O IMPACTO DO EVANGELHO - PARTE II

                                                           CAPÍTULO DOIS

                                                           O   EVANGELHO


            6. QUESTÕES PRELIMINARES 1

            Sob a impressão deixada pelo Evangelho, Lutero forma contrastes contraditórios das relações até agora desenvolvidas.  O fariseu, no relato do Evangelho, cumpre a Lei. "Ele dá a Deus o que deve" (Deo dat, quod debet).  Do outro lado, o coletor de impostos é um pecador aos seus próprios olhos e aos olhos de qualquer um.  "A razão" (ratio) deve concluir que ele pertence ao diabo.  No entanto, Cristo "conclui o oposto" (scleusst das widerspil).  Ele o reputa justo.  O fariseu, ao contrário, é lançado "nas profundezas do inferno" pelo mesmo verso (WA 12, 654, 12ss).  O homem moral é rejeitado; o pecador é eleito.  O pecador é justo.   "O pecador é justificado quando maldito; é vivificado quando morto; ascende aos céus quando afunda no inferno" WA 5, 164,23).  O inferno é céu para o cristão (WA 16,405,4).  "O cristão é um pecador e também não é; ele está no céu e sobre a terra" (Christianus est peccator et non, est celo et in terra) (WA 15,728,19). Ele é "pecador e santo ao mesmo tempo, um inimigo e filho de Deus" (WA 40 I, 368,9).2  Deus mostra o que é bom, enquanto mostra o que é mau (WA 3,64,5).(p.59)  Cristo vence os poderes do mundo e do inferno ao experimentar completa fraqueza sobre a cruz (WA 7,586,15).  Quando ele deveria ser Rei, é crucificado; quando alguém se escandaliza dele, Ele se torna Rei sobre todas as coisas (WA 14,444,2). "Quando esperava entrar na vida eterna, Ele entrou na morte" (WA 19,153,32). (p.60)

            Será que o Evangelho pretende induzir-nos  falar de modo diferente sobre todas as coisas que produzem a experiência primeva (Urerlebnis), da maneira que o senso comum nos obriga a pensar?  Se o inferno deve ser o céu para o cristão - então o céu é simplesmente um outro nome para o inferno?  Se é dito que o cristão é um inimigo e filho de Deus ao mesmo tempo, então ele é um filho sendo inimigo, ou porque ele é um inimigo?  "Pecador e santo ao mesmo tempo" - será que alguém se torna santo, sendo pecador?  A resposta de Lutero para a questão é tripla. (p.60)

            Em primeiro lugar, os dois lados do par de contrastes aparecem como elementos de um procedimento dialético baseado na vontade de Deus.  Um elemento é sempre o conteúdo do plano divino; o outro são os meios.  "Aquele a quem Ele quer fazer piedoso, Ele o torna um pecador desesperado.  Aquele a quem deseja tornar sábio, Ele o torna tolo.  Aquele a quem quer tornar forte, Ele o torna fraco. Aquele a quem quer fazer viver, Ele o põe nas jaulas do inferno.  Aquele a quem Ele deseja conduzir aos céus, Ele lança no abismo do inferno, e assim por diante.  Aquele a quem quer honrar, levar à felicidade, ao poder, exaltar e tornar grande, sobre este inflige toda desgraça; Ele o amaldiçoa, torna-o um servo, abjeto e pequeno.  Aqui se aplica o verso:   'O primeiro é o último; o último, o primeiro'.  Aquele que deseja ser grande, que seja pequeno.  Quem deseja ir na frente, que siga atrás.  Agora, este é o maravilhoso e estranho Rei;  Ele está mais próximo, quando mais distante.  E Ele está mais distante, quando mais próximo." (WA 19, 154,22).   Todas as ações de Deus são feitas dessa forma paradoxal.  Tudo o que Deus faz, é contrário à razão (alles widdersynnisch, was Gott machet) (WA 24, 569,31; Enders 5, 182,29). (p.60)

            Se voltarmos à experiência primeva (Urerlebnis), conforme Lutero a desenvolveu em oposição a Erasmo, parece primeiramente que a solução do problema, que lá não foi resolvido, está retornando aqui.  Agora se poderia concluir que Deus criou aquela situação a fim de chegar ao oposto.  Ele engendra o pecado e o desespero a fim de produzir a piedade, a loucura para produzir sabedoria, a fraqueza para trazer força, morte para produzir vida, inferno para produzir céu.3  Em si mesma, no entanto, esta resposta de forma alguma é suficiente.  É auto evidente que a lógica deste procedimento, em conexão com o qual o primeiro elemento sempre muda para o oposto, teria de ser a necessidade para uma dialética imanente, isto é, o primeiro teria de ser regulamentado sempre de tal maneira que faça surgir o oposto.  Realmente, a mesma necessidade que fez surgir o pecado, mudaria o pecado para a justiça.  No entanto, isso é impossível porque - afinal, segundo a convicção de Lutero - no fim do procedimento, de forma alguma todos os pecadores se tornam santos.  Para alguns homens, o pecado e a morte têm significado conclusivo.  Por conseguinte, o procedimento dialético seria apenas parcialmente completo.  Realmente, seu autor teria realizado seu propósito apenas em fragmentos, portanto, não absolutamente como um fim real (teloz).  Em acréscimo, há algo mais.  É verdade que na sua antítese dialética Lutero afirma: "O pecador é justo".  Mas ele nunca diz: "O pecado é justiça".  (p.61)  Na questão de um procedimento dialético, portanto, o homem é considerado apenas na medida em que ele possui existência material.  Um elemento permanece estável em conexão com esse procedimento.  O procedimento dialético afeta o homem, ou ele ocorre com, em ou através dele: o homem é primeiro um pecador, depois ele é justo.  Em acréscimo a isto, porém, ele sempre permanece um ser humano com existência material.  Por isso o procedimento expresso na antítese anteriormente mencionada não pode exaurir a relação de Deus com o homem.  O EU do homem - aquele que experimenta o homem em si - permanece idêntico  ao procedimento.(p.61)

            No entanto, mesmo o conceito do procedimento em si - que sempre significa uma sucessão de eventos no tempo - não é suficiente.  "Nós vivemos, e também morremos" (Vivimus et tamen morimur), é colocado nas "Preleções sobre Gênesis" (WA 43, 216,36).  Como?  O enunciado que quem vive é ao mesmo tempo o que morre poderia dar expressão picante ao fato que desde o seu primeiro sopro o homem tem nele o germe da morte. Lutero pode falar dessa maneira: "a morte por natureza, antes da vida" (mors in natura ante vitam) (WA 39 I, 347s.).  Então a antítese - embora fale de simultaneidade - expressaria um procedimento no termo ou, falando estritamente, uma transição biológica gradativa de um estado para outro.  Afora o fato que na passagem recém citada ele fala da relação com o pecado original, isto seria então uma verdade apenas trivial.  Já o contraste dialético entre a morte e a vida possui um significado mais profundo.  "Eu vivo em mim mesmo, isto é, morto perante Deus" (Vivo ego in me i.e. mortuus apud Deum) (WA 40 I, 285,3).  "Aquilo que é vida para Deus, é morte para nós. O que é temporal entre nós não é temporal perante Deus; o que é eterno entre nós não é eterno diante de Deus". (Quod in conspectu Dei vita est, in nostro cospectu mors est. Quod apud nos temporale est, apud Deum non temporale; quod apud nos aeternum est, apud Deum non est aeternum.) (edição de Erlange 18,296).(p.61)

            Aqui se torna possível interpretar a antítese dialética de outra maneira.  O antagonismo está baseado na diferença entre a perspectiva (conspectus) de Deus e a do homem.  Os dois olham para os mesmos fatos a partir de perspectivas diferentes. Conseqüentemente, eles também chegam a juízos opostos. Isso é verdade não apenas sobre o par de opostos, morte e vida, mas também sobre o outro par, o pecador e a justiça do homem.  Pois mesmo quando o fariseu e o publicano são contrastados, o julgamento de Deus e o dos homens estão em contraste.  Contudo, esse julgamento, considerado separadamente, não pode sequer satisfazer.  Pois, com respeito a um pecador que é um pecador segundo o seu próprio julgamento e segundo o julgamento dos homens, pode-se afirmar sem hesitação e incondicionalmente: "Segundo o julgamento de Deus, ele é um justo"?  Isso seria possível caso o julgamento divino e o humano estivesse abruptamente em contraste na dialética.  Então a primeira conclusão seria sempre tirada da outra.  Isso não é possível.  É verdade que o veredicto "pecador" se aplica a todos sem exceção e que se aplica à extensão total das suas existências.  Esse conhecimento é um elemento essencial da experiência primeva (Urerlebnis).  Mas o conhecimento de que Deus pronuncia o julgamento sobre o pecado é igualmente essencial.  E isto, por sua vez, inclui o conhecimento de que o homem é um pecador, não apenas segundo o seu próprio julgamento, mas também segundo o de Deus.  O julgamento divino e o humano, por isso, de modo algum estão opostos em cada aspecto.  (p.62)No solo da experiência primeva (Urerlebnis) não é de todo possível esperar que Deus faça qualquer outra declaração a respeito do pecador que este deva fazer com respeito a si próprio. A Lei de Deus confirma que o homem é um pecador, e aquele que reconhece a Lei não julga diferente de Deus, mas exatamente assim como Ele o faz.(p.62)

            Se, a despeito disso, a perspectiva (conspectus) de Deus é considerada diferente da do homem, a possibilidade de que isso pode ser assim é um segredo absoluto enquanto é considerado o homem da experiência primeva (Urerlebnis).  Realmente, a consideração dessa possibilidade apenas pode ser "revelada".  Isso ocorre por meio do Evangelho.  Quando ali é anunciado como declaração divina que o pecador é justo, o homem se encontra diante de um duplo julgamento.  Se ele decide aceitar o segundo, ele novamente não está julgando diferentemente de Deus, mas mais uma vez exatamente assim como Ele.  Por conseguinte, é necessário ser preciso quando se evidencia a antítese mediante o contraste do julgamento divino e do humano.(p.62)

            Isto ocorre por meio de uma terceira série de pensamentos. Lutero atribui à fé o poder de mediação.  "Ela [a fé] media entre a vida e a morte"; ela "reconcilia os opostos".(p.62)  Um dos opostos consiste, em primeiro lugar, no julgamento de Deus, cuja Lei declara que o pecador é um pecador, cujo Evangelho, no entanto, o declara justo.  O mesmo oposto é repetido no julgamento do homem enquanto ele está pronto a reconhecer ambos os julgamentos.  Se a fé deve reconciliar esses opostos, isso não pode significar que ela os paralisa deixando o primeiro ser abolido por meio do outro.  Pois então, a fé realmente não reconheceria nenhum dos dois julgamentos. Pelo contrário, ela possui a chave do segredo, assim como o reconhecimento de ambos os julgamentos é mediação.  Pois ela se coloca a si mesma em oposição direta à posição forçada sobre o homem pela experiência primeva (Urerlebnis).  (p.63)  Aí o homem procura por um ajuste imanente entre o "tu deves"e a incapacidade de obedecer, ou, o que resulta na mesma coisa quando observada por outra perspectiva, entre a justiça de Deus e a horrível condição na qual Deus lançou o homem.  Essa tentativa, da parte da razão (ratio), malogrou.  A fé, por outro lado, não procura a resposta; ela a ouve - a resposta que Deus mesmo fornece por meio da "revelação". Ela ouve que Deus reputa o pecador justo a despeito do fato que ele é e permanece sendo um pecador, que Ele reaviva a despeito do fato que Ele mata.  O reconhecimento incondicional desse julgamento de Deus é mediação. Ele é incondicional porque, ou quando ele se mantém completamente livre de toda condicionalidade de julgamento humano, portanto, também do conhecimento que obteve na experiência primeva (Urerlebnis).5 (p.63)

            A segunda interpretação da antítese antes mencionada também pode ser entendida de acordo com o que já foi dito.(p.63)  A perspectiva (conspectus) do homem, sobre a qual Lutero falou, é a perspectiva da experiência primeva (Urerlebnis).  A perspectiva (conspectus) de Deus, por outro lado, é e permanece sendo de Deus.  O homem se torna ciente dela somente quando crê.  Aqui de modo algum é o próprio crente quem julga.  Pelo contrário, ele recebe o julgamento de Deus.  Desta maneira torna-se compreensível aquela primeira impressão feita por um procedimento dialético.  O julgamento de Deus, que é percebido pela fé, coloca-se em oposição ao conhecimento obtido na experiência primeva (Urerlebnis) e, ao mesmo tempo, o confirma ao pressupô-lo.   Pois a inclinação para crer está condicionada pela realização do "tu deves" e a incapacidade de obedecer.  De fato, é idêntica  a essa realização.  E pode ser idêntica a ela porque o  homem enquanto possui existência material permanece não mudado.(p.64)

            2. Realmente, a revisão fundamental do relacionamento entre Deus e o homem que é indicada pela antítese anteriormente mencionada não surge como resultado de um mero reajuste do nosso pensar.   Lutero alerta expressamente contra o erro dos pseudo publicanos (Pseudopublicani) que, assim como o publicano do Evangelho, dizem as palavras "Eu sou um pecador" e "Deus é misericordioso", é verdade, mas permanecem sendo fariseus e canalhas (Buben) apesar disso.  Eles dizem que são pecadores, e até pensam assim; mas imediatamente cancelam o reconhecimento do seu pecado ao eliminarem das suas mentes o pensamento da ira de Deus, que teriam sentido como uma conseqüência necessária do pecado, e ao substituí-la em seus pensamentos pela misericórdia de Deus que, conforme alegam, se aplica a eles também.6  Em primeiro lugar, eles não recebem o perdão que o publicano recebeu; pois não levam sua penitência a sério.  Mas eles estão em erro também porque a fonte da sua fé não se encontra no Evangelho.  Pois "esta é a arte quando alguém verdadeiramente sente o pecado, que ele aprende do Evangelho (quando quis vere sentiat peccatum, discat ex Evangelio); que ele não se considera muito com preceitos (das er nicht viel cum praeceptis umb ghe) mas diz que é um pecador e que Deus é propício (sed dicat se peccatorem et Deum propitium).  Eu, pobre pecador; Tu, Deus misericordioso." (WA 30 II, 145,16). (p.64)

            A fé, portanto, não é nenhuma mudança autógena do pensar de alguém.  Ela depende do ouvir do Evangelho.  Para isto, é essencial que o Evangelho é "Palavra de Deus " ao pecador, que ele é "revelação".  Mediante a operação da Lei e da ira de Deus, o homem chega ao conhecimento que existe "inimizade" entre ele e Deus.  O Evangelho lhe anuncia o oposto.  "Pois ao enviar o seu Filho, Ele mostra que não há nenhuma ira entre eu e Ele (Nam per hoc, quod mittit filium, indicat, quod non sit ira inter me et se) e que Ele não me pode ser hostil" (WA 31 I, 396,14).(p.64) "Ele mostra (indicat) - isto é informação.  Será que tem o sentido de instrução?  Será uma correção de falsos conceitos?  Um aumento de conhecimento?  Então a revelação seria equivalente à iluminação.(p.65)  Os dogmáticos do século XVII - Abraham Calov (Syst. I,270), por exemplo - apoiaram essa interpretação ao equipararem a revelação com as Santas Escrituras e ao designarem como seu propósito a "informação" (informatio) do homem.  Contudo, indicat não pode em nenhum registro ser entendido no sentido puramente formal de uma mera correção de conceitos falsos.  Pois a melhor instrução - "Deus não me é hostil" - pressuporia uma mera negação do conceito prévio - "Deus me é hostil"", se não houvesse nada mais além disso.  No entanto, esse conhecimento também é um fruto da revelação de Deus, notadamente, na Lei e na consciência. De outra forma, a hostilidade de Deus, isto é, a Sua ira, não seria nada além de uma ilusão.      Então,  portanto, o homem  não  teria  nenhuma  necessidade  de perdão. (p.65)

            Pelo contrário, o Evangelho não apenas fornece informação sobre um novo relacionamento entre aquele que o ouve, e Deus. Ele cria esse relacionamento - simplesmente, ao chamar atenção para Cristo.  O Evangelho é "um registro histórico de Cristo, o Filho de Deus e de Davi, que morreu e ressuscitou e foi declarado Senhor (unnd tzum herrnn gesetzt), que é o resumo total (summa summarum) do Evangelho" (WA 10 I, 1,10,6).  Esse relato histórico tem a notável qualidade de ser ao mesmo tempo uma oferta. "No Novo Testamento, o Evangelho é proclamado, o que nada mais é do que um sermão por meio do qual são oferecidos o Espírito e a graça obtida para a remissão dos pecados por meio de Cristo, que foi crucificado por nós, e tudo isso livre, e unicamente por causa da misericórdia do Pai, que nos é bem disposto embora sejamos indignos e merecedores de maldição ao invés de qualquer outra coisa". (p.65)
(In novo testamento praedicatur Euangelion, quod est aliud nihil quam sermo, quo offertur spiritus et gratia in remissionem peccatorum per Christum crucifixum pro nobis impetratam, idque totum gratis solaque misericordia Dei patris, nobis indignis et damnationem merentibus potius quam aliquid aliud favente = WA 18,692,17ss.).  O fato que a oferta é feita aos que merecem maldição (damnationem merentibus) não é nenhuma prova qualquer de que o conhecimento condicionado pela Lei é errado.  O próprio sentido do termo "oferta" inclui a possibilidade de rejeição.  Se a oferta é rejeitada, ela não se torna efetiva.  Então a ira e o juízo de Deus permanecem válidos.  Ao fazer uma oferta, o Evangelho se torna uma promessa.  Ele não pretende instruir, mas outorgar um dom.(p.65)  Ele não pretende convencer o conhecimento do pecado, de estar em erro.  Ele pretende conceder perdão do pecado.  "Portanto, o Evangelho é um sermão que perdoa o pecado" (WA 10 III,394,21). Esta é uma forma condensada de se falar, contudo não se deve esquecer que este sermão é apresentado na forma de um "relato histórico" (Historia) de Cristo.7 (p.66)

            Pois seja o que for, pode-se ter certeza da "Palavra" de Deus como possuindo o caráter de revelação, e seja o que for, pode-se ter certeza da promessa e da fé - esses conceitos são e permanecem categorias fechadas se, enquanto é tratado o conteúdo, eles não estão saturados com referências a Cristo.  É impossível entender a discussão toda de Lutero com Erasmo, a menos que seja reconhecido o caráter estritamente Cristocêntrico da sua teologia.   "Tudo o que não seja Cristo", disse ele naquela discussão, "este não é um caminho, mas erro; não uma verdade, mas uma mentira; não vida, mas morte" (Quicquid non est Christus, id neque via, sed error, neque veritas, sed mendacium, neque vita, sed mors est = WA 18,779,12).  No Catecismo Maior: "Nunca chegaríamos ao ponto de considerarmos a bondade e misericórdia do Pai, exceto por meio do Senhor Cristo, que é um espelho do coração do Pai, sem o qual não vemos nada além de um Juiz irado e temeroso" (WA 30 I, 192, 4). (p.66)  Nos Artigos de Esmalcalde, o artigo pelo qual a igreja permanece ou cai está baseado nisto, que "nenhum outro nome foi dado aos homens" (WA 50, 199,22).  E de modo oposto: "Onde não há fé ou conhecimento de Cristo, ali existem a dúvida e desânimo (WA 46,27,39).  "Pois na Pessoa de Cristo há tudo, e sem o Filho, tudo se perde.  Portanto, não é assunto menor que sem o Filho nada buscaríamos e nada encontraremos nem no céu, nem na terra; pois então tudo está perdido" (WA 47,59,22).  Se o velho Lutero permaneceu fiel a qualquer ponto do programa teológico da sua juventude, foi a proposição feita no Debate de Heidelberg, em 1518: "Portanto, no Cristo crucificado está a verdadeira teologia e conhecimento de Deus" (Ergo in Christo crucifixo est vera theologia et cognitio Dei) (WA 1, 326,18).8  A Confissão de Augsburgo expõe o caráter lamentável da teologia escolástica, ao afirmar que por ela os piedosos são impedidos de chegarem ao correto conhecimento de Cristo (XXVI:16, Alemão).  Seguidamente a Apologia se opõe à doutrina da salvação conforme ensinada pelos oponentes.  Ela aponta para as palavras "Nada sem Cristo" (Nihil sine Christo) (IV: 145-149).  A Fórmula de Concórdia se apropria do enunciado de Lutero, que "sem Cristo, a morte o  pecado são senhores sobre nós" (DS II:43).  Muito embora nos escritos dos dogmáticos de um período posterior o caráter Cristocêntrico de todo conhecimento evangélico está obscurecido por seu método, a pregação contemporânea da igreja, suas preces e hinos, provam em todo momento que na Igreja Luterana ele não se perdeu.  É o último fio que liga o pietismo à Reforma.   A partir do "despertamento"  (Erweckung) do século XIX, ele conduz de volta à teologia da Reforma. (p.67)

            3. É somente esta suposição que nos capacita a entendermos o que Lutero e o Luteranismo tardio entendem por fé.  A história de Cristo realmente permaneceria muda para nós se ela não fosse proclamada.  Onde o Evangelho "não é proclamado, ali Cristo não está presente" (WA 10 I, 2, 154, 14).  Isto, porém, não significa reduzir a história de Cristo a uma  Palavra de Cristo (Christuswort) ou uma idéia de Cristo (Christusidee).  Não é necessário pregar Cristo meramente para evitar que a  informação sobre ele seja perdida pelos homens.  "O Evangelho não deve apenas ser escrito; pelo contrário, ele deve ser proclamado com a voz física" (mit leyplicher stym) (WA 8,33,31)  E, ademais, o ouvinte é "interpelado" (gestellt) na forma mais direta por meio da palavra falada, isto é, como ouvinte ele não pode duvidar que ele, também, é pretendido.  Aquele que lê o Evangelho pode chegar à noção errada que o Evangelho lida apenas com um evento histórico que ele reúne na memória assim como memoriza outros eventos, sem aplicá-lo a si próprio.(p.67)  Por outro lado, o ouvinte que é realmente um ouvinte , ouve o Evangelho como dirigido a si.  "Pois, pregar o Evangelho, nada mais é do que Cristo vindo a nós, ou atraindo-nos par Si" (WA 10,I,1,14,22). (p.68)

            Desta forma é atingida a primeira definição constitutiva da fé. "Aprendamos apenas esta palavra 'Mim', 'por mim', para que sejamos capazes de compreender em fé verdadeira e sem duvidar: 'por mim' " (Discamus tantum hoc verbum "Me", "pro me", ut possimus certa fide concipere et non dubitare: "pro me" = WA 40 I,299,9). A oferta e a promessa pretendem: A história de Cristo  se aplica a você.  Fé é a certeza que isto se aplica a mim.  Os sofistas laboram em erro quando fazem de Cristo uma pessoa privada, isto é, ensinam a seu respeito como se ele não se preocupasse com eles (448,3).   Os ateus e demônios crêem que Cristo morreu apenas por outros santos.   O cristão, porém, está certo que Cristo é por ele.9   Quem não crê isto, não é um cristão.10   É por isso que Lutero sempre põe tão "forte ênfase" (magna emphasis) nas palavras pro me, pro nobis.11  Por esse motivo, o Catecismo Menor aponta para o "por vós" como propósito do Sacramento.  E a palavra "nosso" deveria  ser  referida  a  tudo o que é proclamado sobre Cristo.12 (p.68)

