CAPÍTULO QUATRO
A IGREJA
20. O DOGMA DA IGREJA1
Por um tempo poderia parecer que a Reforma no sentido de Lutero pretendia a destruição ou abolição da igreja. Três atos pareciam dar apoio a essa idéia. O primeiro foi a falência das autoridades eclesiásticas, finalmente da autoridade do papa e dos concílios em geral. Dessa maneira, a forma existente da igreja foi afetada. A resposta da igreja com que Lutero se ocupava exclusivamente naquela época, foi o grande anátema.2 Seria concebível trazer os fatores decisivos da igreja existente a uma nova relação um com o outro por meio de uma mudança constitucional e assim suplantar a antiga forma com uma nova - talvez conforme foi feito e justificado pelos publicistas imperiais do tempo de Ludwig de Bavária (1314-17). Contudo Lutero entregou às chamas tanto a bula que o ameaça com excomunhão como o cânon da lei.(p.255) Esse é o segundo ato. Nesse momento ele repudia não apenas a forma existente, mas qualquer forma legalmente constituída da igreja. Portanto ele não apenas interfere numa extensão aprofundada na ordem social existente, mas também se priva da fonte de que todas as idéias de reforma foram alimentadas por mais de cem anos: o conceito que fora ou acima da igreja existe uma ordem "objetiva", ideal que pode ser percebida aproximada, se não absolutamente, na organização concreta de fatores eclesiais. Isso lhe custa a simpatia daqueles, dentre os amigos de reforma, que pensam "legalmente".3 Inclusive os juristas de Wittenberg pensavam que nos seus ensinos posteriores eles haviam ignorado a ruptura de Lutero com o cânon da lei. A exortação de Lutero - À Nobreza Cristã - a empreender uma reorganização de assuntos eclesiais pôde, de fato, parecer uma revogação desse segundo ato. Pois se há ainda qualquer coisa a ser regulamentada eclesiasticamente, essa devia ser a "igreja" em algum sentido. De fato, esse apelo igualmente privou a igreja de um elemento que a partir de então pareceria ser essencial. O caráter sagrado da organização é profanado pela sujeição a poderes "mundanos". Contudo aquilo que agora parece estar esquecido da "igreja" é afetado e destruído pelo terceiro ato, pela proclamação do "sacerdócio de todos os crentes", que abole, em princípio, todo elemento organizacional sem o qual a igreja não pode existir como uma unidade acima do individual. A igreja é dividida numa massa de indivíduos coordenados que, no máximo, pode ser combinada segundo pontos de vista nacionais, territoriais ou públicos. (p.256)
Todavia, além disso, o fato que Lutero não perdeu de vista a "igreja" em qualquer estágio do seu desenvolvimento teológico, poderia ainda ser explicado afirmando que de um ponto de partida prático era impossível para ele fugir dela. Pois ela sempre está ao redor dele como um organismo vivo; e por meio das suas veias ele, o Doutor em Teologia reconhecido pela igreja, guia o curso da sua própria teologia às partes mais distantes. Ela está diante dele como a gigantesca figura histórica que lhe fala pela boca de Agostinho, Bernardo e muitos mais de seus mestres.(p.256) Porém ela também está diante dele revestida de dignidade sacra como conteúdo da "Palavra de Deus". Portanto, ela não pode ser ignorada. Todavia, Lutero aparece como o homem que destruiu a igreja. Conseqüentemente, aqui precisa haver uma lacuna. Pois ele ainda deve realmente fixar como seu alvo a total destruição da unidade supra-individual dos cristãos, como um dos quais ele se tornou o que é - mas ele nunca pensou seriamente em fazer isso - ou ele precisa provar que a impressão de que ele destruiu a igreja é totalmente falsa.(p.257)
Essa impressão surge na perspectiva do impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz). Nós o desenvolvemos no contexto do "medo", consciência, a Lei, a ira de Deus. Essa é a atmosfera da solidão. A pessoa julgada está diante de Deus completamente só e perdida. E essa solidão, esse completo sentimento de abandono, é essencial à experiência do juízo. Lutero tornou-se consciente disso quando concluiu que aqui não existem auxílios na tristeza - porque não há quaisquer "santos" que pudessem ser capazes de estender ajuda. Contudo, existem santos. Se existem, o motivo para a solidão está eliminado - assim como o motivo para o sentimento de estar abandonado está eliminado de outra maneira. Mas quem são e onde estão os santos? Segundo o cânon da fé, Lutero afirma adiante contra Erasmo, somente são santos aqueles que são santos de acordo com o veredicto de Deus. Isso significa que eu não sei de ninguém que ele é santo. Segundo o cânon do amor, no entanto, considero todo o batizado um santo - com o risco de ser desapontado quando o faço. Ambos os tipos de santos denomino de igreja (WA 18, 651,25-652,23). Se eu posso estar seguro pela fé que eu faço parte desses santos em virtude de um veredicto divino, eu, como crente, não me encontro mais sozinho. Estou na "comunhão dos santos" (Gemeinde der Heiligen) (WA 30 I, 190,8). E o Credo (Glaube), isto é, o Credo Apostólico, considera essa comunhão dos santos a igreja (189,6).(p.257)
Assim Lutero parece passar da maneira mais concisa da destruição do organismo da igreja conforme existe para um novo organismo ou, afinal, a uma igreja como uma comunhão supra-individual (Gemeinsamkeit). Contudo, aparências são decepcionantes. Pois se essa nova unidade fosse caracterizada e organizada segundo o cânon do amor, ela estaria sobre um fundamento muito frágil - "porque é característica do amor ser decepcionado" (quia charitatis est falli) (WA 18,652,4). De fato, posso fazer a tentativa de estabelecer uma relação comum (Gemeinschaftsverheltnis) com o meu amor. De fato, o desejo de comunhão (Gemeinschaft) pode ser satisfeito. Por princípio, no entanto, a comunhão (Gemeinschaft) permanece na esfera do que é meramente possível.(p.257) No entanto, se eu me apego ao cânon da fé, há, realmente, uma comunhão (Gemeinsamkeit) - uma homogeneidade na fé que inclui uma comunhão (Gemeinsamkeit) das posses da fé, sim, uma comunhão que num ponto também possui um centro energizador: Cristo, que habita em todos os crentes conforme foi desenvolvido anteriormente em conexão com a doutrina da "união mística" (unio mystica) (cf. A União Mística), onde nos escritos de Brenz e Nicolai, bem como nos de Lutero, constantemente passamos pela "igreja" como a verdadeira sede da habitação de Deus e Cristo. Contudo, isso torna a unidade supra-individual totalmente extra-mundana. Pois eu não os conheço, os santos. "Ninguém vê quem é santo ou crente" (WA 6,301,2). Nesse sentido, a igreja sempre permanece "invisível" (WA 7,722,6). "A igreja está oculta, os santos estão escondidos" (Abscondita est Ecclesia, latent sancti) (WA 18,652,23). Portanto toda essa forma de olhar para o assunto não pode trazer muito mais à luz do que a forma histórica: Lutero, é verdade, absolutamente não destruiu a igreja como uma unidade supra-individual; mas ele espiritualizou-a de tal maneira que quando se segue essas idéias às suas conclusões lógicas, ela é eliminada como uma energia formativa da história. (p.258)
É compreensível que essas idéias espiritualizantes são predominantes na mente de Lutero enquanto ele investe contra o conceito Católico Romano da igreja. Em Leipzig ele deixou Eck fazer dele um defensor do conceito de igreja de Wyclif-Huss: a igreja é "todo o corpo dos eleitos" (praedestinatorum universitas) (WA 2, 287, 35ss.). Quando, conforme o seu direito, ele relacionou essa definição a Agostinho, isso lembra a relação que atualmente existe. Contudo, em Agostinho esse conceito espiritual está vinculado a uma forma totalmente diferente de encarar o assunto - uma forma que é decisivamente afetada pelo levantamento total posto em ação por Lutero. E segundo a tudo o que foi dito sobre a posição futura de Lutero com respeito à idéia de predestinação, essa definição de maneira alguma poderia resolver o problema permanentemente de tal forma que as idéias fundamentais da doutrina da justificação fossem preservadas. Pelo contrário, da doutrina da justificação seguem as sentenças que enfatizam a fé, os crentes, o Espírito, a "interioridade" (Innerlichkeit) e a "espiritualidade" (Geistlichkeit) como elementos da igreja (WA 6,296,5ss.;303,5; WA 7, 634,23; 686,34; 709,26,etc). E está claro que quando Lutero contrasta a "comunhão espiritual" (geistliche Gemeine) com a "assembléia física" (leibliche Versammlung), conforme ele encontra a igreja definida por seus oponentes, ele deseja que a primeira seja considerado como a "cristandade natural, real, verdadeira, essencial" (naturlich, eygentlich, rechte, wesentliche Christenheit) (WA 6,296,7).(p.258) Mas está mais que evidente que todos os elementos anteriormente mencionados são enfatizados e agrupados por causa da antítese. A igreja pode apenas ser crida - ela não é uma parte do mundo, "não ligada a algum lugar, pessoa ou tempo" (nit an yrgend eyne statt, person odder zeytt gehafftet). Ela é composta dos crentes - não dos preletores e o clérigo como tais. Ela "existe no Espírito" (steht im Geist) - não no cânon da lei. Ela é uma assembléia espiritual - não política (WA 7,684,20; 719,26ss.; 721,30,etc.). Contudo é a ligação com a doutrina da justificação que leva Lutero a atacar o problema da igreja de um lado totalmente diferente. É verdade que a fé inclui a transcendência do seu conteúdo. Nesse aspecto os crentes como tais são igualmente um povo transcendente. Essa transcendência, porém, consiste no fato que para nós é algo "diferente" apenas na palavra dirigida a nós sobre Cristo - algo que nós mesmos não somos. Os crente nunca podem ser separados desse mundo de maneira tal que existiriam em pura "interioridade" (Innerlichkeit). Se Cristo é o Cabeça de todos os crentes, Ele é sua Cabeça unicamente por causa e quando ele lhes fala na Palavra. "O reino de Cristo é governado pela firme simples e Palavra do Evangelho" (Regnum Christi solido simplicique Evangelii verbo regitur) (WA 7,743,7). "Toda a vida e substÂncia da igreja encontra-se na Palavra de Deus" (Tota vita et substantia Ecclesiae est in verbo dei) (721,12). Não são os crentes que formam a "substância" (Substanz) da igreja; é o Evangelho. O Evangelho é o verdadeiro princípio organizador da igreja. Ele gera os crentes reúne-os e os combina numa unidade supra-individual.4 Com base nesse pensamento fundamental, Lutero, em sua defesa contra Ambrosius Catharinus, desenvolve um conceito de igreja que deve ser considerado como uma antecipação exata do artigo sétimo da Confissão de Augsburgo (1521:7,705-778). A igreja está edificada unicamente sobre a Rocha Cristo. Com ele, ela permanecerá no Espírito (709,25ss.,33). "Ela permanecerá perpetuamente" (perpetuo mansura), afirma a Confissão de Augsburgo. Ela é a "comunhão dos santos" (communio sanctorum) (712,39) - "congregação dos santos" (congregatio sanctorum), diz a confissão. Ou a "santa congregação dos crentes" (sancta fidelium congregatio) (742,34) - a "assembléia de todos os crentes" (Versammlung aller Gleubigen). Como ela pode ser reconhecida?