22. O SACRAMENTO DO BATISMO62
O significado ecumênico atribuído ao Batismo no Luteranismo antigo leva à pergunta se aqui é imaginada uma unidade meramente externa, ritual, ou uma conexão mais profunda de outra espécie.(p.291) Pode-se pensar a respeito da primeira quando Lutero dá ênfase especial ao caráter externo do Batismo - o caráter que possibilita reconhecer os cristãos como o povo de Deus (1523; WA 12,695,6). Mas quando a Fórmula de Concórdia do mesmo modo aponta para a "grande diferença entre pessoas batizadas e não batizadas", ela cita Gl 3.27 e conclui dessa passagem que todos os batizados "revestiram-se de Cristo e por isso são verdadeiramente renascidos" (DS II,67). Aqui, portanto, é atribuído ao Batismo um significado essencial, interno. Evidentemente, essa foi também a opinião de Lutero. A pergunta pode, então, ser respondida dizendo-se que embora o rito do Batismo seja em si uma mera linha externa para as igrejas como tais, ao mesmo tempo o efeito do Batismo pode gerar unidade interna (Gemeinsamkeit) dos indivíduos. Isso é igualmente confirmado pelo fato que o Luteranismo, exatamente assim como a igreja Romana e a igreja Oriental, torna a validade do Batismo independente da qualidade pessoal da pessoa que batiza (WA 37,279,7; 300,18) e reconhece não apenas o Batismo realizado pelos leigos63 mas também o batismo infantil.(p.292)
Os escrúpulos que surgiram por causa dessa proximidade com igrejas que colocam ênfase especial em cerimônias são ainda intensificados quando a Confissão de Augsburgo declara "que o Batismo é necessário para a salvação" (quod baptismus sit necessarius ad salutem), e quando a Apologia acrescenta que o Batismo não é apenas necessário para as crianças, mas "também eficaz para a salvação" (et efficax ad salutem). A sentença que o ato do Batismo é necessário para a salvação - o ato que deve ser imaginado como meramente externo - parece estar diametralmente em oposição ao impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz), segundo o qual a salvação ocorre mediante o Evangelho e a fé, exclusivamente.(p.292)
Agora, é verdade que os sacramentos apareceram já numa outra conexão, a saber - assim como o Evangelho - como "símbolos, sinais e marcas da igreja" (symbola, tesserae et caracteres ecclesiae) em Lutero; como "sinais de participação da igreja" (signa societatis ecclesiae) em Melanchthon (CR 23,39); como "marcas da igreja" (notae ecclesiae) nos dogmáticos posteriores. Realmente, é somente dentro da estrutura da igreja que se pode falar significativamente do Batismo, pois os indivíduos não podem batizar-se a si mesmos.(p.292) Mas visto que a igreja batiza, ela não é mais "puramente uma igreja falante" (eine Wortkirche); ela é ao mesmo tempo uma igreja que realiza atos. Embora o Conselho de Ansbach de 1524 tenha declarado que o nome "sacramento", assim como o número "sete", "foi inventado unicamente por homens" (allain durch Menschen erdlich worden ist) e por essa razão esperava que fosse proibido o uso da palavra "sacramento".64 agora, no curso do tempo o nome "sacramento" deixou de se atacado. (p.293) E a conexão tradicional essencial entre a igreja e o sacramento foi aceita junto com o nome. Mais adiante será necessário discutir o fato que, como resultado dessa conexão - apresentada especialmente pela CA XIV - até mesmo os evangélicos ligaram ao ministério uma posição que, com certas limitações, segue paralela com a posição do clero na igreja Latina e na Grega. (p.293)
Se, então, o fato que a descrição externa da Igreja Luterana concorda em grande medida àquela de outras igrejas particulares (Partikularkirchen) se deve, em última análise à doutrina dos sacramentos, a pergunta concernente à base dessa doutrina tem importância decisiva. Contudo, o Luteranismo antigo em sua totalidade não conhece nenhuma outra base senão a "instituição" (Einsetzung) por Cristo. Isto é algo diferente do que basear a doutrina sobre a autoridade da Escritura. No tratado "Do cativeiro Babilônico" (De Captivitate Babylonica), Lutero expõe em conexão com o "sacramento" da extrema unção que a epístola de Tiago, mesmo que tenha sido escrita por um apóstolo - o que ele duvida mesmo muito antes disso - nunca pode instituir um sacramento: "um apóstolo não pode instituir um sacramento por sua própria autoridade, isto é, dar uma promessa divina junto com um sinal. Pois isso pertence somente a Cristo". (non licere Apostolum sua auctoritate sacramentum instituere, id est, divinam promissionem cum adjuncto signo dare. Hoc enim ad Christum solum pertinebat). (WA 6,568,12). Lutero destaca que mesmo Paulo declara expressamente que recebeu do Senhor o sacramento da Eucaristia. Portanto, é estritamente histórico basear os sacramentes na instituição de Cristo. Tendo em vista tudo o que foi apresentado sobre a Cristologia e sobre a doutrina da igreja no Luteranismo, isso não pode soar como estranho. Conforme visto do ponto de vista do mundo, a marca de contingência histórica é atribuída a toda a história da salvação. Isso não contradiz a natureza da fé; é um pré requisito. Se fosse necessário pensar sobre o que Deus fez e oferece, isso seria o conteúdo da "razão" (ratio), não da fé.(p.293) É verdade que a fé, aqui, também vê uma necessidade. Contudo isso não é racional-causal em caráter; é teleológico. E mesmo aquilo que é teleológico não deve ser entendido no sentido de exatidão de propósito intramundano (innerworldly); deve ser entendido escatologicamente. A fé na teleologia divina é idêntica com a certeza que eu não sou quem decide por ou contra a minha salvação em meu aqui e agora, mas que é Deus quem faz a decisão.(p.294)
"Este é igualmente o caso cm o Batismo. A água é Batismo, e o Espírito Asnto está no Batismo. Aqui você poderia dizer: 'Por que é necessário batizar com água?' Mas o Espírito Santo fala da seguinte maneia, 'Você está ouvindo? Aqui estão a vontade e Palavra de Deus; permaneça com elas, e abandone a sua opinião própria.'" (WA 19,496,20). Essa base positivista contém um protesto contra todo acesso dos sacramentos que é meramente simbólico. Pois como a correspondência de uma representação pitoresca a uma idéia o mero símbolo carrega seu significado em si mesmo. Mas para o sacramento no propósito do Luteranismo é essencial que o significado seja atribuído ao ato "simbólico" mediante a Palavra de Cristo. Sem essa Palavra, o significado do mesmo ato poderia ser totalmente diferente. Lutero compara batismo cristão com o batismo da Lei - com a lavagem dos membros do corpo, de vestes e vasilhames - e com o batismo de João, o "batismo de arrependimento" (baptisma poenitentiae).(p.294)
Contudo, "Por causa da Palavra, que é operante nele e não nos outros, somente o Batismo de Cristo é um sacramento"(solius Christi baptisma sacramentum est propter verbum, quod in illo et non in aliis operatur) (WA 6,473,7). Aqui, no entanto, como sempre, a Palavra de Cristo era a "Palavra da vida ou da promessa". Se a concordância fundamental da doutrina do sacramento com o resto da doutrina da salvação é aqui estabelecida, o contraste com o conceito Católico Romano dos sacramentos é ao mesmo tempo aparente. Pois, segundo as nossas conclusões prévias, o conceito de promessa encontrado aqui como conteúdo essencial da Palavra de Deus que constitui o Batismo65 é agudamente distinguido do conceito da "graça" (gratia) que os sacramentos concedida segundo a maneira que a Igreja Católica Romana os entende. Por essa razão, aqui é feita uma oposição contra a doutrina Católica Romana que o Batismo não tem mais nenhuma validade para os pecados cometidos após o mesmo, mas que o sacramento da penitência deve então ocupar o seu lugar.66 (p.294)