            O "egoísmo de salvação" (Heilsegoismus) seguidamente enfiado pelos dentes do Luteranismo é, portanto, explicado na essência da fé evangélica.  Por conseguinte, deve ser gerada a censura.  Ela depende de como o conceito "salvação" (salus), que Lutero, na tradição do Ocidente usa em comum com Paulo, deve ser entendido.  O ensino do "deleite de Deus" (fruito Dei) - o ensino atribuído a Lutero nos escritos dos dogmáticos de um período posterior - é tão estranho a ele como a "aliança especial com o Salvador" de Zinzendorf (Epezialbund mit dem Heilande).13(p.68)  O que fala contra isso nos escritos de Lutero, porém, não é a sua ênfase sobre a "soberana majestade de Deus" (Herrenmajetat Gottes), ou o que muitos entendem quando usam este termo.  Pois essa majestade é revelada na Lei, não no Evangelho.  Em Lutero, o "egoísmo de salvação" (Heilesegoismus) tem como seu pressuposto e seu reverso o ensino da ordem legal transubjetiva de Deus. Sem aplicação para o Eu, não pode haver nenhuma fé evangélica.  Em Lutero, o Eu que faz essa aplicação a mim, é usado, conforme está sendo demonstrado, puramente com o fim de marcar um ponto especial; equivale dizer que é transcendental.  Contudo, refere-se ao Eu concreto da pessoa toda. De que outra forma seria possível superar a ansiedade e o desespero que também se apossam do homem todo?  É certo que "angústia e ansiedade...nos preservam bem no cristianismo" (Not und angs...behellt uns fain ym Christentum = WA 31 I,95,14).  Eles fazem alguém "ser muito mais ávido por júbilo.  Ele o busca para que a sua promessa torne o júbilo deles perfeito, que supere e esqueça toda ansiedade, sofrimento e aflição" (WA 46,91,8).  Alegria em Cristo, na Sua encarnação, ressurreição e ascensão é alegria real.  Não existe maior alegria "que o coração do homem possa experimentar" (WA 21,293,12; 476,12; WA 36,396,5).  E essa alegria, assim como todo outro tipo de alegria, tem um motivo egoísta. "Pois, de que outra forma poderíamos alegrar-nos Nele se não tivéssemos ou não pudéssemos receber como posse nossa nada do que Ele fez?" (WA 21,293,26).  Sim, Lutero não hesita em caracterizar a alegria como o motivo real do procedimento ético.14 (p.69) Assim como o Luteanismo não pode esquecer-se do tempo passado usado por Lutero quando disse: "A ansiedade levou-me ao desespero" (Die Angst mich zu verweifeln trieb), assim ele não deixará alguém tirar do seu coração o jubilante tempo presente: "Queridos cristãos, todos, alegrai-vos" (Num frut euch lieben Christen gmein).  "Isto serve para dar-me alegria" (Es dient zu meinen Freuden), canta Paul Gerhardt até sobre  a Paixão.  Quem não é mais profundamente sensível à alegria dos hinos de natal de Lutero, do júbilo em nossos hinos de Páscoa, do "Deus por nós"  e "Cristo por mim"de Paul Gerhardt, deveria examinar-se para ver se sua teologia não está mais diretamente ligada ao Alcorão do que ao Evangelho.(p.70)

            O Eu como referência da fé, portanto, é totalmente diferente da contemplação de si mesmo do homem.  Seu conteúdo é totalmente diferente do próprio homem; ele é Cristo.  Ademais,  já foi estabelecido que a fé não é um juízo autógeno do homem, mas o recebimento do julgamento divino, e que ela se coloca em oposição às possessões "naturais" do homem.   Mas o que cria a oposição a essas coisas, isto é, a tudo que o homem leva sobre si mesmo por causa do intelecto e da experiência?  Em qualquer caso, seria desnecessário e errado encontrar oposição aqui se a fé foi fundamentada apenas na existência de Deus.  É verdade que numa coleção do ano 1523 - atribuída a Lutero - encontra-se o enunciado: "O fundamento todo da fé está contido na pequena sentença 'Existe um Deus'".  No entanto, Lutero não poderia ter escrito essa sentença.15  Nem a fé, a única coisa importante, nem o "fundamento da fé" é definida nos seus escritos dessa maneira.  Essa fé "é mais uma ciência ou uma observação do que uma fé" (ist mehr ein wissenschaft oder merckung dan ein glaub = WA 7, 215, 4). Eu tenho a outra, fé genuína "quando não apenas acredito no que é dito sobre Deus como sendo verdadeiro, mas coloco minha confiança Nele, vou a Ele com coragem para negociar com Ele (begeb und erwege mich mit yhm zu handeln), e creio sem nenhuma dúvida que Ele quer ser para mim e fazer para mim como é dito a seu respeito... Essa fé - uma fé que fixa tudo em Deus, conforme é anunciado a respeito dela, quer seja na vida, quer na morte -essa fé apenas faz de alguém um cristão e busca de Deus tudo o que ela deseja" (ibid.). (p.70)

            A fé é uma aventura, porque ela se coloca em oposição a tudo o mais que o homem conhece ou possui. Contudo, ela não seria nenhum pouco menos tola do que o enunciado da coleção anteriormente mencionada, se Lutero tivesse dito que a fé é uma aventura unicamente porque seu conteúdo é "invisível" e portanto tem visto a oposição apenas no fato que, junto com ele, ela entra num domínio que, diferente de outros domínios, ele não pode testar por meio dos seus sentidos.(p.70)  Lutero seguidamente define a fé segundo Hb 11.1.  No entanto, é significativo que ele coloca  contraste "visível-invisível" num par com o contraste "oculto-revelado".16   Ao considerarmos a experiência primeva (Urelebnis), encontramos o conceito de encobrimento: o Deus que impôs sobre o homem a terrível obrigação do "tu deves" e a incapacidade de obedecer, é o "Deus oculto" (Deus absconditus). É o Deus da ira e da predestinação absoluta, cujo pensar causal combate com a nossa experiência ou com nosso pensar ético.(p.71)  O reverso disto, porém, não pode ser obtido a partir de um conceito de revelação puramente objetivo.  Pois, em primeiro lugar, àquela evidência imanente com base na razão e experiência é acrescentada a confirmação ou agravamento da mesma impressão por meio da "revelação" da ira divina na Lei.  Deus permanece sendo o "Deus oculto" (Deus absconditus), a despeito dessa "revelação".  Em segundo lugar, outrossim, deve-se chamar atenção aqui também ao procedimento dialético que Lutero expressa na fórmula: Tudo o que Deus faz é contrário à razão (alles widdersynnisch, was Gott machet). A experiência primeva (Urerlebnis) não  é apenas o oposto do que Deus deseja atingir.  Ela é ao mesmo tempo um meio de se atingir isso.  É seu propósito chegar à fé e no que a fé recebe: perdão dos pecados, vida e salvação.  Essas posses precisam ser recebidas dele. Por esse motivo, é necessária a fé, e por essa razão o homem deve chegar ao estado em que a experiência primeva (Urerlebnis) o encontra. Mas se esse é um meio necessário para a realização do propósito divino, seus componentes individuais estão em oposição a esse propósito somente quando o homem é incapaz de reconhecer nele o propósito divino de salvar, ou enquanto o homem é incapaz de fazê-lo.  A fé, por outro lado, é a colocação das diferenças (die Mediation der Gegensatze).  A fé experimenta que Deus vivifica ao lançar  na morte,  que  Ele  se  revela  muito embora se oculte.17 (p.71)

            A fé é sempre contrária à aparência.  No entanto, o que é aparente - contrário ao que deve ser crido - não é a experiência natural em si, mas a ira de Deus nela revelada.  A aventura da fé consiste nisso, que alguém aparece diante de Deus, sim, se lança nos seus braços com a confiança de que sob essa "revelação" Ele está se ocultando como Alguém inteiramente diferente. "Se alguém pensar que nosso Senhor deixou de lado alguma pessoa, este deveria crer que nosso Senhor Deus o tem em Seus braços e o abraça"  (hab  jn  in  den  armen  und hertze ihn = WA 44,111,32). (p.72)

            A definição Cristocêntrica do Evangelho, anteriormente mencionada, está bem diretamente ligada a isso.  O Evangelho realiza sua tarefa - assim foi estabelecido - unicamente por apontar para Cristo.   Cristo é o conteúdo da revelação com a qual a fé, enquanto fé, é tratada.  Em Cristo, Deus sai do seu ocultamento - Ele se torna o "Deus encarnado, ou, como o diz Paulo, Jesus crucificado" (Deus incarnatus, seu, ut Paulus loquitur, Jhesus crucifixus = WA 18,689,23), ou, o que implica na mesma coisa, o "Deus proclamado" (Deus praedicatus) que não deseja a morte do pecador. "Pois o Deus proclamado faz isto a fim de que após terem sido afastados o pecado e a morte, possamos ser salvos"  (Hoc enim agit Deus praedicatus, ut ablato peccato et morte  salvi simus = 685,19).  O "Deus encarnado"  (Deus incarnatus)  é   o "Deus revelado" (Deus revelatus = WA 43, 459,25) Aqui, em primeiro lugar, fica perfeitamente claro que e porque a fé no sentido mais profundo é contrária à aparência.  Toda aparência contradiz o fato que "Nele Deus mostra e oferece a Sua misericórdia" (WA 6,216,26).  Pois Cristo é um ser humano assim como nós.(p.72)   Ele está sob a Lei.  Ele experimenta a ira de Deus e morre.  Que a despeito disso Ele é o "Deus revelado" (Deus revelatus), a fé pode reconhecê-lo unicamente ao acrescentar o "por mim" (Pro me) anteriormente mencionado.  Pois somente então o ato da ira de Deus - o ato que ocorre na cruz - é ao mesmo tempo uma revelação da Sua misericórdia.  Por conseguinte, a fé recebe sua última força precisamente do ato de mais profunda humilhação de Cristo.  Ela precisa "ter sua fonte e fluir do sangue, das feridas, e da morte de Cristo" (ibid, 1.30).18  É por isso que Lutero chamou a sua teologia de "teologia da cruz" (theologia crucis).  Pois ela parte da revelação de Deus, "que está mais próximo quando se encontra mais afastado", que "faz tudo contrário à razão" (alles widdersynnisch machet).(p.73)


                        7. A JUSTIFICAÇÃO EM LUTERO

            Lutero encontra a mudança criada pelo Evangelho, definitivamente expressa no conceito Paulino da justificação.  É nesse conceito que a oposição final à igreja medieval se desenvolve.  Conforme Martin Chemnitz o demonstrou na sua crítica ao dogma de Trento, esse conceito possibilitou transpor a oposição.  Em nossas confissões mais antigas ela é o núcleo; nas seguintes é o ponto central e nas mais recentes é a premissa que não pode mais ser questionada.  A bem da verdade, Tröeltsch esperava contar a doutrina da justificação conforme apresentada pela Reforma entre aqueles elementos do Protestantismo que ofereciam prova de uma ligação mais próxima com a teologia medieval do que com a "cultura" moderna.19  Essa doutrina, dizia ele, é meramente uma nova tentativa de resolver um problema apresentado pela teologia que é especificamente medieval em seu caráter.  O elemento de verdade contido nesse enunciado é obvio, e é igualmente óbvio que o enunciado tem suas fontes no Iluminismo. Realmente, existem ligações recessivas muito próximas com a história do dogma.  Mesmo o fato das questões formuladas terem algo em comum, não é a única evidência dessas ligações. (p.73)

            Toda a terminologia utilizada nessa conexão é "medieval". Acima de tudo, a doutrina da justificação conforme apresentada pela Reforma, bem como a mesma doutrina conforme apresentada de Agostinho a Lutero, faz uso de uma forma de expressão que, como um todo, é "jurídica".(p.73)  Contudo as tentativas apresentadas por Troeltsch de substituir essa forma de falar por uma terminologia "puramente religiosa" ou "ético-religiosa" não pode ocorrer a menos que haja um rompimento fundamental - em todo caso com a teologia de Lutero.  O pensamento de Lutero não é de forma alguma menos "jurídico" que o de Melanchthon.  Se a doutrina da justificação, conforme apresentada por ambos possui características que são especificamente Ocidentais, é porque a teologia Ocidental captou mais corretamente e mais profundamente o ensino de Paulo do que a sua irmã Grega.  Na história da teologia, a Epístola de Paulo aos Gálatas não encontrou melhor interpretação do que nos comentários de Lutero sobre esse livro - mesmo no comentário datando de 1519. (p.74)

            É auto evidente que o conceito da Lei - o conceito que tem significado decisivo aqui, assim como o teve em Paulo - nunca pode ser despido de seu caráter "jurídico".  Essa Lei tem sua origem numa outorga da Lei.  Ela é uma norma objetiva que obriga incondicionalmente cada indivíduo em sua esfera.  Sua violação gera a culpa e leva consigo a condenação jurídica e grande (führbar) punição.  É verdade que a esfera do Evangelho está em aguda oposição à validade da Lei.  Contudo, é precisamente esse contraste entre as duas que Lutero torna claro por meio de um conceito tomado da esfera da Lei - o conceito do cumprimento.20  Em quase todo lugar em que ele fala aqui sobre o significado de Cristo para a salvação, ele inclui, como um elemento necessário, o fato que Cristo cumpriu a Lei (WA 2,466,14; 497,28ss.; 523,10; 529,30,563,35,etc.).  Certamente é verdade que para quem é justificado "cessam todas as leis" (cessant omnes leges), mas apenas porque foram cumpridas (490,32s.).  Evidentemente, Lutero se apropria do conceito de Paulo, segundo o qual, o que o Evangelho rejeita não é a Lei mas a confiança nas obras praticadas de acordo com a Lei.(491,35).  Cristo é o fim da Lei e de suas obras, a fim de que a fé possa buscar a salvação unicamente em Cristo (477,33).  Contudo, é precisamente a fé Nele que cumpriu a Lei que pode ter validade como cumprimento da Lei (492, 17ss.; 563,35).  Por conseguinte, o conceito da Lei não pode ser repartido nem numa apresentação exaustiva da obra salvadora de Cristo nem numa apresentação da fé.  A situação não é diferente com respeito a outros conceitos pertencentes à esfera da Lei.(p.74)  (Gratia culpam, pax poenam ufert = 456,35).  Cristo levou sobre si mesmo as punições que a Lei fixou para os pecados (534,36).  E uma vez que tudo o que é verdade sobre Cristo pode igualmente ser dito dos que nele crêem (531,10), é igualmente verdade sobre os que têm fé em Cristo que "Ele ofereceu satisfação por todos"(Satisfecit omnibus = 504,8).21 Naturalmente em Lutero, como também em Paulo, o conceito de pecado como "transgressão da Lei" não pode ser tratado exaustivamente, mas antes pode ser esse elemento disperso nele. Assim, portanto, se é forçado a reconhecer o elemento legal não apenas nos conceitos "escravidão" e "maldição" (servitus, damnatio), mas também noutros conceitos: justo, justificar, imputar (justus, justificare, imputare).  Ao conceder a Sua justiça ao Seu corpo, a igreja, Cristo, o Cabeça, "também torna o seu corpo obediente" (corpus quoque suum reddit obediens = 497,32).  "Quem está livre do pecado tornou-se servo da justiça" (Qui liber est a peccato, servus factus justiciae), e vice versa (560,5).  E, para citar corretamente aqui a afirmação saliente da doutrina da justificação de Lutero: "Para os que crêem no nome do Senhor todos os pecados são perdoados, e a justiça é imputada sobre eles" (Credentibus in nomine domini donatur omnia peccata et justicia eis imputatur = 490,25).(p.75)

            Toda essa terminologia certamente inclui elementos totalmente diferentes que tornam essa Lei e esta jussiça basicamente distintas de todos os paralelos seculares.  Contudo, isto  não pode desencaminhar alguém a ignorar o elemento legal ou considerá-lo dispensável.  Nessa terminologia existe o reconhecimento de algo incondicionalmente válido.  De outra forma, o medo de Deus no estágio da experiência primeva (Urerlebnis) se tornaria um mero medo de demônios.  Na esfera do Evangelho, o relacionamento do Eu (Ichbezogenheit) da fé (cf. Questões Preliminares) se tornaria mero utilitarianismo.  Ainda, desde o Iluminismo, os elementos da doutrina paulina da salvação foram considerados conceitos especificamente judaicos que, como tais, eram antiquados.22   Quando a conexão entre o Antigo e o Novo Testamento foi desfeita - a conexão que é essencial precisamente com referência a este ponto23 - o Iluminismo também perdeu a forma própria de olhar para a disparidade entre Deus e o homem. Ele terminou exatamente no tipo de religião que desejava alcançar, a saber, em moralismo puramente judaico.(p.75)   A bem da verdade, a "lei moral" (Sittengesetz) do idealismo alemão, do qual Troeltsch e seus antecessores buscaram sustento, também exige validade incondicional.  No entanto, visto que estava baseado na autonomia da razão prática, o homem aparecia aqui não apenas como seu próprio legislador mas também como seu próprio juiz. Conseqüentemente, aqui, assim como no Iluminismo, a conclusão do "estado de culpa e punição" (reatus culpae et poenae), conforme os antigos dogmáticos o anunciaram em acordo com Lutero, foi perdido.24  Ao mesmo tempo, porém, o conceito do perdão de pecados, que, conforme é lógico, pressupõe a idéia da quebra da Lei, também foi  perdido. (p.76)

            A ligação da doutrina Luterana da justificação com toda a teologia anterior à Reforma  se estende apenas à terminologia.  A turbulenta polêmica de Lutero se volta contra toda forma de "mérito" (meritum) que a teologia escolástica - especialmente desde Duns Scotus - atribui ao homem.  Nenhum "mérito" (meritum) precede o recebimento da justificação.  Não há nenhum mérito que o homem possa adquirir mais tarde.  Ademais, está errado tentar ilustrar o contraste apontando para a extensão da operação da graça divina.  A teologia Tomista, também, ensinava que sem a graça divina, o homem não pode merecer a vida eterna, quer seja no estado de pureza, quer no estado de corrupção.  Nessa conexão, o próprio Tomás inculcara o ensino de que somente Deus opera isto (die Alleinwirksamkeit Gottes).  De fato, a partir de Lombardo, todos estavam de acordo com isso, que o novo homem - o homem ético, eterno - deve a mudança interior somente à graça.  Quando eles falavam sobre a "graça criada" (gratia creata), "graça infusa" (gratia infusa), "graça que torna aceitável" (gratia gratum faciens), e a "disposição infusa" (habitus infusus) - mas sobre a "graça dada por nada" (gratia gratis data) - estavam eles realmente lutando por chegar a uma compreensão da mesma mudança que Lutero pretendia pela doutrina da justificação?25   Nem pode a crença que a graça concedida depende dos sacramentos ser o ponto de divergência atual, conforme Troeltsch, num espírito de amizade, desejava conceder a Lutero.  Pois mesmo Lutero não contestava o significado do Batismo e absolvição, para o perdão do pecador.  Onde está, então, a antítese? (p.76)

            Lutero disse que esse conhecimento reformatório (reformatorisch) começou quando o conhecimento da "justiça de Deus" (justitia Dei) lhe foi revelada por Rm 1.17.   Ele acreditava que ao lado da sua repentina mudança de compreensão deste conceito, ele experimentou um novo nascimento e a vida eterna.26 (p.76)  Devido ao fato dele ter aprendido a conhecer a "justiça de Deus" (justitia Dei) simplesmente como um atributo de Deus "em virtude do qual Deus é justo e pune os pecadores e injustos" (qua Deus est justus et peccatores iniustosque punit = WA 54,185,24), ele odiava a Deus; que o Evangelho - que, segundo Rm 1.17, revelava essa justiça justamente como sendo a Sua ira é revelada segundo Rm 1.18 - parecia ser um agravamento da Lei.  Mas então, tornou-se-lhe claro a partir da segunda metade de Rm 1.17, que aqui Paulo fala da justiça "pela qual, como dom de Deus, o justo vive, notadamente, pela fé, e que isto significa que a justiça de Deus é revelada pelo Evangelho, a saber, uma justiça passiva, em virtude da qual um Deus misericordioso nos justifica pela fé, conforme está escrito: 'O justo vive por fé'" (qua justus dono Deis vivit, nempe ex fide, et esse hanc sententiam, revelari per evangelium justitia Dei, scilicet passivam, qua nos Deus misericors justificat per fidem, sicut scriptum est: Justus ex fide vivit = 186,5).  Qualquer que seja a verdade do desenvolvimento gradual da doutrina da justificação de Lutero, para ele mesmo, enquanto olhava de volta a ela, o ponto de retorno decisivo consistia no conhecimento da "justiça de Deus passiva" (justitia Dei passiva); e quando usava essa expressão, ele pretendia a justiça dada ao homem "como dom de Deus" (dono Dei).  De outro modo, a ligação direta  entre "o justo [vive por fé]" (justus [ex fide vivit]) com a "justiça de Deus" (justitia Dei) é tão incompreensível nos seus escritos como em Paulo. (p.77)  Assim ele  também entende o conceito no segundo comentário aos Gálatas (1531), onde ele se ocupa mais extensivamente com esse assunto.27 (p.78)

            Se é o recebimento da "justiça de Deus" (justitia Dei) que constitui a essência da justificação, então o fato que ao ocorrer a justificação o homem se conduz numa forma puramente passiva, deve ser considerado a primeira característica da justificação. Agora, quando Lutero expõe isto dizendo que o recebimento da justificação pressupõe ou inclui que nós "deixamos alguém outro, notadamente, Deus, agir em nós," parece que há ainda uma ponte para a doutrina escolástica da "graça que torna aceitável" (gratia gratum faciens) - semelhante ao que os místicos alemães ensinavam sobre a "imperturbabilidade" (Gelassenheit).  Pois para Lutero, a nova justiça é idêntica à "graça" (gratia = WA 3,47,11; WA 5,144,5; WA 2,504,26).  Seria concebível que o "dom de Deus" (donum Dei) de que ele fala é idêntico no sentido com que os escolásticos denominam o "dom acrescentado à natureza" (donum superadditum naturae), "o dom que consiste no conferir de uma disposição" (donum habituale": uma influência sobrenatural do Espírito divino sobre a psique - um dom que dá à psique um conteúdo que agrada a Deus, de força, pensamentos e impulsos da vontade.  Realmente, Lutero, também, ainda fala de uma infusão e influxo de "graça" (gratia) após usar o novo conceito de "justiça" (justitia) (e.g., Preleções sobre Romanos, II,59,18; WA 3,31,21; WA 2,145,9ss.,et.).   No entanto, nos seus escritos isso nada mais significa do que Deus operando a fé no homem, que recebe a graça.  Pois mais tarde ele rejeita agudamente a opinião que a "graça" (gratia) é uma "qualidade da psique" (qualitas animi).28  Nem é a fé "uma qualidade ociosa no coração" (aliqua otiosa qualitas in corde = WA 40 I,228,3 - 230,13) que não produz "justiça" até que seja a "fé formada pelo amor" (fides charitas formata).  Se alguém acrescentar que Lutero, a fim de refutar essa doutrina, cita  a sentença: "A fé é um certo conhecimento que nada vê" (Fides est quaedam cognitio quae nihil videt = 228,15) e que ele também identifica a fé com a justiça (Preleções sobre os Hebreus, 202,5), ele é confrontado pela decisiva divergência vis-à-vis da teologia medieval. (p.78/79)

