O SÁBADO
Lei para hoje?
O terceiro Mandamento — “Santificarás o dia do descanso”, conforme dado em Êx 20.8-11 e Lv 23.3 — contém dois aspectos: 1º A necessidade de cultuar a Deus, de ouvir a sua Palavra e adorá-lo. Este é o aspecto universal e permanente do mandamento (lei moral); 2º A guarda do 7º dia (o Sábado — um dia determinado). Este é o aspecto cerimonial do mandamento (lei cerimonial).
Que a necessidade de guardar o sétimo dia (sábado) é cerimonial, sabemos pelo seguinte:
1. Colossenses 2.16,17: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das cousas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo“.
2. Quando Jesus ou os apóstolos citam os Mandamentos, em nenhum caso eles incluem o mandamento do sábado cerimonial (cf. Mt 19.16-22; Mc 10.17-22; Lc 18.18-23).
3. O cumprimento do aspecto cerimonial do sábado só foi exigido no Antigo Testamento do povo de Israel e do estrangeiro que vivesse com este povo, mas não foi exigido dos demais povos em suas respectivas terras (Êx 31.16-17; Ez 20.12). Enquanto isso, o cumprimento do conteúdo dos demais mandamentos é exigido universalmente.
4. Jesus se declara Senhor do sábado (Mt 12.8), num contexto em que ele permite a seus discípulos urna atitude de descumprimento do aspecto cerimonial do sábado, isto é, de colher espigas pelas searas. Assim, a não guarda do aspecto cerimonial do sábado se baseia na liberdade para a qual Cristo nos libertou (Gl 5.1).
Os textos de Êx 20.11, Lv 23.3 e Is 58.13 (bem como outros do AT), são claros e apresentam o que era Lei inquestionável no Antigo Testamento. Porém, trata-se da Lei Cerimonial, a qual não somos obrigados a guardar na era do Novo Testamento, conforme visto acima.
Alguns defendem o Sábado argumentando com Dn 9.27, ou seja, a profecia de que Jesus morreria no meio da semana (quarta-feira) e ressuscitaria no sábado. Este texto faz parte de uma profecia que fala de 70 semanas (v. 24), e que depois de 62 semanas seria “morto o Ungido” (v. 26), e que na “metade da semana fará cessar o sacrifício” (v. 27). Adventistas interpretam isto ao pé da letra para afirmar que Jesus morreu numa quarta-feira e ressuscitou num sábado.
Evidentemente que não podemos interpretar literalmente os números contidos nas profecias, sob pena de transformarmos a Bíblia numa coleção de quebra-cabeças. As semanas referidas nessas profecias simbolizam épocas, tempos. Não podemos dar neste espaço as interpretações das épocas a que estas semanas de Daniel se referem. Limitamo-nos a citar o fato para demonstrar que a interpretação que situa a morte de Cristo numa quarta-feira, e sua ressurreição num sábado, está fora de propósito. Que Jesus morreu numa sexta-feira, está claro em Mc 15.42, onde o evangelista, falando da morte e do sepultamento de Jesus, situa estes acontecimentos no dia “da preparação”, isto é, véspera do sábado. Ora, para todos os tempos, véspera de sábado é a sexta-feira, e não quarta-feira. Em Mc 16.2 não diz que Jesus ressuscitou no sábado, mas no primeiro dia da semana — domingo. Embora as mulheres se dirigissem na madrugada do domingo ao sepulcro, e o encontrassem vazio, isto não significa que Jesus tivesse ressuscitado ainda no sábado, porque o domingo já havia começado às 6 horas da tarde de sábado, conforme costume dos judeus. Portanto, das 6 horas da tarde até ao amanhecer seguinte havia transcorrido tempo do domingo suficiente para Jesus ressuscitar e deixar o túmulo vazio no domingo.
Sabatistas (Adventistas, Testemunhas de Jeová, etc.) também usam Mt 5.17: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir”, para tentar provar que Jesus não teria abolido a lei do sábado, e, conseqüentemente, não haveria o direito de adotar o domingo como dia de culto no lugar do sábado. Evidentemente, se interpretarmos assim este texto, por simples coerência também deveríamos afirmar que Cristo não aboliu os sacrifícios de animais pelos pecados do povo, e a circuncisão, elementos que faziam parte da Lei de Moisés (cf. Levíticos, por exemplo). Isto nem os mais ferrenhos defensores do sábado fazem.
