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04 fevereiro 2014

1 CORINTIOS 2.1-5

QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
7 de fevereiro de 1993
1 Coríntios 2.1-5
1) As leituras do dia
SI 119.17-24 - Os caminhos da vida são difíceis. Mesmo aqueles que são servos do Senhor, encontrarão dificuldades, perseguições e perigos. O salmista pede auxílio, esperando de modo especial que lhe sejam iluminados, desvendados os assuntos referentes à vontade do Senhor, através da Palavra (IMRA).
Is 58.5-9a - Pelos frutos, pelos resultados, pela vida é que se percebe quem está no verdadeiro caminho; a este o Senhor responde: 'Eis-me aqui".
Mt 5.13-20 - Entre outras coisas, Jesus afirma a importância fundamental dada por ele às Escrituras (do AT), bem como, da necessidade de viver os ensinamentos a partir de uma nova vida, transformada, e não somente vivê-los externa e superficialmente.
2) O contexto
Nos primeiros quatro capítulos, o apóstolo Paulo enfrenta o assunto da divisão na igreja de Corinto. O apóstolo não escreve para algum grupo especial, mas à toda congregação. No presente texto parece que Paulo quer referir-se em especial aos gnósti- cos, que davam grande ênfase ao conhecimento esotérico, ou sabedoria, e que, através do seu orgulho, criavam muitos conflitos na igreja.
3) O texto
Aqui Paulo fala a respeito e discute o tema: meu apostolado e a sabedoria. Lembra a seus ouvintes que a sua pregação realmente adequara-se ao que ele dissera sobre a “loucura” do evangelho. Nada havia de atraente em torno dela. Por essa pregação descolorida, simples e despretensiosa, mostrava-se convincentemente o poder de Deus.
v.1: Paulo pregou em Corinto sem ostentação de linguagem ou de sabedoria, ou seja, a forma de apresentar os fatos ou a maneira que sua mente organizou as declarações não buscavam mostrar superioridade, sofisticação, astúcia ou esperteza. Simplesmente anunciou-lhes o testemunho de Deus: testemunhou, foi arauto daquilo que Deus fez pela salvação do ser humano. v.2: O apóstolo só não abria mão de uma verdade central na sua pregação: "Jesus Cristo é este crucificado". Esse é o coração do evangelho. v.3: Sem dúvida, essas palavras são melhor entendidas à luz de 1.25. Diante da difícil tarefa de arauto, diante das coisas santas, diante da grandiosidade de sua missão, Paulo tem toda consciência de sua pequenez e que "sua suficiência" terá sempre que vir "do Senhor". vv.4, 5: Persuasiva, palavra rara, só encontrada aqui. Paulo, com isso, quer declarar que desiste dos métodos da sabedoria humana para convencer, levar à fé. Claramente declara que sua pregação fora uma demonstração do poder do Espírito Santo. Ou seja: não há palavras humanas de sabedoria ou da retórica que levem os seres humanos à fé. Portanto, Deus é o que faz e opera, Deus é que é poderoso. Portanto, a verdadeira fé, a fé que salva, "não se apoia em sabedoria humana, e sim, no poder de Deus".

3. Alguns temas, como sugestão
a) O Evangelho da cruz é poder de Deus.
b) Argumentos da sabedoria, nem sempre convencem, por mais lógicos. O poder do Espírito Santo, sim.
c) A fé cristã "não se apoia em sabedoria humana, e, sim, no poder de Deus".