(p.259) "Pois deve ser fornecido algum sinal visível pelo qual possamos ser reunidos num só corpo para o propósito de ouvir a Palavra de Deus" (oportet enim aliquod visibile signum dari, quo congregemur in unum ad audiendum verbum dei). Esses sinais são o Batismo, o pão e, acima de tudo, o Evangelho. "Esse são os três símbolos, sinais e marcas dos cristãos...Pois nesses Cristo deseja estar em acordo" (Triae haec sunt Christianorum symbola, tessare et caracteres...In his enim vult nos Christus concordare.) (720,32ss.) - "E para a verdadeira unidade da igreja é suficiente estar em acordo quanto ao ensino do Evangelho e a administração dos sacramentos" (Et ad veram unitatem ecclesiae satis est consentire de doctrina evangelii et administratione sacramentorum). E aqui Lutero, exatamente assim como a Confissão de Augsburgo, cita Ef 4.5s. como evidência (720,39). Todavia é uma das idéias fundamentais de toda a Escritura que a concordância com respeito a cerimônias não é necessária. Não é provável que alguém seja capaz de manter que aqui - em 1521 - Lutero foi iludido por Melanchthon.(p.260)
É auto evidente que entre os três "sinais da igreja" (tessarae ecclesiae) Lutero concede preeminência ao Evangelho.5 Ali onde não soa o Evangelho, nem mesmo o Batismo e a Santa Ceia conseguem estimular a igreja. Contudo, isso é verdadeiro somente com respeito à pregação do Evangelho. "Estou me referindo não ao Evangelho escrito, porém ao falado" (Non de Evangelio ecripto sed vocali loquor) (721,15). Aqui se torna totalmente claro que Lutero está realmente buscando e encontrando a ponte da espiritualizante "comunhão espiritual" (geistliche Gemein) para a "igreja visível" (ecclesia visibilis) no sentido de Melanchthon no seu período tardio. Para a primeira, a leitura privada da Escritura seria suficiente - a seguinte necessita da proclamação perante muitos. Porém, pouco depois disso, ele percebe que, inversamente, ele não está de modo algum pensando unicamente na "assembléia física" (leibliche Versammlung): pela voz oral e pública do Evangelho se pode saber "onde está a igreja e o mistério do reino dos céus" (ubi sit Ecclesia et mysterium regni caelorum) (722,3; WA 1,694,17).(p.260) E assim como Melanchthon - na Apologia - levantou a idéia que os Evangélicos entenderam a igreja como "um Estado Platônico" (Platonicam civitatem) (IV,20), também Lutero se defende contra a acusação de Murner, segundo o qual, ele espera "edificar uma igreja assim como Platão deseja construir um estado que estaria em todo lugar" (ein kirch bawen wie Plato ein statt, die nyndert were) (WA 7,683,11). Em seu tratado Do Papado em Roma (1520), já explanara que as duas espécies de igreja, a "real" (eigentliche) espiritual e a física, não deveriam ser separadas uma da outra (WA 6,297,3). Agora ele está certo que essa separação é também impossível no abstrato ou, por último, ilusória, visto que a mesma igreja é discutida em ambas as instâncias.(p.261)
Realmente, as sentenças em que "invisibilidade" é predicada da igreja não pode significar que a igreja é uma "pura comunhão em espírito" (Geistesgemeinschaft), que não é visível porque o espírito não é visível. Para empregar o uso moderno, é uma unidade espiritual (geistlich), não uma que é mental (geistig). Mas dessa maneira igualmente se encontra o sentido que Lutero liga ao conceito "espiritual". Para ele, é a expressão de tudo "que é feito na Palavra e na fé" (das im Wort und Glauben gehet).6 A igreja, que, conforme ele exige sempre de novo, devia ser crida, é "invisível" exatamente no mesmo sentido que todos os outros constitutivos da fé são invisíveis. Ela deve ser crida contrariamente a todas as aparências. Portanto, ela não é "invisível" no sentido Platônico-idealista, mas no sentido evangélico-realista ela está "oculta" (abscondita)."Portanto, no salmo a igreja é denominada Almuth, oculta, e o artigo da fé que crê na santa igreja católica confessa que a igreja nunca é visível onde quer que seja e se afasta de todo lugar e pessoa" (Inde Ecclesia psal. IX vocatur Almuth, abscondita, et aticulus fidei credens Ecclesiam sanctam Catholicam confitetur, eam nusquam nunquam apparere aufertque ab ea omnem locum et personam) (WA 7,722,8). Quando aqui e seguidamente7 Lutero diz que a igreja não está presa a um local definido, a tempos definidos, nem mesmo a "pessoas", isso, de fato, não pode significar que nenhuma pessoa a ela pertence.(p.261) O que ele nega é que a igreja "é vista" (apparere) nessas pessoas. Não deveria ligar-me a lugares e épocas como tais, isto é, como objetos de "percepção" (sensus) e "experiência" (experientia) quando procuro pela igreja - esse é o sentido da polêmica contra Chatarinus, Emser e Murner. Mas assim como a igreja não está sem pessoas, ela igualmente não está "sem m lugar e um copo" (non sine loco et corpore) (720,2). Aqui ela é sempre apenas "espiritual" (geistlich), isto é, onde e quando a Palavra de Deus é pregada e ouvida com fé. Portanto, Lutero diz da igreja exatamente o que ele diz de outros constituintes da fé: ela está "oculta, a fim de que os ímpios não vejam a glória de Deus).8 O que pode ser observado (das Augenscheinliche) da igreja é qualquer coisa menos "glória" (gloria). "A igreja cristã não pode estar sem sofrimento, perseguição e morte, sim, nem mesmo sem pecado" (WA 7, 684,9). "A face da igreja é a face de um pecador, atormentado, abandonado, moribundo e cheio de tristeza" (Facies ecclesiae est facies peccatricis, vexatae, desertae, morientis et contristatae) (edição de Erlangen ex. lat. 18,213). Todavia, a fé vê o oposto, o santo, a "glória de Deus" (gloria dei), a "glória da irmandade cristã" (gloria Christianae fraternitatis). (p.262)A fé sabe "que o amor e a comunhão de Cristo e todos os santos são ocultos, invisíveis e espirituais" (das die lieb und gemeynschafft Christi und aller heyligen verborgen, usichtbar und geystlich gescheh) - aqui os três conceitos "invisível", "espiritual" e "oculto" (abscondita), conforme expostos, são evidentemente usados como sinônimos - "e unicamente um sinal físico, visível e externo nos é dado" (und nur eyn leyplich, schtlich, eusserlich zeychen derselben unss geben werde) (WA 2, 752, 36).Quando ele fala aqui do sinal externo, ele entende a Santa Ceia, assim como na passagem citada anteriormente ele entende os sacramentos e a proclamação pública da palavra. (p.262)
Se a igreja no sentido de Lutero é também uma estrutura sociológica semelhante a outras "comunidades" (Gemeinschafter) humanas, não precisa ser determinado nessa conjuntura. Se ela é, então certamente é o caso a despeito do seu caráter espiritual, assim como ela é uma comunhão de santos a despeito da pecaminosidade de seus membros. Caso se pretenda procurar pela santidade dos cristãos - em virtude da qual a sua comunidade (Gemeinschaft) é uma "comunhão dos santos" (communio sanctorum) - no seu amor mútuo, isso não apenas colocaria ao avesso o conceito de santidade conforme entendido pela Reforma, mas também trançaria aquelas sentenças precisas de Lutero sobre os "sinais, símbolos e macas" (tessarae, symbola et caracteres) da igreja para o oposto do que elas dizem.(p.262) Mesmo que alguém desconsidere o conceito de Lutero dos sacramentos nesse ponto, ainda assim para ele a "Palavra", como órgão e transmissão do Espírito Santo, como a "vida e substancia da igreja" (vita et substantia ecclesiae), é, no sentido estrito, um elemento sagrado da igreja.9 Como palavra falada por seres humanos ela faz parte do mundo - e ainda assim não é a palavra do mundo, mas Palavra de Deus. Ela não apenas consagra os atos do Batismo e da Santa Ceia, mas igualmente concede um caráter espiritual a todas as "coisas mundanas" com que ela lida (umgeht). Realmente, ela lhes dá um caráter que não é mundano. Pelo constante recriar e preservar a igreja, ela lhe imprime um caráter sagrado. O conhecimento da fé a respeito da natureza divina da igreja, que está no mundo muito embora ela não seja do mundo, é discernível em todas as sentenças feitas por Lutero, mesmo onde - e precisamente onde - ele chama a igreja de "comunhão dos santos" (communio sanctorum). Em seu uso - o uso que ele prefere - do conceito "santos" (sancti) para os membros da igreja se discerne algo do humilde esplendor da "igreja triunfante" (ecclesia triunphans), que, de fato, é a "igreja triunfante" (ecclesia triunphans) unicamente como a "igreja militante" (ecclesia militans), como a igreja que tem "a face de um pecador" (facies peccatricis). "Como poderia alguém se tornar mais elevado do que tornando-se um membro da cristandade, a qual é rainha e expressa amo acima dos céus e da terra, que fala a Palavra e é preservada, e eu em meio a essa comunhão quando me torno um cristão mediante a fé?" (Wue kund einer hoher kommen, quam quod fit membrum Christianitatis, quae est regina et keyserin uber himel und erden, quae dicit verbum und ist gehalten et in talem communionem venio, quando fio Christianum per fidem?) (WA 28,182,11). Até mesmo Lutero é incapaz e indisposto a se afastar da alegre conclusão da catolicidade da igreja. Como seus oponentes, ele a considera a "igreja universal" (universalis ecclesia). Realmente, ele a concebe como a "comunhão dos santos" (communio sanctorum), que é diametralmente oposta à idéia hierárquica de universalidade (WA 6,505,31; 606,34). Ele, também, acredita que quando Cristo fala sobre a igreja em Mt 16, ele está falando "sobre coisas sagradas" (de rrebus sanctis) (WA 7,719,3).(p.263) Ele até considera o cemitério "um lugar honrado, sim, talvez santo, de modos que se poderia andar ali com temor e toda reverência porque indubitavelmente alguns santos estão sepultados ali." (WA 23,375,31).10 (p.264)