            A fé não é uma "qualidade" (qualitas) e a justiça não é uma "disposição" (habitus) do coração ou da alma.  Na verdade, fé, justiça e graça não podem ser descritas em termos de psicologia humana (lassen sich vom Bestand des menschlichen Seelentums uberhaupt nicht qualifizieren).  Justiça é a "justiça de Deus" (justitia Dei) no sentido estrito. Conforme será demonstrado mais adiante, ela é concedida ao homem por imputação  Quando isso acontece, Deus é o único sujeito.  Mas pode-se dizer a mesma coisa da fé?  Assim como Deus é o único sujeito da graça, assim o homem é o único sujeito da fé.  Se, a despeito disto, a fé - pelo menos enquanto se trata da sua essência - não pode ser descrita psicologicamente (psycologisch qualifizierbar), então, no sentido de Lutero, somente pode ser seu sujeito o Eu transcendental - o Eu que permanece após a abstração do conteúdo todo da consciência e, ainda, somente então torna-se possível definir essa consciência como consciência de si mesmo.  Aqui Lutero quebra ao meio a totalidade da antropologia medieval e com a sua doutrina da justificação cria a suposição  da psicologia crítica posterior.   Por conseguinte, a sua doutrina da justificação não é uma mera variação da doutrina medieval; ela introduz uma nova época. (p.79)

            De alguma forma os místicos alemães foram sucessores de Lutero neste aspecto.  Suas exigências de que o homem, a fim de encontrar o caminho para Deus, deve "livrar-se das criaturas" (entledigen von den creaturen); que ele deve estar afastado de "todas as criaturas, todo conforto das criaturas"; que sua vontade deve ser "sem qualquer atributo" (on alle Eigenschaft); que o homem deve tornar-se "nada" - essas exigências parecem ser as direções técnicas para reduzir a consciência ao mesmo Eu transcendental do homem.29  O homem devia aprender a abstrair-se das imagens do mundo externo, da observação e imaginação; ele devia eliminar a objetividade concreta da sua vontade, a fim de chegar ao ponto "onde o nada criado mergulha no nada incriado" (do versinket daz geschaffen nit in das ungeshaffen nit) (Tauler).  Ademais, os místicos alemães, exatamente assim como Lutero, levantam polêmica contra o poder salvífico de virtudes interiores e das boas obras.30  Além disso, nessa conexão pode-se desconsiderar totalmente as analogias nas razões positivas para o etos.(p.79)  Não se deveria ignorar o fato que aqui Lutero e os místicos têm algo em comum enquanto é considerada a filosofia geral de vida, especialmente visto o próprio Lutero admitir que, junto à Bíblia e Agostinho, ele aprendeu mais da "teologia alemã" do que aprendera de qualquer outro livro "o que são Deus, Cristo, o homem  e todas as coisas" (was got, Christus, mensch und alle ding seyn = WA 1,378,23) (p.80)

            Todavia aqui, também - e precisamente aqui - Lutero está em aguda oposição ao misticismo da Idade Média.  Segundo os místicos, a redução à parte interior transcendental do homem ocorre por meio de uma técnica de pensamento.  Aqui o elemento ético é a renúncia a tudo o que é exterior, ao mundo e à sensação.  Lutero, por outro lado, chega àquele ponto pelo auto julgamento que ocorre no reconhecimento do julgamento divino.  No seu escrito sobre "Sobre a Liberdade Cristã", que, aliás, está pesadamente impregnado com os pensamentos do misticismo, ele exige que o Evangelho deve ser proclamado de tal maneira "que tu ouças Deus te falando, [que ouças] como toda a tua vida e ações são nada perante Deus, mas que tu, junto com tudo o que há em ti, deves perecer eternamente.  Se tu creres isso acertadamente - que tu és culpado - deves desesperar de ti mesmo... Mas, a fim de que possas sair e afastar-te de ti mesmo, isto é, sair da tua sentença, Ele põe diante de ti o Seu  querido Filho, Jesus Cristo, e O tens te falando a Sua viva e confortante Palavra: Deverias entregar-te a Ele em fé firme e confiar ousadamente Nele.  Então, por causa dessa fé, todos os teus pecados serão perdoados, toda a tua sorte será mudada, e serás justo, verdadeiro, piedoso, confirmado, considerado como alguém que cumpriu todos os mandamentos, e livre de todas as coisas" = WA 7,22,26).   O místico, também, deseja aniquilar "o que há em ti" - para reduzi-lo a nada.  Aquele que busca a Deus, deve penetrar nesse nada, porque este é o ponto  em que as criaturas surgiram do Criador, em que, portanto, se deve entrar Nele fora da necessidade imanente .  "O abismo criado introduz em si mesmo o abismo não criado, e os dois tornam-se um só, uma essência puramente divina, e o espírito se perde no Espírito de Deus. É afundado no mar sem fundo." (Tauler).  Aqui se torna claro que o julgamento próprio de Lutero do seu ser interior é algo diferente do que pretendem os místicos, quando falam da renúncia dos vários conteúdos da consciência.  Lutero exige "que tu saias de ti mesmo e para longe de ti mesmo", e ele o faz com toda seriedade.  O verdadeiro oposto - aquilo que torna o homem "livre de todas as coisas" - é Cristo, a pregação do Evangelho, a fé.  Tauler deixa que o Eu empírico seja aniquilado - isto, também, é liberdade.(p.80)  No entanto, ele o deixa mergulhar no mar do nada não criado, que o homem então também encontra em parte alguma, senão em si mesmo.  O abismo divino parece apenas uma profundeza inimaginável do abismo humano. É uma involução do próprio Eu transcendental - uma involução estendida à irrealidade.(p.81)

            A penetração de Lutero nesse Eu não é renúncia; é julgamento.  É o cancelamento da totalidade do conteúdo da consciência, não com o propósito de esquecê-lo, de "libertar-se" dele, mas de mudá-lo para a "justiça de Deus" (justitia Dei). Aqui o auto julgamento e a "justiça de Deus estão numa relação que é exatamente recíproca.31   Do lado negativo, por fim, o processo de justificação pode ser referido apenas ao Eu transcendental, visto que o auto julgamento é passado na totalidade dos conteúdos da consciência e até é executado  pelo Eu. (p.81)

            Contudo, pode-se chegar ao mesmo resultado ao se partir da "justiça de Deus" (justitia Dei).  Sobre a justificação, Lutero diz que "ali chegaremos a um ponto matemático ao segurar a justiça" (Illic attingemus punctum mathematicum arripiendo justitiam) (Preleções em Salmos, 45, 1532; WA 40 II, 527, 9).  Já encontramos esse conceito na sua exposição do Salmo 90, onde ele exige "que consideremos o que somos e consideremos até mesmo uma centena de anos desta vida como similar a um ponto matemático" (ut cogitemus, quid simus et etiam centum annos huius vitae ducamus similes puncto mathematico = Edição de Erlange, 18,321).  Essa foi uma nova forma de expressar a outra exigência: "que nos transfiramos para fora do tempo e olhemos para a nossa vida com os olhos de Deus " (ut tranferamus nos extra tempus et Dei oculis inspiciamus nostram vitam = 291).  Esse acessar da própria vida com os olhos de Deus como um ponto matemático, acontece quando se está ciente da ira divina (322 s.).  É o próprio ponto matemático em que ocorre o anteriormente mencionado "agarrar a justiça" (arripiendo justitiam).(p.81)  A justiça que recebemos, de forma alguma pode ser aumentada; ela nunca é algo empírico no sentido que pudesse ser destacada nos conteúdos de nossa consciência.  Lutero, todavia, a aplica muito decisivamente a "mim", e aqui se poderia lembrar o que fora dito antes sobre a "firme ênfase" (magna emphasis) no "por mim, por nós" (pro me, pro nobis).  Mas, então, aqui, também, o Eu que recebe a "justiça" (justitia) é como um ponto matemático, o Eu transcendental.  A identidade do ponto matemático a que chega a nossa vida sob a ira de Deus com o ponto matemático em que a "justiça de Deus" (justitia Dei) nos atinge, deve ser entendida segundo  um cânon a que Lutero se refere nos Dez Mandamentos (Decem praecepta) de 1518: "A justiça é, no começo, uma auto acusação e a justiça do homem é, primeiro, seu próprio acusador" (justitia est accusatio sui in principio et justus primum est accusator sui = WA I, 427,36). (p.82)

            No lugar antes mencionado da preleção sobre o Sl 45 (1532), Lutero compara o governo e a jurisdição do governador mundano com a autoridade de Cristo.  Os governadores do mundo não podem reduzir o seu governo e a sua jurisdição "a um ponto matemático", isto é, "um ponto invisível" (ad punctum mathematicum = punctum indivisibilem = 40 II, 526, 2s.).32  Eles precisam adaptar a administração da "justiça" (justitia) a casos individuais e ocorrências de contingência.  Ao ser medida por uma instância empírica, a sua justiça é  injustiça (inustitia).  A autoridade de Cristo, por outro lado, chega àquele ponto matemático: "porque Cristo não cometeu nenhum pecado; por causa Dele, somos reputados absolutamente justos pela fé... Tudo é puro no sentido mais absoluto, e isso indivisivelmente; aí está a maior segurança." (quia Christus peccatum non fecit, propter eum reputamur justi absolute in fide...Omnia absolutissime et indivisibiliter pura, summa securitas = 527,8ff.).  Aqui se percebe novas implicações no fato que a nova justiça é um ponto:  ela é indivisível e absoluta, e dá a maior certeza (WA 10 I, 1, p.343,25s.).  Por outro lado, se poderia, antes de tudo, questionar se ela é absoluta e segura.  No entanto, essas duas qualidades estão diretamente relacionadas.  O conceito de absoluto contém os elementos da totalidade e validade inquestionável.  Outrossim, a validade inquestionável é o correlativo trans subjetivo da certeza subjetiva.  Mas então deve-se perguntar até que ponto pode ainda haver certeza com respeito à nova justiça, onde a totalidade dos conteúdos da consciência deve ser eliminada como base - pois ela é apenas um ponto matemático (punctum mathematicum). (p.82)  Se, porém, não há nenhuma certeza, então nada podemos dizer sobre o absoluto. (p.83)

            O nível de importância que Lutero atribuiu à certeza, foi por ele expresso em conexão ao que ensinava sobre a predestinação.  Isso é deliberadamente ignorado por aqueles que gostariam de considerá-lo como antecessor do Calvinismo.  "Pois o que é mais miserável do que a incerteza?" (Quid enim incertitudine miserius?) pergunta ele a Erasmo (WA 18, 604,30). E para chegar a essa certeza, ele realmente não precisa ser desencaminhado por Melanchthon - conforme recentes críticos do "Luteranismo" insistiram.  Totalmente à parte do colapso do sistema escolástico e eclesiástico medieval de dar certeza, com que Lutero realmente começou a sua obra, a questão concernente à certeza tornou-se algo flamejante precisamente quando ele afinou a sua doutrina da justificação "a um ponto matemático" (ad punctum mathematicum).  Pois, o que faltou se todo racionalismo redundou em completa incapacidade perante o "Deus oculto" (Deus absconditus) e nenhuma das garantias empíricas eram válidas?  A fé?  Certamente, a fé! "A fé, tudo faz" (Fides facit omnia = WA 40 I, 368, 8). Mas, de forma alguma, a fé pretendida por Kant ao defini-la como uma cruz entre o conhecer e o pensar, como uma convicção para a qual existem, apenas subjetivamente, fundamentos adequados.  Então Lutero  faria a Erasmo  a outra  pergunta:   "O  que  é  mais miserável  do  que a fé?" (Quid fide miserius?) (p.83)

            Já foi indicado que para Lutero a fé está ligada ao recebimento do perdão de pecados e que o perdão de pecados está ligado à Pessoa e obra de Cristo.  Agora é necessário perguntar que conexão isso tem com a justificação, e como a afirmação de que a salvação está ligada a Cristo pode ser conciliada com a ligação da justificação à fé somente.  A dificuldade consiste nisto, que a  justiça da fé está centrada unicamente no objeto transcendental, e a própria fé de maneira alguma deveria ser tributada ou recompensada como um ato definido como um conteúdo psicológico.  A especificação da fé e a nova justiça como um ponto - portanto, também a sua validade absoluta - parece estar comprometida, se a fé e a nova justiça devem ser ligadas a conceitos definidos de Cristo, para se "confiar" Nele - conceitos que, indubitavelmente, seriam psicológicos no conteúdo. (p.83) A muito discutida correspondência enviada no ano de 1531, de Brenz com Melanchthon e Lutero, trata dessa questão.33  Aqui, Melanchthon coloca a questão de forma inequívoca, e Lutero concorda.  Contudo, por longo tempo antes disso, o próprio Lutero, em dura polêmica contra Occam, lutou firmemente contra o edificar da justiça somente a partir da fé e da imputação divina.(p.83)  Para ele, uma definição da fé puramente categórica - uma definição que deixa de lado a dependência de Cristo como conteúdo - parecia ser impensável.34 (p.84)

            Em sua preleção sobre Isaías, Lutero expõe com referência a 53.11: "Justiça é conhecimento de Cristo" (Justitia est cognitio Christi = WA 31 II, 439, 20).35  Esse conhecimento de Cristo tem poder justificante como "conhecimento de Cristo, que leva as nossas iniqüidades" (cognitio Christi portantis iniquitates nostras).  É a "justiça formal e substancial dos cristãos" (formalis et substantialis justitia Christianorum) e significa a mesma coisa que "fé em Cristo, que eu apreendo pela Palavra.  A Palavra eu apreendo com o intelecto; mas a concordância com esta Palavra é a obra do Espírito Santo, não da razão, que sempre busca sua própria justiça". (fides in Christum, quam apprehendo per verbum.  Verbum apprehendo quidem intellectu, sed assentiri illo verbo est opus spiritus sancti, non rationis quae semper justitias proprias quaerit.)  A partir dos enunciados que seguem, percebe-se que aqui o ato todo da justificação é intencionado.36 Realmente, a questão sobre o relacionamento do objeto transcendental, em quem somente a justiça de Deus está centralizada, com a definição da fé como o conteúdo, leva à outra pergunta: se o conhecimento de Cristo que é gerado pela "Palavra externa" (WA 25,336,34) e a promessa contida nela, dá surgimento a um estado de assuntos psicológico que engendra a especificação da fé e justiça como um ponto.(p.84)  Esse perigo, então, consistiria nisto, que no fim Deus ainda justifica o pecador por causa de algo que o pecador possui - o conhecimento de Cristo. Mais tarde esse perigo tornou-se penetrante na teologia de A. Osiander, mesmo que de uma outra forma. (p.85)

            Todavia, pelo fato - estabelecido por Lutero - que a fé é dependente de Cristo, a especificação por Lutero como um ponto e, portanto, o caráter transcendental da justificação é confirmado exatamente ao reverso.   A justiça atribuída pela justificação pressupõe a "auto acusação" (accusatio sui) do pecador (WA 1,427,36).37  Realmente, Lutero a contabiliza entre os efeitos do sofrimento de Cristo "que o homem chega a um conhecimento de si mesmo, se aterroriza e é esmagado" (WA 2,138,16). Ter a Cristo como Salvador significa necessitar dele (WA 18,744,14ss.).  Pelo fato que ele fez a sua obra segue-se que o mundo todo está sujeito ao pecado.  Se cremos nele, devemos (cogimur) confessar que o homem todo estava perdido (786,18).  "A cruz de Cristo condenou tudo o que o mundo aprova, mesmo a sabedoria e a justiça" (Crux Christi omnia damnavit, quae mundus probat, etiam sapientiam et jutitiam = WA 2,613,37).  Lutero está falando definitivamente sobre o fato que Cristo é uma possessão que temos, "um dom, notadamente, o dom que te é dado por Deus e te pertence" (WA 1,I,2,p.247,29).  No entanto, a fé, que  o sujeito dessa possessão, igualmente exige que confiemos no que Cristo fez e sofreu como se nós mesmos o tivéssemos feito e sofrido (ibid. e WA 2,531,10; 140,7). "Cristo é chamado minha morte (Christus vocatur mea mors = WA 40 I,278,6).  É precisamente no conhecimento de Cristo, e no "Cristo crucificado" (Christus crucifixus), que se completa o conhecimento da própria punibilidade e da própria morte, a crítica ao "livre arbítrio" (liberum arnitrium) e da própria sabedoria e justiça.  Por conseguinte, ele completa a anulação da totalidade de nossas possessões físicas, com o resultado que somente o Eu totalmente esvaziado permanece um Eu puramente receptivo.   Ocorreria o perigo do caráter transcendental da justificação, se essa anulação fosse pretendida no sentido do misticismo, isto é, como uma remoção de todas as idéias e conceitos.  Então a objeção que por causa do conhecimento de Cristo conceitos definidos ainda encheriam a psique, seria realmente válida.   Para Lutero, porém, a anulação não é um ato da técnica de pensar;  ela é um ato de julgamento no sentido real. Assim como o conteúdo da consciência não é aniquilado, assim uma ação má não pode ser considerada concluída por meio de uma decisão judicial.(p.85)  Agora, no entanto, o conteúdo da consciência não é mais um meio de auto afirmação.  Pela fé, o self do homem torna-se livre ciente de que renuncia à auto-afirmação e, sob o julgamento de Deus, que ocorre na cruz, deve renunciá-la.  Todavia, ele ainda existe, mas existe, na verdade, apenas para receber e por recebimento.(p.86)

            O significado crítico que Cristo tem para o pecador aponta para as relações transcendentais em que Ele mesmo se encontra para com Deus (cf. A Doutrina de Deus).  Em todo caso, para a fé significa, num sentido positivo, a "glória" (Ruhm) com que "desafiamos Deus e afastamos a sua ira" (gegen Gott trotzen und seinen Zorn aufheben = WA 36,450,9), isto é, a base trans-objetiva à qual o próprio Deus se prendeu.  Sem a fé - conforme Lutero, no lugar citado, aponta contra os Nominalistas - a imputação da nova justiça ao pecador poderia parecer um ato puramente arbitrário de Deus.  Isso não apenas privaria a fé da certeza necessária; mas lançaria dúvida sobre todo o Evangelho.  Pois o Evangelho permanece ou cai com a fidelidade e a confiabilidade de Deus )WA 16,53,20ss.), com que o enunciado que Ele atua de maneira arbitrária seria irreconciliável.  Contudo, qualquer que for a anteriormente mencionada relação trans-objetiva, para o pecador individual ela se torna efetiva apenas ao ser atribuída por Deus ao homem como causa suficiente para a justificação.  "É por causa de Cristo que Deus não imputa pecados" (Deus non imputat peccata propter Christum = WA 2,497,16). "A justiça lhes é imputada por causa do teu nome, ó Deus" (Justitia eis imputatur propter nomen tuum, domine = 490,26).   Isto significa: "O que foi dito sobre Cristo será, por causa de Cristo, entendido como que dito sobre nós também" (Quod de Christo dictum est, etiam de nobis propter Christum dictum intelligetur = 531,10).  "Por causa de Cristo, a fé é considerada para justiça" (Fides reputatur ad justitiam propter Christum = WA 40 I, 366,8).38   Lutero coloca a maior ênfase na palavra "reputar" (reputare).  Em seu escrito contra Erasmo, ele está satisfeito por ser capaz de destacar que Paulo usa essa palavra dez vezes num só capítulo (WA 18,772,18).  Para ele as expressões "reputar" (reputare) e "imputar" (imputare) negam da maneira mais vigorosa todo sinergismo bem como o ensino escolástico de que há uma disposição (Habituslehre).  Para ele elas caracterizam da forma mais aguçada a atitude de Deus na justificação.  Deus pronuncia a palavra do perdão dos pecados, e ao fazê-lo declara que não debita os pecados e que reputa a fé em Cristo como justiça.  A justificação não é uma mudança física.  Ela é uma palavra de Deus pronunciada ao pecador. (p.86)

            Isto também responde às perguntas concernentes ao caráter absoluto e a certeza da justificação. "É por causa de Cristo que somos reputados absolutamente justos na fé". (Propter Christum reputamur justi absolute in fide = WA 40 II, 527,9).  Quando o Evangelho de Cristo é proclamado, aplica-se a mim também: "Cristo por mim" (Christus pro me).  Essa aplicação é indisputável - pois aqui a questão sobre Deus está respondida conclusiva e exaustivamente.  A oposição que ela precisa superar não é a ignorância em si; é a aflição sentida pela consciência (WA 15,548,11,590,11; WA 18,783,21).(p.87) A incerteza significaria que o medo de Deus é vitorioso.  Neste sentido, deve-se entender aquela pergunta feita por Lutero a Erasmo: "O que é mais miserável do que a incerteza?"  (Quid incertitudine miserius?).  Aqui não se trata de um assunto da possibilidade psicológica da dúvida no crente - que Lutero conheceu enquanto vivia - mas da natureza da própria fé.   Se a fé não possui a própria psique de alguém como sua base e conteúdo mas tem Cristo, ela igualmente tem nele a base para a sua certeza.39  Para Lutero a descrença de Cristo é o principal pecado (WA 52,291,24).(p.87)   É um grande insulto, a saber, a Deus (WA 37,564,13).  Pois trata-se de dúvida da promessa feita por Deus; ela torna a Deus mentiroso (WA 7,32,8; Enders 8,35,17ss.).  Além disso a queda da fé é "o pecado para a morte - o pecado para o qual não existe ajuda" (die sunde zum tode, der nicht zu helffen ist = WA 45, 677,28). (p.88)  As possibilidades de dúvida, de descrença e de apostasia acompanham a fé assim como o mar acompanha o viajante - assim como não existe viagem sem o mar, assim não há fé sem essas possibilidades.   Todavia, somente porque "Cristo deseja criar em nós um desejo por Ele, que mantenhamos a súplica.  Ele quer que clamemos para que Ele ouça.  Ele quer ouvir para que possa salvar-nos e nos ensinar a desesperar de nós mesmos e a confiar nele." (vult excitare sui nobis desiderium, ut clamemus porro.  Clamare nos vult ut exaudiat.  Exaudire vult, ut salvet, ac sic erudiat nos de nobis diffidere et in ipsum confidere = WA 1,129,19).  "O mar está realmente calmo, até que Cristo venha"; mas "se há uma tempestade (si tempestas est), Cristo certamente vem sobre o mar" (WA 32,15,22).  (p.89)Se eu creio, Cristo lá está; pois ele está lá por mim.  Se eu não tenho certeza disso, eu duvido e, portanto, não tenho fé.  Por essa razão, Lutero tem o dito de  Cristo: "Eu estou mais certo para ti, do que teu próprio coração e consciência".(WA 33,88,27). "Cristo veio a este mundo para tornar-nos mais certos". (Christus venit in hoc mundum, ut faceret nos certissimos = WA 43,458,21ss). "Cristo produz liberdade e segurança" (Christus facit libertatem et securitatem = WA 7,762,6).  "Fora com o pensamento que Cristo nos deixou incertos!" (Absit autem, ut nos Christus incertos reliquerit!) = 711,38).(p.89)

            Se, então - porque o caráter de uma decisão é atribuído à fé - se deseja concluir que no sentido de Lutero o homem deve ter uma certa liberdade de escolha, essas afirmações ensinam que ele realmente não tem nenhuma escolha.  Pois o sujeito da decisão é o eu condenado; este é - no sentido explicado acima - o eu transcendental.  Ele vive apenas na e a partir da fé em Cristo.  Sem Cristo, ele está condenado à morte.  Portanto, a decisão da fé se aplica, no sentido restrito, à alternativa de vida ou morte.  Mas o eu que desejaria escolher a morte é extinguido por essa escolha, ou, mais acuradamente, ele nunca chega à vida.  Se, no entanto, ele realmente ouve a Palavra de Deus perdoadora de pecados em Cristo, esta Palavra também se aplica a ele.(p.89)  Aqui não há nenhuma questão duvidosa. Pois a dúvida imediatamente extinguiria mais uma vez o eu que ouve.  A validade indisputável do Evangelho é idêntica com a certeza da fé. (p.90)