Realmente, quando a questão sobre o conteúdo da promessa divina é respondida, agora - em acréscimo às palavras de Cristo que institui o Batismo - as outras sentenças neo testamentárias, que interpretam aquelas palavras, são aduzidas. O Catecismo Menor de Lutero é o exemplo clássico disso. Daquilo que Cristo diz em Mc 16.16 aquele conteúdo é apenas "será salvo" (salvus erit). No entanto, de Tito 3.5 se conclui que isso ocorre por meio do "novo nascimento no Espírito Santo". De Rm 6.4, porém, se conclui que o Batismo significa: que juntamente com Cristo somos introduzidos na morte, e, correspondente à sua ressurreição, "nós igualmente deveríamos andar em novidade de vida." Essas três linhas de pensamento desdobram a resposta precedente à pergunta sobre o "benefício": perdão de pecados, libertação da morte e do diabo, salvação eterna. Está claro como todo esse plano é determinado pela idéia fundamental da doutrina da justificação. E isto é expresso ainda mais finamente nos Artigos de Esmalcalde quando é lançado um ataque tanto contra a crença que um "poder espiritual" é herdado na água somente - essa crença não atribui novo valor a significado da "Palavra" - como também contra a desvalorização voluntariosa Scotista da conexão entre a Palavra e a água como tais (III,5).67 Finalmente, deve-se considerar a ênfase sobre a fé - "a todos os que crêem isto" - especialmente quando em oposição às sentenças que o efeito resulta "da obra realizada" (ex opere operato): "Pois onde não há fé, o Batismo não é válido" (Denn wo der glawb nit ist, hilfft die tauffe nit) (WA 7, 321, 10; CA XIII). (p.295)
Na estrutura dessa linha de pensamento a função do Batismo é dar segurança. Pois é necessário "que a fé tenha algo em que crer, que ela se apegue a isso, permaneça nisso e sobre isso esteja fundamentada. Agora, portanto, a fé se liga à água e crê que no Batismo há pura salvação e vida, não por causa da água ... mas por que ela está ligada (verleibet) com a Palavra e mandamento (ordnung) de Deus, e o seu nome68 a isto é atribuído (daryn klebet)" (WA 30 I,215,24; cf. WA 2,732,19ss.; WA 37,262,10). Assim, o Batismo se torna exatamente análogo à Palavra, na qual a fé se apóia. No entanto, ele difere dela (1) porque o Batismo é um ato concreto, logo, a "Palavra visível" (verbum visibile), e (2) porque aqui o cristão é endereçado por Deus de uma maneira totalmente pessoal, é chamado pelo nome e pessoalmente aceito como filho.69 (p.295)
Todavia, esse significado atestador e assegurador do Batismo pouco justificaria segundo o mesmo um lugar tão importante ao lado do Evangelho proclamado, como é feito na doutrina da igreja e igualmente expresso no nome aceito do sacramento. O fato que a função do ato de iniciação é atribuído ao Batismo torna isso mais compreensível. Mediante o Batismo somos "recebidos na cristandade" (in die Christenheit genommen) (WA 30 I, 212,8), "que dessa forma possamos ser reconhecidos como um povo de Cristo, nosso Duque" (das wir dar bey erkennet werden eyn volck Christi unssers hertzogen) (WA 2, 727, 22; WA 37, 263, 2). Pelo Batismo entramos na congregação daqueles a quem as promessas de Deus são feitas e que, por conseguinte, pertencem à igreja (Melanchthon CR 21, 474; 860). Mas, visto que esse ingresso ocorre mediante o ato do Batismo, é enfaticamente estabelecido que a igreja não é uma comunhão (Gemeinschaft) espiritual que se conquista em virtude de atividade espiritual individual. Pelo contrário, o indivíduo é chamado para essa comunhão. Ele é recebido nela mediante um ato para o qual é essencial, da parte da pessoa, uma atitude puramente receptiva. Esse ato, portanto, não apenas separa os cristãos dos não cristãos; ele igualmente separa o capítulo cristão de nossa vida daquele pré-cristão. E ele impede a ilusão que o nosso status como cristãos é algo diferente de um dom de Deus. Todavia, se o procedimento externo é "ordenação de Deus" (Gottes Ordnung), se Cristo nos "prendeu" a esse procedimento (WA 30 I, 216,4), então uma "coisa externa" obtém um valor que a distingue de todas as outras externas. Realmente, ele obtém esse valor por causa da Palavra. Todavia, essa Palavra conectada com ele concede ao Batismo o caráter de uma "água cheia de graça", que se torna algo diferente da "simples água". O nome de Deus pronunciado ao Batismo faz dele uma água "divina" (durchgottet), "espiritual" (durchgeitet), "divina, celestial" (Gottlich, himelisch Wasser) (WA 37, 264, 27; 265; 266,3). Os ritos Luteranos exigem que esse caráter sagrado do ato do Batismo não conduza a uma veneração supersticiosa da água.70(p.296)
Todavia, o ato de iniciação não é meramente um portal pelo qual o cristão entra na igreja, deixando-o para trás. O Luteranismo tem uma opinião diferente. Isso é visto pelo seu conceito de batismo infantil. A aceitação do batismo infantil é enfaticamente destacado e sublinhado nas confissões. (p.296) E a controvérsia contra os Batistas deu acento definido ao tratamento total da doutrina do Batismo. Para a igreja o batismo infantil realmente não é uma exceção; é uma regra. Por conseguinte, a doutrina do Batismo não deveria deixá-lo na periferia; se deve ser justificado, o batismo infantil deve permanecer no centro. Aqui a teologia Católica Romana não tem qualquer dificuldade; ela ensina que a eficácia do sacramento não depende propriamente da atitude da pessoa que o recebe. Para os evangélicos isso era impossível porque, particularmente no caso do Batismo, parecia impossível limitar a eficácia ao ato em si. O conceito de Zwinglio, porém, lhes era igualmente insatisfatório.(p.297)
Segundo o que ele ensinava, o Batismo é primariamente um sinal para os outros e afeta a pessoa batizada somente enquanto lhe impõe uma obrigação.71 Mas isso minimizaria o valor de tudo o mais que o Novo Testamento diz sobre o Batismo. (p.297)
A pergunta - respondida negativamente pelos Anabatistas - se é certo batizar infantes fora colocada de maneira melhor quando esse problema foi exposto. Foi dito que se deveria antes perguntar antes se a igreja tem o direito de excluir os infantes do Batismo. Mas essa maneira de pôr a questão pressupõe como princípio principal que o Batismo é primariamente e acima de tudo um dom, um presente de Deus, que não depende da disposição do recipiente mas, ao contrário, inclui a sua necessidade. Após ter sido estabelecida clareza com respeito ao pecado original, poderia haver menor incerteza no Luteranismo a respeito da necessidade dos infantes do que sobre a sentença que o Batismo é um dom. "Pois é mais certo", conforme lemos na Apologia, "que a promessa da salvação também pertence às criancinhas" (Certissimum enim est, quod promissio salutis pertinet etiam ad parvulos). Noutro lugar, Melanchthon fornece prova disso citando Mt 19.14. Lutero faz a mesma coisa. Ele constantemente se refere acima de tudo ao mandamento de Deus, que exige impropriamente que todas as nações sejam batizadas e não impõe a condição que a fé deve preceder o Batismo. Realmente, ele não argumenta do ponto de partida da criança; ele argumenta do ponto de partida da igreja, pela qual as crianças, conforme lemos na Confissão de Augsburgo, são "oferecidas a Deus ... e recebidas na sua graça."72(p.297)
Todavia, quando, em conexão com o Batismo, o Luteranismo atribuiu toda importância à Palavra, à promessa, ao perdão, à "recepção" (acceptatio) e à "adoção" (adoptio), a questão se alguém tinha o direito de conceder o Batismo aos infantes tornou-se mais aguda. Pois na analogia da doutrina da justificação, a fé deve ser exigida como aquilo que recebe. Portanto, seguidamente foi feita a tentativa de se atribuir fé também aos infantes - uma fé "inconsciente" (unbewusst), cuja possibilidade teria comprovada apelando para o poder de Deus como Criador. Naquilo que escreveu aos Waldenses e aos Boêmios (1523), Lutero declarou enfaticamente: "seria melhor nunca batizar qualquer criancinha do que batizar sem a fé" (Es were besser, gar uberall keyn kind tauffen denn on glawben teuffen) (WA 11, 452, 30). Entre outras coisas, ele acrescenta como prova que "mediante a fé e a oração da igreja as criancinhas são lavadas da incredulidade e do diabo, dotadas de fé, e então batizadas..." (453,3). Contudo, no Catescismo Maior e alhures ele definidamente se recusa a tornar o Batismo condicional à fé. Todavia, ele relaciona a fé das crianças ao Batismo unicamente com as palavras "para que creiam" (ut credant), não "porque elas crêem" (quia credunt). Aqui - assim como Melanchthon e os dogmáticos seguintes - ele está pensando em efeitos psicológicos.73 (p.298)