Quando a Igreja Luterana foi formada, haviam elementos em ação em conexão com os quais se pode perguntar se são compatíveis com a idéia de Lutero da igreja. Contudo, quando o dogma da igreja foi formulado, as convicções básicas de Lutero nunca foram deixadas de lado no decurso da formação das confissões. No seu primeiro artigo - "Da Igreja" - o Conselho de Ansbach de 1524 realmente tomou tudo dos grandes escritos polêmicos de Lutero. Lingüisticamente ele destaca que "igreja" (ecclesia) deve ser traduzido com o latim concilio, em alemão como "assembléia ou comunhão" (Versammlung oder Gemein). Nesse sentido geral os "concílios e assembléias físicas" podem igualmente serem chamados de igreja. "Na realidade, e falando segundo o que a Escritura diz" (Augentlich und nach inhalt der schrifft zu reden), ela é a soma daqueles que Deus escolheu na eternidade para a redenção por meio de Cristo (zur Erlosung durch Christum von ewigkait hat furgenommen), de acordo com Ef 1. Agora, nenhum peso posterior é dado à idéia da predestinação como tal, por há a seguinte definição: "A Igreja Cristã é a multidão ou assembléia de todos os que crêem em Cristo, que vivem e continuarão vivendo em unidade de espírito, fé, esperança e amor. E por causa dessa unidade os crentes são denominados uma comunhão dos santos". Essa igreja é gerada da Palavra viva de Deus. Ela não pode errar, visto que Cristo prometera permanecer com ela até o fim do mundo. Ele a ensina e governa mediante a Sua Palavra e o Seu Espírito. Ela é espiritual e invisível, porque ninguém sabe "quem realmente são os membros da igreja cristã (welche von der Christlichen kirchen aygentlich sind). Portanto, ela é um "artigo de fé" (Artickel des Glaubens). Ela nunca está (conforme apresentado adiante com palavras e citações da Escritura que Lutero usou acima de tudo em seus escritos contra Emser e Catharinus) "ligada a uma pessoa, lugar, tempo nem qualquer tipo de coisa externa" (weder person, stat, zeyt noch eynicherley eusserliche ding gebunden). "Embora ela não possa existir ou viver sem elas, ainda asim ela não deve ser vista ou julgada segundo as mesmas" (Wiewol sy on die selben nit sein noch leben kan, so sol sy doch nach den selben nit geacht oder geurteilt werden). Portanto, ela não pode ser equiparada à Igreja Romana ou aos concílios As palavras de Cristo em Mt 16 colocam em particular "que Cristo pretendia e prometera edificar a sua santa igreja geral, não sobre Pedro ou alguém outro, mas sobre si mesmo e sobre a confissão pública de Pedro respeito a cristo, que não foram carne e sangue, mas Deus o Pai celeste que inspirou nele e lhe disse" (das Christus sein gemaine Kirchen nit auff Petrum oder yemant anders sunder auff sich selbs und auff sant Peters offentliche bekantnuss von Christo, die im nit fleysch und plut,sunder Got der hymlisch vater eingeben und gesagt, zu bawen gemaint und versprochen hat) (Frankiscche Bekenntnisse, pp.192,s.).(p.264) Estritamente falando, a ênfase na natureza pública da confissão de Pedro leva além da definição da igreja "invisível". Ademais, quando as palavras de Cristo em Mt 18 são explicadas, deve ser estabelecido que elas se referem à "igreja ou assembléia externa, física e particular" (von der eusserlichen, leyblichen und sunderlichen kirchen oder versammlung). Pois a exigência de Cristo de se "mostrar o pecado" (die sundt an zuzaygen) pode se cumprida somente diante de um círculo "particular" (sunderlichen), isto é, pequeno, que é conhecido externamente como uma igreja Parece, talvez, que aqui a igreja física e a igreja que "é reunida somente na unidade da fé" (allein in eynigkeit des glaubens versamlet ist) deveria ser contrastada assim como são contrastadas uma congregação local (Orstgemeinde) e a "igreja em geral" (allgemeine Kirche).(p.265)
Todo o Conselho de Ansbach - conforme foi organizado - está orientado em direção oposta do conceito tradicional das tarefas da igreja. Portanto, pode-se entender por que, semelhante aos escrito polêmicos de Lutero, ele coloca ênfase especial no aspecto espiritual. De acordo com a argumentação, a igreja "externa, física" (aussere, leibliche) e a igreja da fé estão separadas uma da outra de uma maneira que é talvez abrupta. Todavia, sente-se uma relação interna. Isso é demonstrado pelo que é dito sobre o apascentar o rebanho de Cristo, sobre a eleição de "pastores" (Seelsorger), sobre a obrigação das "congregações cristãs" (Christlichen gemaynen) - portanto não apenas de crentes individuais - "examinar e verificar" (examinieren und probieren) toda doutrina, e sobre a administração dos sacramentos. De fato, a idéia de Lutero sobre os "símbolos, sinais e marcas" (symbola, tessarae et caracteres) da igreja, que nos seus escritos adquire significado não apenas heurístico, porém, constitutivo, não é diretamente expressa. Contudo já no começo é afirmado que a igreja é edificada e fundamentada sobre o Evangelho e que o Evangelho não é edificado e fundamentado sobre a igreja. E que isso é entendido num sentido que não é meramente histórico, pode ser observado a partir da sentença posterior que a igreja cristã "é gerada da Palavra viva de Deus" (wird geborn aus dem lebendigen Wort gots). A mesma coisa é colocada no Frageartikel vinte e três, de Nurnberg, ano 1528. E na opinião que Johann Beham, pastor em Bayereuth, apresentou em 1530 a conclusão que há uma conexão funcional acrescentada ao que é dito sobre a relação causal:(p.265) "Ali onde existe tal igreja cristã, há perdão de todos os pecados; pois tal assembléia cristã é o reino de Cristo de que ele se exalta diante de Pilatos...um reino espiritual de graça e verdadeira indulgência, que é distribuído através dos santos sacramentos, também por meio de diversas passagens de conforto em todo o Evangelho". Mais tarde a Cofessio montana húngara expressou a dinâmica divina da igreja concreta ousa, mas corretamente, quando definiu a igreja como "a assembléia invisível dos que ouvem, crêem e abraçam a pura e inalterada doutrina do Evangelho e usam os sacramentos" (coetus visibilis audientium, credentium et amplectentium puram et incorruptam doctrinam Evangelii et utentium Sacramentis) e acrescentou: "em cuja assembléia Deus atua através do ministério e regenera muitos para a vida eterna, à qual nesta vida são reunidos muitos que ainda não foram regenerados mas todavia estão em acordo com respeito à doutrina" (in quo coeto Deus per ministerium est efficax et multos ad vitam aeternam regenerat, cui in hac vita adjuncti sunt multi non renati, sed tamen de doctrina consentientes). O conceito de Lutero da "comunhão dos santos" (communio sanctorum) é expressa de um outro ângulo quando os Artigos de Copenhagen definem a "santa igreja" como a congregação "de todos os homens que são justificados" (aller gerechtfertigten Menschen).11 A definição que coloca que a igreja é composta daqueles que são predestinados agora recua. Mais tarde, ela desaparece completamente.12 (p.266)
Mesmo que os Artigos de Marburgo nada digam sobre a igreja, o artigo doze dos Artigos de Scwabach já contém todos os elementos do artigo sétimo da Confissão de Augsburgo.13 (p.266) É diferente deste porque procede da promessa de Cristo de estar presente (Mt 28), e é preferível porque nesse assunto igualmente expressa a ênfase cristocêntrica contida no dogma evangélico. Sua sentença conclusiva demonstra que o que é dito não Confissão de Augsburgo - para a qual, conforme foi bem sabido, ele serve como um esboço - sobre os elementos necessários para a "unidade da igreja" tem sua origem nas afirmações de Lutero que a igreja não está limitada a lugar, pessoa e tempo.14 A caracterização daqueles que crêem em Cristo como os que "crêem e ensinam os artigos anteriormente referidos e sentenças" têm sido chamados "uma contração do conceito de 'igreja' que certamente se afasta enfaticamente das idéias reformatórias básicas de Lutero".15 Essas palavras assim criticadas realmente trazem ao anterior um elemento da idéia da igreja que adquiriu significado especial para o seu desenvolvimento posterior. É o elemento da "pura doutrina" no sentido da ortodoxia por vindoura.(p.267)
Contudo, antes que possa ser totalmente apreciado, deve-se prestar atenção uma vez mais ao fato que o sétimo artigo da Confissão de Augsburgo não leva além da visão de Lutero conforme ele a desenvolveu contra Catharinus. Que o oitavo artigo deve ser uma parte integral da doutrina da igreja pode ser observado do que Melanchthon apresenta na Apologia.16 As sentenças anti donatistas que ela contém - que falsos cristãos e hipócritas sempre são encontrados na igreja e que a Palavra e os sacramentos são eficazes mesmo quando administrados por ímpios - também corresponde à convicção de Lutero.17(p.267) Não poderia ser diferente se, ao tratar da "comunhão dos santos" (communio sanctorum) e da congregação, que possui a Palavra e os sacramentos como suas "marcas" (caracteres), é imaginada a mesma igreja em ambas as instâncias. O que Melanchthon apresenta na Apologia concernente a igreja é, no máximo, meramente uma aguçada continuação da polêmica contra a opinião externamente válida (ausserlich-rechtlich) da natureza da igreja - mas também contra os donatistas (entre os quais inclusive Wyclif está incluído). Três pontos, porém, são dignos de nota. Em primeiro lugar, a conclusão contém exortações contra "mestres ímpios" (impii doctores) (IV,48*). Que a impiedade (Unfrommigkeit) daqueles mestres não é aplicada à sua qualidade pessoal pode ser visto da aguda rejeição ao Donatismo. Por conseguinte, a tradução reza: "falsos mestres". Melanchthon ordena que esses "sejam abandonados"(deserendi sunt). Portanto, ele exige a separação por causa da doutrina. Isso é indiretamente confirmado quando, em segundo lugar, em conexão com a discussão expressa das razões possíveis para a separação, ele se opõe unicamente aos que têm dado motivo a cismas por causa da propriedade mundana dos sacerdotes (IV, 49s.*). (p.268)
(* NT = As referências não procedem. No Livro de Concórdia, trata-se dos artigos VII e VIII da Apologia.)