            8. A JUSTIFICAÇÃO NAS CONFISSÕES40

            A doutrina da justificação, de Lutero, fez grandes exigências ao cristão, bem como ao teólogo.  Estritamente falando, a bem da verdade, ela exigiu do cristão apenas que ele deixe seus pecados serem perdoados.  Isto, porém, implicava uma "auto acusação" (accusatio sui) incondicional e exaustiva.  E é justamente a isso que os maiores obstáculos foram apresentados como resultado  do ensino e treinamento da igreja medieval - enquanto se estava convencido que era necessário realmente levá-lo "a um ponto matemático" (ad punctum mathematicum), como o fez Lutero.  Aqui foi necessário romper com muitos substitutos, que incutiam costumes e instituições que eram convenientes e plausíveis para a compreensão humana sadia.  Outrossim, aqui, também, o libertinismo emergia constantemente como um imitador do Paulinismo genuíno.  A tarefa prática com que tudo isto confrontou a formação de igrejas evangélicas foi enorme.  Ela  somente poderia ser desenvolvida mediante uma educação sistemática e profunda do clero. Uma massa colossal de obra teológica tradicional que fosse Bíblica e dogmática em sua natureza, teve de ser digerida.  Foi a grande realização das primeiras duas gerações de dogmáticos e teólogos Luteranos, de Melanchthon acima de todos, que ao fazê-lo entenderam como fazer da doutrina de Lutero sobre a justificação o ponto central e de referência para toda a teologia.(p.90)

            Os perigos implícitos neste desenvolvimento são evidentes. A questão mais importante era se a ênfase de Lutero na doutrina da justificação poderia ser mantida se todos os pressupostos individuais-pessoais, que a sua  redescoberta teve em seu próprio caso, estavam para desaparecer.  Foi um grande risco fazer da doutrina da justificação o "artigo principal" (Hauptartikel = CA XX:8) para a igreja cristã em geral - para todos os que eram imaturos, frívolos ou perversos, indiferentes ou religiosamente ativos.(p.90)  Contudo, os grupos de igrejas Luteranas que surgiram assumiram fazê-lo.  Eles não tiveram o direito de se cognominarem evangélicos, até que assumissem esse risco. Reformas externas não lhes deram esse direito.   E a magnitude toda da sua missão para a cristandade - bem como o sofrimento e todos os reveses que sofreram - está diretamente ligada a esse risco. (p.91)

            A dificuldade toda da tarefa se torna clara a  partir dos documentos que pertencem à  colocação da teologia sob a autoridade da igreja.  Esses documentos têm uma conexão direta com o desenvolvimento das igrejas estatais evangélicas.  É compreensível que primeiro de tudo as mudanças práticas de culto, disciplina e jurisdição exigiam substanciação.  Contudo o direito interno tinha de ser confirmado teologicamente, não apenas por razões apologéticas, mas para tornar possível à fidelidade interna ser a base da união que liga indivíduos à igreja reorganizada.  Os "Trinta e três Artigos de Ansbach na Forma de Perguntas" (Ansbach Frageartikel) de 1524 que, ao formularem os pontos em disputa, deram o primeiro ímpeto para a formação das confissões evangélicas,41 lidas como uma fila  de indícios de pergunta na margem do eclesiasticismo existente.  (p.91)
Erra-se o ponto central e, então, a compulsão final de tomar os assuntos em mãos. A menos que as questões levantadas sobre o número dos sacramentos tenham sido respondidas, a tarefa de fazer confissão cada ano, as reservas papais e episcopais no assunto da absolvição, o direito de conceder indulgências, o levantamento do cálice, os "belos tabernáculos" (zierliche sacramentsheuslein),  a encomenda de Missas, a língua latina na Missa e no Batismo, celibato, leis canônicas sobre o casamento, a força que prende aos votos monásticos e a obrigação dos sacerdotes pregarem, não pode o artigo IV  chegar a um nível teológico: "Ademais, deve-se igualmente discutir se somente a fé verdadeira e a confiança em Cristo são ou não suficientes para a salvação". Após o artigo V haver perguntado sobre o livre arbítrio, aqueles que o seguem lidam ainda com a veneração de santos, com imagens, com cerimônias e com leis pertinentes ao jejum.  O nível teológico ainda não é atingido até que, nos últimos três artigos, sejam feitas perguntas sobre a igreja, concílios e a Escritura Sagrada.  O Concílio Evangélico de Ansbach do mesmo ano, que é a resposta a essas perguntas, colocou primeiro a questão sobre a autoridade da Escritura; mas deixou os artigos sobre a fé e o livre arbítrio nos seus lugares subordinados.(p.91) Além disso, nas "Quarenta Perguntas de Ansbach" de 1528, não é dada nenhuma atenção à justificação até ser firmado o artigo vinte e oito.(p.92)

            No norte da Alemanha, Bugenhagen, por meio dos seus rituais (Kirchenordningen), martelou para dentro da igrejas separadas individuais o fato que toda obra reformatória era sem sentido caso não se olhasse primeiro para ela "que se pudesse pregar livremente a pura Palavra e o Evangelho de Cristo não adulterado".42   E ele firmou essa exigência ao obrigar os pais e mães a instruírem seus filhos bem como ao casar regulamentos escolares com a reforma da igreja.   Todavia, seus regulamentos, como foi inevitável, são muito adequados ao que é prático para fazer compreendido o significado central da justificação.  Os "Artigos de Copenhagen" de 1530, com base no princípio Escriturístico - que eles, assim como o "Conselho de Ansbach colocou primeiro - colocaram ênfase especial no caráter Cristocêntrico da doutrina evangélica; e eles o fizeram ainda mais enfaticamente do que a Confissão de Augsburgo.  Eles contém também muitas alusões claras a outros aspectos da doutrina da justificação, contudo, não dedicam um artigo separado a esse assunto.  A Apologia da Confissão de Augsburgo, de Melanchthon, foi o primeiro escrito confessional a compreender plenamente como tornar audível o real batimento cardíaco da Reforma e introduzi-lo ou subordiná-lo a outros temas.  Nesse aspecto, a "Instrução aos Visitadores" da Saxônia Eleitoral, de 1528, é uma precursora da Apologia (WA 26,195ss.).  Mas aqui a doutrina da justificação é tida como concedida e protegida contra incompreensões, ao invés de ser apresentada como o verdadeiro programa teológico da Reforma. (p.92)

            Finalmente, porém, a doutrina da justificação firmou-se como a expressão definitiva para ao relacionamento evangélico entre Deus e o homem e ela permaneceu permanentemente eficaz como o ímpeto fundamental para toda a igreja.  Contudo, isso fez sentido unicamente se realmente preservou o que Lutero tem considerado decisivo.   E agora, inversamente, é necessário destacar que esse já é o caso no "Conselho de Ansbach" de 1524.  Primeiro o artigo XVII alerta com palavras que nada deixam a desejar em matéria de clareza a má interpretação da fé como uma aceitação como verdadeiros enunciados escriturísticos ou dos fatos da história de Cristo que são enumerados no Credo Apostólico.  Essa má interpretação ele chama de ignorância da parte dos oponentes, "um ensino incerto, instável sobre a Palavra de Deus, um sonho e ilusão a respeito da fé, sobre o que, Deus lava suas mãos" (mit welchem Gott nichts zu schaffen hat) (Frankische Bekenntnisse, p.292). (p.92)A definição positiva da fé cita primeiro Hb 11.1, mas então interpreta a passagem dizendo que "A fé é confiança viva ou esperança na misericórdia divina prometida a nós em Cristo.  Fé significa ligar-se constante e firmemente na Escritura e a todas as palavras de Deus, sejam elas ameaças ou promessa, e descansar completa e alegremente nelas em toda tribulação" (293).  Por conseguinte, a fé em algo invisível sobre o que fala a passagem em Hebreus, é imediatamente definida - exatamente assim como Lutero a define - como fé na misericórdia divina.  Essa fé é uma fé contrária às aparências.  Realmente, no que segue - também em concordância com Lutero - toda a ênfase é colocada no apontar para a salvação do Eu (aller Nachdruck auf die heilsegoistische Zuspitzung).43  Segundo esta "fé correta, verdadeira, cristã e salvadora" é então estabelecido que não pode ser engendrada pelos pensamentos dos homens, mas que, pelo contrário, ela é exclusivamente um dom e obra de Deus e traz consigo "companhia preciosa" (ein kostliche gesellschaft): (1) verdadeira justiça;  (2) conhecimento próprio de si mesmo;  (3) amor verdadeiro.  Logo a relação entre a fé e a justiça é definida mais acuradamente: "Visto que nos tornamos justos e piedosos somente mediante a misericórdia de Deus (conforme destacado acima com abundante prova escriturística), e a fé nada mais é do que um conhecimento dessa misericórdia e graça de Deus revelada a nós por meio de Cristo, não é irracional atribuir nossa justiça à fé somente" (301).  Certamente, a idéia da imputação não é expressa aqui diretamente. Ainda, entre outras passagens, a única  da qual são citadas todas as raízes de palavras da doutrina da imputação, é Rm 4.3ss - e isto na tradução de Lutero (294, 303).  Ademais, a justificação é definida como "passar em revista no tribunal de Deus" (Bestehn im Gericht Gottes), isto é, perante o Seu julgamento (300). Acima de tudo, porém, a justaposição da justificação,o conhecimento de si mesmo e o amor como a "preciosa companhia" da fé, isto é, como seus resultados, seriam notados.  O auto-conhecimento ligado à fé é definido - exatamente como em Lutero - como "auto-acusação" (accusatio sui) incondicional e exaustiva.44 (p.93) E o amor, como uma expressão da nova atitude, é definitivamente diferenciado da justificação.  Mesmo aqueles que consistentemente defendem a doutrina da imputação, nunca negam que o coração humano é re-criado pelo Espírito, que opera a fé.  Contudo, essa re-criação deve ser agudamente diferenciada da justificação do pecador.  Se não for feito assim, estar-se-á contradizendo o afinamento da justificação, por Lutero, "a um ponto matemático" (ad punctum mathematicum).  Os homens de Ansbach não fizeram assim.  Sim, parece que os autores temiam já haverem dito demais quando concluíram a secção sobre o amor com as palavras: "Dessa maneira é que os homens, por causa de Cristo e do Evangelho, não consideram nem pai nem mãe, nem amigo nem estranho, nem propriedade nem honra, nem corpo nem vida, e dizem a Deus de todo coração: 'Pai, seja feita a tua vontade assim na terra como nos céus'" (295).  Estranho fim para a secção sobre o amor!  O que é definido aqui como  conteúdo do amor - total confiança na vontade de Deus - poderia ainda ser chamado de fé muito antes de poder ser chamado de amor.  Pode-se entender isso somente a partir da intenção dos autores de evitar a qualquer custo cair de volta no ensino escolástico sobre uma "disposição" (die scholastische Habituslehre).  Realmente, dessa maneira não se ganhou muita coisa para o problema mais profundo da relação entre a fé e o amor, isto é, do objeto transcendental ou do psicológico.  No entanto, precisamente dessa maneira a pureza do conceito evangélico da fé, esse mais importante elemento da doutrina da justificação, tem sido preservado enfaticamente. (p.94)

            No artigo V dos "Artigos de Schabach" (1529), a doutrina da justificação é desenvolvida, em grande parte a partir dos elementos que seguem.45   A partir da universalidade e inevitabilidade do pecado resulta a incapacidade do homem adquirir justiça e piedade por meio do que ele mesmo faz.  Pelo contrário, a fé em Cristo é o único caminho para a justiça e a libertação do pecado e da morte.(p.94)  "Tal fé é nossa justiça; pois Deus deseja reputar e considerar justo, piedoso e santo, e ter perdoados todos os pecados e o dom da vida eterna para todos os que possuem essa fé no Seu Filho, que por causa do seu Filho eles sejam recebidos na graça e sejam filhos no seu reino".  O artigo VI enfatiza que a fé é  obra e  dom de Deus somente, concedida pelo Espírito Santo por meio de Cristo.  Ele afirma que a fé "não é uma mera ilusão ou fantasia do coração... mas uma coisa poderosa, nova, viva."  (p.95) A fé produz "muito fruto, sempre faz o que é bom perante Deus ao louvar, dar graças, orar, proclamar,  pregar, e; ao próximo, servindo, ajudando, aconselhando, dando;  e suportando todo tipo de mal até à morte". O sétimo artigo continua, então com a afirmação que Deus instituiu o ofício da pregação com o propósito de se atingir essa fé.  Mais tarde, a Confissão de Augsburgo fez uso da mesma transição do quarto para o quinto artigo.  Nesse esquema, é de importância decisiva que, em primeiro lugar, Cristo é nomeado o objeto da fé; segundo, que a fé é equiparada à justiça; terceiro, que isso se prova pelo fato que Deus deseja "reputar e considerar justo, piedoso e santo e ter perdoados todos os pecados" bem como pelas palavras "recebidos na graça por causa do seu Filho."  Aqui, portanto, os conceitos "perdão dos pecados", "imputação" (imputatio) e "aceitação" (acceptatio) são finamente formulados como componentes da justificação.  De outro lado, ao inclui-lo no artigo que segue, o pensamento que a fé é também  "uma coisa poderosa, nova, viva" que produz muito fruto é claramente separado da prova da doutrina da justificação.(p.95)

            Martin Bucer criticou o 50 artigo dos "Artigos de Schwabach" na opinião que escrevera. "Realmente, esse artigo é cristão. Contudo, há uma exceção:  que ele fala como se Deus nos reputasse piedosos e santos se crermos, e nós, em contrapartida, não temos nos tornado tal povo".  De fato, esse, conforme ele o sabe, não é o sentido dos autores.  No entanto, por causa dos oponentes, ele argumentou,  o que Paulo diz em Rm 8.9-11 deveria ter sido inserido no artigo, e essa inserção deveria ter sido feita num lugar que precede aquilo que, conforme citado acima, os "Artigos de Schwabach" têm a dizer sobre a justificação.46(p.95)   Além disso, foi firmado claramente ainda no artigo sexto que, segundo os autores dos "Artigos de Schwabach", o homem todo deve ser renovado, e que aqui a fé prova seu poder vivo na alma.  A inserção de Bucer, portanto, poderia ser feita somente com o propósito de oferecer prova da justificação como tal, ou como auxílio para comprová-la.(p.96) Assim como isto deixou de atingir o sentido da passagem em Romanos, assim Bucer não entendeu a doutrina Luterana da justificação.  Por último, sua inserção poderia fazê-lo parecer que tornar-se como Cristo, o modelar da "disposição e da vida segundo a Lei divina", pertencia, potencialmente, em cada evento, aos pressupostos da justificação ao invés de - conforme o coloca Lutero - aos seus resultados.  Lutero poderia ter respondido que então não a  fé, mas a descrença seria o recipiente da justiça.  Pois para ele, a confiança na graça de Deus em que o estado psíquico de coisas ou potencialidades do indivíduo desempenham um papel significativo, era descrença.  As exigências de Bucer resultaram  numa reversão da doutrina sobre uma "disposição" (Habituslehre) - a doutrina que realmente colocara ênfase muito forte na acusação divina.  Quão grande foi o perigo que surgiu aqui, está claro a partir de uma nota marginal pelo próprio  Zwínglio Conrad Sam, em Ulm, que escreveu no texto marginal para a opinião de Bucer: "Aqui eu concordo com Bucer e não com Lutero. Pois devemos tornar-nos piedosos, novos homens.  De outro modo, a fé não é nada" (Gussmann I,2,p.294).  Como se Lutero sempre disputasse isso!  Bucer, assim como Sam, nunca captaram o que Lutero considerava ser o ponto principal.(p.96)

            Por outro lado, o significado do quarto artigo da Confissão de Augsburgo consiste, acima de tudo, nisto, que aqui o decisivo para toda a Reforma Luterana é expresso com a maior clareza e brevidade.  Ao se combinar ambos os textos, o alemão e o latino, descobre-se que "ser justificado" (justificari) devia ser entendido como "obter perdão de pecados e justiça perante Deus" e, portanto, que o perdão dos pecados devia ser entendido como o conteúdo real da justiça.   As obras e méritos do homem são duramente rejeitados como razões.  A fé se conduz de uma maneira puramente passiva - "quando eles crêem que são recebidos na graça e que os pecados são remidos" (cum credunt se in gratiam recipi et peccat remitti).  Nem é a fé uma razão objetiva para a justificação; ela é considerada e imputada por Deus como justiça.47  (p.96)  E, finalmente, por meio das palavras "por causa de Cristo, que com a sua morte ofereceu satisfação por nossos pecados" (propter Christum, qui sua morte pro nobis peccatis satisfecit), o artigo também leva em conta  o protesto anteriormente mencionado de Lutero contra descrever a justificação sem a fé e a imputação.(p.97)

            Na Apologia, Melanchthon martelava e pregava as características essenciais do artigo IV da Confissão de Augsburgo ainda mais profundamente, enquanto possível.  Especialmente enfatizava sempre de novo que a justificação e o perdão dos pecados são idênticos.  Como resultado, nenhum argumento contra o caráter puramente receptivo da fé é perdido.  O conceito da "imputação" (imputatio) é esclarecido: "A fé é aquilo que Deus declara ser justiça, e Ele acrescenta [Rm 4.5] que ela é imputada de graça" (Fides est illa res, quam Deus pronuntiat esse justitiam et addit gratis imputari - II,89).  E no artigo que segue, ele também usa a expressão "ser pronunciado justo segundo o uso forense" (usus forensi justum pronuntiari = III,131). Acima de tudo, é acrescentado no terceiro artigo, sobre a justificação, a correlação entre fé e promessa.  Lutero pôs grande provisão nisto.  Até mesmo a obra histórica de Cristo, diz Melanchthon, permaneceria morta para nós se ao mesmo tempo ela não contivesse para nós a promessa: "Portanto, não é suficiente crer que Cristo nasceu, sofreu e foi ressuscitado, a menos que acrescentemos também este artigo, que é a razão final para o registro [da obra de Cristo]: a remissão dos pecados" (Itaque non satis est credere, quod Christus natus, passus, resuscitatus sit, nisi addimus et hunc articulum, qui est causa finalis hitoriae: remissionem peccatorum = II,51).  Ademais,  os acentos sempre são colocados na salvação do Eu (die heilsegoistischen Akzente), no sentido de Lutero, bem como com referência aos "terrores de consciência" (terrores conscientiae), "os terrores do pecado e da morte eterna" (terrores peccati et mortis aeternae); à "ira e juízo de Deus" (ira et judicium Dei) (II, 20, 34 ss., 79) bem como ao "conforto em todas as aflições" (consolatio in omnibus afflictionibus = 60,3; 62,118), "consciências que estão tranqüilas e alegres perante Deus" (conscientias tranquilas et laetas coram Deo = 91).  As expressões "ser tornado justo = ser regenerado" (justum effici = regenerari) nada mais seriam do que "ser pronunciado ou reputado justo" (justum pronuntiari seu reputari = 72, 117).48  Aqui ele não coloca nada mais do que o Luteranismo sempre entendeu que isto significa: a validade trans-subjetiva da justiça mediante a fé.49 (p.97)

            Tanto as dúvidas com referência a essa doutrina da justificação, como as lutas por ela que surgiram após a morte de Lutero, têm sua origem no esforço para encontrar um lugar num sistema de pensamento racionalmente possível ou racionalmente exigido para a razão adequada para o que Deus faz na justificação.  Para Lutero, a justificação encontrava-se em absoluta oposição a todas as correlações racionais entre Deus e o homem.  Isso não era contestado por Melanchthon, mas na Confissão de Augsburgo e na Apologia ela realmente é expressa somente nas entrelinhas.  Certamente já se estava ciente do paradoxo implícito no enunciado que o pecador seria justo.  Contudo a eficaz brevidade, particularmente do quarto artigo da Confissão de Augsburgo, poderia iluidr alguém ao pensamento que as preposições "por causa de" (propter) e "mediante" (per) - "por causa de Cristo e mediante a fé" (propter Christum et per fidem) - eram supostas para tornar lógico o que é ilógico ao pensamento racional, tornar compreensível aquilo que é incompreensível. Ambas as sentenças são completamente no sentido de Lutero. No entanto, para ele, o caráter paradoxal do ato não era apenas não deturpado pelas palavras "por causa de Cristo" (propter Christum) e as palavras "pela fé" (per fidem); ele realmente era confirmado.  Ele se liga diretamente à fé e, indiretamente, a Cristo.  Para ele, a fé, segundo a sua essência, é certeza contrária às aparências, contrária ao que o pensamento racional requer.  Conseqüentemente, a expressão "justificação pela fé" é o oposto à evidência racional.  No entanto, a referência à base trans-subjetiva da fé - a referência implícita nas palavras "por causa de Cristo" (propter Christum) - nunca apresenta aqui qualquer mudança.  Para isso, Cristo igualmente rompe as conexões racionais ao ponto decisivo: no lugar da equivalência lógica de moralidade, recompensa e punição, Ele coloca o perdão dos pecados.  Esse elemento do paradoxal que, conforme o coloca Lutero, encontra-se nas próprias palavras "por causa de" (propter) e "por" (per) muda de um assunto determinante para um acompanhante nos escritos dos sucessores de Lutero, num certo sentido também nos escritos de Melanchthon.  Realmente, lá pelo fim do período da ortodoxia ele nunca foi totalmente esquecido.(p.98)   Quando da emergência da teologia do Iluminismo o paradoxo nivelou-se totalmente no supernaturalismo - semelhante ao escolasticismo medieval.(p.99)

            As tentativas de se obter - a despeito disso - uma base racionalmente suficiente para a justificação a partir do paradoxo implícito no "por" (per) e "por causa de" (propter) ocorreu em três estágios.  A objeção rude de Sam, o zuwingliano, aos Artigos de Schwabach - "Devemos tornar-nos piedosos, novas pessoas; de outra sorte a fé não é nada" - se repete numa forma mais polida nos escritos de Georg Major.   Quando Major ensinou que ninguém poderia ser salvo sem boas obras, não se pode decidir contra os seus oponentes por serem receosos quanto à sua defesa posterior: que ao dizer isso, ele não esperava subtrair da justificação por fé somente.  Pois ele próprio definira o conteúdo da salvação como perdão de pecados e uma renovação incipiente para a vida eterna, e assim resumira o bem que é idêntico ao perdão de pecados sob o bem da salvação, para a qual as obras bem como a fé são necessárias.  (p.99)  Além disso, ele também negou o poder justificante da fé na qual as obras não estavam, afinal, potencialmente presentes.50  Por isso, se pode entender Morlin: aqui ele encontrou um reverso para a "fé modelada pelo amor" (fides caritate formata) para o ensino escolástico.51  Mas mesmo quando se põe de lado o ensino de uma presença potencial de obras - uma idéia defendida inclusive por dogmáticos ortodoxos - permanece nos escritos de Major uma avaliação da justificação que poderia distribuir um sopro mortal ao seu sentido original.  Pois aqui isso cortou a possibilidade das obras que deviam ser avaliadas segundo uma norma diferente daquela do perdão de pecados, isto é, a "justiça de Deus" (justitia Dei) no sentido de Lutero.  A partir disso, havia apenas um único passo ao Ínterim de Augsburgo, em que o perdão de pecados e a renovação moral foram classificados como elementos igualmente importantes da justificação.  (p.99)