Mas a questão concernente à fé das crianças perde importância não apenas porque a validade não deveria em nenhum caso ser condicionada a ela como em algo já existente; ela é também apta a demonstrar-se em detrimento à preocupação de maior peso da doutrina Luterana do Batismo, a saber, que o significado do Batismo se estenderia por toda a vida. E isso é verdadeiro não apenas sobre o passar cronológico do próprio tempo de vida; é verdadeiro quanto à totalidade da vida - a totalidade que sempre entra em questão quando o homem lida com Deus. (p.298) O homem todo deve morrer com Cristo. O homem todo deve ressurgir novamente com Cristo - "diariamente", isto é, sem interrupção. Segundo Paulo, o Batismo é o sepultamento do homem mortal; mas ao mesmo tempo, ele é o sacramento da esperança da vida eterna. Dessa maneira somos "incorporados" (eingeleibet) em Cristo.74 "Toda a vida cristã", disse Melanchthon nos Loci de 1521, "é uma mortificação da carne e uma renovação do Espírito, e aquilo que o batismo significa ocorre até que ressurjamos direto da morte ... e por esse longo tempo, o Batismo é um sacramento de arrependimento" (Tota vita christiana, est mortificatio carnis et renovatio spiritus et res, quam significat baptismus, genitur tantisper, dum prorsus a mortuis resuramus .. adeoque sacramentum poenitentiae baptismus est). Aqui é necessário mencionar que o arrependimento evangélico deve englobar o juízo sobre o pecado e a fé. Por essa razão, Lutero pode afirmar no Catecismo Maior que o Batismo inclui o "terceiro sacramento", "a penitência, como algo que nada mais é do que o Batismo" (WA 30 I, 221, 13). Não antes disso, o conceito do Batismo como "renascimento" atinge seu sentido mais profundo. A fé não está sem a psique. A fé recebe; a psique vem a existir. Receber o Batismo é a primeira coisa; viver no Batismo é a segunda. (p.299) "Portanto, se vives na penitência, estás andando no Batismo, que não apenas significa mas também atua, principia opera tal novidade de vida ..." "Portanto, o Batismo sempre mantém sua validade, e mesmo se alguém dele cair e pecar, ainda assim nós sempre temos acesso a ele, a fim de subjugar novamente o velho homem." (221,16ss.).O renascimento é um evento que abraça toda a vida do homem. É o surgimento do novo homem. "Assim essa vida não é piedade; ela é o processo de tornar-se piedoso. Ela não é saúde; ela é o processo de tornar-se são. Ela não é ser; é tornar-se. Não é descanso; é atividade. Ainda não somos; estamos nos tornando. Ela ainda não está concluída e ainda não ocorreu; ela está no processo de tornar-se. Não é o fim; é o meio. Todas as coisas ainda não fosforescem e cintilam; mas tudo está ficando melhor." (WA 7,337,30).(p.299) Isso é verdade sobre o efeito que a fé tem sobre a psique.(p.300)
No Batismo, entretanto, a fé recebe a primeira coisa, que ao mesmo tempo também é a coisa toda e a última: "santidade eterna" (aeternam sanctitatem) (WA 37,266,37). Nenhuma criança humana deveria ser excluída de recebê-lo; pois, além de tudo, é meramente um recebimento. A criança deve consentir para ser entregue à morte pelo Batismo, assim como ela deve consentir para ser "concebida e gerada em pecado". Mas que Deus lhe promete "santidade eterna" e vida eterna - isso ela pode igualmente consentir. E até mesmo de um adulto Deus não exige mais do que o consentimento disso.75 (p.300)
23. O SACRAMENTO DO ALTAR76
Como no caso do Batismo, os protagonistas do Luteranismo no século dezesseis não tinham nenhuma idéia de promover uma ruptura no princípio da catolicidade quando lidaram com a Santa Comunhão. (p.300) Eles sabiam tão bem como seus oponentes que, segundo Paulo, o Sacramento do Altar deveria ser uma refeição da comunhão (Gemeinschaft), não de disputa. "Pois quem nega que o Sacramento da Ceia é um símbolo e um protesto de comunhão?" (Scramentum enim coenae symbolum esse et communionis protestationem quis negat?) O Syngramma Suábio pôs essa questão a Oecolampádio. Naquele tempo Melanchthon declarou que ele desejava permanecer com os antigos mestres (CR 1,830). Ele disse que não tinha nenhum desejo de criar um novo dogma na igreja, que não almejava desviar-se do "consenso da igreja" (1,90). E no ano da Confissão de Augsburgo, publicou "Opiniões de alguns escritores antigo concernentes à Ceia do Senhor" (Sententiae veterum aliquot scriptorum de coena Domini) (23,733 ss.). A confissão redigida pelos da Baixa Saxônia, em 1572, considerou-a como que tendo sua tarefa a de refutar a ameaça que "opiniões novas, estranhas estavam sendo ensinadas" (newe frembde opiniones getrieben) na sua igreja. Brenz desejou fazer uso das sentenças dos pais com o necessário respeito, desde que, de fato, elas fossem entendidas "com grande prontidão do coração segundo à analogia da fé" (magna animi promptitudine iuxta analogiam fidei) (De div. maj.,96). Lutero estava disposto a reconhecer que a despeito de todos os desusos, o Sacramento da Ceia do Senhor, foi igualmente preservado na Igreja Romana.77(p.301) A convicção de que havia concordância com o passado era tão forte que em 1560 os pregadores de Mansfeld expressaram a opinião "que em tempos passados realmente nenhum artigo [pertinente a assuntos de religião] tem sido menos atacado do que a doutrina do venerável Sacramento do corpo e sangue de Cristo" (Mansfeld Confession, p.173). Mesmo com referência ao uso da hóstia redonda, Aegidius Hunnius citou o exemplo da "igreja antiga", que se tinha a "liberdade cristã" para segui-la (Bestendige Widerlegung, p.18).78 Por causa dessa posição conservadora, a Igreja Reformada, que se firmava numa crença diferente e foi acusada de despojar o Sacramento do Altar do conteúdo que ele tem segundo a sua instituição, caracterizou a doutrina Luterana da Ceia do Senhor como "Católica" - naturalmente, no sentido mau da palavra. No Colóquio de Marburgo, Zwinglio acusara Lutero de dar apoio ao "papado" (WA 30 III,159,36). E na resolução que dirigiu aos estados reunidos em Berlin, em 28 de março de 1614, Johann Sigismund, eleitor de Brandenburgo, censurou Lutero por haver permanecido preso "muito fundo no obscurantismo do papado" quanto à sua doutrina da Ceia do Senhor.79 (p.302)
Foi atrevimento da parte do eleitor dizer que o próprio Lutero confessou que ele não tirou sua doutrina da Ceia do Senhor da Escritura Sagrada.(p.302) Todavia, foi mais honesto do que as tentativas de introduzir a doutrina Reformada da Ceia do Senhor em sentenças públicas da igreja evangélica - tentativas sobre as quais os Luteranos constantemente lamentavam desde a carta de Lutero aos cidadãos de Frankfurt. Pois as sentenças do eleitor continham um reconhecimento de que aqui foi erigido um dique intransponível. Lutero conseguiu conter a tola acusação de que de que ele estava dando apoio ao papado com a bem fundamentada declaração que ele "brigou" (herumgeruft) novamente com o próprio papado até com respeito à ceia do Senhor. Conseqüentemente, surge a questão até que ponto se tinha de admitir que a igreja medieval possuía o Sacramento do Altar e até que ponto se devia negar que a Igreja Reformada o tinha. Em parte alguma isso é expresso mais sucintamente, e em parte alguma mais pertinentemente, do que no artigo décimo da inalterada Confissão de Augsburgo: "...que o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes e são distribuídos aos que comungam na ceia do Senhor." (quod corpus et sanguis Christi vere adsint et distribuantur cescentibus in coena Domini). Aqui a presença real e o recebimento do corpo e sangue de Cristo na Ceia do Senhor são tratadas - e acima de tudo o que era ensinado a respeito disso. (p.303)