Em terceiro lugar, no entanto, deve-se notar que aqui aparece o conceito de Melanchthon de associação (Sozietatsbegriff). A igreja, diz ele, não é "uma sociedade de coisas e ritos externos como são outros estados, mas ela é uma sociedade da fé (societas externarum rerum ac rituum sicut aliae politiae, sed pincipaliter est societas fidei et Spir. S. in cordibus, quae tamen habet externas notas) (VII e VIII.5*). Muito embora seja rejeitado um paralelismo com estruturas políticas, o conceito "associação" (societas) tona a igreja análoga às mesmas. E se aqui somente a "associação em espírito" (Verbundenheit im Geiste) parece sendo imaginada, ainda pouco após isso a mesma coisa é expressa conforme segue: "uma sociedade do mesmo evangelho ou doutrina e do mesmo Espírito Santo" (societas eiusdem evangelii seu doctrinae et eiusdem Spiritus Sancti) (8). Realmente, mesmo naquele tempo Melanchthon olhava para a "doutrina" e os sacramentos não apenas (conforme poderia parecer em vista na CA VII) como "marcas" (notae) da igreja e a sua unidade mas também como meios de união dos membros da igreja num aspecto sociológico. Isso é confirmado por outra sentença que os "mestres ímpios devem ser abandonados" (impii doctores deserendi). (p.268)
Desse modo, aquelas palavras críticas nos Artigos de Schwabach adquirem uma importância totalmente diferente. Lá os crentes são designados como os que "crêem e ensinam os artigos e sentenças anteriormente mencionados". Naturalmente, a mesma coisa é verdadeira dessa maneira de colocá-lo que foi dita anteriormente (na CA I) da conexão do "deve ser crido" (credendum esse) com o decreto promulgado em Nicéia.(p.268) A expressão como tal não pode ser sancionada, porque ela faz a fé parecer aceitação de um número de doutrinas. Contudo, o quinto e o sexto dos Artigos de Schwabach provam que isto não é o que se pretende. Até o conceito "ensinar" permanece no artigo décimo segundo. Que isso não é um simples erro de expressão pode ser percebido da posterior caracterização dos crentes: "...por isso eles serão perseguidos e maltratados no mundo." A perseguição pelo mundo pode ocorrer somente quando a fé se torna conhecida, portanto quando ela emerge do estado de "invisibilidade". Porém o artigo décimo segundo menciona apenas uma coisa que pode ser interpretada dessa maneira: o "ensino", que então é dividido em elementos da pregação do Evangelho e o uso correto dos sacramentos. "Os artigos anteriormente mencionados", isto é, artigos um até onze dos Artigos de Schwabach, são designados aqui todos inequivocadamente como o conteúdo da doutrina necessária para a fé e essencial à igreja. No assunto em questão, eles correspondem aos artigos um a seis, nove a onze e treze da Confissão de Augsburgo. Concernente à doutrina, tem-se todo o direito de dizer que, diferente da fé, seu conteúdo é composto de uma série de artigos e sentenças. (p.269)
Do fato que não há nenhuma fórmula relacionada no artigo sétimo da Confissão de Augsburgo, Albrecht Ritschl concluiu que Melanchthon propositadamente evitou tomá-lo além do projeto original porque naquele tempo ele ainda não refutara a proclamação do Evangelho "puramente religiosa" (rein religiose) com uma compreensão da dogmática. Essa confusão, disse Ritschl, não se tornou perceptível até 1537. Realmente, dessa época em diante, Melanchthon elevou a pura doutrina, o "conceito teológico do ensino" (theologisechr Lehrbegrift) ou os "verdadeiros artigos de fé" (rechte Glaubensartikel), tanto mais ao ponto onde eles eram a marca principal da verdadeira igreja e dessa maneira transferiu a própria igreja para fora do ideal pretendido na CA VII para o mundo empírico. Contudo esse rumo, disse Ritschl, significou um afastamento do conceito "igreja" conforme definido na principal confissão evangélica, em que a "doutrina do Evangelho" (doctrina Evangelii), não a (teologicamente entendida) "doutrina do Evangelho" (doctrina Evangelii), é considerada a marca da igreja. Visto que outros, aqui, igualmente, encontraram um ponto crítico em que iniciou a falha do Luteranismo em desenvolver-se na direção da ortodoxia doutrinária, a questão do significado de "doutrina" na confissão evangélica principal deve ser examinada um tanto mais de perto. (p.269)
A prova aduzida por Ritschl frágil nisto que ele mesmo deve conceder "que em sentenças semi privadas de Melanchthon e percebe bem cedo a inexatidão que ele gosta muito de fazer dos artigos da fé o objeto imediato da pregação em lugar da Palavra de Deus ou do Evangelho".18 Visto que as melhores fontes atualmente provam que isso foi verdade no tempo da Dieta de Augburgo, segue-se que a falha de Melanchthon em incluir a incriminada fórmula dos Artigos de Schwabach na CA VII de modo nenhum pode ser considerada ao colocar que ele a considerou incompatível com o conceito "igreja" que ele desenvolveu naquela ocasião na CA VII. Em segundo lugar, os próprios Artigos de Schwabach são um produto de negociações em que os teólogos de Wittenbeg cooperaram num ponto decisivo. Lutero, é verdade, negou que fosse o único autor; mas no prefácio que escreveu quando os artigos foram impressos, concedeu sua co-autoria (WA 30 III, 194, 19). Verdade, não pode ser comprovado que ele escreveu a questionável fórmula no artigo doze. Talvez seja até improvável que o fizesse. Se Lutero não foi o autor, então ela foi escrita por Melanchthon ou por um dos outros colaboradores de Wittenberg ou Francônia.19 Contudo a co-responsabilidade de Lutero e Melanchthon para ela consiste de forma alguma nisto, que eles não objetam quando os assim chamados Artigos de Schwabach foram formulados e que Lutero mais tarde os publicou com o seu próprio prefácio. Pelo contrário, essa co-responsabilidade igualmente se encontra (e isso primeiramente) no fato que eles, também, acederam à exigência de compilar todos os artigos doutrinários ou assistir aos que o fizeram. Pois foi seu propósito manifesto oferecer uma base para a unidade da igreja (Gemeinsamkeit) para a aliança política proposta entre a Saxônia e Brandenburgo-Ansbach. A resposta Saxônica à mudança do Margrave George no verão de 1529, declara que "como o Margrave George de Brandenburg tem pretendido, é necessário antes de tudo confessar um ao outro os artigos nos quais repousa a unidade da fé e da cristandade em discussão" (wil nit sein, wie Markgraf Jorg von Brandenburg bedacht hat, die artickel, darauf berurte aynigkait des glaubens und christenthumbs rughet, erstlich gegeneinander zu bekennen).20 E na resposta de Margrave lemos: "Quando alguém se afasta dos artigos aceitos, e isso é descoberto, que ele, caso se recuse a ouvir a razão e persistir no seu erro, não deverá ter parte nesse acordo" (Wo ainer von den bekanten artickeln abfallen und desselbigen erfunden, das er, wo er sich nit weisen lassen und uff seinem abfall verharren ward, dieses verstantnus nit teilhaftig sein soll).21 (p.270) Com respeito à política eclesiástica, essa é a mesma opinião que Melanchthon expressou na Apologia na fórmula mais geral que "mestres ímpios devem ser abandonados" (impii doctores deserendi).22 Quando a Saxônia, de outro lado, rejeitou o estabelecimento de um ritual uniforme (Kirchenordnung), os dois princípios contidos no artigo sétimo da Confissão de Augsburgo (unidade na doutrina, mas liberdade em assuntos externos) foram, por isso, operativos para a aliança Saxônico-Franconiana. No entanto essa unidade na doutrina foi expressamente formulada nos assim chamados Artigos de Schwabach, e com a cooperação dos reformadores de Wittenberg. Realmente, as palavras questionáveis no décimo segundo dos Artigos de Schwabach não são uma substância estranha (Fremdkorper); eles correspondem à opinião total da igreja em que esses artigos estão baseados. (p.271)
Se nesse tempo Melanchthon tomou parte nas discussões doutrinárias com o propósito de promover a unidade da igreja (Gemeinsamkeit) (A Confissão Franconiana, agora publicada, bem como as discussões em Copenhagen em 1530 revelam que aqui ele esteve meramente na corrente de algo que deveria acontecer) é totalmente desorientador procurar por uma razão por que ele foi considerado haver desaprovado o conceito básico da igreja na Confissão de Augsburgo. Pelo contrário, é uma exigência elementar do método histórico interpretar suas sentenças na Confissão de Augsburgo à luz da sua atitude geral positiva com respeito a essa questão. Em seu próprio prefácio (muito embora esse prefácio não foi aceito) ele explica no fim: "Agora falaremos em doutrina e primeiro enumeraremos todos os artigos principais da fé, dos quais Sua Majestade Imperial pode concluir que o Eleitor da Saxônia não permite que nada anti cristão seja pregado em seu domínio, antes aderiu com toda diligência à comum, pura fé cristã."23 (p.271) Portanto, os artigos que seguem propõe-se provar que é certo por outras razões também: que no Eleitorado da Saxônia "doutrina" corresponde à fé "comum" (gemein) dos cristãos. E após todos os vinte e um artigos da primeira parte terem sido introduzidos destacando-se que eles são o conteúdo da doutrina, está estabelecido na conclusão do artigo vinte e um concernente ao "sumário da doutrina" (Summa der Lehre) que nada contém "que seja diferente da Escritura ou da igreja católica ou da Igreja Romana, tanto quanto é conhecido dos redatores" (quod discrepet a ecripturis vel ab ecclesia catholica vel ab ecclesia romana, quatenus ex ecriptoribus nota est). É impossível expressar mais afinadamente do que é feito na sentença introdutória e nessa sentença conclusiva que os artigos doutrinários da Confissão de Augsburgo propõe formular justamente o que, conforme o artigo sétimo, a verdadeira unidade da igreja requer, notadamente, "acordo com respeito à doutrina" (consensus de doctrina). Somente o parceiro com quem há o desejo de estar em acordo não é mais o Mrgrave de Brandenburg; é a "igreja católica" (ecclesia catholica).(p.272)
No entanto, que Melachthon de maneira alguma estivesse disposto ou fosse capaz de deixar uma promessa geral de pregar o Evangelho ser o que foi exigido para se firmar um acordo (conforme o declarou Ritschl) pode ser observado do fato que embora a sua primeira aspiração do sétimo artigo continha uma fórmula que poderia ser interpretada dessa maneira, ele deu uma definição exata dessa fórmula na versão final. A primeira aspirada coloca que é "suficiente para a unidade da igreja chegar ao acordo com respeito ao Evangelho e os sacramentos" (zu einickeit der kirchen genug, das man des evangeliums und der sakrament halben uberein kom). Realmente, na definição precedente da igreja é colocado que a igreja é "uma assembléia dos santos em que o Evangelho é pegado e os sacramentos são administrados" (ein versammlung der heiligen, darin das evangelium gepredeigt und die sacrament gereicht werden). (p.272)
