: A justiça de Deus é revelada no Evangelho, é passivo, indicando que o misericordioso Deus nos justifica por fé, como está escrito: ‘O justo viverá por fé’”. Depois que Lutero obteve esse entendimento, ele se sentiu como que renascido, e como se tivesse entrado no paraíso. Ele passou a se dedicar cada vez mais no estudo e meditação da Bíblia, buscando analogia em outras frases semelhantes: “Obra de Deus, por que Ele nos fez fortes, Sabedoria de Deus, por que Ele nos fez sábios, a Força de Deus, a Salvação de Deus, a Glória de Deus”.
Da mesma forma como antes Lutero odiava a frase “a justiça de Deus”, agora ele a amava e a considerava agradável, como sendo a verdadeira passagem para o Paraíso. Depois, ele leu o tratado de Agostinho no Espírito e na Letra (carta), e descobriu que havia uma interpretação similar.
Lutero gostava muito de conversar com seus amigos durante as refeições, e eles anotavam o que ele dizia, e essas anotações ficaram conhecidas como “As conversas de Mesa”.
“Estas palavras ‘justo’ e ‘justiça de Deus’ (iustus, iustitia Dei) ferem a minha consciência como flash de relâmpago, me amedrontando, cada momento eu lhe escutava: se Deus é justo, Ele pune. Mas pela graça de Deus, como eu alguma vez meditarei nestas palavras nesta torre e hypocaustum (sala aquecida): ‘O justo viverá por fé’ e a ‘justiça de Deus’, lá repentinamente veio em minha mente o pensamento que se nós como justos vivemos por fé e se a justiça da fé é para ser para salvação a todo o que crer, então se não é nosso mérito, mas a misericórdia de Deus. Assim, minha alma foi refrescada, por se é a justiça de Deus com que somos justificados e salvos através de Cristo. Estas palavras se tornaram mais agradáveis para mim. Através desta palavra o Espírito Santo me iluminou na torre”.
Lutero era amedrontado e odiava as palavras “a justiça de Deus” e “a obra de Deus”, por acreditar que a justiça de Deus significava Seu severo julgamento. Mas quando compreendeu a questão e aprendeu que a justiça de Deus significa aquela justiça com que Ele nos justifica, a justiça dada como um presente gratuito em Cristo Jesus , ele começou a se alegrar excessivamente.
Atualmente, cremos que a chave para a correta interpretação do descobrimento na torre é o melhor fator que já antes em sua vida Lutero era familiarizado com a explicação que de a “justiça de Deus” em Rm 1.17 significa a justiça com que Deus faz o homem injusto, justo. Lutero, então, ensinou que o homem é justificado no olhar de Deus, não porque ele tem se tornado ou começou a se tornar, semelhante, mas porque Cristo tem cumprido a Lei por ele, e Deus imputa as “boas obras” de Cristo a ele como sua justiça.
Antes desta descoberta, Lutero havia estado na garantia de uma secreta justiça “ativa”. Ele estava sob a impressão de que o homem devia se tornar “ativamente” justo em ordem para permanecer diante de Deus, que lhe julga de acordo a sua pessoa e comportamento. O resultado destas lutas internas era a descoberta da verdade, que Deus justifica o pecador por declará-lo justo por causa de Cristo, sem seus próprios méritos e dignidade. Deus adota o pecador como Seus filhos na base dos méritos de Cristo somente.
Conceito de Lutero sobre a justificação de 1517 a 1518
Em Hebreus, no período de 16 de Março de 1517 a 27 de Março de 1518, o entendimento de Lutero em ralação a justificação era: “cristãos são justos, santos e livres do pecado, não por que eles são assim, mas por que eles têm inicio e se tornarão assim pelo caminho do crescimento constante”.
Explicando o Salmo 51, Lutero falou do processo gradual de limpeza de igual maneira como em seus antigos ensinamentos. O ano 1517 pertence ao período da vida de Lutero em que ele ainda compreendia justificação como uma renovação e limpeza gradual do pecado e não como a imputação da justiça de Cristo.
Porém, este período marca um importante desenvolvimento no pensamento teológico de Lutero. Durante 1516-1517 ele rejeitou a teoria Agostiniano-Católica dos quatros sentidos da Escritura (Quadriga) e começou a interpretar a Escritura de acordo com seu sentido literal. Assim foi dividido um dos significantes laços que o ligava ao passado tradicional.
A Experiência da Torre no fim de 1518:
No fim de 1518, Lutero publicou o “Sermão sobre a Tripla Justificação”, nele Lutero distingue três formas de pecado e, de maneira correspondente, três de justiça. A primeira trata do pecado e da justificação de acordo com a lei civil. Na primeira existe o sentimento de medo e de satisfação por cumprir. A segunda trata do pecado original (Salmo 51.5 “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe”). A justificação correspondente encontra-se em textos como: Romanos 5.19b “por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos”; Romanos 1.17 “o justo viverá por fé”. Ele compara o primeiro pecado (o pecado de Adão) com a atitude de Cristo. Através de Adão, todos temos o pecado original, e através de Cristo, temos a Justificação. A terceira trata do pecado atual, que segundo o entendimento de Lutero é fruto do pecado original, para o pecado atual temos a justificação em Cristo.