            O segundo perigo foi ainda maior - se a própria fé seria considerada a razão ( = causa efficiens) para a justificação. Aqui não teria sido perdida apenas a graça que é uma qualidade essencial da justificação, mas o ato todo teria se tornado uma obra do homem.  Realmente, no âmbito do Luteranismo antigo ninguém se tornou uma vítima para tal maneira dura de se colocar a questão.  Contudo, esse ensino não estava muito longe de se tornar realidade.(p.99)   Na terminologia dogmática isto ainda não estava desenvolvido (1520).  Lutero descreveu a fé como a "primeira e mais sublime obra, a mais nobre de todas" (erste und hochst, aller edlist gute werck),52 e o ensino que ele manteve constantemente - que a fé é o verdadeiro cumprimento do Primeiro Mandamento - poderia igualmente ser, dessa maneira, mal interpretado.  (p.100)  Mais tarde, Belarmino não deixou de responder aos seus oponentes Luteranos dizendo que ao excluírem as obras da justificação eles mesmos não estavam sendo consistentes, visto que a fé, também, era uma obra - "e realmente notável!" (et quidem insigne!) (Disput.IV, p.989).  Nas disputas com respeito ao sinergismo, o primeiro assunto com que se lidava era a conversão, não a justificação.  Mas desde que Melanchthon excluíra a "fé" (fides) bem como a "contrição" (contritio) entre as emoções, a fé, também, chegou perigosamente perto do que ele ensinava sobre o arbítrio.  Na edição final dos Loci (1559) ele prefacia o que ensinava sobre as "três razões" (tres causae) - "a Palavra de Deus, o Espírito Santo e a vontade do homem que assente e não resiste à Palavra de Deus" (verbum Dei, Spitus s. et humanae voluntas assentiens, nec repugnans verbo Dei) - com uma dupla recordação: que a promessa do Espírito é recebida "pela fé" (per fidem) e que não se deve buscar a Deus fora da sua Palavra (CR 21,658).  Isto significa, então, que na classificação sistemática das emoções, a "fé" (fides) e "não resistir" (non repugnare) ocupam exatamente o mesmo lugar.  Sim, logo adiante "crer" (credere) é usado quase como um sinônimo de "não resistir" (non repugnare).53 Muito embora Melanchthon não faça uso direto disto naquilo que ensina sobre a justificação, foi necessário apenas um pequeno expediente para chegar à posição dos Socinianos, que dividiam a fé justificadora em confiança e obediência, e, de acordo com isto, caracterizaram-na como um cumprimento e basearam a justificação nela.54  Nesta forma, Kant, mais tarde, desfigurou a face da justificação numa careta e Wegschider, partindo das mesmas considerações, resumiu os pecados dos Luteranos dizendo que "nosso povo tem pecado muito seguidamente a esse respeito, que eles mantiveram a fé e a virtude muito separadas" (Nostros saepius in eo peccasse, quod fidem et virtutem nimium seiunxerunt = Instit. 1829, 491). (p.100) O que ele pretendia com isto, pode-se observar da citação da "Teologia Bíblica" de Baumgarten-Crusius (§ 56) - uma citação que definia a fé  como uma "prática de virtude viva, alegre surgindo da piedade que deve se desenvolver e imergir no reino de Deus" (lebendiges thatenfrohes Halten an der Tugend aus Frommigkeit, welche sich im Reiche Gottes entwickeln und vereinigen soll = Wegscheider, p.502).  Uma "prática de virtude viva, alegre surgindo da piedade que deve se desenvolver e imergir no reino de Deus" - aqui se imagina que está falando Albrecht Ritschl.    Essa relação, porém, não livra os estudiosos de Lutero do passado mais   recente de  atribuírem essa doutrina da justificação ou uma similar ao próprio Reformador.  Esse foi um feliz retorno à "piedade" medieval. (p.101)

            A terceira maneira de se racionalizar o "por" (per) e o "por causa de" (propter) foi perseguida - num nível substancialmente mais elevado, é verdade - por Andreas Osiander.  Deve-se reconhecer que a sua doutrina especulativa da salvação é rica em originalidade criativa e em sugestões fecundas e até incompletamente desenvolvidas.  No entanto, a sua doutrina da justificação chocou-se contra o propósito básico da teologia de Lutero.  O fato que ele baseou a justificação na imanência essencial da justiça divina de Cristo no crente, ou na incorporação do crente na Palavra encarnada vai de encontro ao esforço de se buscar razão suficiente numa concatenação direta com fatos imanentes.  Realmente, mesmo em Lutero surgiu a questão se a especificação da fé como um ponto (die Punktualitat des Glaubens) não foi perdida ao se ligar a fé justificadora ao conhecimento de Cristo e assim preenchendo-a com um conteúdo de conhecimento.  Somente uma coisa evitou que Lutero sucumbisse a isso:  a fé deve estar constantemente acompanhada da "auto-acusação" (accusatio sui), que deve ser aplicada a todos os fatos físicos.  Em Osiander, no entanto, isso já não é mais possível.  Não se pode sujeitar a posse da justiça de Cristo à "acusação" (accusatio). Não importa quão corretamente refletiu as idéias de Lutero (cf. Unio Mystica) o que Osiander ensinou sobre a in-habitação de Cristo no crente - ele apresentou o ponto decisivo do "artigo principal".(p.101)

            Contra essas aberrações, o terceiro artigo da Fórmula de Concórdia apresentou, como seu primeiro argumento, a afirmação que dessa forma as consciências atormentadas estavam sem o consolo de que necessitavam.  Fazendo assim, ela levantou um tema que determina a teologia de Lutero em sua totalidade e também desempenhou um papel importante no que a Apologia tinha a dizer no artigo da justificação.(p.101)  Pode-se escolher o seu poder de apresentação unicamente aduzindo razões dadas por Feuerbach. Essa idéia seria inválida se alguém pudesse demonstrar que um desejo pela salvação fez surgir essa doutrina da justificação.  Mas nem esse desejo, nem as "agonias de consciência" (angores conscientiae) ou qualquer imanência da consciência (uberhaupt nichts Bewusstseins immanentes) levaram a essa doutrina; foi simplesmente uma preocupação especial da doutrina Luterana da justificação preservar o Evangelho trans-subjetivo  e sua trans-subjetividade.  Na justificação qualquer cooperação física ou moral da parte do homem o teria posto em perigo e teria então confirmado a suspeita de ilusionismo.  Portanto, a Fórmula de Concórdia teve de rejeitar o ensino de Major, bem como de Osiander, e também as abordagens sinergistas de Melanchthon, porque, se a especificação da fé como um ponto (die Puntualitat des Glaubens) fosse perdida, ter-se-ia perdido não apenas a certeza da salvação como tal, mas qualquer certeza de fé. (p.102)

            Como resultado, tornou-se necessário fazer uma distinção conceitualmente acurada entre "regeneração" (regeneratio) e "vivificação"  (vivificatio), que ainda não havia sido feita na Apologia (DS III:18,ss).  Este ainda não é o lugar para se decidir se essa distinção, assim como aquela entre os conceitos "santificação" e "renovação" (III: 38ss.), foi feita corretamente e se ela foi exaustiva.  Nela reside  que os dogmáticos posteriores ensinaram sobre a "ordem da salvação" (ordo salutis) que, como pode ser admitido para o tempo em curso, está aberta à crítica.  Aqui a coisa importante era a preservação do conhecimento fundamental de Lutero sobre a "justiça de Deus" (justitia Dei), que é adjudicada e reconhecida como sendo para o homem e lhe é imputada, porém não implantada.  Se ela fosse implantada, já não seria mais a "justiça de Deus" (justitia Dei); então ela seria a justiça do "homem" (hominis).  Por conseguinte, a Fórmula de Concórdia pôde realmente definir os conceitos de reconciliação e do perdão de pecados como conteúdos da justificação (III:30), visto que eles não pressupõe quaisquer fatos humanos como uma base objetiva; mas ela não o poderia fazer com respeito àqueles outros conceitos - regeneração, renovação, santificação - porque então se deve pensar o oposto: a natureza do homem.   Pela mesma razão a fina linha de demarcação entre contrição e justificação também estava inteiramente na ordem, muito embora se possa perguntar se era bom colocar tão grande ênfase sobre a precedência da contrição no tempo (23 ss.).  Essa objeção, porém,  é meramente formal em sua natureza, visto que na mesma conexão é enfatizada a permanente necessidade de penitência (26).  É o conhecimento de Lutero da contínua correlação entre fé justificadora e "auto acusação" (accusatio sui) que é expressa na sentença que os crentes "seriam reputados e considerados piedosos e justos muito embora por causa da sua natureza corrupta eles ainda são pecadores e permanecem sendo pecadores até a morte" (22) (p.102)  Todo o caráter paradoxal da fé de Lutero deve ser encontrada neste "muito embora".  Aqueles que tomaram as três sendas erradas mencionadas acima, prejudicaram ou negaram esse paradoxo. (p.103)

            Contudo, oponentes como G. Major, Menius, Osiander e mesmo Pfeffinger, que - cada qual da sua própria maneira - não sabiam como distinguir corretamente os atos de regeneração, santificação, etc., da justificação, continuaram a enfatizar que eles, também, estavam preservando a iniciativa divina, e que por isso todo mérito humano estava excluído, assim como estava excluído da doutrina puramente forense da justificação.  Por isso foi necessário mostrar posteriormente que essa forma de maneira alguma fez certo pelo ensino medieval sobre a "graça precedente" (gratia praeveniens) e "graça" (gratia) em geral.  É de significado constitutivo para todo o Luteranismo que no "tudo para a glória de Deus", de Calvino, ele não encontrou ainda qualquer coisa especificamente cristã ou até mesmo especificamente evangélica, visto que essa glória não é dada ao Deus revelado em Cristo.  Nesse sentido, Lutero repete incansavelmente em seus comentários de Gálatas que toda forma de justiça por obras e toda forma de sinergismo, não importa disfarçadas, afasta-se dos méritos de Cristo - justiça por obras e sinergismo não seriam incompatíveis à "glória de Deus", desde que se atribuísse a Deus, como todos os sinergistas o faziam, a autoria criadora ou espiritual.  De modo semelhante. Melanchthon coloca na Apologia que o propósito da doutrina da justificação é "aumentar a glória de Cristo" (ut amplificetur gloria Christi).56  Outrossim, a Fórmula de Concórdia diz que renovação, santificação, amor, virtude e boas obras não devem ser confundidas com a justificação, "a fim de que Cristo, o Redentor, não seja privado de sua glória"(auf dass dem Erloser Christo seine Ehre bleib) (epítome III:7; DS III:35).  Aqui novamente é um assunto da trans-subjetividade da base da justificação.  Em Lutero, este era o correlativo formal da especificação da fé como um ponto (das formale Korrelat der Punktualitat des Glaubens), e é uma preocupação posterior do terceiro artigo da Fórmula de Concórdia sublinhá-lo enfaticamente. (p.103)

            Por esse motivo, os "itens exclusivos" (particulae exclusivae) - segundo o procedimento de Melanchthon - o "sem as obras" (absque operibus), "sem a Lei" (sine lege), "de graça" (gratis), "mediante a fé somente" (sola fide), são considerados marcos da justificação que são inevitavelmente necessários.(p.103)  Nem a penitência, nem o amor podem ser assumidos da parte do homem.  A ferramenta não é nenhuma virtude, somente a fé (DS III:31).  E a própria fé de maneira alguma deve ser tomada como "uma boa obra e uma bela virtude" (13)57  Ademais, deve ser finamente diferenciada da nova obediência (32).  Exatamente como em Lutero, a fé é dirigida exclusivamente à promessa (31): como um ato do homem ela é totalmente vã.(p.104)  O que lhe dá seu significado no ato de justificação é exclusivamente aquilo que lhe é conferido de além de toda subjetividade: a "misericordiosa reconciliação ou perdão de pecados, que nos é presenteada por pura graça somente por causa do mérito de Cristo, o Mediador, e recebida somente mediante a fé na promessa do Evangelho"(30). (p.104)

            A tendência a ser preciso, que dominou o desenvolvimento da doutrina da justificação até o período da Fórmula de Concórdia, encontrou uma expressão definitiva quando dogmáticos posteriores definiram a justificação como um "ato judicial" (actus judicialis) ou "forense" (forensis).58  Tem sido enfatizado previamente que assim como o elemento "jurídico"não pode ser imaginado como estando ausente do que Paulo ensinava sobre a salvação, assim não pode ser imaginado como ausente do que Lutero ensinou.  Melanchthon usava a expressão "uso forense" (usus forensis) na Apologia.  Era uma idéia completamente em acordo com o Novo Testamento quando a "Confessio Wirtembergica", em seu artigo sobre a justificação, falou  ao Concílio de Trento (1551) sobre "A sede do julgamento de Deus", perante o qual não há sala para o mérito humano.59  Em conexão com a doutrina da justificação, Lutero, também, falou sobre o "tribunal de Deus" (tribunal Dei).60  Realmente, a expressão "ato forense" (actus forensis) não disse nada diferente.  No entanto, com essa expressão foram firmemente sublinhadas duas coisas.  Em primeiro lugar, foi afastado o erro de que a doutrina Luterana da salvação era equivalente à justificação de alguém.  Isto tinha de ser enfatizado porque a identificação da fé justificadora com a justiça, por Lutero, quando tirada do contexto, poderia ser tomada como um chamado ao homem para se justificar a si mesmo.  E muitos teólogos do século XIX tornaram-se presas dessa tentação. A doutrina forense da justificação, por outro lado, manteve viva a conclusão que mesmo quando a justificação e o perdão dos pecados são equiparados, a seriedade do julgamento passado sobre o pecado não pode ser minimizada.  É o julgamento divino, cujo veredicto a fé ouve.  Esse veredicto é totalmente diferente daquilo que a razão e a moralidade esperariam, e ao pronunciá-lo, o Juiz divino demonstra que Ele não é um Juiz punitivo, porém, absolvedor.  Contudo, somente quando a Sua absolvição realmente pronuncia como válido o veredicto, é que o pecador foi livrado do julgamento e da ansiedade de sua consciência - e isso pertence aos elementos essenciais da fé. (p.105)

            Em segundo lugar, a interpretação forense expressava da maneira mais firme possível a antítese do ensino escolástico. Ela colocou a ênfase no caráter declaratório da justificação, e isso no auto evidente reverso de fé-justiça como tal.  Pois só se pode falar em fé enquanto a certeza dessa justiça está baseada não em fatos empíricos, mas unicamente na "Palavra de Deus", notadamente, na promessa do perdão de pecados.  Uma justiça que é colocada na natureza do homem como uma coisa ou que qualifica o seu esforço moral pode, afinal, como princípio geral, ser empiricamente identificada.  Portanto, não é um objeto de fé.  Por conseguinte, já foi o começo do fim da doutrina Luterana da justificação, quando Hollaz, o último dos dogmáticos ortodoxos, reduziu a antítese da interpretação empírica à fórmula: a imputação, na justificação, deve ser entendida "num sentido moral" (in sensu morali) (Examen III:470).  Pois, sob a égide do "sentido moral" - embora o próprio Hollaz estava fortalecido contra isso - até mesmo a falsificação Sociniana pôde escorregar - a falsificação que pavimentou o caminho para a destruição infligida pelo Iluminismo sobre a mais preciosa possessão da Reforma. (p.105)  Na medida em que se aderia ao caráter forense da justificação, estava-se protegido contra isso. (p.106)


            9. Propter Christum

Os dogmáticos posteriores dividiram a justificação em dois elementos: "remissão dos pecados" (remissio peccatorum) e "imputação da justiça de Cristo" (imputatio justitiae Christi). As confissões da igreja, incluindo a Fórmula de Concórdia, nada sabem sobre isso.  Mesmo que essa diferenciação seja apenas para esclarecer o conceito ou para adaptar a variedade de sentenças escriturísticas, ela ainda carrega consigo sério perigo de ser destruída a uniformidade no ato de justificação por causa dela. No entanto, essa diferenciação não é nada que carece de intolerabilidade, porque ao destruir a natureza consistente da fé ela precisa igualmente destruir a especificação da fé como um ponto (Punktualitat), e aqui simplesmente não há mais nada para se dividir.61  Contudo, se o "por causa de Cristo" (propter Christum) da Confissão de Augsburgo é um elemento da justificação que é necessário, ele de maneira alguma pode minar a acurada coordenação do completo perdão de pecados, isto é, de um completo clareamento da relação entre Deus e o homem e da fé como o organon leeptikon (o instrumento para receber), conforme a chamava Melanchthon.  Pelo contrário, ele deve preencher uma lacuna no desenvolvimento anterior da doutrina da justificação. De fato, essa lacuna está presente num grau decididamente perceptível. (p.106)

            A fé coloca o homem diante de Deus. O homem sabe que Deus o chama.  O ouvir do chamado divino é incompatível com a "explanação" psicologizante que o homem, pelo poder do seu intelecto, se libertou a si mesmo da concepção de um Deus irado, para o conceito de um Pai misericordioso, amoroso.  Pois justamente como ele é incapaz de libertar-se dos poderes do mundo e da morte que o cercam e restringem - porque esses poderes sempre permanecem "reais" - assim ele é incapaz de fugir do "Tu deves" da Lei, o veredicto aniquilador da sua consciência, o conflito benéfico entre o "deves" (shall) e "precisas" (must). Contudo, tal chamado não pode ser mera informação concernente a um novo "conceito de Deus".  Pois a simples sentença que Deus perdoa o pecado teria, em conexão com a "experiência primeva" (Urerlebnis), de fazer Deus parecer um legislador inconsistente e um juiz de coração mole.(p.106)   Crer isto implicaria substituir uma experiência certa da ira divina por um desejo que está fundamentado em nada, afinal.(p.107)

            Realmente, no entanto, o conceito do perdão de pecados foi uma paráfrase do conceito Luterano da "justiça de Deus" (justitia Dei), enquanto o próprio Lutero entendeu isso como a justiça dada ao homem como um dom.  Assim o conceito se move numa grande continuidade de idéias.  Aqui, antes de tudo,  é firmado de uma maneira muito mais elementar do que no conceito de perdão de pecados somente que Deus, muito embora perdoe ao homem as suas transgressões, ainda não cessa de exigir justiça, em todo caso não desiste de exigir que o homem deve ser justo. Por um lado, realmente, isso intensifica o sentimento de que existe uma contradição.  Por outro, porém, enfatiza que o mesmo Deus pronuncia juízo e concede graça.  Se não fosse o mesmo Deus, a crença de que ele concede graça teria de ceder lugar à suspeita que isso é uma ilusão.  O fato de que é o mesmo Deus, protege a fé de si mesma contra a suspeita de que mediante uma realização intelectual de si mesma tenha superado um conceito de Deus por meio do outro, "superior" - um que na realidade seria mais confortador somente para ela própria.  Aqui a fé não está primeiramente de todo oposta à fé, mas Deus está em oposição a Deus.  E não um Deus contra o outro Deus; a contradição está no Deus que é idêntico a Si mesmo. Do ponto de partida da fé, por conseguinte, trata-se de uma natureza transcendental, em qualquer caso, de uma natureza que é trans-subjetiva.(p.107)

            Ainda é necessário discutir o fato que se encontra aqui uma abordagem de Lutero segundo a qual a primeira impressão de Deus, notadamente, que Ele realmente está irado com o pecador, é meramente uma ilusão ou um produto da própria consciência má - muito embora um produto necessário (cf. Reconciliação e Predestinação em Lutero em Separação).  Não há nenhuma necessidade de provar que isso poderia ser uma solução da dificuldade que surgiu.  Pois em cada caso a fé  seria imensurável se lhe fosse perguntado: "De que fonte tu tens a certeza que a ira de Deus é apenas uma ilusão e que a Sua boa vontade de perdoar está de acordo com a Sua natureza real?  Não seria verdadeiro dizer que o oposto seria o caso?  Lutero, conforme demonstrado anteriormente, atribui à fé o poder  de mediar antíteses (mediatio contrariorum).  Contudo, tem sido dito que isso não deve ser entendido no sentido de uma mera mudança de abordagem ou ponto de vista (conspectus), e que de maneira alguma deve ser entendido de tal maneira que a fé pudesse deduzir dialeticamente o tema central do Evangelho a partir da revelação da Lei.  Pelo contrário, tem sido visto que a Pessoa de Cristo possui significado integrador quando a mediação anteriormente mencionada ocorre.   Uma das primeiras definições disso resultou da conexão entre o conceito de revelação.  "No Cristo crucificado" (in Christo crucifixo) o "Deus oculto" (Deus absconditus) tornou-se o "Deus revelado" (Deus revelatus).  Sinceramente, essa revelação, que foi transmitida por meio de Cristo, é uma "comunicação" (Mitteilung); porém ela não é de nenhum modo iluminação sobre um erro anterior, não afinal no sentido de uma correção posterior do conceito de Deus como um Juiz irado.  (p.108)  Ele é O Misericordioso somente pela fé - para a incredulidade e, portanto, para o incrédulo, Ele permanece O Oculto (absconditus), o Deus da ira.   Mesmo a fé recebe e retém a sua certeza da revelação somente no conhecimento do "Cristo crucificado" (Christus crucifixus).  A relação da fé para com Cristo já foi movida para a atual conexão soteriológica por meio da fórmula: "Justiça é conhecimento de Cristo" (Justitia es cogitio Christi) e seus paralelos.  E a conexão com a doutrina da justificação tornou-se ainda mais clara por meio da sentença: "É por causa de Cristo que a fé é atribuída para justiça" (Fides reputatur ad justitiam propter Christum), ou por meio da outra sentença: "É por causa de Cristo que Deus não imputa pecados" (Deus non imputat peccata propter Christum). (p.108)

            Por conseguinte, no sentido de Lutero, a questão que surgiu - que certeza o cristão possui de que a sua crença no perdão de pecados não se fundamenta numa ilusão - deve ser respondida bem genericamente apontando para Cristo.  Ele é a base do conhecimento da fé na boa vontade de Deus para perdoar pecados.  Este é também o sentido da fórmula de Melanchthon: que Cristo é "o penhor da promessa" (pignus omnium promissionum) (Loci, 1a ed. CR 21:140).  Realmente, na definição de fé empregada mais tarde, "por causa de Cristo" (propter Christum) também deve ser entendido como "confiança na misericórdia prometida por causa de Cristo" (fiducia misericordiae promissae propter Christum) - onde "por causa de Cristo" (propter Christum) é usado para significar a base subjetivamente suficiente para o "confiar" (fiducia) (CR 15,98,21,422,743).  Sim, na Apologia, o próprio Cristo é descrito como o sujeito da promessa de perdão de pecados, justificação e vida eterna (II:5).(p.108)  Teria sido feito justiça esse significado de Cristo para a salvação da humanidade com a explicação que Cristo proclamava o novo "conceito de Deus", isto é, anunciava a boa vontade divina para perdoar pecados.  Isso, porém, não resolveria o verdadeiro problema, a saber, como a inconsistência entre Deus e Deus é imaginável a despeito da identidade de Deus consigo mesmo; apenas postergaria o assunto. (p.108)

            Ao Luteranismo antigo, em seu todo, desde Lutero até aos mais recentes dogmáticos ortodoxos, esse problema parecia estar resolvido por meio de uma "doutrina objetiva da reconciliação".(p.109)  O pietismo Luterano manteve-se firme, em sua maior parte, a esse ensino, e os Luteranos confessionais do século XIX retornaram a ele, muito embora expressassem o mesmo de vários sombreados. O que num primeiro lance parece ser uma deturpação dessa doutrina e também foi constantemente objetado por seus oponentes - que o relacionamento moral direto entre Deus e o homem é rompido pela asseveração que uma terceira pessoa é um substituto para vantagem de outros - isto, se ainda se desconsidera todos os detalhes, é precisamente o que torna a "doutrina objetiva da reconciliação" indispensável em relação à doutrina da justificação proclamada pela Reforma.(p.109)