É significativo que as confissões Luteranas - em contra distinção a várias confissões Reformadas - nunca basearam sua doutrina da Ceia do Senhor numa definição geral dos sacramentos.80 Isso somente obscureceria o fato ao qual é atribuída constantemente a maior importÂncia: que as palavras da instituição de Cristo são "extraordinárias" (inusitata), sem analogia de qualquer espécie (FC, DS VII,38). Assim como o Batismo cristão - do qual, além do mais, foram reconhecidas analogia pré-cristãs - assim também a celebração da Ceia do Senhor está baseada, acima de tudo numa maneira puramente positivista, na instituição por Cristo. O que Lutero disse sobre o Batismo seria igualmente verdadeiro da Ceia do Senhor: que quando a questão é colocada "se é necessária ou não", todas as criaturas devem manter silêncio se Deus ordena que seja feito (WA 19, 496, 3ss.).81(p303) Se a importância devida às palavras de Cristo per se pode ainda ser aumentada, isso pode ser feito pelo fato que elas teriam validade como sentença sua. Aqui ele instituiu o sacramento "com grande deliberação e seriedade" (mit grossem Bedacht und Ernst) - o sacramento que devia ser um memorial constante do seu amargo sofrimento e morte, e de todos os Seus benefícios; um selo da nova aliança; um conforto para todos os corações atribulados; e uma constante ligação e união do cristão com Cristo, sua Cabeça, e entre uns com os outros" (DS VII,44,50). Aquele que viola a última vontade de Cristo separa a linha que o une a Cristo e aos cristãos. Mas ao ordenar que o ato seja repetido e ao ligar a ele a sua promessa, ele dá a garantia que em celebrações posteriores não haveria menos e que não seria dado menos do que na primeira. "Visto que não é contrário à Escritura ou à fé que as palavras de Cristo, conforme nós as entendemos, dão o corpo de Cristo na primeira celebração da Ceia do Senhor, não vemos nenhuma razão por que isso seria contrário à Escritura e à fé em noutras celebrações da Ceia do Senhor" (WA 26, 286, 29). E Brenz declara que quando celebramos a Ceia do Senhor, recebemos o corpo e sangue de Cristo com nenhuma outra veneração, nenhuma outra fé, nenhuma outra obediência "senão se tivéssemos reclinado naquela primeira ceia, que Cristo celebrou quando ainda estava na terra e visivelmente presente" (quam si accubuissemus in prima illa coena, quam Christus adhuc in terra coram visibili praesentia celebravit) (De div. Maj, p.171; DS VII, 75).82 (p.304)
Segundo o relato da instituição, não pode haver nenhuma dúvida que Cisto pretendia um ato definido a ser repetido. Contra a missa Romana, a Fórmula de Concórdia observa: "Mas a ordem de Cristo, 'fazei isto', engloba todo o ato ou administração desse sacramento - que na assembléia cristã tomemos, consagremos, distribuamos, recebamos, comamos e bebemos pão e vinho, e ao fazê-lo proclamemos a morte do Senhor - deve ser guardada completa e imutável" (DS VII, 83s.). Nessa suposição podemos estar certos que Cristo cumpre a sua promessa, que recebemos o seu corpo e seu sangue quando recebemos o pão e o vinho. Essas palavras de promessa, a "base própria" (propria sedes) da doutrina da ceia do Senhor (Bekenntnis der Niedersachsen), não toleram nenhuma interpretação especial; pois elas não necessitam de nenhuma. Pois, conforme Chemnitz o apresenta contra Hardenberg, quando Cristo diz que aquilo que stá presente, é distribuído e recebido na Santa Ceia é o seu corpo, dado por nós, ele está falando "da substância do seu corpo" (de substantia sui corporis).(p.304) Pois, concernente a essa substância, há a certeza que ela é dada por nós.83 Mas visto que essa presença real do corpo de Cristo está ligada ao próprio ato, segue que uma união última do corpo e do sangue com os elementos "fora do uso" (extra usum) não pode ser pretendida. O estabelecimento desse fato afeta não apenas as "missas privadas (Winkelmessen). Não, dessa maneira é arrancado o fundo de certas calúnias da parte da Igreja Reformada. E por algum tempo, Melanchthon não estava provando contra essas calúnias.84 (p.305)
Realmente, a fórmula que o corpo e sangue de Cristo são distribuídos e recebidos "em, com e sob o pão e o vinho" é usada para o propósito de excluir qualquer outra "união" (conjunctio) e expressar de maneira positiva nada mais do que a simultaneidade.85 Todas as definições da maneira em que os elementos são unidos como o corpo e o sangue de Cristo bem como da maneira em que o corpo e o sangue de Cristo são recebidos junto com o pão e o vinho possuem significado apenas limitado. Isso é verdade antes de tudo quanto à rejeição da doutrina da transubstanciação. Conforme o coloca expressamente a Fórmula de Concórdia, "em, com e sob" é direcionado principalmente contra essa doutrina (DS VII, 35).86 Em seu livro "Do Cativeiro" (De captivitate), Lutero atacara a doutrina da transubstanciação porque, conforme o apresentou, ela é meramente um produto da teologia escolástica e portanto não pode ser feita um artigo de fé.87 Ele está feliz porque "entre o povo existe a fé simples nesse sacramento ... eles acreditam simplesmente pela fé que o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente contidos lá" (apud vulgum relictam esse simplicem fidem sacramenti huius ... simpliciter fide Christi corpus et sanguinem veraciter ibi contineri credunt) (WA 6, 510, 20 ss.).(p.305) Assim, Lutero exige que nenhuma teoria se interponha entre o ato da Santa Ceia e a fé. Por essa razão, a Confissão dos da Baixa Saxônia igualmente menciona "inclusão local, mistura natural, junção" (localem inclusionem, natualem permixtionem, affixionem) entre os "modos" (modi) que devem ser rejeitados junto com a transubstanciação. Quando então é colocado sobre a presença do corpo de Cristo que ele é invisível e incapaz de ser percebido, isso simplesmente estabelece o estado de coisas empírico. Contudo, que o corpo de Cristo "está verdadeira e essencialmente presente, isso entregamos Àquele que instituiu o sacramento" (wahrhafftig und wesentlich gegenwertig sey, das befehlen wir dem Stiffter). Em concordância com Lutero, é rejeitada a teoria que Cristo desce e sobe à direita de Deus toda vez que é celebrada a Ceia do Senhor. E Brenz acrescenta que quando a teoria Católica Romana atribui o descer ao poder das palavras da consagração, "Isso é mágica" (Haec est magia) (De maj., 165). (p.306)
A mesma coisa é verdade sobre o que o outro lado dizia sobe a maneira da presença. Quando, em oposição a Zwinglio e aos fanáticos, são rejeitadas a "metáfora" (tropice), o "significado" (Bedeuten) e a "alleosis", novamente o contraste é: "que eles [o corpo e o sangue de Cristo] estão simples, porém, verdadeiramente presentes e são recebidos" (simpliciter sed vere adesse et sumi). Na era de Calvino, é importante acima de tudo refutar as interpretações erradas que colocam que a presença de Cristo é entendida "quantitativamente" (quantitative), "qualitativamente" (qualitative) ou "localmente" (localiter); que é imaginada uma "mistura crua, carnal, local ou física" (crassam, carnalem, localem seu physicam commixtionem). Assim se expressa Chemnitz, contra Hardenberg. Contudo, é igualmente verdadeiro que os conceitos "substancialmente e corporalmente" (substantialiter et corporaliter), que freqüentemente retornam entre os Luteranos, não se propõe oferecer uma definição acurada da forma e da maneira. Ao contrário, elas são pretendidas para expressar oposição ao ensino representado pelos que diziam que " está presente apenas o vigor ou o efeito do corpo ausente, cuja substância está tão removida da Ceia que é celebrada na terra como o céu dista da terra" (asit tantum vigor sive efficacia corporis absentis, cuiuc substantia a coena, quae in terra celebratur, tam procul remota sit quam distat coelum a terra). É auto evidente que a fórmula "união sacramental" (unio sacramentalis) - que se supõe dizer tudo o que há para ser dito (DS VII,37) - nada mais significa que aqueles que a utilizaram não deram uma definição exata da forma e maneira.(p.306) A explanação de Bucer da "Concórdia de Witenbeg" coloca: "É um assunto celestial, é exibido de maneira celestial" (Res coelis est, coelesti ratione exhibetur). (p.307)
Dessa forma - assim foi afirmado aqui - a sentença deve ser rejeitada "que o Dr. Lutero, juntamente com seus associados, ensina que Cristo está unido com os elementos 'pão' e 'vinho' de maneira natural ou que essas coisas são exibidas de qualquer forma para o presente século" (nec D. Lutherum cum suis docere Christum cum elementis panis et vini uniri naturaliter aut exhiberi ea ulla ratione seculo praesenti).88(p.307)