Começam a surgir comparações entre o pecado original e a justificação:
• O pecado original é recebido no nascimento, sem nossa atividade, “passivamente”. A justiça original é recebida no novo nascimento, sem a nossa atividade, mesma idéia de passividade.
• Através de um pecado, Adão tornou todos os seus descendentes culpados e passou o que ele tinha (culpa). Cristo, o segundo adão, pela sua Justiça, salva e Justifica todos que nascem dele, sem nossos próprios méritos.
• Somos culpados por um pecado cometido por adão, e somos salvos por uma justiça que não vem de nós. “alien sin” e “alien righteousness”.
O conceito de justificação neste sermão, está em perfeita harmonia com a sua doutrina da Reforma. E não é mais compatível com o ponto de vista de Agostinho.
Pouco tempo depois Lutero publicou um sermão sobre a “Dupla Justificação”:
A primeira justiça é alheia... Por ela Cristo é justo e justifica-nos pela fé... Essa justiça é concedida ao homem no batismo e em todo o tempo em que ele verdadeiramente se arrepende, assim que o homem possa confiantemente gloriar-se em Cristo e dizer: Tudo o que Cristo realizou em sua obra e Palavra, todas as bênçãos do seu sofrimento e morte são minhas, como se eu as tivesse realizado elas. A segunda justiça é nossa própria... não que nós a façamos sozinhos, mas porque nó cooperamos com aquela primeira justiça alheia. Esta é aquela boa conduta em boas obras, primeiro na mortificação da carne e na crucificação dos maus desejos... em segundo lugar,também no amor diante de nosso vizinho, e terceiro, em humildade e temor diante de Deus... Essa justiça é a obra da primeira justiça. Fruto e efeito.
Os pontos principais são os mesmos do primeiro sermão, mas estão expostos de maneira mais clara. A obra de Cristo, da manjedoura ao calvário é a justiça dos crentes. A 2ª justiça é um processo gradual de avanço e crescimento. É fruto da 1ª e não acontece num momento. Ela cresce pelo agir de cristo em mim. Lutero faz referências ao Salmo 31.2, Romanos 1.17 e Salmo 31.2. Ambos os Sermões caracterizam-se pela “certeza da Salvação” e alegria.
Estes dois sermões são do período em que Lutero começava a fazer a segunda preleção sobre os salmos, no começo de 1519. Nota-se que algo tinha acontecido na vida espiritual de Lutero. O que aconteceu com Lutero na torre do monastério de Wittenberg, não foi uma “iluminação”, mas sim o resultado de um processo. Ao fazer as preleções em 1519, Lutero expressa esse novo entendimento de Justificação.
A Segunda Exegese dos Salmos coincide com o ano da morte de Tetzel e dos incidentes com Eck e Miltitz. A experiência da torre ocorreu enquanto Lutero se preparava para essa exegese em 1518.
Lutero também deixou muitos outros erros da Igreja Católica, mas entender o significado de Justificação foi a “Chave” para entrar na plenitude da fé evangélica.
Existem discussões sobre a data e a forma de interpretação que Lutero usava no momento da descoberta. Alguns estudiosos afirmam que a descoberta do evangelho por Lutero aconteceu sob a interpretação quádrupla, especialmente sob o sentido tropológico. Contudo, Lutero abandonou a quadriga em 1516-17. Passou a buscar o sentido literal, o que despertou nele um maior interesse pela gramática.
SUMÁRIO E CONCLUSÃO:
Depois de sua entrada no monastério, Lutero experimentou duas grandes crises. A primeira foi sua conversão, ou sua vinda para uma fé pessoal no perdão dos pecados em Cristo. Isto ocorreu no ano 1512.
A segunda grande crise, o atual amanhecer, no desenvolvimento de Lutero, foi sua experiência na torre. Dois grupos de documentos históricos dão evidencias de sua grande mudança: (1) O Prefácio de Lutero em suas obras, escritas em 1545 e afirmações espalhadas em suas conversas de mesa de diferentes datas; (2) dissertações e escritos de Lutero.
A diferença básica entre a pré-reforma de Lutero e sua doutrina da salvação será encontrada na concepção da natureza e essência de justificação. A experiência da torre abriu seus olhos para ver que de acordo a Escritura, e Paulo em particular, justificação por fé não é um processo gradual de renovação ou se tornar justo. É mais a doação da justiça de Cristo por imputação.
Muitos dos estudos da teologia de Lutero falham ao distinguir entre seus antigos e novos ensinamentos e escritos.
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