Na versão final é acrescido um "corretamente" (recte), em primeiro lugar, para "ensinar" (docere) e "administra" (administrare); em segundo lugar, a palavra "verdadeira" (vera) é acrescentada ao conceito "unidade" (unitas). Não antes de serem acrescentadas essas palavras que a enumeração inteira dos artigos doutrinários na Confissão de Augsburgo se torna significativa. Até os oponentes reivindicavam a sua doutrina "concordava com o Evangelho" (cum evangelio consentire).24 (p.272) Por isso foi importante que (conforme isso foi expresso num concílio reunido em Nürnberg em 7 de Maio de 1530) "o santo Evangelho ... deveria ser proclamado livre e puramente conforme fora aceito e exposto pelas doutrinas da Santa Igreja Cristã."25 Nenhuma mera recitação do Evangelho contido na Escritura concede certeza com respeito à base para a unidade da igreja ; isso deve ser feito pela "exposição" (Auslegung), a compreensão do Evangelho que pode ser reconhecida quando a doutrina da igreja é examinada. É isso que as adições anteriores ("corretamente" {recte} e "verdadeira" {vera}) expressam. E a Confissão de Augsburgo formula o que os evangélicos entendem por correta doutrina do Evangelho. (p.273)
Assim, a própria Confissão de Augsburgo propôs colocar a norma para o que constitui a correta doutrina do Evangelho e realmente ser uma linha de unidade para todos aqueles a quem a correta pregação do evangelho uniu na verdadeira unidade da igreja. Que Lutero, igualmente, conhecia vários pontos que ele considerava essenciais para a doutrina da igreja, pode ser percebido na sua Exortação ao Clero, que foi emitida da Frente Coburg na mesma época. Aqui ele enumera "os pontos que devem ser tratados na verdadeira igreja cristã - os ponto com que estamos preocupados" (die stuck so nottig sind ynn der recchten Christlichen kirchen zu handeln, da wir mit umb gehen) (WA 30 II, 345). E por que ele não faria depósito pela "pura" doutrina quando, além de tudo, toda a sua batalha na igreja foi c batalha teológica? Se a formulação na Confissão de Augsburgo teve sucesso ou insucesso - em todo caso ela permaneceu a grande realização de Melanchthon e dos que lhe disseram o que fazer, a grande realização daqueles que em 25 de junho de 1530 fizeram da sua obra teológica a sua "confissão". Essa confissão não é uma revelação de Deus. Contudo ela se propõe ser uma resposta - uma resposta dada pelos que ouviam o Evangelho com fé e professavam a "doutrina" que foi proclamada entre eles. As coisas poderiam ter tomado um rumo inteiramente diferente. A exigência do Landgrave de Hessia nos anos precedentes, assim como a do Suíço, almejava uma aliança política dos evangélicos. Tal aliança meramente política do "Protestantismo como um todo" (Gesamtprotestantismus) poderia, no momento, ter tido maio sucesso prático. Contudo isso teria desaparecido junto com a constelação política sob a qual nascera. Uma igreja eleitoral-Saxônica, langrave-Hessiana, margrave-Ansbacha, Reutling, Henneberg permaneceria. No entanto, foi o grande sucesso da formulação de uma confissão que gerou uma unidade supra-territorial dos evangélicos como uma dinâmica na igreja - não como a "igreja invisível" (ecclesia invisibilis).(p.273) Como unidade no assunto de confissão essa unidade era ideal. Promovida por meio da mesma pregação do Evangelho - "pois somente a doutrina gera e preserva a igreja" (das allein aus der leer wird die christlich kirch geboren und erhalten), conforme Melanchthon escreveu no prefácio que não foi aceito - e reconhecido por causa da unidade (Gemeinsamkeit) da sua profissão da "pura doutrina do Evangelho" (pura Evangelii doctrina) (AC IV.5). Não é um ethos uniforme,não a unidade na administração, e, por último, não um policiamento político comum que demonstra a unidade que está em custódia com a natureza da igreja; é a unidade na doutrina. "A verdade manifesta deve tornar-nos um, não a obstinação" (Es muss unns die offentliche warheit eynis machen unnd nit die eygensinnigckeit), dissera Lutero no que escrevera à nobreza (WA 6,455,14).26 A igreja que é uma na "verdade manifesta" (offentliche Warheit) - essa é a igreja que Lutero não destruiu, porém reformou. (p.274)
21. CATOLICIDADE
A reivindicação da Confissão de Augsburgo de que ela nada continha que se desviasse da igreja católica27 certamente se fundava em razões que, primeiramente, eram práticas e apologéticas. Aqui se tratava de um assunto da evidência encontrada na "doutrina evangélica" (doctrina evangelica0, que, desde o edito imperial de 380 e juntamente com a "instrução apostólica" (apostolica disciplina), foi considerada o pré requisito do nome "cristãos católicos (nomen Christianorum Catholicorum).28(p.274) Segundo a crença que a concordância na doutrina é a marca de catolicidade, Brenz subscreveu a Confissão de Augsbugo e a Apologia na convenção de Esmalcalde (1537). Ele adicionou a seguinte nota: "Medíocre como eu sou, concluo que todas essas coisas estão de acordo com a Santa Escritura e com a opinião da verdadeira e genuína igreja católica" (Pro mediocritate mea judico haec omnia convenire cum sacra scriptura et cum sententia verae kaí jneesíees catholicae ecclesiae). Contudo, é evidente na Apologia que é atribuído valor à marca de catolicidade per se. Na versão alemã lemos que os oponentes jactavam-se "de serem a igreja cristã e crêem naquilo que crê a igreja 'católica' (catholica), universal (gemeinsame). Porém aqui, no nosso caso e em nosso artigo mais importante, Pedro, o apóstolo, coloca que existe também uma igreja 'católica' (catholica), universal (gemeine) quando ele diz: "Todos os profetas dão testemunho de Jesus de que pelo seu nome recebemos remissão de pecados.'". Semelhante consenso de todos os profetas deve igualmente "ser um decreto, uma voz, e uma decisão enfática unânime da igreja universal, católica, cristã e justamente ser considerada como tal" (V.66s.). O que significa a palavra "católica"? Esse parece o assunto em questão aqui. Contudo a catolicidade (das Katolische) per se é uma marca da igreja é admitido indiretamente mesmo pelos evangélicos. Com respeito a isso, nunca houve uma opinião diferente no Luteranismo. O próprio Lutero nunca abandonou a idéia da universalidade da igreja. Numa época crítica ele atribuiu importância ao fato que ele nunca exerceu violência contra à "fé pura e católica" (synceram et catholicam fidem) (WA 5,597,28; 8,96,11). Se ele não usa a expressão "católica" seguidamente, isso está de acordo com o seu desejo de expressar ao "povo simples" (die Einfaltigen) a realidade da igreja o mais simples possível na sua própria língua. Pela mesma razão ele gostaria de trocar a expressão "igreja" por uma palavra alemã e designar a igreja como "uma comunhão ou assembléia cristã, melhor e mais clara de todas, como 'a santa cristandade'" (ein christlich gemein odder samlung, aufs aller beste und klarste 'ein heilige Christenheit' bezeichen) (WA 30 I, 189,6ss.). Inversamente, porém, ele dá força à expressão "um santo povo cristão" (ein christlich heilig Volk) com a sentença adicional: "Esta é a santa igreja católica" (Das ist sancta et catholica ecclesia) (WA 50,625,15). (p.275) Mesmo no seu Wieder Hans Worst (1541), em que ele destaca o contraste irreconciliável, confessional da forma mais aguda possível, ele exige reconhecimento do fato que temos o mesmo Batismo que possui a antiga igreja cristã (conforme lemos no Credo, "católica",que é universal) (WA 51,479,25). Melanchthon exigiu: "Deveríamos todos sermos católicos" (Omnes esse debemus Catholici) (CR 24,399). Jacob Heerbrand objetou indignadamente quando os oponentes da igreja católica fizeram a acusação: "Pois nada em qualquer época foi escrito, dito, e feito por mim contra a igeja católica. Longe com isto, longe de mim, afirmo, tal impiedade!" (Non enim unquam quicquam contra Catholicam Ecclesiam a me scrriptum, dictum, factum est. Absit hoc, absit, inquam, a me impietas ista.)29 E embora um homem como Balthasar Mentzer, recorrendo ao biblicismo que é um tanto pedântico, chama atenção ao fato que a palavra "católica" é não bíblica, ele próprio faz uso dessa palavra.30 Dificilmente algo diferente é entendido quando nesse que ele publicou em conjunto com seus colegas, Johann Winckelmann e Johann Scholl, a "igeja universal" (universa ecclesia) ou "toda a igreja" (tota ecclesia) é mencionada.31 Certamente as disputas ocorreram no mesmo tempo sob Leonhard Hutter, de Wittenberg, exigiam enfaticamente que o nome "católica" não deveria capitular em quaisquer circunstâncias.32 Em George Calixto, todas as ligações românticas feitas com o conceito de catolicidade novamente vieram à tona. Mesmo que seus oponentes Saxônicos entenderam isto como significando algo mais, eles todavia não tinham nenhuma idéia de abandonar a idéia de catolicidade. Entre os evangélicos ela encontrou seus porta vozes no século dezenove em Wilhelm Lohe; no século vinte ressurgiu novamente com a liderança do Luteranismo na Escandinávia.33 (p.276)
Foi na continuação com a ênfase inicial sobre a espiritualidade da igreja - a ênfase determinada pela oposição ao hierarquismo - que a universalidade ou catolicidade foi igualmente fundada na esfera da espiritualidade não empírica. É isso que foi entendido quando o Conselho de Ansbach de 1524 deu a seguinte definição: "A igreja cristã é a multidão ou assembléia de todos aqueles que crêem em Cristo, que crêem e continuarão a viver em unidade de espírito, fé, esperança e amor. E em virtude dessa unidade, os crentes são chamados a comunhão dos santos." (Frankische Bekenntnisse, 187). A igreja é uma unidade interna que engloba todos os crentes. Além de tudo, isso diz mais do que está contido na sentença que Lutero tomou de Huss: que a igreja é "todo o corpo dos eleitos" (universitas praedestinatorum). Pois aqui a única coisa que deve unir os indivíduos uns aos outros é o "decreto absoluto de Deus" (decretum absolutum Dei). Além de tudo, o aspecto puramente espiritual da idéia de universalidade preveniu o Luteranismo de confinar a membresia na "igreja católica" (ecclesia catholica) à sua própria igreja confessional. Lutero, também, sabia que, justamente como sempre, houve um "povo santo" até mesmo sob o papado - "povo santo" que foi salvo unicamente pela graça de Cristo (WA 50,563,17). E até mesmo Aegidius Hunnius declarou que "a igreja estava em meio ao papado, muito embora o papado em si não era a igreja" (in medio Papatu fuisse Ecclesiam etiamsi Papatus ipse non esse Ecclesia).34 (p.277)