A mesma coisa é verdade quanto às definições que são dadas sobre a maneira de receber. Materialmente, nem mesmo uma simples sentença feita pelos Luteranos vai além da forma em que a Confissão de Augsburgo expressa isso: "é verdadeiramente distribuído e recebido" (wahrhäftiglich ausgeteilt und genommen wird). Na controvérsia tudo centraliza no recebimento "oral". Este foi o único ponto da doutrina Luterana incansavelmente atacado pela Igreja Reformada. Agora, não pode haver nenhuma dúvida interna que o recebimento implica o comer - se, de acordo com aquele que instituiu o sacramento, é o ato em si que importa. Para isto, a Fórmula de Concórdia também remete a Paulo: "...que todos os que recebem o pão abençoado também participam do corpo de Cristo. Portanto ele certamente não pode estar falando de um comer espiritual; mas de um comer sacramental ou oral do corpo de Cristo, em que tanto os piedosos como os cristãos ímpios participam". (DS VII,56). Aqui, igualmente, as definições são antes meramente limitadas ou negativas em natureza: "...não, porém, de uma maneira repugnante, carnal, capernaítica, mas sobrenatural, incompreensível".89 Nem os dogmáticos posteriores iriam além disso.90 Realmente, o "comer oral" (manducatio oralis) é meramente a simples aplicação da sentença concernente à presença real do corpo de Cristo. Se a presença real era ensinada, era ao mesmo tempo o teste de honestidade nesse assunto. Visto que essa doutrina foi contestada pela oposição, sabe-se igualmente o que pensar da equiparação da maneira de falar de Calvino à Luterana. (p.307) Chemnitz está certo quando diz: "Pois assim como a união ou a presença do corpo de Cristo está na Ceia, assim é o comer" (Qualis enim est unio seu praesentia corporis Christi in coena, talis etiam est manducatio) (De coena,20). (p.308)
O outro ponto de ataque para a polêmica apresentada pela Igreja Reformada foi a doutrina concernente á participação do sacramento pelos que são indignos, o "excremento de Satanás" (excrementum Satanae) aceita pelos Luteranos, conforme Beza o expressou com particularmente bom teste. Lutero enunciara essa doutrina de forma ambígua em sua "Confissão sobre a Ceia do Senhor" (1528; WA 26, 491, 4ss.). Os Oberlanders reconheceram-na na "Concórdia de Wittenberg" de 1536. Do mesmo modo, Brenz.91 Foi repetida nos Artigos de Esmalcalde (III,6) e no Catecismo Maior de Lutero foi tornada propriedade comum. Naturalmente, os cripto calvinistas a rejeitaram. Finalmente, a Fórmula de Concórdia a defendeu com ênfase espacial.92 Do lado Luterano, a passagem fundamental devia ser encontrada nas palavras de Paulo, 1Co 11.29, que Lutero igualmente empregara indireta e alusivamente no Catecismo Menor. Contudo, está claro que a exegese empregada aqui tinha sua base no conceito total da Ceia do Senhor assim como esse conceito fora criado pelo relato da instituição. Agora, de fato, a questão era se a fé é que produz a presença real de Cristo. Essa idéia não era muito remota quando o Syngramma da Suábia colocou toda a ênfase na Palavra de Cristo e acrescentou: "Contudo, o símbolo da Ceia confirma a fé, não por causa do ato, mas por causa da Palavra" (Coenae autem symbolum confirmat fidem, non propter factum sed propter verbum), ou quando Lutero declara no Catecismo Menor que é a fé, não o comer e o beber, que obtém o que as palavras de Cristo prometem. Pois da analogia da doutrina da justificação, se poderia concluir que o bem da salvação (daz Heilsgut) é recebido pela fé, mas que a incredulidade segue vazia. Mesmo o Syngramma, portanto, está tão longe quanto algo poderia estar de uma volatilização espiritual da presença real. Ele é precisamente a presença rel do "corpo físico de Cristo dado a nós" (corpus Christi corporale pro nobis traditum) que a Palavra garante. Portanto, a analogia formal da doutrina da justificação deve levar a um resultado oposto. Assim como a incredulidade nunca tira a eficácia da Palavra de Deus, assim ela não tira a eficácia da Palavra de Cristo que garante a sua presença real. Mas assim como - igualmente segundo Lutero - a incredulidade em face da Palavra da promessa é o pecado mais grave, assim ela também é a marca real de "indignidade" para a Ceia do Senhor. (p.308) A convicção de Lutero é acuradamente reproduzida quando a Fórmula de Concórdia deseja que esse conceito seja aplicado, não à "fé cristã fraca, tímida e triste" mas àqueles que "vão ao sacramento sem a verdadeira contrição e tristeza por seus pecados, sem verdadeira fé e sem a boa intenção de corrigir sua vida" (DS VII, 68s.; cf. Elders 13,153). Se a impenitência face à Palavra da promessa possui conseqüências fatais, ela leva ao mesmo resultado, enquanto "indignidade" para a Santa Ceia. Contudo, a coisa especial em concexão com a Santa Ceia é o fato que aqui o poder da Palavra que compele a uma decisão é exercida por Cristo, que está presente em virtude da Palavra. A despeito de uma pessoa indigna, portanto, essa presença não pode ser diferente do que ela é para aquele que tem fé. Pois é essa presença que compele a decisão. (p.309) Todavia, se para a Ceia do Senhor, conforme foi dito, tudo depende do ato, ao qual necessariamente pertence o comer, as pessoas indignas a desprezam o corpo de Cristo não apenas quando a Palavra é ouvida mas também com o "comer oral" (manducatio oralis). É perfeitamente lógico quando os Luteranos sublinham a presença trans subjetiva de Cristo da mesma maneira ao declararem que ela não é impedida sequer pela indignidade dos sacerdotes que distribuem o sacramento ou pela indignidade da pessoa que recebe o sacramento.93 "Da mesma maneira eu também falo do e confesso o Sacramento do Altar, que aqui o corpo e o sangue são verdadeiramente comidos e bebidos oralmente no pão e no vinho, mesmo que os sacerdotes que distribuem o sacramento não cressem ou fossem culpados de outros abusos. Pois isso não se baseia na fé ou descrença de homens; mas na Palavra de Deus e naquilo que Ele ordenou" (WA 6,506,21). (p.309)
As sentenças da doutrina Luterana do "comer oral" (manducatio oralis) e do comer "dos indignos" (indignorum) contestadas de forma mais veemente são resultados duros, porém, inevitáveis da doutrina da presença real. Ela foram o esteio pelo qual se podia medir se essa doutrina foi tomada a sério. Agora elas igualmente capacitam a entender por que Lutero reconhecia o sacramento na Igreja Romana, mas negava que os suíços o possuíam. Se ainda pospomos a questão sobre a relação com a justificação bem como sobre o "proveito" (Nutzen) do sacramento, está claro principalmente em que aspecto havia uma ciência de estar ligado à Igreja Romana com respeito ao Sacramento do Altar. (p.309)
A despeito da insustentável doutrina da transubstanciação, a despeito da retenção do cálice aos leigos, a despeito do ato sacrificial do sacerdote que é talvez blasfemo para ouvidos evangélicos, a despeito de muitos detalhes absolutamente inaceitáveis do rito da missa que resultam disso, e a despeito do fato que "esse rabo do dragão, a missa, ter se tornado muito vérmina e ignóbil de vários tipos de idolatria" (dieser Drachenschwanz, die Messe, viel Ungeziefers und Geschmeiss mancherlei Abgotterei gezeuget) - conforme Lutero diz nos Artigos de Esmalcalde - a despeito de tudo isso, não podia ser negado que mesmo segundo o que a Igreja Romana ensina "o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes na Ceia do Senhor e são distribuídos àqueles que participam [do sacramento]" (corpus et sanguis Christi vere adsint et distribuantur vescentibus in coena Domini).(p.310)
Deve-se reconhecer que aqui o recebimento do Seu corpo garantido pela Palavra de quem instituiu o sacramento foi enfaticamente acessado como um dom de origem trans subjetiva e realidade trans subjetiva. É claro que uma perseguição posterior dessa participação (Gemeinsamkeit) ameaçou arremessar o lado evangélico de volta à doutrina da eficácia "resultante da obra realizada" (ex opere opeato). Todavia, contra isso a Confissão de Augsburgo (XIII) já erigira um trincheira ao rejeitar essa doutrina sem quaisquer termos incertos e falando no texto alemão da verdadeira fé. Dessa maneira, a antítese tem sido marcada correta e suficientemente. Ao mesmo tempo, no entanto, a doutrina concernente ao "comer do indigno" (manducatio indignorum) deixou espaço para o reconhecimento da realidade trans subjetiva da presença de Cristo. (p.310)