Norberto E. Heine

Revista Igreja Luterana, Ano 1992, Vol 2, Pag 131

ISAIAS 58.5-9a

QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
7 de fevereiro de 1999 Isaías 58.5-9a
Contexto
Na Bíblia Almeida Revista e Atualizada, Isaías 58 aparece com o título de "Observância devida do jejum". Também poderia levar o título de "O jejum que agrada a Deus". Diante disso, o pregador poderia bem perguntar: "Se ainda não é Quarta-feira de Cinzas, por que ocupar-me com o jejum"? Na verdade, o texto de Isaías 58 é lido hoje porque rima tematicamente com Mt 5.13-20, o evangelho do dia. Em particular, os conceitos de luz e justiça em Is 58.8 rimam com Mateus 5. Acima de tudo, então, o que se tem aqui é uma mensagem de Epifania: "romperá a tua luz", e "a glória do SENHOR será a tua retaguarda".
A perícope inclui a parte final de um parágrafo, o v.5, e metade de outro, vv.6-9a. Existe um belo clímax na metade do v.9, onde o Senhor diz: "Eis-me aqui"! Assim, pode-se muito bem encerrar a leitura ali mesmo. Agora, por que não ler toda a primeira parte do capítulo, começando em 58.1? A leitura não se torna demasiado longa e tem-se um contexto muito mais adequado.
Aliás, o contexto maior da perícope é Is 58 a 66. É uma seção em que promessas de futuro glorioso aparecem lado a lado com severas advertên-cias de juízo. É a alternância de lei e evangelho. O capítulo 58 então é basicamente lei. O tema é anunciado em Is 57.21: "Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz". Será um desafio pregar este texto de modo a não impor aos ouvintes um jejum de evangelho.
Texto
O texto abre-se no v. 1 com uma chamada a que o profeta faça soar sua voz como a trombeta ( HSJÍfêí no original). O povo tem pecado. Não se trata de falta de religiosidade. O versículo 2 mostra que é tudo menos um povo secularizado. Eles têm prazer em se chegar a Deus. A primeira parte do v.3 dá a entender que o jejum foi transformado em forma de barganha. O povo se queixa que Deus faz pouco caso. Deus responde (3b-4) que o jejum está associado à injustiça. No v.5 o foco parece se ampliar para toda e qualquer pessoa, pois faz-se referência a "o homem" (). Ao mesmo tempo o discurso fica muito mais individualizado, pois passa-se da segunda pessoa do plural ("vós") à segunda pessoa do singular ("tu").
No todo, o texto tem uma cadência poética, que é muito bem reproduzida em Almeida. Liberdade, que por certo seria um tema caro a um povo às voltas com o exílio, é apresentada com quatro imagens diferentes em Is 58.6. O acúmulo de imagens tem um raro efeito retórico.
Igualmente importante é notar a tensão entre aquilo em que o povo "tem prazer" (v.2) e o que Deus escolheu e lhe é aceitável (v.5). (No v.3, o que é traduzido por "vossos próprios interesses" é uma palavra que tem a mesma raiz hebraica do verbo "ter prazer" e pode ser traduzido por "buscais o vosso próprio prazer"). A rigor, o jejum era algo auto-imposto. Deus havia prescrito um jejum anual (Lv 16.29) e só. O povo decidiu ter prazer no jejum. Deus redefine o jejum e aponta para a prática da justiça social, que é outra forma de falar do amor ao próximo. O que importa não é o que o povo gosta ou prefere, mas o que Deus escolhe e lhe é aceitável. Como reflexão, vale acrescentar que a luta de Lutero, em seu tempo, foi muito semelhante a isso. Há quem tenha feito a observação de que ainda hoje em muitas igrejas ditas evangélicas o que a igreja decide (e que não passa de adiáforo, como, por exemplo, certos comportamentos) se torna obrigatório o que é "obrigatório" por ser instituído por Deus (como, por exemplo, os sacramentos) se torna opcional ou adiáforo. Mas, quem mora em casa de vidro não deve brincar com pedras, ou seja, tampouco nós estamos totalmente imunes ou sem culpa neste departamento.