Contudo, as discussões teológicas foram desenvolvidas na proporção das ocorrências de separação externa. Por que, é necessário perguntar, por que deve haver separação se é possível pertencer à "verdadeira" igreja mesmo dentro do redil da igreja papal? Foi destacado como o conceito "igreja" conforme desenvolvido pela Confissão de Augsburgo ultrapassou o meio meramente espiritual de expressar esse assunto. A separação resulta da exigência de "doutrina evangélica" (doctrina evangelica) - a exigência que é essencial à igreja - e da correspondente administração dos sacramentos. Dentro dessas linhas os evangélicos estavam aptos a manter a unidade externa. Numa opinião apresentada em 1530, os Wittenbergenses exigiam reconhecimento do fato que "muito embora existam diferenças entre nós, não estamos por esse motivo separados da igreja; nem estão os sacramentos, por esse motivo, sem eficácia entre nós" (ub wir schon ungleiche Ordnung gegen einander halten, wir darumb nicht abgeschnittene gelider von der kirchen sin, auch darumb die hailigen Sacrament bey uns nicht untuchtig sind).35(p.277) O tratado de Melanchthon Do Poder e Primado do Papa (De potestate et primatu papae), que coloca que há disposição de reconhecer o primado papal "segundo a lei humana" (de jure humano), foi incluído no Livro de Concórdia. A participação em inúmeras discussões resultou do desejo de restaurar a união externa rompida, obtendo-se a unidade na doutrina. E, em vista da separação dos suíços, que resultou ao mesmo tempo e por razões similares, Brenz declarou: "Eu não condeno as suas igrejas...porém, condeno sue dogma pernicioso" (Non damno ecclesias eorum...sed damno pernitiosum dogma eorum).36 (p.278)
A partir da conclusão do significado constitutivo da pura doutrina evangélica e a correspondente administração dos sacramentos, segue, com profunda lógica, a aplicação da marca da catolicidade Melanchthon imprimiu essa conclusão na Apologia. A igreja é chamada católica, diz ele aqui, não porque ela une pessoas definidas em seu "estado externo" (politia extena), mas antes porque ela une pessoas que estão espalhadas sobre o mundo todo que estão em acordo quanto ao Evangelho, têm o mesmo Cristo, o mesmo Espírito Santo, os mesmos sacramentos, a despeito das diferenças em tradições humanas (VII e VIII.10). Lutero expressou quase o mesmo veredicto no seu tratado sobre concílios e igrejas (1539): "Agora, onde ouves ou vês essa Palavra sendo pregada, confessada e praticada, não tenhas dúvidas que naquele local certamente deve haver uma verdadeira "santa igreja católica" (Ecclesia sancta Catholica)" (WA 50, 629,28; Enders 10,144,23). (p.278) No entanto, onde se encontra "acordo concernente à doutrina do Evangelho" (consentire de doctrina evangelii), sobre o qual Melanchthon fala aqui bem como na Confissão de Augsburgo? Deve um cristão mudar-se de um pregador para outro, a fim de estabelecer entre um caso e outro, de um domingo para outro? Essa nunca foi a intenção de Melanchthon nem de Lutero. Por essa mesma razão o "grande consenso" (magnus consensus) é estabelecido no primeiro artigo da Confissão de Augsburgo - o consenso que existe no âmbito daqueles que subscreveram a confissão. Um dos propósitos essenciais do documento é estabelecer o fato que esse consenso existe. Aqui é revelado um aspecto novo do significado fundamental da confissão para a igreja evangélica. (p.278) A Confissão de Augsburgo dá expressão não apenas à unidade supra-territorial da igreja; ela é igualmente um guia seguido pelo indivíduo quando este busca pela unidade (Gemeinschaft) com respeito à pregação evangélica e aos sacramentos evangélicos. "Pois a confissão é um sinal seguro pelo qual se deve reconhecer a igreja", declararam os pregadores de Mansfeld, em 1560.37 Isso nada mais é senão a aplicação prática do princípio da Confissão de Augsburgo. Aqui se deve notar que o próprio conceito da confissão exclui qualquer noção de uma compulsão autoritária para se crer. O indivíduo que busca pela igreja em que o Evangelho é proclamado, procura por ela não como algo estranho, porém, como a comunhão (Gemeinde) da qual ele mesmo é um membro. Se ele é um membro em virtude da unidade na fé, ele igualmente pondera a necessidade de entrar em unidade no assunto da confissão. Por essa mesma razão Lutero, na passagem citada, coloca a confissão e a fé lado a lado. "Pois a fé sem a confissão não é nada". Essa é a sentença breve e sucinta feita no conselho dos clérigos de Culmbach, em 1530.38(p.279)
A unidade (Gemeinsamkeit) na confissão sempre tornou os evangélicos conscientes da universalidade da igreja. "Enquanto a religião é tratada," diz Flacius, "os evangélicos são apenas um tipo de pessoas (nur einerley Volck)."39 De fato, ao fazerem essa declaração, eles de modo algum estavam pensando somente nos seus escritos confessionais teologicamente bem considerados. Quando, na passagem citada na Apologia, Melanchthon ilustra a "igreja universal" (universalis ecclesia) - Justus Jonas traduz esta com "católica" (catholica) - com as palavras de Pedro que todos os profetas testificam que recebemos perdão de pecados em o nome de Jesus (At 10.43), ele está colocando, em primeiro lugar, que a doutrina determinada pelo impacto do Evangelho (evangelicher Ansatz) deve ser a doutrina da igreja católica Em segundo lugar, no entanto, ele entende que essa doutrina e conseqüentemente a igreja católica existiam quando haviam somente promessas concernentes a Cristo - portanto, quando ainda não havia uma confissão formulada.40(p.279) A mesma aplicação da passagem no livro de atos, então, permeia diretamente todas as coisas que os dogmáticos seguintes têm a dizer sobre o conceito de catolicidade Aqui, de fato, os apóstolos regularmente estão ao lado dos profetas. Contudo, após a disputa confessional ter irrompido, a confissão que foi formulada naturalmente adotou o significado especial que era pretendido pelos pregadores em Mansfeld. Ela confronta qualquer um na correspondência de Melanchthon. Assim, ele fala, por exemplo, da união com os suecos por causa da "doutrina de Deus que tanto os suecos como as nossas igrejas professam em um espírito com uma só voz com a igreja católica de Cristo". (doctrina ecclesiae Dei, quam et Suedicae et nostrae ecclesiae uno espiritu et una voce cum catholica ecclsia Christi profitentur) (CR 7, 723). Ou os Wittembergenses escreveram ao clero de Nurnberg: "Estão convivendo a vossa instrução religiosa e as nossas igrejas, onde a totalidade da doutrina é apresentada, testificando sem obscuridade que nós verdadeiramente abraçamos e guardamos o consenso da igreja católica de Cristo concernente à doutrina" (Extra Catacheses vestrae et nostrae Ecclesiae, in quibus doctrinae summa traditur, quae non obscure testantur nos vere consensum Catholicae Ecclaesiae Christi de doctrina amplecti et tueri).15(p.280)
Essa unidade na fé e na confissão, que se fez sentir além de todos os limites nacionais, parece ser contrabalançada pela separação externa que sobrevém ao Luteranismo, unido como era na doutrina e na administração dos sacramentos, e que foi defendida pelo Luteranismo com consciente consistência. O contraste doutrinário vis-à-vis aos suíços foi considerado por Lutero e não em menor grau pelos associados à Confissão de Augsburgo como tão radical que a associação externa da igreja com os suíços lhes parecia ser intolerável. Nas bem cotadas palavras que ele dirigiu em 1533 aos de Frankfurt am Main, Lutero exigiu: "Quem sabe que seu pastor ensina como Zwinglio, deveria evitá-lo e logo ficar sem o sacramento por toda a sua vida do que recebê-lo dele, sim, logo morrer por isso e sofrer tudo" (WA 30 III,561,13). Ele condena os "prestidigitadores" (Gaukelspieler), que, por causa da unidade externa, falam equívocamente com referência a pontos cruciais.(p280) Acima de tudo, porém, "me angustia ouvir que numa mesma igreja ou num mesmo altar ambos os grupos busquem e recebam o mesmo Sacramento, e um grupo creia que ele recebe somente o pão e o vinho, porém o outro grupo creia que recebe o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. E eu seguidamente duvido que é digno de crédito que um pregador ou pastor possa ser tão obstinado e mau a ponto de guardar silêncio nesse assunto e deixar que ambos os grupos vão adiante nesse caminho, cada qual com sua própria opinião." (564,35ss.) Em si, é evidente que razões internas muito profundas, não a autoridade externa da Confissão de Augsburgo, determinaram a posição de Lutero nesse assunto. Contudo, a sua doutrina da Ceia do Senhor deixará isso especialmente claro (cf. O Sacramento do Altar). A posição que Lutero e a igreja da Confissão de Augsburgo tomaram foi um espinho no lado de todos os que desejavam atingir a unidade da igreja por meio de disciplina eclesiástica ao invés da unidade doutrinária. Isso se torna compreensível somente quando se compreendeu o caráter evangélico da unidade da igreja com base no impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz). O outro campo agiu da mesma maneira quando o estado interno de seus próprios negócios eclesiásticos, não alta política, estavam em questão.Isso é demonstrado pelo exemplo de Bonifácio Amerbach, um jurista em Basle. Em 1520, os escritos de Lutero trouxeram Amerbach para o lado da Reforma. A maneira em que a Reforma foi desenvolvida em Basle e a ligação com a política levaram ele e os outros professores da universidade a praticar o inverso. No entanto, a doutrina da Santa Comunhão conforme ensinada por Oecolampádio, o ofendeu mais que tudo. Em oposição à mesma, ele endereçou uma sentença de confissão ao concílio e defendeu a doutrina de Lutero da Santa Comunhão. Visto que isso o levou a evitar a participação em cultos e na Santa Comunhão das igrejas de Zwinglio, ele estava exposto a constantes contrariedades e foi ameaçado com a excomunhão.(p.281) Uma contraparte a isso dificilmente seria concebível na Wittenberg daquela época! Numa carta escrita em 1529 a J. Montaigne em Avingnon, Amerbach expressa a esperança que lhe fosse permitido morar em Basle assim como os judeus moram em Avignon, "a saber, como alguém sem solidariedade com as coisas por nós recentemente postas em prática" (nempe ab nostris nuper institutis prophanus). De outra forma, teria de migrar para Freiburg. Isso, de fato, não era entendido em Basle.42 (p.281)
A instância com que o Calvinismo constantemente pressionou a união mais tarde é propriamente iluminada quando se considera que sempre que o Calvinismo tentou martelar a "unidade do Protestantismo" (Einheit des Protestantismus) para dentro do Luteranismo, fez seu caminho em áreas da igreja que eram originalmente Luteranas. Que a sua "teologia irênica" (Irenik) era uma forma velada de agitação por si mesma, pode-se estudar com especial proveito no caso de Johann a Lasco, o polonês agitador que, como um "pobre emigrante", atravessou as terras Luteranas desde Denmark até Wurttemberg com o séqüito de dois outros pregadores e 170 almas. Ele sempre insistia em debater com os clérigos Luteranos. Contudo, se depois disso, ele não foi considerado nem tratado como um dos seus, ele encheria o mundo com as suas lamentações sobre a intolerância dos Luteranos. Hans Leube todavia já mostrou de forma impressiva bem como incontroversa que a "teologia irênica" (Irenik) Reformada no século dezessete foi geralmente uma agitação velada para a sua própria idéia e direito político, e certamente de maneira alguma um abandono da sua própria posição confessional.44 (p.282)