Como então interpretar: “Vim cumprir e não revogar”? Isto significa que Jesus veio completar doutrinariamente, interpretar de forma mais completa, aperfeiçoar, dando sentido espiritual à Lei. Ao denominar-se "Senhor do sábado" (MT 12.8), Jesus fez precisamente o que descrevemos acima: ele preservou, cumpriu e prescreveu para sempre o sentido espiritual do sábado (ouvir e aprender a palavra de Deus), libertando-nos do cumprimento do sentido cerimonial (guardar o sétimo dia da semana). Por isso o apóstolo Paulo, ao invés de apelar para o cumprimento do sábado como dia fixo (cerimonial), afirma: “Ninguém vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das cousas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Cl 2.16,17). Aqui Paulo argumenta que a lei judaica (cerimonial) foi cancelada na morte de Cristo, e, portanto, que os regulamentos dietéticos e o calendário religioso dos judeus não são obrigatórios para o cristão. Isto incluía o sábado enquanto lei cerimonial. Portanto, com referência ao sábado, não se trata de Jesus ter revogado uma lei, mas de ter-lhe dado um sentido espiritual que se cumpre pelo ouvir da palavra de Deus no domingo, no sábado ou em qualquer dia da semana.
Quando Deus descansou da obra da Criação no sétimo dia e prescreveu este dia como descanso para o seu povo da Antiga Aliança, estava com isto lançando a “sombra” daquele que descansaria da obra Redentora. Por isso Paulo diz: “... tudo isso tem sido sombra das cousas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Cl 2.17). A parte cerimonial do sábado foi realmente cumprida por Cristo quando descansou de sua obra redentora no sábado de aleluia.
Colocar no Novo Testamento como primordial esta parte cerimonial do sábado, é viver ainda na sombra. É desprezar a graça de Cristo. É viver outra vez sob a lei, da qual Cristo nos libertou. É fazer uma grande confusão entre Lei e Evangelho, característica de sabatistas e outras seitas. Se por trás de um muro vemos apenas a sombra de uma pessoa, esta sombra pode ser importante quando se vê apenas a sombra; mas, no momento em que se passa a ver a própria pessoa, a sombra perde totalmente a importância. Quando você fala com uma pessoa, você olha para a sombra dela ou para o seu rosto?
Escreve o autor da carta aos Hebreus (8.6-7): “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas. Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para segunda.” Aos Gálatas (4.9-11) Paulo diz algo semelhante: “...mas agora que conheceis a Deus..., como estais voltando outra vez aos rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco”.
Alega-se que Constantino (imperador romano de 306 a 337 A.D.) fez do domingo o dia de culto. Isto não é verdade. Constantino não instituiu o domingo. Ele apenas tornou em lei (civil) oficial (321 A.D.) o que na prática vinha sendo feito há muito tempo pelos cristãos, ou seja, reunir-se para o culto aos domingos (cf. Atos 20.7: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos... Paulo exortava-os). Além disto, Justino Mártir, em sua Apologia (140 A.D.); Tertuliano (200 A.D.) e Melito, bispo de Sardes (século II A.D.), todos eles referem-se ao domingo como dia de reunião dos cristãos para o culto. Justino Mártir escreve: “Aos domingos, efetuamos a nossa reunião conjunta, pois o primeiro dia é aquele em que Deus, tendo removido as trevas, fez o mundo, e Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos”. — Portanto, não se atribua a Constantino o que ele não fez — instituir o domingo como dia de culto — pois ele apenas oficializou o que já vinha sendo praticado pelos cristãos.
Renato L. Regauer
FONTES:
1. I.W.Spitz. Nossa Igreja e Outras. 3ª Ed. Concórdia, pg 81-83.
2. Dicionário Internacional de Teologia do N.T. Vida Nova. Vol. IV, pg 265-271.
3. P.K.Jung, em Mensageiro Luterano. Set/1987, pg 33.
4. Willem C. Van Hatten, em Mensageiro Luterano. Jan/1979, pg 11-12.
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