Igualmente importante para compreender a linguagem do profeta é no-tar que, ao invés de enfatizar o caminho da integridade ("Não há nada errado em se jejuar, desde que esteja acompanhado de amor ao próximo"), o profeta enfatiza o caminho da alteridade ("Não isto, mas aquilo"). Temos a mesma linguagem, apenas mais ofensiva por envolver os sacrifícios, em Oséias 6.6: "Pois misericórdia quero, e não sacrifícios". Para bem entender os profe-tas, não se pode esquecer a dimensão retórica de tais afirmações. Evita que se incorra na lei do pêndulo, ou seja, passar-se de um extremo ao outro. Na busca de nova espiritualidade, Israel esqueceu-se do próximo. No afã de engajar-se a favor do próximo, facilmente perde-se a busca de Deus.
Reflexão homilética
Tratando-se de um texto do Antigo Testamento, nem sempre é fácil encontrar passagens paralelas ou relacionadas com o texto em estudo. Segue uma lista. Para a questão do jejum, conferir Zc 7 a 8, bem como Jr 14.12. A imagem da glória do Senhor como retaguarda, no v.8, é um eco do êxodo: Êx 13.21-22; 14.19; 16.10; Is 52.12. A restauração descrita em ter-mos de uma repentina irrupção de luz no alvorecer aparece também em Os 6.3-5 e Sf 3.5. O texto como um todo encontra eco nas palavras de Jesus em Mt 25.31-46.
Ao se pregar o texto, é fundamental que, além de permitir que o evangelho seja o ponto alto (e este aparece nos vv.8-9), não se confunda lei e evangelho. No caso presente, a confusão pode resultar da apresentação da lei como pré-requisito do evangelho. Se fizeres justiça, o Senhor te respon-derá. Aliás, ao se ler o texto é esta a impressão que fica: comportamento certo desencadeia a promessa. (Notar o duplo "então", v.8 e 9). O contexto, no entanto, sugere uma outra interpretação, em particular Is 59.1,2: "Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar... Mas as vossas iniqüidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vos-sos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça". Em outras palavras, a ação salvífica de Deus está sempre voltada para o seu povo; o pecado do povo é que impede que ela se concretize.
Para manter a perspectiva correta, nada melhor do que lembrar o ma-gistral resumo que Lutero fez da condição cristã: "O cristão é livre de tudo e de todos; o cristão é servo de todos". O estar em Cristo nos liberta da preocupação de querermos nos chegar a Deus (v.3). Não há necessidade de jejuns ou quaisquer outras obras nossas. Qualquer tentativa de "subornar" a Deus será abominável a ele. Em Cristo, temos a liberdade de sermos epifânicos. Nossa luz, que é sempre luz refletida, pode romper como o sol nascente e nossa justiça, que é sempre recebida (cf. Mt 5.20), vai adiante de nós. À nossa frente, à nossa volta, na nossa retaguarda irá a glória do Se-nhor, que é sua presença salvífica.

