JESUS CHAMA À FÉ NO ÚLTIMO DIA DA FESTA – João 7.37-44
37 – No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba.
38 – Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.
39 – Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado.
37 Chegou o último dia dessa festa dos tabernáculos tão profundamente transtornada por Jesus. O dia referido talvez não seja o sétimo, mas o oitavo, que segundo Lv 23.36 era acrescentado à festa e destacado como especialmente festivo. A linguagem de João é pobre em adjetivos. João usa o termo ―grande‖ também quando nós utilizaríamos múltiplas designações. Lutero sentiu essa peculiaridade e substituiu o simples adjetivo ―grande‖ com ―que era o mais glorioso‖ (edição revisada de Lutero: ―que era o dia máximo‖). Jesus usa esse dia para mais uma alocução insistente aos visitantes da festa. Novamente é usada a expressão ―ele exclamou‖, o qual já comentamos em Jo 1.15 e 7.28. Essa expressão visa destacar o esforço da voz somente na medida em que nele se exterioriza o esforço do coração. ―No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba.‖
Provavelmente Jesus formulou sua palavra dessa maneira porque fazia parte do costume da festa um processo impressionante, o qual podia usar como ponto de conexão. Todos os dias da festa, sacerdotes desciam até o tanque de Siloé, enchiam ali uma jarra dourada com água e a traziam numa solene procissão ao templo. Sob o júbilo do povo e os sons da música do templo, essa jarra era esvaziada ao mesmo tempo com uma jarra de vinho nas vasilhas de prata afixadas no altar. Diante da grande congregação festiva estava a palavra de Isaías: ―Com alegria, tirareis água das fontes da salvação‖ (Is 12.3). Era esse seu orgulho e sua felicidade, acreditavam possuir o poço da salvação e que podiam buscar água dele. Que festa magnífica era essa! Dizia-se em Israel: ―Quem não viu a alegria de buscar água jamais viu uma alegria.‖
Porventura Jesus não se alegra com eles? Já no AT os mensageiros de Deus tiveram de se voltar justamente contra as grandes celebrações festivas religiosas de Israel (Am 5.1s; Is 1.11-15; 29.13). Tais celebrações podem ser cativantes e causar a impressão da maior riqueza religiosa. E apesar disso falta-lhes a última verdade que pode valer exclusivamente perante Deus. Jesus vê a massa humana, ouve o júbilo, mas – será que de fato recolhem água com alegria da fonte da salvação? Não existem na grande reunião festiva também corações que notam dolorosamente que falta a verdadeira realidade da salvação? Apesar de toda a beleza da festa, eles não continuam sendo pessoas ―sedentas‖, cuja
sede nenhuma água de jarras de ouro é capaz de saciar? Quando existem pessoas dessas que Jesus tem em vista, ele as está chamando para junto de si. Porque junto dele pode ser encontrada a realidade que falta à festa, apesar de toda a conformidade com a Escritura e de todo seu brilho e sonoridade. A verdadeira ―fonte da salvação‖ é ele mesmo, ele em sua pessoa. Junto dele eles poderão beber de verdade.
A palavra de Jesus tem validade para todos os tempos e todas as situações de vida de todas as pessoas. Não apenas em Israel, mas também nas igrejas cristãs, apesar de toda a riqueza de tradições, dos belos costumes, das festas movimentadas, existem os sedentos que em tudo isso não encontram o que lhes sacia a sede. Também em todas as demais áreas da vida, as coisas mais grandiosas e belas que possamos ter não nos podem dar a vida, pela qual ansiamos consciente ou inconscientemente. Quem tem sede precisa e pode chegar ao próprio Jesus. Sua vida com Jesus torna-se um ―beber‖ inesgotável que sacia a sede e ao mesmo tempo deixa espaço para um desejo cada vez mais profundo, o qual obtém satisfação cada vez mais rica, até a plenitude última e definitiva sobre a nova terra (Ap 21.6; 22.17; 7.17).
O convite de Jesus concede liberdade plena e não constrange ninguém. ―Se alguém tem sede‖, diz Jesus. Esse convite tem uma abertura irrestrita. Qualquer pessoa pode ser esse ―alguém‖. Não se exigem quaisquer premissas especiais, valores e realizações de qualquer espécie. Cada pessoa pode vir como ela é. Não obstante essa palavra ao mesmo tempo deixa claro, por que Jesus na realidade é necessário para todas as pessoas, mas somente é buscado e encontrado por determinadas pessoas. Somente ―se alguém tem sede‖, ele tem ouvidos para o chamado de Jesus.