Entrementes o problema da separação externa e, juntamente com ela, que a catolicidade foi sentida mais acuradamente contra a Igreja Romana, que reivindicava a marca de catolicidade somente para si mesma. Quanto mais claramente a descrição do cristianismo se alterava, para desvantagem da Igreja Romana, e quanto menos o conjunto da Igreja Romana justificava a reivindicação, tanto mais firmemente essa igreja enfatizava a marca da catolicidade. Na tradução da Apologia, Justus Jonas lamenta que os oponentes "chamam o querido e santo evangelho de Luterano" (VIII.44).45 Inversamente, Lutero chamou o papado de seita (WA 7,753,27). E em 1530 Lazarus Spengler, o escriturário da cidade de Nurnberg, distinguiu sem hesitação entre os Augburgenses que eram "cristãos" e os que eram "papistas" (babstisch).46 Contudo, este é o período em que as igrejas evangélicas estatais começaram a surgir. A concessão da marca de catolicidade à sua própria igreja tornou-se uma reivindicação envolvendo disciplina eclesiástica.(p.282)
Isso era quase inevitável. Os estados do âmbito que fez uma confissão em Augsburgo em 1530 propagaram essa reivindicação no sentido de um edito de 380. Foram guiados pela idéia fictícia que o império dos antigos cézares tinha continuidade no Império Alemão. Eles não esperavam serem considerados como havendo deixado a igreja católica, da qual os oponentes Romanos também eram membros. Mesmo na paz religiosa concluída em Augsburgo em 1555 - a paz que foi estabelecida entre os que confessavam "a antiga religião e os estados do âmbito que estavam associados com a Confissão de Augsburgo" - eles foram capazes de olhar para ela com o objetivo que fosse evitada a aplicação da expressão "católica" à parte Romana. No entanto, na discussão teológica há referência posterior ao edito de 380. Assim é aduzido por George Dalmatinus numa controvérsia que ocorreu em Tubingen sob Heerbrand.47 Outrossim nesse exato ponto torna-se claro que não se pode pôr a questão sobre a base da disciplina eclesiástica.(p.283)Talvez fosse correto ignorar o fato que o edito designa Damaso, o bispo Romano, e Pedro, o Alexandrino, como guardiões da religião apostólica. Pois o que era verdade sobre Damaso, não foi necessariamente verdadeiro a respeito de todos os seus sucessores. Muito embora a Igreja Romana da idade média considerasse isso auto evidente, a igreja no reino dos verdadeiros cessionários de Justiniano contestaram-no seguidamente desde Fótio em diante. Mas quando, a fim de evidenciar a reivindicação dos evangélicos de que esse nome lhes fosse aplicado - Dalmatino e outros após a sua época fizeram uso da sentenças do edito em que o nome "católica" é reservado para aqueles que aderem à doutrina da Trindade mas ao mesmo tempo tratavam a reivindicação dos oponentes Romanos como uma usurpação, eles entraram numa área em que a teologia tem de parar. Pois aqui eles se submeteram indiretamente ao poder do império em assuntos pertencentes à lei eclesiástica. Isso pressupunha não apenas a idéia errada que havia uma continuidade da lei dos antigos impérios Romano e Germânico - a idéia equivocada da qual Lutero estava ciente (Vol. II, Rechtegeschichte) - mas, particularmente após a paz religiosa que foi concluída em Augsburgo, ela foi um anacronismo. Em 1530 os estados do reino já podiam argumentar dessa maneira. Fazendo assim, portanto, eles reconheciam tacitamente que até mesmo os oponentes pertenciam à mesma igreja católica.(p.283) Contudo, agora isso precisava ser contestado. E depois que a Igreja Romana se recusou a aceitar a reforma evangélica, isso devia ser contestado. (p.284)
Lutero já havia chegado a essa penosa conclusão. "Visto que eles se vangloriam de serem a igreja, têm a obrigação de comprová-lo...Mas se eles são incapazes de comprová-lo, devem confessar...que não são a igreja e que nós não podemos ser hereges porque caímos fora da igreja que leva a nada [nichtig]. Sim, visto não haver meio termo, nós devemos ser a igreja de Cristo, e eles devem ser a igreja do diabo, ou o outro meio circunda...pois desde o princípio do mundo até o fim existem duas igrejas. St. Agostinho os chama de Caim e Abel." (WA 51,477,19ss). E mais tarde ele acrescenta corretamente: "Mas visto que na terra não há nenhum juiz nesse assunto - pois aqueles que primeiramente se fizeram os principais juízes se tornaram partidários, e o seu julgamento é desprezível segundo todas as leis, assim como o juízo por nós emitido, que somos a outra parte, é desprezível entre eles - devemos deixá-lo como está e esperar o verdadeiro Juiz" (524,20) (p.284).
Essas sentenças de Lutero dizem muito mais do que os evangélicos e seus oponentes serem duas facções na mesma igreja. Pelo contrário, elas provam que ambas as partes desejam ser a igreja. Se Lutero está pensando aqui (1541) nos grupos eclesiásticos que também estão separados externamente e não possuem mais um arbitro secular comum, então a base foi golpeada para fora do argumento tomado do edito de 380. De fato, de agora em diante, duas igrejas completamente separadas estão em oposição uma à outra. Contudo, o argumento antes mencionado é agora obsoleto por outra razão. Não, de fato, porque ele seria em desvantagem para os evangélicos. Enquanto se trata do império Germânico, a adesão da igreja a Roma no período da paz religiosa concluída em Augsburgo teve o imperador d seu lado, mas somente em torno de um décimo da população. Contudo, a igreja da Confissão de Augsburgo tinha em torno de si aproximadamente setenta por cento dos alemães,48 representados por um considerável número de estados do reino. Embora a questão quanto a quem mantém soberania real no império Germânico - o imperador ou os estados do reino - não seja ventilada em termos da lei até o século dezessete, ela tem sua direção na desmontagem real de assuntos legais que se dirige ao início da era da Reforma. Portanto, uma aplicação análoga do edito de 380 poderia ser a vantagem dos evangélicos. Pois se o império Germânico agora era o sucessor do império dos Cézares - o que, de fato, não foi realmente o caso - os estados do reino agora poderiam valer-se do mesmo direito para determinar a validade pública de uma religião definida que fora reivindicada para o imperador no império de Teodósio I e de Justiniano.(p.284) Esse direito lhes é concedido pela primeira vez na Dieta de Speyer, em 1526, muito embora apenas provisoriamente; contudo na paz consumada em Augsburgo em 1555, ele lhes é concedido conclusivamente. Ele torna possível a existência externa de corporações de igrejas evangélicas e é, por conseguinte, do maior significado prático. Contudo, visto que a sua validade está sempre confinada dentro de pequenos e nos menores limites territoriais, há o perigo dela levar a um tremendo confisco de ideais. Pois quem afinal ousaria conceder a marca de catolicidade à igreja do Conde de Mansfeld ou à igreja da cidade imperial livre, de Alen, como tais? (p.285)
No entanto, para os evangélicos a reivindicação dessa marca não foi meramente uma questão de prestígio. Os únicos sempre indiferentes a ela eram os fanáticos adeptos da "edificação da igreja por baixo" ou "edificação da igreja na congregação". Esse princípio teve sua origem no sectarismo. Ele contradiz abertamente o conceito evangélico da igreja. A natureza da igreja exige que seja fundada, edificada e preservada "do alto". De fato, esse "do alto" não é representado por bispos e concílios, nem mesmo por superintendentes gerais ou sínodos. É um "do alto" transcendental, porém um "do alto" que opera dentro do mundo por meio da proclamação da Palavra e a administração dos sacramentos. Não é a "congregação", isto é,. um número de adeptos, que ergue a igreja. Não, é a Palavra de Deus falada no mundo "do alto". Esse princípio, a que Lutero se fixou durante a sua vida a despeito da sua petição ocasional por tal "que desejava ser cristão sincero", é o ponto de partida para três linhas de pensamento em que a idéia de catolicidade foi posteriormente perseguida. (cf. Administração Eclesiástica).(p.285)
1. Se a igreja é constantemente criada novamente e preservada pela Palavra, a Palavra está sempre em primeiro lugar e a igreja em segundo - não de forma contrária. "A igreja não faz a Palavra, mas ela surge da Palavra" (WA 8,491,34). Essa antítese de Lutero ocorre em diversas variações através de toda a teologia subseqüente. A igreja, que espera ter consciência de si mesma, olha constantemente para a sua origem. Mas visto que essa Palavra, assim como toda a revelação divina no tempo, aparece constantemente num traje interiormente mundano, a volta à sua origem é ao mesmo tempo uma volta à sua história. Agora é característica da teologia Luterana toda que ao fazer assim, ela não permanece embaraçada na história primeva da igreja e eleva essa história "pela fé à esfera da contemporaneidade". Pelo contrário, ela estava constantemente ciente da distância que a separava da igreja primeva, não apenas com respeito a uma comparação quanto ao valor, mas também num aspecto puramente histórico.(p.285) Ela sabia que a igreja primeva não pode ser trazida de volta. Nem considerava, de modo algum, o desenvolvimento interino como um mero retrocesso. Pelo contrário, ela buscava e almejava continuidade (cf. História). Essa é a razão mais profunda para o seu amor pela igreja "antiga" - o amor que é primeiramente notável. A igreja "antiga" de maneira alguma é entendida como sendo apenas a igreja primeva. Inclusive Lutero deseja provar que "nós permanecemos com a verdadeira igreja antiga, que nós somos a verdadeira igreja antiga" (WA 51, 479,17). Quando, como evidência para isso, ele igualmente faz alusão à adesão ao Credo Apostólico (482,17), isso prova que para ele a continuidade com a igreja antiga significa mais do que reconhecimento formal dos seus escritos canônicos. E na carta que ele enviou em 1532 ao Duque Albrecht da Prússia sobre a doutrina da Santa Ceia ele atribui importÂncia ao fato que esse artigo "tem sido crido e mantido harmoniosamente em todo o mundo já desde o princípio da igreja cristã até essa hora, conforme comprovam os livros e escritos dos queridos pais, tanto em grego como em latim, ... Pois é perigoso e terrível ouvir ou crer qualquer coisa contra o harmonioso testemunho, fé e doutrina de toda a Santa Igreja Cristã, que agora permaneceu harmoniosamente em todo o mundo por mais de 1500 anos." (WA 30 III,552,5ss.). Essas palavras expressam uma consciência de continuidade que nada tem em comum com o interesse de prestígio político-eclesiástico. Em seu tratado sobre a autoridade da antiguidade da igreja, Geoge Calixto foi mais tarde capaz de colocar lado a lado a este testemunho de Lutero numerosas sentenças de Melanchthon, Martin Chemnitz, Johann Gerhard, J.G. Dorsch, Johann Scharf e até mesmo Hulsemann, seu oponente ferrenho, que possuía um excelente conhecimento especialmente da teologia medieval.49 Entre os escritos que deram evidência histórica dessa continuidade estão, por exemplo, o tratado de Melanchthon "Da Igreja e da Autoridade da Palavra de Deus" (De ecclesia et de autoritate verbi Dei), o que ele escreveu sobre o Credo Niceno, o "Catálogo dos Principais Concílios Ecumênicos e Nacionais desde o Tempo dos Apóstolos até a Nossa Época" (Catalogus praecipuorum conciliorum oecum, et nationalium a tempore apostolorum usque ad nostra tempora, - 1564), de Selnecker, e as obras sobre história da igreja por Flácio e seus colaboradores (cf. História). (p.286) Contudo, o "Examen Concilii Tridentini" de Martin Chemnitz igualmente serve a esse propósito. Por essa obra, Chemnitz recebeu o título "o mais infame Luterano" (sceleratissimus Lutheranus) do Conde Bartholomeu de Portia, o núncio papal.50(p.286) Em Estrasburgo, Johann Pappus fez uma coleção de sentenças de Agostinho que estão em paralelo com todas as sentenças da Confissão de Augsburgo.51 Embora essa consciência da ligação histórica que mantém unida a igreja de todas as épocas seja algo diferente da certeza da fé que sempre existiram verdadeiros crentes, ela não pode ser separada dessa certeza. Pois essa certeza se apóia na outra certeza de que a voz do Evangelho nunca foi totalmente silenciada. Portanto, a consciência de continuidade é também um elemento necessário na idéia da catolicidade da igreja. Contudo, está necessitada de uma correção. Pois a sentença de Lutero citada por último traz à mente mui seriamente o que, conforme colocado anteriormente (cf. O Dogma e a Igreja), até Zasio colocara entre os dentes. Contudo, isso não deixou nenhuma impressão a Lutero. (p.287)