            Para a justiça pretendida por essa doutrina da justificação, é essencial, vis-à-vis o homem, seja uma "justiça alheia" (aliena justitia) (AC III:184), que ela tenha seu fundamento "fora de nós" (extra nos) (Melanchthon, Loci 21: 743).  Este foi o ponto de Lutero quando ele ainda usava a expressão "infundir" (infundere).  Ele a considerava uma "justiça alheia infusa de fora" (aliena justitia ab extra infusa), e aqui o peso todo cai sobre a frase "de fora" (ab extra) (WA 2:145,9).  Na verdade, a palavra "infundir" (infundere) não poderia ser trazida em concordância com isto.  Bem cedo, por isso, ela foi suplantada pela palavra "imputar" (imputare) (WA 2: 490,26,etc.).  E quando dogmáticos posteriores, como Martin Chemnitz, colocaram enfaticamente que os conceitos "justiça alheia" (aliena justitia) e "justiça imputativa" (justitia imputativa) são inseparáveis, eles o fizeram porque, para eles, exatamente assim como para Lutero, o segundo deve reforçar o primeiro - não vice-versa.62(p.109)
Essa é a fonte para a veemente crítica de Chemnitz à "justiça inerente" (justitia inhaesiva) defendida pelo Concílio de Trento.63   E a amarga controvérsia de Gerhard contra Belarmino em sete dos seus Loci, chega ao seu clímax na luta pela "justiça encontrada fora de nós"  (justitia extra nos posita). (p.109)

            Chemnitz defende a tradução de Lutero "a justiça que vale perante Deus" (die Gerechtigkeit, die vor Gott gilt) contra Osiander (Loci II, 282b).64(p.109)  Nesta expressão toda a crise da doutrina Luterana da justificação realmente pode cair.  Se "justiça passiva" (justitia passiva) é idêntica com o perdão de pecados, então se pode perguntar até que ponto ela ainda é "justiça" (justitia).  Ela poderia ser chamada "misericórdia" (misericordia), "favor" (favor), "graça de Deus" (Gratia Dei); e mesmo Lutero e teólogos posteriores lhe deram essa designação. Mas e a "justiça" (justitia)?  Essa questão exige uma resposta, mesmo que a "justiça" (justitia) seja, conforme diz Lutero, entendida, não como o atributo de Deus, mas como o Seu dom ao pecador.  Aqui algum "direito" (jus) deve estar em questão. Contudo, se a justiça imputada é sempre uma "justiça alheia" (justitia aliena) - somente quando ela é isto, é que pode ser imputada ou, de alguma outra maneira, ser declarada, concedida, prometida, outorgada; e sem isso não teria havido nenhuma Reforma - o "direito" (jus) inerente na nova justiça teria de pertencer a uma realidade trans-subjetiva.  E isto não é algo novo que seria acrescentado à doutrina da justificação ou até mesmo a destruísse; mas pertence aos seus pressupostos absolutamente necessários.(p.110)

            É auto evidente que o "direito" (jus) inerente ao conceito "justiça" (justitia) é em si mesmo idêntico com a "validade" (dem Geltenden) no dito de Lutero "a justiça que vale perante Deus" (Gerchtigkeit, die vor Gott gilt).   Até este ponto, poder-se-ia dizer em termos de objeção que se trata de uma expressão  paradoxal para a idéia que Deus realmente não faz uso do "direito" (jus) mas "revela misericórdia" (Gnade fur Recht ergehen lasse).  Contudo, essa mudança do "direito" (jus) que exige e pune, para um "direito" (jus) que concede e perdoa é, em si, um arranjo - talvez de um tipo superior - mas em qualquer caso um arranjo que é igualmente válido e a validade do qual, quando observada de um ponto de vista humano, é plenamente trans-subjetivo. Existem duas formas em que ele pode ser definido mais acuradamente.  (p.110) Visto que aqui Deus está em oposição a Deus - Aquele que exige, contra Aquele que perdoa - pode-se tentar deduzir essa tensão a partir do conceito de Deus.  O exemplo clássico disto é a teoria de Anselmo, que a encarou como sendo uma tensão entre a glória de Deus e a sua misericórdia, e a elimina por meio de uma satisfação oferecida à glória por Cristo ao trazer a misericórdia divina. Em várias formas de expressão se encontra essa teoria até mesmo em Lutero, Melanchthon e dogmáticos posteriores.  Sobre essa "mistura própria da justiça e  misericórdia divina" (temperamentum justitiae et misericordiae divinae), Johann Gerhard diz: "Disto surge a nossa justificação" (Ex hoc oritur nostra justificatio) (Loci VII, 302).65 (p.111)  Isto, no entanto, leva ao abandono do anterior modo de desenvolvimento indutivo da doutrina da justificação.  Logo, a tentativa de deduzir a tensão em questão a partir dos "atributos" (Eigenschaften) divinos e de removê-la desta maneira deve ser ainda postergada. (p.111)

            A outra forma volta atrás aos fatos e pontos de vista estabelecidos em "Sob a Ira de Deus" (cap. 1).  As relações lá desenvolvidas de culpa e destino, de responsabilidade e maldição, de Lei e consciência, de inimizade contra Deus e Ira de Deus, são partidos separadamente a um único ponto.   O Evangelho nos informa sobre um Homem em cujo caso a inter-relação desses elementos era diferente.  Não importa como o significado da Pessoa de Cristo e sua obra deve ser considerado, Lutero exige que se deve "começar da base" (von unten anheben); ele diz que não se pode saber nada sobre o Filho de Deus, exceto a partir Daquele que nasceu homem.  "E quanto mais profundamente pudermos colocá-Lo na carne - o que és incapaz de fazer de modo suficiente (ut non satis potes) - melhor será"66   Assim como qualquer outro homem, Cristo estava ligado aos relacionamentos de cooperação e oposição desses poderes.  Tornando-se homem, ele, assim como toda carne, tornou-se sujeito à Lei.(p.111) Ele se tornou um "Servo da Lei".  Assim a Lei se tornou exatamente tão eficaz em seu caso como no caso de toda carne: ela trouxe a maldição de Deus sobre Ele, a ira de Deus.  Ao estar "envolto" (eingewickelt) na carne, Ele também estava implicado (verwickelt) no relacionamento dos pecados, morte, sofrimento, crucificação.  Ele se tornou "um Errante, um Visitante e um Peregrino... assim como outro homem (sicut alius homo)"; e o Seu caminho foi o de "um homem moribundo e condenado,tanto que não existe nenhum outro homem que é visto ser condenado em maior grau do que este Homem (ut nemo sit, qui videatur magis damnatus quam iste vir)".   Sua vida toda foi uma descida "sob a Lei, sob o maligno, pecado e inferno, isto é, eu creio, no último e mais profundo abismo."67   Dessa maneira, ele entrou numa relação conosco mais direta do que pode ser imaginada entre os homens. Aqui, porém, não existe comparação (Ibi vero nulla similitudo). Cristo não se tornou nosso cunhado (schwäger), nosso irmão; mas Ele se tornou o que nós somos (quod sumus); Ele se tornou nossa natureza, parte e uma proximidade maior do que aquela de marido e mulher (et major propinquitas quam mariti et uxoris)... Quem pode entender que Ele não é um companheiro, um amigo, mas que Ele é Ele mesmo?"(p.111)  Portanto, se Cristo realmente assumiu nossa carne e assim suportou a Lei, a ira e maldição de Deus, o maligno e o inferno sobre Si, a maldição que Ele carrega é nossa maldição, e a morte que Ele morre é a nossa morte.  E visto que no fim a nossa maldição e nossa morte são a inevitável conseqüência do nosso pecado, Ele igualmente suporta a causa, o nosso pecado, juntamente com a conseqüência.   "Sua paixão nada mais foi do que o nosso pecado" (Sua passio nihil aliud erat quam nostram peccatum).68 (p.112)

            Ademais, existe ainda uma outra no caso de Cristo e do homem.  A maldição da Sua vida não provém de uma colisão de uma luta por autonomia com a vontade divina - Ele não conheceu nenhuma "vanglória" (Hoffahrt).  Ele era "totalmente inocente e sem qualquer pecado, tanto internamente em seu coração, como externamente com palavras e ações.  Pois onde existe algo mau interiormente, isso não pode ser evitado por muito tempo; deve igualmente manifestar-se exteriormente, ao menos em palavras. "Ele era puro e justo...sem quaisquer mentiras e falsidades...não há nenhuma maldade ou alguma coisa repreensível em tal amor e obediência." Com o seu perfeito amor e perfeita obediência, ele cumpriu a Lei plenamente.  Ele realizou as obras externas que são exigidas, obedeceu seus pais - mas voluntariamente - humilhou-se por amor, "serviu a todos os homens com o serviço supremo", e foi obediente a Deus.69   Contudo, assim como a primeira série de idéias se fundamenta no fato básico que Ele tomou sobre si a nossa "carne", e isto em e com a sua encarnação, assim também a segunda é complementada no fato que a Sua "carne", desde o momento da encarnação, era sem pecado, que ele foi concebido e nasceu da virgem sem pecados. "Isto eles [os judeus] não sabem. Nem eu o sei. Contudo, eu o ouço, e o Escrito Sagrado me fala a seu respeito.  E eu o creio. Mas se tu não queres crer isto, então não o creias.  Então a culpa será tua." (WA 33,126,8).  Esta prova completamente positivista do nascimento sem pecado de maneira alguma leva Lutero afastar-se do resto da sua linha de pensamento; pois para ele os outros fatos, também - Cristo sob a maldição e Cristo sem um ato pecaminoso - são certamente apenas como o conteúdo da "Palavra". Realmente, a questão sobre a prova tem muito mais do que um significado formal.  Pelo contrário, ela indica um ponto em que não pode ser levado a cabo, futuramente, o procedimento indutivo preferido por Lutero. Pois se o motivo da livre escolha de Cristo se estende também ao ato da encarnação, no seu caso deve ser aceita uma iniciativa trans-humana na vontade que forma a Sua Pessoa.  Por conseguinte, Lutero aceita a doutrina Neo Testamentária do Logos e a doutrina da igreja das duas naturezas. (p.112)

            Contudo, se assumimos para o tempo existente que pode ser comprovado que Cristo tornou-se homem por Sua própria escolha, as seguintes conclusões surgem como resultado da justaposição das duas séries de fatos que têm sido desenvolvidos.  Cristo entrou na categoria daqueles que, inspirados, como filhos de Adão, por um desejo de autonomia, almejavam ser "filhos de Deus" e portanto são culpados de morte.  "Portanto isto serviu a Ele, Cristo, corretamente neste assunto, porque Ele tomou o nosso lugar.  Ele é, realmente, uma Pessoa inocente, e a Lei não lhe atinge (Est quidem persona innocens et lex non tangit eum); mas porque Ele a tomou sobre si mesmo para estar apto a ficar no lugar de todos os homens, por isso deixemo-lo morrer honradamente (ideo bene moriatur) (WA 28, 348s.).  Realmente, o fato que ele "assumiu o nosso lugar" significa, primeiramente, que Cristo desejava estar ali aonde todos os homens estão que desejam ser um "filho de Deus" (filius Dei) (348,6).  Isso também significava que Cristo, assim como o homem, estava sob o juízo de Deus.  Mas em total reverso de toda outra analogia humana, o juízo de Deus se aplica a Ele que, embora realmente era o "Filho de Deus" (filius Dei), é a única Pessoa que cumpre a Lei perfeitamente e por isso abandonou qualquer exigência de autonomia. (p.113)

            Isso confirma o que está certo por outras razões também: que a relação de Deus com o pecado não é determinada por uma justiça que repõe uma coisa particular com outra, mas que ela é um procedimento contra o "homem" em geral - um procedimento que nenhum filho de Adão pode evitar (WA 21,513,11).  Acrescido a isto, contudo, enquanto se trata de Cristo, não há - sempre pressupondo a sua liberdade de escolha - nenhuma outra razão suficiente por que ele assumiu a ira de Deus sobre si mesmo do que o seu amor pela humanidade, com o qual ele pretendia lançar a sua sorte.  Cristo não "sofreu por si mesmo ou sem necessidade, mas por ti, e ele o fez por sua própria livre vontade (aus guten willen)."   Os motivos para a liberdade de escolha e amor subordinam o entrelaçamento daquelas duas séries de fatos na vida de Cristo ao ponto de vista do propósito.  A novidade disto não é uma mera comunicação.  Pelo contrário, ele faz um apelo ao que o ouve e o induz a aplicá-lo a si próprio.  Realmente isso é auto evidente com respeito à solidariedade de toda a humanidade - a solidariedade na qual Cristo entrou.  Ao mesmo tempo, porém, exige a individualização pessoal do propósito da fé.  Quando Lutero designa essa fé expressamente como a fé que justifica, ele chegou à razão trans-subjetiva - a razão à qual a fé na justificação pode se ancorar.70 (p.113)

            Estritamente falando, realmente, até esse ponto nada mais tem sido dito além de que o Cristo inocente tomou sobre si mesmo a Lei, a ira de Deus, maldição e morte "por nós".  Contudo, deve-se ainda perguntar até que ponto isso realmente é eficaz para nó, isto é, para o nosso benefício.   Aqui agora a "mediação de antíteses" (mediatio contrarium) dialética começa pela fé - a mediação que não tem fundamento na atualidade separada dos fatos da Pessoa e da vida de Cristo.  Juntamente com a maldição que está sobre todos os homens, Cristo também carregou a minha maldição.  Sua própria livre vontade; e visto que a sua vontade era sempre idêntica à vontade do Pai, ele fez assim segundo à vontade de Deus.  Em segundo lugar, ele carregou essa maldição por amor de mim; e aqui, também, é verdade que no amor de Cristo o amor de Deus nos alcança.  Porém, ambos são inseparáveis um do outro.  Deus deixa Cristo suportar a maldição porque ele me ama, e ele me ama ao permitir que ele (Cristo) sinta e suporte a ira provocada por mim.  Por isso, Lutero também pode explicar o "por nós" (pro nobis) deixando o crente dizer a Cristo: "Tu, Cristo, és meu pecado e maldição, ou antes: Eu sou o teu pecado, tua maldição, tua morte, a ira de Deus e teu inferno! Tu, em contrapartida, és minha justiça, benção, vida, graça de Deus e céu, porque o texto diz claramente: 'Cristo foi feito maldição por nós'.71  Aqui estamos diante da "imputação comunicativa (intercambiável)" (imputatio communicativa) dos dogmáticos posteriores.   Se o fato que Cristo suporta a ira de Deus que está sobre mim me torna certo do amor ou da graça de Deus, deve-se concluir que "por causa de Cristo" (propter Christum) a ira de Deus não está mais sobre mim, mas sim a sua graça.  E visto que, por outro lado, a obra de Cristo consistiu no fato que naquilo que ele fez e sofreu, ele era perfeitamente justo, isto é meramente uma nova maneira de expressar a idéia básica da doutrina da justificação:  que eu sou justo porque a justiça de Cristo me é "imputada" (zugerechnet). (p.114)

            Assim Lutero chega "de baixo" (von unten her) ao conceito da substituição, isto é, à idéia que Cristo suportou o juízo da ira de Deus não apenas em nosso benefício, mas em nosso lugar. Contudo, a resposta também é dada à questão quanto a que ponto o perdão de pecados pode ser designado como uma imputação de justiça.  Se pela fé o cristão e Cristo se tornam tão perfeitamente recíprocos que a minha maldição é sua maldição, a minha morte é sua morte, mas o seu cumprimento da Lei é meu também, eu sou realmente tão justo como Cristo era. (p.114)   Naturalmente, esta permanece sendo uma justiça da fé, mas também uma justiça da fé.  E se, finalmente, a primeira contradição insolúvel era um antagonismo de Deus para com Deus, do Deus que exige justiça para com o Deus que a dá, agora é evidente numa forma paradoxal que precisamente a justiça concedida - ao crente - é idêntica com a justiça exigida e - "por causa de Cristo" (propter Christum), mas também pelo crente - cumprida. (p.115)

            Nas confissões mais antigas, a conexão entre a Pessoa e obra de Cristo e a justificação não é diferente.  Esse foi o caso já no Concílio de Ansbach, de 1524, que fala sobre a obra de Cristo unicamente nesse contexto, bem como nos Artigos de Copenhagen, de 1530, onde, contrariamente, a doutrina da justificação está contida no que esses artigos ensinam sobre a Pessoa de Cristo.72 Na verdade, o terceiro dos Artigos de Schwabach fala sobre a relação das duas naturezas de Cristo com a sua obra.  O terceiro artigo da Confissão de Augsburgo o discute primeiro sem referência à doutrina da justificação, e a confutação papal louvou-o por estar em concordância com a "regra da fé" (regula fidei).73  Aqueles que redigiram essa confutação obviamente ignoraram o fato que na sentença da Confissão de Augsburgo - que o sacrifício de Cristo é válido não somente para o pecado original, mas para todos os pecados - já fora mirada uma fina barba na teologia dos oponentes.(p.115)  Além disso, a Confissão de Augsburgo e a Apologia empregam uma série de modificações que parecem ir além da linha de pensamento desenvolvida por Lutero.  Esses são, acima de tudo, os conceitos de "Mediador"(mediator).  "Propiciação" (propitiatorium), "Sacerdote" (pontifex), e "Intercessor" (intercessor) para Cristo (CA XXI; AC IV:40,46); além destes, os conceitos de "reconciliação" (reconciliatio), "redenção" (redemptio), "aplacar" (placatio), e "satisfação" (satisfactio) para a obra de Cristo (CA III,IV,xx; AC II:18,44,69,81; III:185; XII:23). Cristo, ou a sua obra, são designados como um sacrifício e, o que é mais, como um sacrifício de expiação (Sühnopfer) (CA III, XXIV).  Seu sacrifício é colocado em conexão especial com o seu sangue, seu sofrimento, sua morte (CA IV:25; AC II:15) - "unicamente a mote de Cristo é verdadeiramente um sacrifício propiciatório" (sola mors Christi est vere propitiatorium sacrificium) (AC XII:24).(p.115)  Não apenas um "mérito" (meritum) de Cristo é mencionado (CA V,XX,etc), mas os "méritos de Cristo" (merita Christi) são igualmente designados como o "preço" (pretium), o seu "sangue e mérito" como "o tesouro com que foi feito pagamento por nós" (der Schatz, durch welchen die Sünde bezahltet ist) (AC II:53,57) (p.116)

            Lutero também usou cada um desses conceitos.  Precisa-se apenas recordar o Segundo Artigo da segunda parte principal ou da quinta parte principal do Catecismo Menor para se concluir da importância básica que tudo isso tem para ele.  Ele introduz o "artigo principal" (Hauptartikel) dos Artigos de Esmalcalde com Rm 4.24; Jo 1.29 e Is 53.6!  Aqui são evidentes - mas também na Apologia de Melanchthon - as raízes Neotestamentárias da doutrina da Reforma sobre a obra da salvação "objetiva" de Cristo.  Pode-se estar em dúvida com respeito ao seu conceito de "satisfação" (satisfactio).  Contudo, aqui também os dogmáticos posteriores destacam que embora a palavra em si não seja uma parte de uso Bíblico, ela é apoiada por uma série de sinônimos do Novo Testamento.74 (p.116)  Poder-se-ia aceitá-lo ressalvando-se que se evita a falsa concepção que a obra salvadora de Cristo tem a ver com algo - o valor do dinheiro, por exemplo - que se considere sem seus motivos.   Mesmo a expressão de Lutero na exposição do Segundo Artigo - a expressão tomada da primeira epístola de Pedro - poderia em si mesma ser interpretada dessa maneira.  Isto, porém, contradiria a inseparabilidade da Pessoa e do ofício de Cristo - a inseparabilidade que ele sempre enfatizou.75 (p.116)

            Por meio da sua interpretação da "justiça de Cristo" (justitia Christi), a Fórmula de Concórdia construiu um dique contra toda má interpretação de tal natureza.  Esse serviço não pode ser suficientemente valorizado.  Ele ocorreu na sentença, dirigida contra Osiander, que a justiça imputada à fé era a obediência de Cristo (DS III:9).  Mesmo que seja também parafraseada como "obediência, sofrimento e ressurreição" (15) ou como "obediência, sofrimento e morte" (32), ainda assim a sua Pessoa toda, a vida e obra estão incluídos no conceito de obediência.76  Essa obediência revelou-se no fato que "Ele cumpriu a Lei por nós" (30), e isto "agindo e sofrendo, na vida e na morte" (agendo et patiendo, in vita morte) (15).(p.116)  Pode-se duvidar que essa separação aguda da "obediência ativa" (obedientia activa) da "passiva" (passiva) - a separação que os dogmáticos posteriores derivaram desta e que ainda era vigorosamente disputada na teologia do século XIX - estava em conformidade com o sentido de Lutero.  Quando Lutero fala no "cumprimento da Lei" (impletio legis) por meio de Cristo (WA 2,466, 14; 523,15; 561,39; 563,35; WA 10 I, 1, p.471,2), para ele, bem como para Paulo, a Lei é sempre um todo, um poder objetivo - ou antes o  poder objetivo - que, após o surgimento do pecado do homem, faz uma determinada exigência para expiação.   Juntamente com o Novo Testamento, Lutero vê a expiação antes de tudo na morte de Cristo na cruz.  Contudo, isto teria significado expiatório somente porque Cristo ofereceu satisfação a toda a Lei, portanto também por meio do cumprimento ativo de todos os seus mandamentos.  Realmente, faz pouca diferença considerar o cumprimento ativo da Lei como um pré requisito ou como um elemento dentro da satisfação oferecida à Lei.  Até mesmo no sofrimento de Cristo a Fórmula de Concórdia enfatiza o elemento ativo, notadamente, a liberdade de escolha (DS III:15), e resume o cumprimento ativo e passivo da Lei sob o conceito da obediência.  Visto que nesse aspecto um acesso puramente real (nur dinglich) do mérito (merit) de Cristo, do "preço" (pretium) pago pelos pecadores, foi impedido, ao mesmo tempo a preocupação urgente de Lutero que a fé justificadora é sempre fé em Cristo recebeu sua ênfase.   Precisamente por essa razão é também um assunto de importância que a Fórmula de Concórdia não sabe da diferença que teólogos posteriores fizeram entre o "perdão de pecados" (remissio peccatorum) e a "imputação de Cristo" (imputatio Christi).  Nem mesmo podem os dois serem conceitualmente separados.  De outro modo, surgiria o perigo que "por causa de Cristo" (propter Christum) pareceria meramente uma suplementação externa do "pela fé" (per fidem), enquanto na realidade ambas as sentenças nada mais apresentam do que um desdobramento do ato único, indivisível da justificação. (p.117)