Dr. Vilson Scholz St. Louis, USA

Igreja Luterana, 1998 Vol 2, pag 220

MATEUS 5.13-20

QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
4 de fevereiro de 1996

Mateus 5.13-20
1. Contexto
A perícope faz parte do Sermão do Monte (5.1-7.29), vindo após as bem-aventuranças. Lembramos que Mateus é o livro dos logoi ou ensinos de Jesus.
A partir do v. 11 parece que Jesus se dirige especificamente aos discípulos e neste contexto está colocada a perícope em estudo. As bem-aventuranças são objetivas, apenas a última (vv. 11-12) é subjetiva. Quando Jesus passa da nossa relação com Deus para a nossa relação com o mundo, suas palavras são subjetivas. Esta transição para a segunda relação é feita na última bem-aventurança, a qual também recebe um tom subjetivo. Primeiro a bênção de Deus, agora através e por nós a bênção ao mundo.
Os outros evangelhos não mencionam esta perícope, exceto breve referên-cia aos discípulos como sal da terra (Mc 9.49,50 e Lc 14.34,35).
O texto é composto por duas diferentes partes:
- O sal da terra e a luz do mundo (w.13-16);
- O cumprimento da lei ou a nova lei (vv.17-20).
2. Texto
A responsabilidade dos crentes para com o mundo é estabelecida em três quadros, intimamente relacionados: sal, luz e uma cidade situada sobre um monte. O ministério não pertence opcionalmente, mas essencialmente ao povo de Cristo. Uma marca dos remidos é que são remidores.
As bem-aventuranças descrevem o caráter essencial dos discípulos de Jesus, especialmente a última; as metáforas usadas na perícope denotam a sua influência para o bem no mundo.
Ademais, a simples ideia de que os cristãos podem exercer uma influência sadia no mundo deveria nos causar um sobressalto. Que influência poderiam exercer as pessoas descritas nas bem-aventuranças, neste mundo violento e agressivo? Que bem duradouro poderiam proporcionar o humilde e o manso, os que choram e os misericordiosos, ou aqueles que tentam fazer paz e não guerra? Não seriam simplesmente tragados pela enchente do mal? O que poderiam realizar aqueles cuja única paixão é um apetite pela justiça, e cuja única arma é a pureza de coração?
Parece evidente que Jesus não participava desse ceticismo. O mundo, sem dúvida, perseguirá a igreja (vv. 10-12); apesar disso, a igreja é chamada a servira este mundo que a persegue (vv. 13-16). Jesus referiu-se aos discípu-los como sal da terra e luz do mundo por causa do alcance que sua influência teria.
A fim de definir a natureza dessa influência, Jesus recorreu a metáforas bem domésticas. A necessidade da luz é óbvia. O sal, por outro lado, tem uma variedade de usos. O sal era grandemente valorizado no tempo de Cristo. No clima da Palestina era indispensável para a conservação dos alimentos. Uma bolsa de sal era considerada tão preciosa como a vida humana.
O sal é considerado pela sua característica essencialmente distinta e diferente do meio em que é posto. Os discípulos deveriam ser facilmente identificáveis, expressando aquilo que professavam, da mesma forma como o sal apresenta a propriedade que esperamos dele. Outra função do sal é preservar, deter a decomposição. Os discípulos também são chamados a ser purificadores em um mundo onde os padrões morais são baixos ou inexistentes.
Ser sal da terra é ter qualidades preservativas e temperantes à sociedade; é ter o sabor agradável de uma vida pura e santa; é viver o Evangelho de Cristo, no meio de uma geração corrompida.
No v. 13 a afirmação é direta: "Vós sois o sal do mundo". Isto significa que, quando cada comunidade e cada cristão se revela tal como é, o mundo se deteriora como o peixe ou a carne estragada, enquanto que a Igreja pode retardar a sua deterioração.
A eficácia do sal, entretanto, é condicional: tem de conservar a sua salinidade. O sal é um produto químico muito estável, resistente a quase todos os ataques. Isto é, em termos precisos, o sal nunca pode perder a sua salinidade. Não obstante pode ser contaminado por impurezas, tornando-se inútil e até mesmo perigoso. O sal que perdeu a sua propriedade de salgar não serve nem mesmo para adubo, isto é, fertilizante.
A salinidade do cristão é o seu caráter conforme descrito nas bem-aven-turanças, é discipulado cristão verdadeiro, visível em atos e palavras. Para ter eficácia, o cristão precisa conservar a sua semelhança com Cristo, assim como o sal deve preservar a sua salinidade. Se os cristãos forem assimilados pelos não-cristãos, deixando-se contaminar pelas impurezas do mundo, perderão a sua capacidade de influenciar. A influência dos cristãos na sociedade e sobre a saciedade depende da sua diferença e não da identidade. Se os cristãos forem indistinguíveis dos não-cristãos serão inúteis.
Jesus apresentou a sua segunda metáfora com uma afirmação seme-lhante: "vós sois a luz do mundo". É verdade, mais tarde ele diria: "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8.12; 9.5). Mas, por derivação, nós também o somos, pois brilhamos com a luz de Cristo no mundo.
Em todas as descrições dos discípulos, o Senhor pressupõe que seu espírito e sua retidão tomar-se-iam o princípio de suas vidas. Eles são a luz do mundo, recebendo e refletindo a luz, a verdadeira luz do mundo (Ef 3.9; Fp2.15).
A luz tem a função única de espancar as trevas e brilhar no meio delas. A luz, à semelhança do sal, deve ser útil. A luz deve brilhar livremente, sem qualquer empecilho. Muitas vezes, nas Escrituras, o mundo é associado às trevas, à ignorância, à esfera da escravidão. Jesus foi a luz entre os homens (Jo 1.5). Os crentes também são luzes que iluminam as trevas. Segundo os ensinos de Jesus, sem essa iluminação o mundo seria um lugar tenebroso.
Em sentido geral, Cristo é a luz do mundo. A antítese de luz é trevas (Ef 6.12; Is 9.2). Num segundo sentido os cristãos são a luz do mundo; Cristo indiretamente, eles diretamente; ele a original, eles a derivada; ele o sol, eles a lua refletindo a luz. Ver essas relações em Jo 8.12; 12.36; 1 Ts 5.5. Nós temos a mesma derivação da luz de Cristo na figura da lâmpada, que não tem luz própria.