2. Esse corretivo está no fato que a igreja foi fundada do alto mediante a Palavra de Deus. A catolicidade, também, deve ser entendida do alto. "E tanto quanto está se tratando da unidade," diz Heerbrand, "não é qualquer [igreja] que seja que agrada a Deus. Pois ladrões e salteadores concordam, e rebeldes conspiram, como fazem os principais sacerdotes, os escribas e os fariseus contra Cristo." (Et quod ad unitatem attinet, non quaevis [ecclesia] Deo grata est. Consentiunt enim et latrones et fures et seditiosi conspirant, sicut Pontificii, Scribae et Pharisaei contra Christum.)52 Portanto, é necessária uma base crítica contra a continuidade histórica. Jacob Andrea coloca muito vivamente que que isso significa uma revolução, não uma completa destruição, quando ele diz: "Os papistas esqueceram-se dessas [antigas] divisas e estabeleceram novas divisas." Lutero, todavia, "não retirou ou removeu essas antigas divisas ou estabeleceu novas em seu lugar; ele simplesmente restaurou as antigas."53 Andrea, igualmente, está preocupado em provar que "não nos desviamos da correta, verdadeira igreja católica cristã." Mas quais são, então, as demarcações de catolicidade genuína? Mais adiante Calixto se referiu à famosa definição de Vincent de Lérins. De fato, ao proceder assim, ele dá preferência à "universalidade" (universitas) e "antiguidade" (antiquitas) ao invés da "concordância" (consensio), quando menciona as três marcas de catolicidade. Mas lá pelo século dezesseis, Heerbrand, por exemplo, e Dalmatinus, mas especialmente Chemnitz, citaram o homem de Lérins.(p.287) Está claro que aqui existe o perigo de reversão ao princípio puramente formalista da tradição. Todavia é significativo observar como Chemnitz procura juntar esse perigo. As palavras de Vincent - "que sempre tem sido aceita, em todo lugar, e por todos" (quod semper, quod ubique, quod ab omnibus creditum est) - ele modifica conforme segue: "que têm sido recebida consistentemente da Escritura, sempre, em todo lugar, e por todos os crentes" (quod semper, quod ubique et ab omnibus fidelibus ex Scriptura consianter receptum fuit).54 Aqui, portanto, a síntese da consciência de continuidade e do princípio escriturístico é procurado e encontrado. O consenso dos crentes tem suas marcas na Escritura, ao qual, a marca de catolicidade é primeiramente atribuída.55 Mas isso, por outro lado, não é nada diferente do que encontrar a catolicidade da igreja no fato que a unidade é fundamentada em Cristo como a Cabeça da igreja. Pois o consenso dos crentes encontra a aplicação dessa catolicidade no fato que a igreja nada ensina além do que Cristo lhe entregou para fazer e ensinar. A essa igreja "católica" pertencem todos aqueles que ouvem a voz do seu Pastor.56 Aqui o co-autor da Fórmula de Concórdia está protegido contra a ameaça que a catolicidade evaporará no ar da mera espiritualidade. Isso não requer quaisquer provas. Pois ele considera a "unidade da fé" (unitas fidei) e a "pureza de doutrina" (synceritas doctrinae) como unidas por necessidade. O conceito de Johann Gerhard da "confissão católica" (Confessio Catholica) corresponde exatamente ao propósito de Chemnitz e Melanchthon.57 (p.288) A catolicidade igualmente aparece na aceitação dos credos antigos. Já foi demonstrado que isso inclui e não exclui o exame desses credos segundo a Escritura. Ademais, a catolicidade aparece quando as confissões evangélicas fazem suas próprias as rejeições expressas pelos credos antigos. Em terceiro lugar, todavia, aparece, acima de tudo, nas próprias confissões evangélicas, visto que nas doutrinas contestadas essas confissões estão de acordo sobre a única autoridade dos "escritos canônicos católicos" (scripta catholica canonica), a Escritura Sagrada, que é reconhecida por todos os cristãos.(p.289)
3. De fato, é precisamente por causa desse propósito último das confissões que aqueles que as formularam foram acusados de destruírem a unidade da igreja. Objetivamente essa acusação certamente está errada se é lançada às próprias confissões. As confissões não causaram a divisão; elas apenas afirmaram que havia dissensão com respeito à doutrina, e ao fazê-lo elas forneceram as razões para a sua própria posição. A Igreja Romana, acima de tudo, perderam o direito da reivindicação de serem mais nesse aspecto do que as igrejas evangélicas, visto que o Concílio de Trento fez dela uma "igreja particular" (Partikularkirche) no mesmo grau e sentido em que eram seus oponentes evangélicos. Assim a sentença que havia dissensão não permaneceu a [ultima palavra no Luteranismo antigo. O que havia em meio a isso era a definição de Melanchthon da igreja como a "assembléia de todos os que foram chamados" (coetus vocatorum) (CR 21,825). Somente aqueles que distorciam suas sentenças sobre a "igreja visível" (ecclesia visibilis) poderiam manter que isso contradizia a definição fornecida na Confissão de Augsburgo. Aquele que lê sem prejuízo do que Melanchthon apresenta nos Loci ou no Examen Ordinandorum, estarão convencidos do contrário. Aqui são constitutivos o Evangelho e os sacramentos.58 Consequentemente, aqui, também, Melanchthon permanece fiel ao fundamento da igreja "do alto"; e isto deve ser enfatizado contra as distorções do outro lado. Contudo, se ambos, ele e Lutero crêem que os cristãos são chamados para serem membros do corpo de Cristo primeiramente pelo Batismo, a sentença sobre a "assembléia dos que foram chamados" (coetus vocatorum) é um ponto de partida novo (Ansatz) para a idéia de catolicidade. Em seu veemente tratado polêmico (Wider Hans Worst), Lutero escreveu que ninguém será "capaz de negar que tanto nós como os papistas somos descendentes do santo BAtismo e somos chamados cristãos por causa disso" (WA 51,479,20).(p.289) Realmente, ele vê que a validade do Batismo entre os seus oponentes é questionada. Contudo, não é o ato em si - o ato que eles realizaram (WA 50,630,21ss.); é a certeza que o cristão invocava. E essa certeza está fundamentada no Batismo. A despeito de tudo, portanto, o Batismo é uma linha unificadora mesmo com os "papistas". Po essa razão, Lutero igualmente podia designar a "igreja cristã" (ecclesia christiana) como a "multidão dos que foram batizados e chamados" (multitudo eorum, qui baptizati sunt et vocati) (WA 14,190,20). E Urbano Rhegius chama atenção ao fato que na Escritura é coisa usual compreender "a igreja como sendo toda a multidão daqueles que foram batizados" (ecclesia pro tota multitudine baptizatorum) (Loci, p.177). Por conseguinte, o uso seguinte da "assembléia daqueles que foram batizados" (coetus baptizatorum) não é propriedade especial de Melanchthon; ele é comum ao Luteranismo. De fato, foi planejado para ser uma crítica à reivindicação da Igreja Romana à universalidade única quando essa igreja foi seguidamente confrontada com a sentença que ela era apenas uma "igreja particular" (ecclesia particularis).59 Indiretamente, porém, isso incluía o reconhecimento de uma unidade supra confessional dos cristãos. E muito embora Leonard Hutter não compreendia as "igrejas particulares" (ecclesia partilulares) como igrejas confessionais, ainda assim ele expressa a idéia de genuína catolicidade nesse contexto:"Todavia, permanece apenas uma igreja, que abraça todas aquelas igrejas particulares dentro da sua periferia como uma mãe abraça suas filhas. Pois o meu pombo é um só, meu [pombo] perfeito é um só." (manet enim nihilominus una tantum Catholica Ecclesia, particulares illas omnes ceu mater filias suo ambitu complectens. Una enim est columba mea, una est perfecta mea. 431). (p.290)
Isso permite entender por que o Luteranismo antigo sempre de novo olhava para o Oriente a fim de dar expressão prática à idéia de unidade supra confessional. Em seu escrito "Contra o Grande Renomado Romanista em Leipzig" (Wider den hochberuhmten Romanisten zu Leipzig) (1520), Lutero acreditava que poderia dizer dos "moscovitas, os russos brancos, os gregos, os Boêmios e de muitas outras nações no mundo" (que não estavam unidas com Roma) que "todas essas crêem como nós, batizam como nós, pregam como nós, vivem como nós..." (WA 6,287,9ss.). Em 1559 Melanchthon expressa ao patriarca de Constantinopla a convicção que na Igreja Oriental Deus "está preservando para si mesmo uma assembléia que rigidamente o adora e chama por seu próprio Filho querido, Jesus Cristo" (sibi servat coetum, qui Filium ipsius Jesum Christum recte colit atque invocat) (CR 9,923).(p.290) Realmente, ele não está pensando numa "igreja invisível" (ecclesia invisibilis). Hunnius, igualmente, cita o "indiscutível exemplo da Igreja Oriental" (irrefragabile exemplum Orientalis Ecclesiae) para mostrar que uma igreja particular (Partikularkirche) pode ser católica mesmo sem filiação a Roma.60 Jacob Andrea e Lukas Osiander, os teólogos de Tübingen, buscaram contato com Constantinopla de uma forma prática.61 E a delegação que o conde Ernesto, o piedoso, enviou à igreja de Etiópia, em Abissínia, foi um resultado do mesmo salto ecumênico para o Oriente.(p.291)
Muito embora tudo isso não tenha nenhum efeito prático, ainda assim expressa o desejo de se preservar as próprias igrejas territoriais da investidura paroquial. Esse desejo nasceu da certeza de se pertencer "única santa igreja católica" (Una Sancta Catholica).(p.291)
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