O estado de coisas era totalmente diferente vis-à-vis a doutrina da Igreja Reformada. Aqui as deduções concernentes ao "comer oral e ao comer do indigno" (manducatio oralis et indignorum) também mudaram seus pressupostos - a presença real e o recebimento real do corpo de Cristo - em que os Luteranos viram o significado do ato todo. Talvez a relação externa do rito Luterano da Santa Ceia foi maior do que entre a dos Luteranos e à dos católicos romanos. Todavia, isso não poderia encobrir o fato que embora o ato desejado por Cristo foi repetido, isso foi feito com a firme determinação em nenhum relato para deixar surgir a fé na presença real. Ademais, Pareus, de Heidelberg, que estava imensamente satisfeito por causa de seu "ironismo" (irenics), até justificou o rito Reformado de partir o pão ao colocar expressamente que dessa maneira a "idolatria" da Santa Ceia Luterana é rompida da maneira mais radical e que o "ídolo" da presença de Cristo no pão é arrancado dos corações do povo.94 (p.310) A doutrina Luterana da Santa Ceia é apresentada sempre de novo nesse estilo "irônico". O consenso que Calvino alcançou com Zurich em 1549 colocou o ensino Luterano num nível com a doutrina Romana da transubstanciação porque, conforme disseram, era igualmente absurdo.95 Os pregadores Reformados em Emden colocaram que por causa dos "atos idólatras" (Gotzenwerk) no rito Luterano da Santa Ceia não havia "nenhuma diferença sequer entre eles [os Luteranos] e os papistas."96 Quando a despeito das ameaças acumuladas da doutrina Romana e pressão da idolatria Romana foi constantemente feita sobre o Luteranismo para induzi-lo a negar as "diferenças" e unir-se com a Igreja Reformada - é surpreendente que o Luteranismo realmente esteve mais próximo aos "papistas" (com a exceção dos Jesuítas) que dos "Calvinistas"? (p.311)
Teria sido mais bonito se o "Consensus Tigurinus" tivesse acusado que a doutrina Luterana da Santa Ceia era ainda mais absurda do que a doutrina Romana. Pois na doutrina da transubstanciação Lutero já percebera uma tentativa de racionalização - uma tentativa por meio da qual a possibilidade da presença real era para ser tornada compreensível. Inversamente, no entanto, foi na maneira de colocar a questão - a maneira pressuposta aqui - que a teologia Reformada se encontrou em concordância com a teologia Católica Romana.(p.311) Todavia, chegou a conclusões opostas. Ela colocava que a presença real do corpo de Cristo era impossível. Dificilmente se pode encontra falha em Lutero e nos teólogos Luteranos por afirmarem em oposição a essa sentença que a "impossibilidade" está fora de questão quando, conforme aqui, a promessa e a ação de Deus são tratadas. Mas eles não poderiam parar com isso mesmo se eles não desejassem sujeitar-se à acusação de forçarem uma solução. Se, portanto, eles perguntaram por que a presença real era impossível, foi-lhes colocado entre os dentes - conforme foi feito no Colóquio de Marburgo e mais tarde no de Mompelgard - que em conexão com o corpo de Cristo, como em conexão com todo outro corpo, somente é concebível uma maneira de ser "circunscrita", isto é, espacial, limitada. A partir dos enunciados bíblicos sobre o assentar de Cristo à direita de Deus e sua ascensão aos céus, disseram os teólogos Reformados, é evidente que o lugar ao qual Cristo ascendeu é um local espacial definido e espacialmente limitado acima das estrelas. "Eles estavam encantados", diz Brenz a respeito dos suíços, "pelo seu sonho de um céu empírico em que Cristo agora senta, levanta, anda e da condição de um corpo que não pode ser um verdadeiro corpo a menos que esteja circunscrito a um local" (Fascinati sunt suo somnio de coelo Empyraeo, in quo Christus nunc sedeat, nunc stet, nunc ambulet, et de conditione corporis, quod non possit esse verum corpus nisi loco circumscribatur).98 Por causa da impressão causada pela doutrina de Lutero da Santa Ceia, a interpretação espacial do "assentar à direita de Deus" foi abandonado em parte, mas a limitação espacial num local chamado céu teve tanto maior adesão firmemente com base no relato da ascensão de Cristo. Naturalmente, nesse pressuposta presença de Cristo era "impossível". Pois então existe uma distância em termos de espaço. Em refutação à doutrina Luterana da Santa Ceia, não somente Zwinglio, mas também o Consensus Tigurinus inspirado por Calvino, declara com respeito ao corpo de Cristo que "ele tem de estar tão distante de nós como o céu é da terra" (necesse est a nobis tanto locorum intervallo distare quantum coelum abest a terra).99 (p.312) Fica para ser observado se, em vista desse argumento, tem-se o direito de louvar a doutrina Reformada por ser mais "espiritual", conforme tem sido feito até o nosso tempo. Mas é fácil entender que Brenz estava falando dos "sonhos carnais dos Zwinglianos" (carnalia somnia Cinglianorum). (p.313)
Em oposição a isso, Lutero e os Wurtembergenses mantiveram a doutrina da "onipresença" (Allenthalbenheit) do Cristo todo. Eles puderma fazê-lo com base na sua cristologia, que não permitia qualquer espécie de separação de Cristo do Pai onipresente; e eles puderam fazê-lo com base no seu conceito não espacial (Unraumlichkeit) do céu. Outro grupo do Luteranismo falou contra isso. Em 1572 a confissão dos universitários de Leipzig e Wittenberg rejeitou-o com o fundamento que de outra forma haveria uma violação do princípio que não se deveria fazer nenhum enunciado sequer sobre o "modo da presença" (modus praesentiae). A "Confissão dos Baixo-Saxônios", em 1572, chama atenção para o fato que segundo a advertência de Lutero, a doutrina da ubiqüidade não deveria ser divisível. Ela se limita à sentença que Cristo poderia estar onde e quando queira, porém, que isto não significa que ele deve estar em todo lugar. Até mesmo Brenz advertiu ao Duque Christoph a não aborrecer Mathaus Alber, o capelão que falara contra a ubiqüidade. "Ele é um homem bom, piedoso; e ele trabalha mui laboriosamente no consistório. Além disso, é um querido colega meu."100 Já fora destacado que a doutrina da onipresença foi um resultado necessário do impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz). Em acréscimo, essa doutrina tornou fácil a Lutero bem como a Brenz chegar ao que eles ensinaram sobre a Santa Ceia. Contudo, ela também os confrontou com certas dificuldades. (p.313)
Realmente, a objeção Reformada de que segundo essa doutrina o corpo de Cristo deve se propagar sobre todo espaço é muito ininteligível para ser levada a sério. Ela estava certa ao destacar que todos os que defendiam a doutrina da ubiqüidade rejeitavam a "onipresença inclusiva" (omnipraesentia inclusiva). Em consciente oposição aos "sonhos carnais dos Zwinglianos" (carnalia somnia Cinglianorum) o corpo de Cristo devia ser ensinado como que estando além das barreiras de tempo e espaço.101 Contra os Zwinglianos, Brens igualmente manteve que a divindade da qual Cristo participa é "absoluta: onde ela está, está inteiramente" (simplicissima: ubicunque est, tota est).102 A complicação real que a idéia de ubiqüidade ocasionou para a doutrina da Santa Ceia consistiu no fato que a presença real especial de Cristo na Santa Ceia parecia ser ignorada. Com respeito a isso, Brenz declarou que embora o Cristo todo está sempre presente na Sua igreja, o seu corpo e sangue são distribuídos na Santa Ceia em virtude da sua Palavra. Lutero o expressou melhor: "Existe uma diferença entre a sua presença e o nosso receber. Ele (notadamente, Deus) é livre e não está limitando onde ele se encontra e não precisa estar ali como um patife lançado no pelourinho ou com um colar de ferro em torno de seu pescoço ... A mesma coisa é verdade quanto a Cristo. Muito embora ele esteja presente em todo lugar, Ele não permite que o retenhas ou o alcances. Ele pode despojar-se de seu invólucro, de modo que possas atingi-lo e não reter o cerne. Por quê? Porque há uma diferença quando Deus está presente e quando ele está presente para ti. Todavia, ele está presente para ti quando acrescenta a sua Palavra, se liga a ela e diz: 'Aqui podes encontrar-me'. Agora, quando tens a Palavra, podes estar certo que o estás tomando e recebendo. E tu podes dizer: 'Aqui eu tenho Tu, assim como Tu o dizes.'" (WA 23, 151, 3ss.). (p.314) Não importando que posição os indivíduos tomavam com respeito à doutrina da ubiqüidade, eram todos unânimes mantendo-se na convicção que Hulsemann, em resposta à questão que surgira, mais tarde reduziu à fórmula: "até que ponto ou de que forma Cristo está presente no Sacramento das Ceia, tudo isso deve ser tomado unicamente da instituição, que determina toda a natureza do sacramento" (In quantum et quomodo Christus in Sacramento coenae adest, id omne ex sola instiutione sumendum est, quae totam sacramenti naturam limitat) (p.314).