            10. RECONCILIAÇÃO E PREDESTINAÇÃO, EM LUTERO, EM SEPARAÇÃO

            No caso de Lutero, os terrores da experiência primeva (Urerlebnis) atingiram seu clímax diante do "Deus oculto" (Deus absconditus).  De maneira nenhuma são esgotados pelo medo da punição.  pelo contrário, eles devem ser entendidos como terror do próprio Deus, de Deus por sua própria causa.  O Deus com o qual se preocupam é o mestre absoluto do destino; Ele nos mantém na escravidão e nos faz responsáveis como se fôssemos livres - responsáveis por algo que simplesmente não podemos realizar. (p.117) Propriamente dito, portanto, essa terrível incompreensibilidade do "Deus oculto" (Deus absconditus) não parte da sua capacidade como Legislador e Juiz, mas únicamente da conexão que possui a sua capacidade como Legislador e Juiz com o seu poder sobre o nosso destino.  Mas se para a fé o "Deus revelado" (Deus revelatus) confronta abruptamente o "Deus oculto" (Deus absconditus) - tão abruptamente que em suas "Preleções em Gênesis" Lutero, de qualquer modo, chegou à conclusão que "deve-se discutir  o Deus oculto ou o Deus revelado; com respeito a Deus enquanto não foi revelado não há fé" (aut disputandum est de Deo abscondito aut de Deo revelato; de Deo, quatenus est non revelatus, non est fides)77 - deve-se perguntar até que ponto a causa daquele medo de Deus foi afastada ou superada.   A linha de pensamento na doutrina da justificação refere-se a apenas um aspecto dessa causa, a saber, à "justiça de Deus" (justitia Dei), isto é, à capacidade de Deus como Juiz. Que dizer, porém, do seu poder sobre o destino?    Era horripilante pensar sobre isto, porque "por natureza" nos encontramos no estado de pecado, isto é, de inimizade contra Deus, e porque quando perguntamos por uma razão suficiente, inevitavelmente voltamos contra o próprio Deus como a causa. (p.118)

            Aqui se apresenta primeiro uma solução aparentemente simples.  Pode-se ter por concedido que o único propósito de Deus em lançar o homem na miséria da sua culpa foi impedir-lhe qualquer idéia de seu próprio mérito e permitir-lhe ver que a sua salvação é um dom concedido puramente pela graça de Deus.  Dessa forma, pode-se entender o que Lutero diz sobre o "desespero salvífico" (salutaris desperatio),78 e sob esse ponto de vista todo o escrito contra Erasmo adquiriria um sentido uniforme.  Por outro lado, realmente, o uso por Lutero, naqueles escritos, dos exemplos de Esaú, Faraó e Judas imediatamente levaria alguém a pensar duplamente.  Naqueles casos, o poder de Deus sobre o destino não se torna benéfico, e seria puro conforto para essas pessoas perdidas se, juntamente com Lutero, se almejasse falar-lhes num espírito reprovador que Deus rejeitou Faraó a fim de que a nossa fé pudesse ser fortalecida (714,6ss).  Quando, porém, se persegue a idéia da "preparação para a graça" (preparatio ad gratiam) por meio da teleologia divina de nossa culpa um tanto posteriormente, ter-se-ia que concluir que o nosso medo de Deus foi apenas uma ilusão.  Na realidade o fato horroroso que devemos estar e lutar contra Deus porque um decreto terrível já era uma concessão da graça. (p.118) Para esta conclusão, poder-se-ia aduzir a crença de Lutero que Deus é assim como nós o descrevemos para nós mesmos: "Se você acredita que Deus é irado - Ele está" (Si credis Deum iratum - est) (WA 40,II,342,16). Fora deste contexto, isto pode ser entendido no sentido que a ira de Deus não é nada além de um produto da nossa imaginação.  E no século XIX, até mesmo o primeiro parágrafo da explicação do Primeiro Mandamento no Catecismo Maior foi acrescentado para apoiar isto. (p.119)

            Aqui mesmo, de qualquer maneira, se volta contra a resistência que faz criar todas as séries de idéias.  Isto já está implícito na fórmula "Se você crê que Deus está irado - Ele está" (Si credis Deumiratum - est).  Se você é incapaz de crer que Ele é misericordioso, então ele é irado e, o que é pior, realmente irado, não apenas na sua imaginação (WA 9,515,29;666,27).  Pois a sentença à primeira vista puramente subjetivista "Assim como tu pensas de Deus, assim ele mesmo é" (Sicut de Deo cogitas, sic ipse) Lutero aplica ao servo infiel que chama o seu mestre de "duro e azedo" (hart und sauer) e por essa razão realmente não encontra outro mestre (WA 37,589,8ss.). Então se teria unicamente de perguntar se a descrença, isto é, não ser capaz de crer que Deus é misericordioso é a primeira coisa a provocar a ira de Deus. Então se recordaria a maneira de Lutero encará-lo: que a descrença é pecado no sentido saliente da palavra.   Isto, porém, não alteraria o fato que a ira divina é real numa forma trans-subjetiva.  Então, porém, não surge aqui a mesma questão para a fé, que é levantada em conexão com a linha de pensamento perseguida na doutrina da justificação - a questão pertencente à razão suficiente para a certeza do crente que a ira de Deus não se lhe aplica.  E aqui Lutero não deixa nenhuma dúvida sequer quanto à sua convicção que a ira de Deus tinha de ser aplacada e que isto foi feito unicamente através Cristo (WA 8,519,5ss.; WA 25,328,10; 330,4; WA 27, 167, 4; WA 40 I,295,4). Disto se segue que o nosso medo de Deus, antes de crermos e se não o crermos, é positivamente fundamentado em fato.  Perante Deus a nossa inimizade contra Ele se eleva à resistência real. (p.119)

            Isto dá um novo sentido à pessoa e obra de Cristo.  "Entre nós e Deus há a maior discórdia e separação eterna" (Inter nos et Deum maxima discordia et aeterna separatio) (WA 40 I,504,2). "Nós somos os que ofendem a Deus; Ele, juntamente com a sua Lei, é ofendido no mais alto grau, e a ofensa é tanta que ele não pode perdoá-la e eu não posso cancelá-la" (Nos sumus offendentes Dei; offensissimus cum sua lege et talis offensio, ut eam non possit remittere et ego non solvere) (503,9).  É a colisão ativa do pecador com a ira de Deus ou, como resultado disso, a impossibilidade de poder haver comunhão entre o "homem pecador" (homo peccator) e o "justo Deus" (Deus justus). (p.119) 
Nesta situação Cristo surge como "Mediador" (mediator) que, por sua morte estabelece a paz entre Deus e o homem, ou como "Propriciador" (propitiator), , a sua obra como "aplacamento" (placatio), a saber, do Deus que foi ofendido por nós, ou como "reconciliação" (reconciliatio),  a fim de que a "máxima discórdia" (maxima discordia) fosse vencida.    Ou, para expresssá-lo de outra maneira: Cristo realiza o ofício de sumo sacerdote que aplaca a Deus e ao mesmo tempo é o sacrifício.  Ele faz a paz  e nos dá "a sua graça mediante a fé" (eynen tzugang tzu gnaden ym glauben). E para dizê-lo ainda de outra maneira: Ele é o "Libertador" (liberator), o "Redentor" (redemptor); a sua obra é a redenção.79 (p.120)

            Se os fatos da reconciliação e da redenção estão ligados à vida e sofrimento de Cristo, especialmente à sua morte, eles têm seu lugar na contingência de eventos em que eu, um ser humano de hoje, não tenho qualquer influência, nem mesmo por meio da minha fé.  Quanto muito, posso ser uma parte dessa contingência de eventos na medida em que Cristo, com o amor que determinou o seu curso, me envolveu, ou, para expressá-lo na linha de pensamento da doutrina da justificação, porque ele imputou-me a sua justiça; isto é,  o efeito da sua reconciliação e redenção me é, agora, aplicado.   Mas visto que no meu estado de maldição a ira que poderia ser sentida não era imaginária mas "real" e a fé, por outro lado, certa da reconciliação, tem um "Deus misericordioso", e isto certamente se fundamente numa contingência de eventos que me é trans-subjetiva, deve-se concluir no sentido de Lutero que por meio da Pessoa e obra de Cristo foi operada a mudança da ira para a misericórdia do próprio Deus.  Aqui ainda não é necessário investigar se e como isto é consistente em geral com a fé em Deus e se não há nenhum "conceito de Deus" que possa ser a norma final para essa questão. Pelo contrário, agora precisamos estabelecer o fato que em todos os eventos que são o lado fatal do nosso estado de maldição também sofreram uma mudança real, na medida em que a tensão hostil entre Deus e nós - a tensão em que nos encontramos por natureza, isto é, por causa de nosso destino - foi suplantada pela reconciliação e a paz  com Deus.  Pois justamente assim como o Evangelho contém a promessa que Ele e a sua obra são válidos "por mim" (pro me), e visto que a aplicação "a mim" é uma função essencial da fé, assim a fé também torna certo que a reconciliação e redenção são "por mim" (pro me), que eu, portanto, como crente, estou reconciliado com Deus. (p.120) Por conseguinte, a fé também vê Deus como criador e senhor do seu destino à luz da obra redentora de Cristo (cf. The Doctrine of God e Close Connection with the Earth). (p.121)

            Se Cristo é o "Libertador" (liberator) para o crente, "liberdade" (libertas) é uma das coisas que ele opera.  Agora qualquer coisa que seja entendida por "liberdade cristã", o poder de Deus sobre o destino do homem não pode de maneira alguma ser abolido por ela.   As palavras "por graça somente" (sola gratia) estão acima de tudo o que foi dito sobre  justificação, reconciliação e redenção.  A mudança total que o crente experimenta em sua vida repousa na iniciativa de Deus.  Conseqüentemente, a fé entra num novo relacionamento para com a sua experiência do poder de Deus sobre o destino - ou, antes, agora pela primeira vez num relacionamento positivo.  É fato que "a nossa salvação depende da obra de Deus apenas" (in solius opere Dei pendere salutem nostram) (WA 18, 634, 16).  Se a palavra "apenas" (solius) é efatizada aqui, isto, realmente, não é algo que leva além do conceito "por graça somente" (sola gratia).  No entanto, quando se enfatiza a palavra "obra" (opus), chega-se ao conceito da atividade de Deus.  Isto leva ao problema da predestinação. (p.121)

            Não diretamente, é verdade!  A atividade de Deus, com a qual a fé se ocupa, é uma atividade no presente.  Somente conclusões causais a posteriori levam à idéia da predestinação.  Não é necessário ainda discutir aqui se a fé pode chegar a ou sustentar tal conclusão causal, porque este é um assunto da relação da fé com a filosofia de vida, enquanto agora estamos discutindo exclusivamente a sua relação com a "salvação" (salus).  De qualquer modo tal conclusão seria perigosa para a fé, porque a mera aplicação da categoria de causalidade à relação do homem com Deus, foi, realmente, um elemento essencial no medo de Deus. Indiretamente isto é confirmado no escrito "Do Servo Arbítrio" (De Servo Arbitrio) pelo fato que aqui Lutero acrescenta testemunhos de não cristãos e da "razão" (ratio) à onipotência de Deus que está no âmbito da doutrina da predestinação (WA 18,618,8ss; 718, 15; 786,5).  Portanto, se este escrito intencionava provar  a onipotência de Deus - conforme alguns "estudiosos de Lutero" (Lutherforscher) já ensinam - ele poderia muito bem não ter sido escrito.  Normalmente, Lutero não está no hábito de ocupar-se com coisas que são certas com base na "razão" (ratio).  Em acréscimo, ele não deixa nenhuma dúvida aqui, que a linha de pensamento com referência à predestinação chega a um fim perante o "Deus oculto" (Deus absconditus), perante "os segredos incompreensíveis da majestade divina" (incomprehensibilia secreta divina majestatis) (631,34ss.; 685,5ss., 28ss.,706,28;712,25); e aqui ele novamente invoca a razão (ratio) como testemunha para a incompreensibilidade (784,27).(p.121)  Realmente, aqui existe entre a atitude dos incrédulos e dos crentes para com a incompreensibilidade do Deus que predestina a verdadeira diferença essencial que os últimos são por ela impelidos à "adoração" (adoratio) (631,40), os primeiros ao "desespero, ódio a Deus e blasfêmia" (desperatio, odium Dei et blasphemia) (631,14).  A partir disso, portanto, segue-se que a idéia de predestinação não pode de modo algum prover um fundamento para a fé, mas que a fé já deve existir se a idéia de predestinação deve ser sustentável (p.122)

            Nesse escrito Lutero também fixa grande, senão toda, provisão pelo fundamento da fé, a saber, pela certeza da salvação (604,33; 605, 6; 646 2ss.; 656,9; 783,24ss.).  Se a mera idéia da predestinação não pode testemunhar por essa certeza - porque ela não exclui a possibilidade do "desespero" (desperatio) - a base da fé deve ser algo a mais.  E aqui nada mais é do que é, alhures, em Lutero, a saber, "o Evangelho, pelo qual o Espírito e a graça são oferecidos para o perdão de pecados por meio do Cristo crucificado" (Evangelium, quo offertur spiritus et gratia in remissionem peccatorum per Christum crucifixum) (692,21), a "misericórdia proclamada" (misericordia praedicata) (684,34), o "Deus proclamado" (Deus praedicatus) (655,6), Cristo como a "Luz do mundo" (lux mundi) (655,6) nossa "Sabedoria" (sapientia) (638,21), o "Cordeiro de Deus" (agnus Dei) e nosso "Redentor" (redemptor) (744,26;8), "Mediador e Salvador" (mediator et salvator) (778,15).   Se não fosse o caso, como poderia Lutero declarar contra Erasmo, e neste escrito mesmo que: "Pois nós, também, nada ensinamos senão o Jesus crucificado" (Nam et nos nihil nisi Jhesum crucifixum docemus) (638,24)?  Segue-se, a partir disto, que a doutrina da predestinação pode ter um significado apenas subsidiário.   Em que sentido - isto, também, é colocado por Lutero numa forma que não pode ser mal entendida.  Essa doutrina, diz ele, é necessária por duas razões.  "A primeira é a humilhação da nossa soberba e o conhecimento da graça da Deus, a segunda é a própria fé cristã" (Prima est humiliatio nostrae superbiae et cognitio gratiae Dei, altera ipsa fides Christiana) (632,27).  A primeira toca o tema geral de toda a Escritura: que a doutrina da predestinação lança um sopro aniquilador contra o "livre arbítrio" (liberum arbitrium) (615, 14; 718, 25ss.; 783,29ss).  Deus espera revelar-nos a "nossa impotência" (nostram impotentiam) (673,35).  Mas mesmo isto apenas nos lançaria ao desespero se o seu reverso não fosse o fato que desta maneira aprendemos "que Cristo é necessário" (Christum esse necessarium) (779,23; 744,14ss.;786,18). (p.122)   Por esse motivo, e exclusivamente por isso, Lutero pode afirmar que a doutrina da predestinação é proclamada unicamente "por causa dos eleitos" (propter electos) (633,2). (p.123)

            A outra razão é a "própria fé cristã" (ipsa fides Christiana).  Realmente, essa idéia - visto que, estritamente falando, não pertence ao tema da Escritura - é tratado apenas brevemente.  Todavia, é tratado de uma maneira tão clara que não pode ser mal entendido.  "A segunda é, que se trata da fé em coisas não vistas.  Portanto, a fim de que haja um lugar para a fé, é necessário que todas as coisas que são cridas sejam ocultas." (Altera est, quod fides est rerum non apparentium. Ut ergo fidei locus sit, opus est, ut omnia, quae credentur, abscondantur) (633,7).  Ou um pouco adiante: "Se de qualquer modo eu fosse capaz de entender como esse Deus que revela tamanha ira e injustiça é misericordioso e justo, não haveria nenhuma necessidade de fé" (Si igitur possem ulla ratione comprehendere, quomodo is Deus sit misericors et justus, qui tantam  iram et iniquitatem ostendit, non opus esset fide) (linha 19).  (p.123) Se aqui o "mais alto grau da fé" é visto nisto, que se crê "que ele está representando quem salva a tão poucos, condena a tantos...é justamente quem por sua vontade nos torna necessariamente dignos de condenação" (illum esse clementem, qui tam paucos salvat, tam multos damnat...justam, qui  sua voluntate nos necessario damnabiles facit) (linha 15), torna-se claro que a fé, para ser fé, deve superar a idéia de predestinação.  Pois o fato que poucos são salvos e muitos são condenados, que Deus "torna responsável" (reos facit) (linha 10), que "ele revela tamanha ira e injustiça" (tantam iram et iniquitatem ostendit) (linha 20) - essas são precisamente as "coisas vistas" (res apparentes) por trás das quais Deus esconde aquilo que deve ser crido, a saber, a sua "justiça, vivificação, clemência e misericórdia (justitia, vivificatio, clementia et misericordia)!  Estas são as coisas óbvias contra as quais se deve crer.  Aqui está inteiramente claro que a doutrina da predestinação é meramente uma idéia auxiliar.  A fé, realmente, nunca agirá aparte daqueles fatos evidentes, assim como não pode fazê-lo com o pensamento racional.  Sim, ela usa aqueles fatos constantemente a fim de nunca ser qualquer coisa além de uma "fé apesar disso" (Dennoch-Glaube).  Portanto, a fé sempre conterá aqueles fatos como um elemento necessário, mas como um elemento que foi superado e deve constantemente ser combatido.  Contudo, nunca podem oferecer razões positivas para a fé na "justiça de Deus" (justitia Dei) no sentido da doutrina da justificação, na misericórdia de Deus; e no perdão dos pecados. (p.123)

            De fato, uma outra série de idéias parece estar em oposição a isto(p.123)  Naturalmente, não a idéia que Deus faz tudo em todos, que ele endurece, que mesmo o pecado não é cometido sem ele - tudo isto é o "Deus oculto" (Deus absconditus), o "Deus irado" (Deus iratus), contra quem se deve crer.  E a mesma coisa é verdadeira com respeito à "dupla vontade" de Deus.  Por outro lado, a doutrina da predestinação parece adquirir o significado positivo para o fundamento da fé quando Lutero diz que ela é necessária no sentido que possamos estar certos das Suas promessas (619,16ss.).  Pois a isto, diz ele, pertence a certeza que Deus não mente, que a sua vontade é irresistível e não pode ser obstruída.  Quais são, porém, as promessas?  Segundo a Escritura, elas se limitam a nada mais do que normalmente fazem: à oferta do "Espírito e da graça para a remissão dos pecados obtido para nós por meio do Cristo crucificado"(spiritus et gratia in remissionem peccatorum per Christum crucifixum pro nobis impetratam) (692,19ss.). Visto, portanto, que aqui também, como sempre, a fé nas promessas está fundamentada em Cristo, também aqui a doutrina da predestinação pode meramente ser uma idéia auxiliar.  Logo, o mesmo é verdade a respeito dos enunciados que apenas o "eleito" (electi) crê (632,9) ou que "a graça procede de um plano ou da predestinação" (gratia ex proposito seu praedestinatione venit) (772,39).  Pois essas sentenças somente conduzem ao "decreto da eleição" (decretum electionis), não a um de "rejeição" (reprobationis). (p.124) Para Lutero, a certeza de ser um eleito está baseada no Cristo "por mim" (pro me), e a graça que ele depreende aqui "da predestinação" (ex praedestinatione) não é nenhuma outra senão "as graças que damos pela Palavra da vida e da salvação" (gratia, quam rependimus verbo vitae et salutis) (628,12), isto é, portanto, a "misericórdia proclamada" (misericordia praedicata)! Se aqui permanece uma inconsistência enquanto, por um lado, Lutero encara a idéia da predestinação como algo a ser vencido e, por outro lado, a despeito disso vê avanços positivos que levam dela à fé, esse segundo aspecto nunca deve ser pretendido de modo que o crente possa ligar-se a Cristo porque, com base na predestinação, ele está seguro que a graça lhe é prometida em vista da sua eleição.   Lutero está convencido que é verdadeiro exatamente o oposto, para - "conhecimento de Cristo, isto é, de coisas que pertencem à salvação" (notitia Christi, id est, eorum quae sunt salutis) (779,6).  E se por razões polêmicas ele não para com esse assunto em seu escrito, também não o deixou em suspenso aqui: "Não é nenhuma preocupação nossa a que ponto Deus se oculta e não deseja ser conhecido por nós" (Quatenus Deus abscondit et ignorari a nobis vult, nihil ad nos) (685,6). (p.124)

            Mais tarde, portanto, Lutero possui um direito de exigir na sua grande obra "Preleções em Gênesis" que ao apontar para o seu ensino "que todas as coisas são absolutamente necessárias" (omnia esse absoluta et necessaria) não se deve esquecer que ele acrescentou "que se deve olhar para o Deus revelado" (quod aspiciendus sit Deus revelatus) (WA 43,463,6; cf. a secção toda pp.457-463).  Sua teologia toda é uma teologia de revelação, e quando a doutrina da predestinação se ocupa com o "Deus oculto" (Deus absconditus), este pode ser um assunto da teologia apenas indiretamente.80 Até mesmo a fé pode ocupar-se apenas indiretamente com essa doutrina.  Se realmente é fé, ela está constantemente dirigida a Cristo, vê Deus somente em Cristo, e, como resultado - se ela realmente não se fundamenta na idéia da predestinação - vê o Deus que predestina unicamente como o Pai a quem estou reconciliado por meio de Cristo.  Assim Lutero ensina, em 1519 - dogmaticamente no seu primeiro "Comentário aos Gálatas" (WA 2,458,1-34) e praticamente no seu "Sermão sobre a Preparação para Morte" (WA 2, 690,10ss.).  Se a pergunta quanto a eleição surge para você como uma dúvida, diz ele aqui, "olhe para a descrição celestial de Cristo...Observe que nessa descrição o seu inferno é vencido, e a sua eleição incerta (vorsehung) é tornada certa."81  E na carta de consolação (EA 54,21ss.) que redigiu em 1528 a uma pessoa anônima, exige que "não se deve começar com a Lei ou com a razão, ao se discutir a eleição de Deus, mas com a graça de Deus e o Evangelho proclamado a todos os homens".  De modo semelhante, ele contrasta o que Cristo diz em Jo 17.6 como a Palavra da revelação e, portanto, como uma "passagem cheia de consolo" (consolationis plenum locum) com a tentação à qual a predestinação conduz (WA 28,114,5ss.) - a tentação que termina em desespero (122,1ss.).  (p.125) Por essa razão, ele mais tarde (1537) caracteriza as investigações na predestinação como a pura e simples obra do maligno: "Ali Satanás ordena tais pessoas a subir mais do que Deus espera, para que possam investigar se elas foram eleitas, se serão salvas, e ir daquilo que Deus revelou entregando-se a sonhos sobre outras coisas - coisas que ele não revelou" (Ibi Satan jubet tales hoher steigen, quam deus wil habn, ut forschen, an sint versehen, obs selig werden, und faren ex revelatione, quam deus revelavit, in alia somnia, quae non revelavit) (WA 45,95,32).  E isso não é nada diferente do que ele pretendia quando, em data mais antiga, em seu escrito "Do Servo Arbítrio" (De Servo Arbitrio), caracterizou a tentativa de penetrar no mistério da predestinação como uma luta contra Deus (cum Deo pugnare) (WA 18,690,26).82(p.125)