38 Contudo, Jesus concede ainda mais e maiores coisas do que apenas a satisfação do próprio anseio. Também à samaritana já havia sido prometido por Jesus que a água que ele lhe daria se tornaria uma fonte borbulhante (Jo 4.14). Agora, entre israelitas no templo, Jesus fala de forma ainda mais inequívoca. ―Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu corpo fluirão rios de água viva.‖ Não sabemos se a menção da Escritura deve ser uma diretriz para a fé (―quem crê como diz a Escritura‖) ou se ela fundamenta a declaração de que a pessoa que crê em Jesus terá vida transbordante para outros. Tampouco sabemos que palavra da Escrituras Jesus tinha em mente. Pensou-se em Is 44.3s; 58.11 ou em Ez 47.1-9; Zc 14.8. Indiferente de qual seja essa passagem, Jesus considerou como a plenitude máxima da vida que nós nos tornemos mediadores de ―água viva‖ para outros. Em toda a Bíblia constitui uma regra fundamental de Deus que ele em parte alguma concede sua maravilhosa dádiva apenas para a bênção e felicidade da própria pessoa do receptor, mas que sempre tem na mira o serviço eficaz contínuo a favor de outros. E esse serviço não é um fardo nem uma restrição deprimente da graça, e sim o ápice maior. Não apenas ter saciada a própria sede, mas ser fonte para outros, não apenas beber, mas poder saciar a sede de outros, não somente receber vida, mas dar vida adiante, isso constitui de fato o cumprimento mais glorioso de um anseio por vida plena. Essa satisfação ninguém encontra em si mesmo. Não se torna fonte por si mesmo. A promessa está integralmente vinculada à condição básica: ―Quem crer em mim.‖ Nós cristãos de hoje, porém, ficamos assombrados com a constatação de como é verdadeira a palavra de Jesus, de como ela de fato se concretizou pelos séculos até hoje em discípulos de Jesus, conhecidos e desconhecidos, famosos e ignorados.
Cumpre prestarmos atenção especial ainda a duas expressões da palavra de Jesus. Jesus fala expressamente de ―rios‖ que hão de fluir. Não apenas poucas gotas hão de ter a disposição para outros os que crêem nele. Poderosamente seu efeito se derramará em rios abundantes. Essas correntezas, porém, saem de seu ―corpo‖. Na Bíblia sempre está em jogo a pessoa toda, que justamente por meio de seu corpo começa a ser pessoa verdadeira que de fato e vivamente se empenha. Unicamente quem entrega seu corpo como ―sacrifício vivo‖ a serviço de Deus (Rm 12.1) experimentará o cumprimento da promessa de Jesus.
39 O próprio evangelista vê retrospectivamente a partir do começo do cumprimento a palavra de seu Senhor, podendo nos dizer com maior precisão que sentido concreto Jesus deu à afirmação: ―Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele creram.‖ De fato, em relação ao Espírito Santo coincide tudo o que Jesus está dizendo. Tão somente quem chegou à fé em Jesus o recebe. De nada adiantam todas as preces para receber o Espírito Santo se não viermos a Jesus. No Espírito Santo, porém, nós mesmos recebemos vida divina e satisfação de nossa sede. Então o Espírito torna-se o poder eficaz de nosso testemunho em palavra e vida, fazendo com que ele também leve outros à vida e leve a vida divina para outros. Dessa maneira, a palavra de Jesus daquele tempo é
explicada pelo próprio cumprimento divino. Naquela ocasião quando Jesus a proferiu, a palavra ainda não podia ser reconhecida. ―Ainda não havia o Espírito.‖ Naturalmente João está cônscio de que o Espírito de Deus estava presente desde a eternidade e já falara por meio dos profetas. Porém de fato não ―havia‖ antes de Pentecostes o Espírito e a ação espiritual plenamente presente. A efusão do Espírito somente pôde acontecer quando toda a ação salvífica de Deus em Jesus estava consumado, quando Jesus foi ―exaltado‖ até a cruz, ressuscitado dos mortos e assunto ao trono de Deus. João sintetiza tudo isso na única expressão da ―glorificação de Jesus‖. ―Ainda não havia o Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado.‖
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