Já foi colocado por que Lutero não pôde render-se à mudança de Oecolampadio em Marburg para estar contente com a divindade de Cristo - cuja presença foi prazerosamente admitida - e não se ligar à Sua humanidade. A resposta de Lutero foi elucidada na Confissão dos Baixo-Saxônios pelo enunciado que fora da revelação em Cristo a natureza divina é um "fogo consumidor". Todavia o método de ensino empregado por Calvino e várias confissões Reformadas - segundo as quais a fé era considerada capaz de elevar-se àquele local no céu e dessa forma vencer o intervalo de espaço entre ela e Cristo - foi igualmente inaceitável à teologia Luterana em mais do que um aspecto.103 Pois, em primeiro lugar, o conceito próprio não espacial de céu da teologia Luterana necessitaria uma rejeição de toda abordagem espacial. Em segundo lugar, tal ensino teria tornado necessário ater-se à idéia que embora Deus está presente de maneira imediata, Ele está presente sem Cristo. Isso era impossível por causa das compulsões últimas da fé. Em segundo lugar, seria uma negação da consideração decisiva que na Santa Ceia não é o homem que deve vir a Cristo mas, inversamente, que é Cristo quem deve vir ao homem.104(p.315)
Contudo, havia outra razão para aderir a esse ponto. Em conexão com a Santa Ceia bem como em conexão com o impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz) o objeto de discussão era a fé. Se todo o Sacramento da Santa Ceia - não somente o que era ensinado a respeito mas também o próprio uso - não devia ir contra o impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz) de maneira mais perigosa, a relação ao qual é prometida aqui não pode ser diferente do que ela é no ato da justificação. (p.315) Logo aqui, também, não era correto tomar a fé como algo mais do que puro receber. Realmente, não se poderia falar seriamente aqui de uma elevação da fé até o céu. Quanto muito, poder-se-ia deixar isso passar como uma mera figura de linguagem, que, no entanto, não poderia ter contribuído em qualquer coisa ao todo para a solução do problema da Santa Ceia. Contudo, isto leva então à pergunta concernente ao lugar da Santa Ceia na doutrina total da salvação (Heilslehre), que, além do mais, é determinada ao todo de modo não ambíguo pela justificação.(p.316)
Se alguém desejasse encarar isso como sendo a pergunta sobre o "proveito" (Nutzen), a teologia Luterana conduziu-se com uma grande reserva a respeito desse assunto. Em resposta à acusação que a presença real de Cristo não é proveitosa nem necessária, os teólogos de Mansfeld responderam naquilo que escreveram à Igreja Reformada na França que mesmo se esse fosse realmente o caso, ainda a vontade de quem instituiu o sacramento seria suficiente. Lutero respondeu numa mesma linha às objeções do mesmo tipo. Visto que essa era a posição fundamental, as conclusões concernentes ao "proveito" (Nutzen) não justificariam nem o ato da Santa Ceia, nem o que fora dito sobre a presença real. Se por essa razão é mais correto falar sobre os efeitos do que sobre o proveito, é possível diferenciar quatro grupos de idéias. Em primeiro lugar, a celebração envolve "comunhão, reunião" (communio, synaxis). Lutero enfatizara isso em seus primeiros escritos sobre a Santa Ceia.105 Contudo, se a presença real foi tomada como concedida, essa "comunhão" (communio) - segundo as sentenças de Paulo (1Co 10.16s.) - poderia ser entendida unicamente com base na "participação do corpo de Cristo" (communicatio corporis Christi) (FC,DS VII, 57s.). Não é a união de ação e crença da parte dos que participam do sacramento que engendra essa comunhão; é Cristo, que se oferece. Portanto, a comunhão na Ceia do Senhor é genuína comunhão da igreja, porque a igreja não é uma sociedade mas uma comunhão que fora instituída. Olhando de volta para esse ponto, entende-se novamente quão impossível de ter parecido concordar com o pré mencionado "ascentimento da fé".(p.316) Pois então a Ceia do Senhor mudaria de uma comunhão de recebimento para uma unidade de atividade. É auto evidente que nesse lado subjetivo a participação no corpo de Cristo resulta na participação no amor mútuo dos que participam do sacramento.106(p.317)
Em segundo lugar, cada celebração da Santa Ceia, de acordo com a vontade de quem o instituiu, é uma renovação da recordação da morte de Cristo e de todos os seus benefícios. Isso é enfaticamente sublinhado especialmente pela Fórmula de Concórdia (DS VII,44) Se o caráter fundamental de toda a proclamação cristã não deve ser violada aqui, o ponto decisivo em conexão com a "lembrança" (Gedenken) é a Palavra, não o ensino de homem - o ensino que ouve isso (nicht der dieses vernehmende Gedanke des Menschen). Portanto as palavras da instituição deveria ser "distinta e claramente falada ou cantada publicamente perante a assembléia" em cada celebração (79) E aqui, não menos do que em outros momentos, a proclamação da Palavra não deveria ser uma mera demonstração. "A fé dos ouvintes é despertada, fortalecida e confirmada pela Palavra de Cristo" (81).107(p.317)
Em terceiro lugar, há, em acréscimo, algo especial a respeito do fortalecimento e certeza que ocorre na Santa Ceia. O trigésimo artigo da Confissão de Augsburgo colocou a respeito dos sacramentos em geral que eles são sinais e um testemunho da vontade divina para conosco, a fim de despertar e fortalecer a nossa fé. Logo, a eficácia do sacramento, semelhante à da Palavra, está no fato que ele é um meio na mão de Deus. Todavia, a peculiaridade do sacramento vis-à-vis a Palavra consiste não apenas no fato que aqui o bem da salvação (das Heilsgut) é simbolizado e ilustrado, mas, acima de tudo, no fato que ele é individualizado de uma maneira não ambígua. Quando Lutero exigiu: "Deves crer não somente que Cristo está presente com o seu corpo e sangue, mas igualmente que aqui ele te é dado como um dom" - isso, de fato, lembra que a individualização é realmente uma função específica da fé. Contudo, quando o sacramento é dispensado ao indivíduo, toda idéia que o relacionamento "por mim" (pro me) da fé seria uma usurpação está fora de questão. "Pois muito embora no sermão haja a própria coisa que há nos sacramento e vice versa, agora há uma vantagem que aqui [no sacramento] ele aponta para uma pessoa particular. Lá [no sermão] não se aponta a ou se especifica uma pessoa. Aqui [no sacramento], todavia, é concedido a ti e a mim em particular, que o sermão pode ser aplicado a nós."(p.317) (Denn wiewol ynn der predigt eben das ist, das da ist ym Sacrament und widderumb, ist doch daruber das vorteil, das es hie auff gewisse wird es dir und mir ynn sonderheit geben, das die predigt uns zu eigen kompt.) (WA 19, 504, 27ss.). Essa é igualmente a idéia básica daquela parte do Catecismo Menor que trata da Santa Ceia.108 Com base em sua exegese de Jo 6, que ele compartilha com os outros, bem como com base no que ele ensina sobre a "união mística" (unio mystica), Brenz pode ainda dizer que Cristo está verdadeiramente no crente com o seu corpo e sangue mesmo em outras épocas. Na Santa Ceia, portanto, ele sente o crente com o seu corpo e sangue, "para que Ele possa conceder-lhe aqueles dons que são salutares para o fortalecimento da fé e para a certeza da misericórdia divina" (ut conferat in ipsum ea dona, quae ad fideu confirmationem et ad certitudinem de divina clementia sunt salutaria).109 (p.318)