            Lutero teve de chegar a essa conclusão, não a despeito do propósito básico desse escrito, mas simplesmente condução lógica do seu contraste entre o "Deus oculto" (Deus absconditus) e o "Deus revelado" (Deus revelatus).  Mesmo aqui e, conforme colocado antes, por volta de 1519, ele confronta o cristão como um "se-ou" ao colocar a questão porque ele é salvo.   Se perguntarem se vocês foram "eleitos" (versehen), predestinados - então a dúvida certamente os leva ao desespero.  Ou perguntarem se vocês foram redimidos da ira de Deus e estão reconciliados com Ele - então a fé em Cristo os leva à certeza, e vocês estão redimidos e reconciliados.  No escopo da doutrina da salvação de Lutero, portanto, pode haver somente redenção e reconciliação ou predestinação.  A menos que, juntamente com dogmáticos posteriores, se equipara o conceito da "eleição" (electio) com a predestinação e o faz mais logicamente do que eles mesmos o fazem.  Então se pode ensinar, assim como eles, que a "predestinação" (praedestinatio) não é "absoluta mas ordenada" (non absoluta, sed ordinata), a saber, "fundamentada em Cristo, o Mediador" (in Christo mediatore fundata) - e desta maneira não se chegaria ainda ao conflito com a visão total de Lutero, embora ele formalmente rejeitara uma diferenciação entre a "vontade de Deus ordenada e absoluta" (voluntas Dei ordenata et absoluta)83  Contudo, entre Lutero e os dogmáticos posteriores existe a Fórmula de Concórdia. (p.126)

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BENEVENUTI ARTIGO ASAS ASCENSÃO ASCLÉPIO ASSEMBLEIA ASTOMIRO ROMAIS AT AT 1 AT 1-10 AT 1.12-26 AT 10.34-43 AT 17.16-34 AT 2.1-21 AT 2.14a 36-47 AT 2.22-32 AT 2.36-41 AT 2.42-47 AT 4.32-37 AT 6.1-9 AT 7.51-60 ATANASIANO ATOS AUDIO AUGSBURGO AUGUSTO KIRCHHEIN AULA AUTO ESTIMA AUTO EXCLUSÃO AUTORIDADE SECULAR AVANÇANDO COM GRATIDÃO AVISOS AZUL E BRANCO BATISMO BATISMO INFANTIL BELÉM BEM AVENTURADOS BENÇÃO BENJAMIM JANDT BIBLIA ILUSTRADA BÍBLIA SAGRADA BÍBLICO BINGOS BOAS NOVAS BOAS OBRAS BODAS BONIFÁCIO BOSCO BRASIL BRINCADEIRAS BRUNO A. K. SERVES BRUNO R. VOSS C.A. C.A. AUGSBURGO C.F.W. WALTHER CADASTRO CAIPIRA CALENDÁRIO CAMINHADA CAMPONESES CANÇÃO INFANTIL CANCIONEIRO CANTARES CANTICOS CÂNTICOS CANTICOS DOS CANTICOS CAPELÃO CARGAS CÁRIN FESTER CARLOS CHAPIEWSKI CARLOS W. WINTERLE CARRO CASA PASTORAL CASAL CASAMENTO CASTELO FORTE CATECISMO CATECISMO MENOR CATÓLICO CEIA PASCAL CÉLIO R. DE SOUZA CELSO WOTRICH CÉLULAS TRONCO CENSO CERIMONIAIS CÉU CHÁ CHAMADO CHARADAS CHARLES S. MULLER CHAVE BÍBLICA CHRISTIAN HOFFMANN CHURRASCO CHUVA CIDADANIA CIDADE CIFRA CIFRAS CINZAS CIRCUNCISÃO CL 1.13-20 CL 3.1-11 CLAIRTON DOS SANTOS CLARA CRISTINA J. MAFRA CLARIVIDÊNCIA CLAÚDIO BÜNDCHEN CLAUDIO R. SCHREIBER CLÉCIO L. SCHADECH CLEUDIMAR R. WULFF CLICK CLÍNICA DA ALMA CLOMÉRIO C. JUNIOR CLÓVIS J. PRUNZEL CODIGO DA VINCI COLÉGIO COLETA COLHEITA COLOSSENSES COMEMORAÇÃO COMENTÁRIO COMUNHÃO COMUNICAÇÃO CONCÓRDIA CONFIANÇA CONFIRMACAO CONFIRMAÇÃO CONFIRMANDO CONFISSÃO CONFISSÃO DE FÉ CONFISSÕES CONFLITOS CONGREGAÇÃO CONGRESSO CONHECIMENTO BÍBLICO CONSELHO CONSTRUÇÃO CONTATO CONTRATO DE CASAMENTO CONVENÇÃO NACIONAL CONVERSÃO CONVITE CONVIVÊNCIA CORAL COREOGRAFIA CORÍNTIOS COROA CORPUS CHRISTI CPT CPTN CREDO CRESCENDO EM CRISTO CRIAÇÃO CRIANÇA CRIANÇAS CRIOULO CRISTÃ CRISTÃOS CRISTIANISMO CRISTIANO J. STEYER CRISTOLOGIA CRONICA CRONOLOGIA CRUCIFIXO CRUZ CRUZADAS CTRE CUIDADO CUJUBIM CULPA CULTO CULTO CRIOULO CULTO CRISTÃO CULTO DOMESTICO CULTO E MÚSICA CULTURA CURSO CURT ALBRECHT CURTAS DALTRO B. KOUTZMANN DALTRO G. TOMM DANIEL DANILO NEUENFELD DARI KNEVITZ DAVI E JÔNATAS DAVI KARNOPP DEBATE DEFICIÊNCIA FÍSICA DELMAR A. KOPSELL DEPARTAMENTO DEPRESSÃO DESENHO DESINSTALAÇÃO DEUS DEUS PAI DEVERES Devoção DEVOCIONÁRIO DIACONIA DIÁLOGO INTERLUTERANO DIARIO DE BORDO DICOTOMIA DIETER J. JAGNOW DILÚVIO DINÂMICAS DIRCEU STRELOW DIRETORIA DISCIPLINA DÍSCIPULOS DISTRITO DIVAGO DIVAGUA DIVÓRCIO DOGMÁTICA DOMINGO DE RAMOS DONS DOUTRINA DR Dr. RODOLFO H. BLANK DROGAS DT 26 DT 6.4-9 EBI EC 9 ECLESIASTES ECLESIÁSTICA ECUMENISMO EDER C. WEHRHOLDT Ederson EDGAR ZÜGE EDISON SELING EDMUND SCHLINK EDSON ELMAR MÜLLER EDSON R. TRESMANN EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO CRISTÃ EF 1.16-23 EF 2.4-10 EF 4.1-6 EF 4.16-23 EF 4.29-32 EF 4.30-5.2 EF 5.22-33 EF 5.8-14 EF 6.10-20 ÉFESO ELBERTO MANSKE Eleandro ELEMAR ELIAS R. EIDAM ELIEU RADINS ELIEZE GUDE ELIMINATÓRIAS ELISEU TEICHMANN ELMER FLOR ELMER T. JAGNOW EMÉRITO EMERSON C. IENKE EMOÇÃO EN ENCARNAÇÃO ENCENAÇÃO ENCONTRO ENCONTRO DE CRIANÇA 2014 ENCONTRO DE CRIANÇAS 2015 ENCONTRO DE CRIANÇAS 2016 ENCONTRO PAROQUIAL DE FAMILIA ENCONTROCORAL ENFERMO ENGANO ENSAIO ENSINO ENTRADA TRIUNFAL ENVELHECER EPIFANIA ERA INCONCLUSA ERNI KREBS ERNÍ W. SEIBERT ERVINO M. SPITZER ESBOÇO ESCATOLOGIA ESCO ESCOLAS CRISTÃS ESCOLÁSTICA ESCOLINHA ESCOLINHA DOMINICAL ESDRAS ESMIRNA ESPADA DE DOIS GUMES ESPIRITISMO ESPÍRITO SANTO ESPIRITUALIDADE ESPÍSTOLA ESPORTE ESTAÇÃODAFÉ ESTAGIÁRIO ESTAGIÁRIOS ESTATUTOS ESTER ESTER 6-10 ESTRADA estudo ESTUDO BÍBLICO ESTUDO DIRIGIDO ESTUDO HOMILÉTICO ÉTICA EVANDRO BÜNCHEN EVANGELHO EVANGÉLICO EVANGELISMO EVERSON G. HAAS EVERSON GASS EVERVAL LUCAS EVOLUÇÃO ÊX EX 14 EX 17.1-17 EX 20.1-17 EX 24.3-11 EX 24.8-18 EXALTAREI EXAME EXCLUSÃO EXEGÉTICO EXORTAÇÃO EZ 37.1-14 EZEQUIEL BLUM Fabiano FÁBIO A. NEUMANN FÁBIO REINKE FALECIMENTO FALSIDADE FAMÍLIA FARISEU FELIPE AQUINO FELIPENSES FESTA FESTA DA COLHEITA FICHA FILADÉLFIA FILHO DO HOMEM FILHO PRÓDIGO FILHOS FILIPE FILOSOFIA FINADOS FLÁVIO L. HORLLE FLÁVIO SONNTAG FLOR DA SERRA FLORES Formatura FÓRMULA DE CONCÓRDIA Fotos FOTOS ALTO ALEGRE FOTOS CONGRESSO DE SERVAS 2010 FOTOS CONGRESSO DE SERVAS 2012 FOTOS ENCONTRO DE CRIANÇA 2012 FOTOS ENCONTRO DE CRIANÇAS 2013 FOTOS ENCONTRO ESPORTIVO 2012 FOTOS FLOR DA SERRA FOTOS P172 FOTOS P34 FOTOS PARECIS FOTOS PROGRAMA DE NATAL P34 FP 2.5-11 FP 3 FP 4.4-7 FP 4.4-9 FRANCIS HOFIMANN FRASES FREDERICK KEMPER FREUD FRUTOS DO ES GÁLATAS GALILEU GALILEI GATO PRETO GAÚCHA GELSON NERI BOURCKHARDT GENESIS GÊNESIS 32.22-30 GENTIO GEOMAR MARTINS GEORGE KRAUS GERHARD GRASEL GERSON D. BLOCH GERSON L. LINDEN GERSON ZSCHORNACK GILBERTO C. WEBER GILBERTO V. DA SILVA GINCANAS GL 1.1-10 GL 1.11-24 GL 2.15-21 GL 3.10-14 GL 3.23-4.1-7 GL 5.1 GL 5.22-23 GL 6.6-10 GLAYDSON SOUZA FREIRE GLEISSON R. SCHMIDT GN 01 GN 1-50 GN 1.1-2.3 GN 12.1-9 GN 15.1-6 GN 2.18-25 GN 21.1-20 GN 3.14-16 GN 32 GN 45-50 GN 50.15-21 GRAÇA DIVINA GRATIDÃO GREGÓRIO MAGNO GRUPO GUSTAF WINGREN GUSTAVO D. SCHROCK HB 11.1-3; 8-16 HB 12 HB 12.1-8 HB 2.1-13 HB 4.14-16 5.7-9 HC 1.1-3 HC 2.1-4 HÉLIO ALABARSE HERIVELTON REGIANI HERMENÊUTICA HINÁRIO HINO HISTÓRIA HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA E MEDIEVAL HISTÓRIA DO NATAL HISTORINHAS BÍBLICAS HL 10 HL 164 HOMILÉTICA HOMOSSEXUALISMO HORA LUTERANA HORST KUCHENBECKER HORST S MUSSKOPF HUMOR IDOSO IECLB IELB IGREJA IGREJA CRISTÃ IGREJAS ILUSTRAÇÃO IMAGEM IN MEMORIAN INAUGURAÇÃO ÍNDIO INFANTIL INFERNO INFORMATIVO INSTALAÇÃO INSTRUÇÃO INTRODUÇÃO A BÍBLIA INVESTIMENTO INVOCAÇÕES IRINEU DE LYON IRMÃO FALTOSO IROMAR SCHREIBER IS 12.2-6 IS 40.1-11 IS 42.14-21 IS 44.6-8 IS 5.1-7 IS 50.4-9 IS 52.13-53-12 IS 53.10-12 IS 58.5-9a IS 61.1-9 IS 61.10-11 IS 63.16 IS 64.1-8 ISACK KISTER BINOW ISAGOGE ISAÍAS ISAQUE IURD IVONELDE S. TEIXEIRA JACK CASCIONE JACSON J. OLLMANN JARBAS HOFFIMANN JEAN P. DE OLIVEIRA JECA JELB JELB DIVAGUA JEOVÁ JESUS JN JO JO 1 JO 10.1-21 JO 11.1-53 JO 14 JO 14.1-14 JO 14.15-21 JO 14.19 JO 15.5 JO 18.1-42 JO 2 JO 20.19-31 JO 20.8 JO 3.1-17 JO 4 JO 4.5-30 JO 5.19-47 JO 6 JO 6.1-15 JO 6.51-58 JO 7.37-39 JO 9.1-41 JOÃO JOÃO 20.19-31 JOÃO C. SCHMIDT JOÃO C. TOMM JOÃO N. FAZIONI JOEL RENATO SCHACHT JOÊNIO JOSÉ HUWER JOGOS DE AZAR JOGRAL JOHN WILCH JONAS JONAS N. GLIENKE JONAS VERGARA JOSE A. DALCERO JOSÉ ACÁCIO SANTANA JOSE CARLOS P. DOS SANTOS JOSÉ ERALDO SCHULZ JOSÉ H. DE A. MIRANDA JOSÉ I.F. DA SILVA JOSUÉ ROHLOFF JOVENS JR JR 28.5-9 JR 3 JR 31.1-6 JUAREZ BORCARTE JUDAS JUDAS ISCARIOTES JUDAS TADEU JUMENTINHO JUSTIFICAÇÃO JUVENTUDE KARL BARTH KEN SCHURB KRETZMANN LAERTE KOHLS LAODICÉIA LAR LC 12.32-40 LC 15.1-10 LC 15.11-32 LC 16.1-15 LC 17.1-10 LC 17.11-19 LC 19 LC 19.28-40 LC 2.1-14 LC 23.26-43 LC 24 LC 24.13-35 LC 3.1-14 LC 5 LC 6.32-36 LC 7 LC 7.1-10 LC 7.11-16 LC 7.11-17 LC 9.51-62 LEANDRO D. HÜBNER LEANDRO HUBNER LEI LEIGO LEIGOS LEITORES LEITURA LEITURAS LEMA LENSKI LEOCIR D. DALMANN LEONARDO RAASCH LEOPOLDO HEIMANN LEPROSOS LETRA LEUPOLD LIBERDADE CRISTÃ LIDER LIDERANÇA LILIAN LINDOLFO PIEPER LINK LITANIA LITURGIA LITURGIA DE ADVENTO LITURGIA DE ASCENSÃO LITURGIA DE CONFIRMAÇÃO LITURGIA DE PÁSCOA LITURGIA DE TRANSFIGURAÇÃO LITURGIA EPIFANIA LITURGIA PPS LIVRO LLLB LÓIDE LOUVAI AO SENHOR LOUVOR LUCAS ALBRECHT LUCAS P. GRAFFUNDER LUCIFER LUCIMAR VELMER LUCINÉIA MANSKE LUGAR LUÍS CLAUDIO V. DA SILVA LUIS SCHELP LUISIVAN STRELOW LUIZ A. DOS SANTOS LUTERANISMO LUTERO LUTO MAÇONARIA MÃE MAMÃE MANDAMENTOS MANUAL MARCÃO MARCELO WITT MARCIO C. PATZER MARCIO LOOSE MARCIO SCHUMACKER MARCO A. CLEMENTE MARCOS J. FESTER MARCOS WEIDE MARIA J. RESENDE MÁRIO SONNTAG MÁRLON ANTUNES MARLUS SELING MARTIM BREHM MARTIN C. WARTH MARTIN H. FRANZMANN MARTINHO LUTERO MARTINHO SONTAG MÁRTIR MATERNIDADE MATEUS MATEUS KLEIN MATEUS L. LANGE MATRIMÔNIO MAURO S. HOFFMANN MC 1.1-8 MC 1.21-28 MC 1.4-11 MC 10.-16 MC 10.32-45 MC 11.1-11 MC 13.33-37 MC 4 MC 4.1-9 MC 6.14-29 MC 7.31-37 MC 9.2-9 MEDICAMENTOS MÉDICO MELODIA MEMBROS MEME MENSAGEIRO MENSAGEM MESSIAS MÍDIA MILAGRE MINISTÉRIO MINISTÉRIO FEMENINO MIQUÉIAS MIQUÉIAS ELLER MIRIAM SANTOS MIRIM MISSÃO MISTICISMO ML 3.14-18 ML 3.3 ML NEWS MODELO MÔNICA BÜRKE VAZ MORDOMIA MÓRMOM MORTE MOVIMENTOS MT 10.34-42 MT 11.25-30 MT 17.1-9 MT 18.21-45 MT 21.1-11 MT 28.1-10 MT 3 MT 4.1-11 MT 5 MT 5.1-12 MT 5.13-20 MT 5.20-37 MT 5.21-43 MT 5.27-32 MT 9.35-10.8 MULHER MULTIRÃO MUSESCORE MÚSICA MÚSICAS NAAÇÃO L. DA SILVA NAMORADO NAMORO NÃO ESQUECER NASCEU JESUS NATAL NATALINO PIEPER NATANAEL NAZARENO DEGEN NEEMIAS NEIDE F. HÜBNER NELSON LAUTERT NÉRISON VORPAGEL NILO FIGUR NIVALDO SCHNEIDER NM 21.4-9 NOITE FELIZ NOIVADO NORBERTO HEINE NOTÍCIAS NOVA ERA NOVO HORIZONTE NOVO TESTAMENTO O HOMEM OFERTA OFÍCIOS DAS CHAVES ONIPOTENCIA DIVINA ORAÇÃO ORAÇAODASEMANA ORATÓRIA ORDENAÇAO ORIENTAÇÕES ORLANDO N. OTT OSÉIAS EBERHARD OSMAR SCHNEIDER OTÁVIO SCHLENDER P172 P26 P30 P34 P36 P40 P42.1 P42.2 P70 P95 PADRINHOS PAI PAI NOSSO PAIS PAIXÃO DE CRISTO PALAVRA PALAVRA DE DEUS PALESTRA PAPADO PAPAI NOEL PARA PARA BOLETIM PARÁBOLAS PARAMENTOS PARAPSICOLOGIA PARECIS PAROQUIAL PAROUSIA PARTICIPAÇÃO PARTITURAS PÁSCOA PASTOR PASTORAL PATERNIDADE PATMOS PAUL TORNIER PAULO PAULO F. BRUM PAULO FLOR PAULO M. NERBAS PAULO PIETZSCH PAZ Pe. ANTONIO VIEIRA PEÇA DE NATAL PECADO PEDAL PEDRA FUNDAMENTAL PEDRO PEM PENA DE MORTE PENEIRAS PENTECOSTAIS PENTECOSTES PERDÃO PÉRGAMO PIADA PIB PINTURA POEMA POESIA PÓS MODERNIDADE Pr BRUNO SERVES Pr. BRUNO AK SERVES PRÁTICA DA IGREJA PREEXISTÊNCIA PREGAÇÃO PRESÉPIO PRIMITIVA PROCURA PROFECIAS PROFESSORES PROFETA PROFISSÃO DE FÉ PROGRAMAÇÃO PROJETO PROMESSA PROVA PROVAÇÃO PROVÉRBIOS PRÓXIMO PSICOLOGIA PV 22.6 PV 23.22 PV 25 PV 31.28-30 PV 9.1-6 QUARESMA QUESTIONAMENTOS QUESTIONÁRIO QUESTIONÁRIO PLANILHA QUESTIONÁRIO TEXTO QUINTA-FEIRA SANTA QUIZ RÁDIO RADIOCPT RAFAEL E. ZIMMERMANN RAUL BLUM RAYMOND F. SURBURG RECEITA RECENSÃO RECEPÇÃO REDENÇÃO REENCARNAÇÃO REFLEXÃO REFORMA REGIMENTO REGINALDO VELOSO JACOB REI REINALDO LÜDKE RELACIONAMENTO RELIGIÃO RENATO L. REGAUER RESSURREIÇÃO RESTAURAR RETIRO RETÓRICA REUNIÃO RICARDO RIETH RIOS RITO DE CONFIRMAÇÃO RITUAIS LITURGICOS RM 12.1-18 RM 12.1-2 RM 12.12 RM 14.1-12 RM 3.19-28 RM 4 RM 4.1-8 RM 4.13-17 RM 5 RM 5.1-8 RM 5.12-21 RM 5.8 RM 6.1-11 RM 7.1-13 RM 7.14-25a RM 8.1-11 RM 8.14-17 ROBERTO SCHULTZ RODRIGO BENDER ROGÉRIO T. BEHLING ROMANOS ROMEU MULLER ROMEU WRASSE ROMUALDO H. WRASSE Rômulo ROMULO SANTOS SOUZA RONDÔNIA ROSEMARIE K. LANGE ROY STEMMAN RT 1.1-19a RUDI ZIMMER SABATISMO SABEDORIA SACERDÓCIO UNIVERSAL SACERDOTE SACOLINHAS SACRAMENTOS SADUCEUS SALMO SALMO 72 SALMO 80 SALMO 85 SALOMÃO SALVAÇÃO SAMARIA Samuel F SAMUEL VERDIN SANTA CEIA SANTIFICAÇÃO SANTÍSSIMA TRINDADE SÃO LUIS SARDES SATANÁS SAUDADE SAYMON GONÇALVES SEITAS SEMANA SANTA SEMINÁRIO SENHOR SEPULTAMENTO SERMÃO SERPENTE SERVAS SEXTA FEIRA SANTA SIDNEY SAIBEL SILVAIR LITZKOW SILVIO F. S. FILHO SIMBOLISMO SÍMBOLOS SINGULARES SISTEMÁTICA SL 101 SL 103.1-12 SL 107.1-9 SL 116.12-19 SL 118 SL 118.19-29 SL 119.153-160 SL 121 SL 128 SL 142 SL 145.1-14 SL 146 SL 15 SL 16 SL 19 SL 2.6-12 SL 22.1-24 SL 23 SL 30 SL 30.1-12 SL 34.1-8 SL 50 SL 80 SL 85 SL 90.9-12 SL 91 SL 95.1-9 SL11.1-9 SONHOS Sorriso STAATAS STILLE NACHT SUMO SACERDOTE SUPERTIÇÕES T6 TEATRO TEMA TEMPLO TEMPLO TEATRO E MERCADO TEMPO TENTAÇÃO TEOLOGIA TERCEIRA IDADE TESES TESSALÔNICA TESTE BÍBLICO TESTE DE EFICIÊNCIA TESTEMUNHAS DE JEOVÁ Texto Bíblico TG 1.12 TG 2.1-17 TG 3.1-12 TG 3.16-4.6 TIAGO TIATIRA TIMÓTEO TODAS POSTAGENS TRABALHO TRABALHO RURAL TRANSFERENCIA TRANSFIGURAÇÃO TRICOTOMIA TRIENAL TRINDADE TRÍPLICE TRISTEZA TRIUNFAL Truco Turma ÚLTIMO DOMINGO DA IGREJA UNIÃO UNIÃO ESTÁVEL UNIDADE UNIDOS PELO AMOR DE DEUS VALDIR KLEMANN VALDIR L. JUNIOR VALFREDO REINHOLZ VANDER C. MENDOÇA VANDERLEI DISCHER VELA VELHICE VERSÍCULO VERSÍCULOS VIA DOLOROSA VICEDOM VÍCIO VIDA VIDA CRISTÃ VIDENTE VIDEO VIDEOS VÍDEOS VILS VILSON REGINA VILSON SCHOLZ VILSON WELMER VIRADA VISITA VOCAÇÃO VOLMIR FORSTER VOLNEI SCHWARTZHAUPT VOLTA DE CRISTO WALDEMAR REIMAN WALDUINO P.L. JUNIOR WALDYR HOFFMANN WALTER L. CALLISON WALTER O. STEYER WALTER T. R. JUNIOR WENDELL N. SERING WERNER ELERT WYLMAR KLIPPEL ZC ZC 11.10-14 ZC 9.9-12