Todavia, a individualização que ocorre quando o sacramento é dispensado ao indivíduo seria totalmente sem sentido se não transmitisse realmente o bem em questão um penhor. Ele não apenas atesta, mas também "concede perdão de pecados, vida e salvação". A obra da salvação de Cristo é apropriada quando há perdão de pecados. Se isso foi fixado quando o corpo de Cristo foi partido e seu sangue derramado, o perdão é igualmente uma apropriação do seu corpo e sangue Ou inversamente: o recebimento do corpo e sangue pela fé é o perdão de pecados.(p.318)Mas justamente como o poder expiatório da morte de Cristo é dependente do fato que ele foi um de nós, um verdadeiro ser humano "com carne e sangue", assim também a promessa ligada à Santa Ceia pode ser cumprida somente se Cristo está presente aqui, não apenas segundo a sua divindade, conforme Oecolampádio o defendia, mas se "o corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes e são distribuídos aos que participam" [do sacramento] (corpus et sanguis Christi vere adsunt et distribuuntur vescentibus), conforme ensinou a Confissão de Augsburgo. "Pois no seu corpo", diz Brenz, "e sangue, que ele derramou para a expiação de nossos pecados perante Deus, o Pai, ele nos legou a remissão de pecados" (In corpore enim et sanguine suo, quae ad expianda peccata nostra coram Deo patre impendit, legavit nobis remissionem peccatorum).110(p.319)
Finalmente, há uma quarta série de idéias. Brenz adota o antigo conceito do viático; outros se referem à "medicina da imortalidade" (phármakon athanasías) de Inácio.111 Selnecker chama atenção às palavras de Cyrilo: "que Cristo está, habita e quer permanecer em nós não apenas espiritualmente, como pela Palavra e o Espírito Santo, mas também fisicamente ou por uma participação natural, e que agora podemos e devemos receber uma esperança viva da ressurreição de nossos corpos e da salvação, vida e eterna glória" (quod Christus in nobis non tantum spiritualiter sicut per verbum et S.S., sed etiam corporaliter seu participatione naturali sit, habitet et manere velit et quod iam vivam spem de resurrectione nostrorum corporum et de salute et vita ac gloria aeterna concipere possimus et debeamus).(p.319)
Não pode ser negado que o perigo de conceitos supersticiosos aparece aqui. Os teólogos ora mencionados não caem em prece a eles. É igualmente impossível negar que, semelhante à idéia da justificação, o perdão dos pecados recebido na Santa Ceia com o copo e sangue de Cristo tem que ter uma culminância escatológica. "Pois onde há perdão de pecados, há também vida e salvação". Poder-se-ia deixar essa idéias fluírem para a "união mística" (unio mystica), conforme é o caso nos escritos de Philipp Nicolai (e.g., De omnipraesentia, 691s.). Até mesmo nos seus escritos, ou antes, precisamente nos seus escritos, o sentido da "união mística" (unio mystica) é a vida eterna. Ou, pode-se recordar as palavras de Lutero: Assim, para nós, o sacramento é uma estrada, uma ponte, uma porta, um barco e um esticador em que por meio do qual viajamos deste mundo para a vida eterna"(p.319) (Also ist unss das sakrament eyn furt, eyn bruck, eyn thur, eyn schiff und tragbr, yn wilcher und durch wilch wir von disser welt ynss ewige leben)(WA 2, 753, 17). (p.319)
Essa é a doutrina Luterana do Sacramento do Altar. Ela era odiada, caluniada e ridicularizada por seus oponentes. "Suas falsas lágrimas as vigas espedaçam" (Sie lugen, dass die Balken krachen), Lutero tinha a declarar sobre os quer se opunham à sua doutrina da Santa Ceia (WA 26,565,27). Essa doutrina foi sublinhada e atendida íntima e cuidadosamente por nossa teologia posterior. Por causa da sua preocupação decisiva tornou-se popular como talvez apenas a justificação por fé somente se tornou popular. Contudo, será que ela não contradizia a doutrina da justificação por fé somente? Caso se enfatize o "por fé somente" (sola fide), Melanchthon deu a resposta correta na Apologia. Ele diz da "exclusiva palavrinha 'somente': 'Afastamos a idéia de mérito. Não afastamos a Palvra ou os sacramentos, conforme nossos oponentes falsamente acusam.'" (particula exclusiva "Sola": Excludimus opinionem meriti. Non excludimus verbum aut sacramenta, ut calumniantur adversarii) (II,73). Está claro como isso é pretendido. Caso, porém, se enfatizar a fé e o perdão dos pecados, as discussões dos efeitos da Santa Ceia tem demonstrado quão grandes esforços foram feitos para não desviar-se dos princípios básicos do impacto do Evangelho (evangelischer Ansatz). Não é a doutrina da Santa Ceia que pode atuar aqui como uma substância estranha; é o próprio uso do sacramento. Contudo, para isso a nossa igreja não pode ser mais responsabilizada do que qualquer outra igreja. Já desde os mais remotos documentos antigos da cristandade o Sacramento do Altar se eleva como um penhasco que sempre pode ser visto. Esta doutrina é apresentada em sua inteireza na primeira epístola aos Coríntios. Ela não é cpaz de nem está em necessidade de desenvolvimento posterior. Ela zomba de todo esforço por espiritualização. Se realmente houvesse algum impedimento na senda da doutrina da justificação, a questão seria se a última não se fundaria logo nela antes de ser capaz de pô-la de lado. Se aqui realmente houvesse uma contradição, não se poderia entender como Paulo, o primeiro dogmático que tratou da doutrina da justificação, poderia tê-la ignorado. E qualquer que se fundamenta no Luteranismo será convencido que aqui a nossa teologia, bem como a nossa igreja com a sua prática, andara mui fielmente nos passos estabelecidos por Paulo.(p.320)
Naturalmente, poder-se-ia ir ainda mais longe e descobrir que esse sacramento aponta para além do cristianismo em geral, para as mais extensas associações histórico-religiosas. Ninguém familiarizado com a história negará isto. Todavia, mesmo que se divida a cristandade antiga em elementos menores, quais deles seriam diferentes? Se a despeito disso a nossa fé não vê aqui nenhum sincretismo essencial, mas a mais perfeita unidade interna de origem, isso certamente está conectado exclusivamente com o "Deus encarnado" (Deus incarnatus).(p.320) Não é nenhum outro, senão o Cristo do Novo Testamento. Se Ele é a promessa que justifica o conceito do Evangelho, Ele é também a promessa que torna a Santa Ceia num sacramento. O fato que eu, livre dos limites do Seu momento histórico e da Sua localização geográfica, posso aplicá-lo ao meu momento histórico, ao meu hoje e meu aqui - essa é a doutrina da presença real do "Cristo exaltado".(p.321)
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