Jesus esclarece que essa luz são as nossas "boas obras". Que os homens "vejam as vossas boas obras", disse, "e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus", pois é através dessas boas obras que a nossa luz tem de brilhar. "Boas obras" é uma expressão generalizada, que abrange tudo o que o cristão diz e faz porque é cristão, toda e qualquer manifestação externa e visível da fé cristã.
Assim como acontece com o sal, também a afirmação referente à luz foi seguida de uma condição: "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens". Se o sal pode perder a sua salinidade, a luz em nós pode transfor-mar-se em trevas (6.23). Mas nós temos de permitir que a luz de Cristo dentro de nós brilhe para fora, a fim de que as pessoas a vejam. Não podemos ser como uma cidade ou vila aninhada em um vale, cujas luzes ficam ocultas, mas sim como uma "cidade edificada sobre um monte", que não se pode esconder e cujas luzes são claramente visíveis a quilómetros de distância. E mais, devemos ser como uma lâmpada acesa colocada no velador, numa posição de destaque na casa a fim de iluminar "a todos que se encontram na casa" e não ficando escondida, onde não produz bem algum.
Isto é, na qualidade de discípulos de Jesus, não devemos esconder a verdade que conhecemos ou a verdade do que somos. Não devemos fingir que somos diferentes, mas devemos desejar que o nosso cristianismo seja visível a todos. Devemos ser cristãos autênticos, vivendo abertamente a vida descrita nas bem-aventuranças, sem nos envergonhar de Cristo. Então as pessoas nos verão, e verão as nossas boas obras e, assim, glorificarão a Deus, pois reconhecerão inevitavelmente que é pela graça de Deus que somos assim, que a nossa luz é a luz dele, e que as nossas obras são obras dele feitas em nós e através de nós. Desse modo, louvarão e glorificarão ao nosso Pai que está nos céus.
No v. 17 começa a segunda parte do sermão do monte: Jesus explica a sua relação para com a lei de Moisés, na qualidade de Messias, especialmente conforme era interpretada em seu tempo. Até aqui Jesus falara sobre o caráter do cristão e sobre a influência que este teria no mundo, caso manifestasse tal caráter. Agora ele prossegue definindo melhor este caráter e estas obras em termos de justiça. Ele explica que a justiça, já duas vezes mencionada, e da qual os seus discípulos têm fome (v.6) e por cuja causa eles sofrem (v.10), é uma correspondência à lei moral de Deus e ultrapassa a justiça dos escribas e fariseus (v.20). Jesus começou o seu Sermão do Monte com as bem-aventuranças na terceira pessoa; continuou na segunda pessoa; e, agora, muda para a primeira pessoa, usando, pela primeira vez, sua fórmula característica e dogmática: "Porque ... (eu) vos digo" (w. 18 e 20).

Este parágrafo é de grande importância, não só por causa da definição que ele dá da justiça cristã, mas também por causa da luz que lança sobre a relação entre o Novo e o Velho Testamento, entre o evangelho e a lei. Divide-se em duas partes: primeiro, Cristo e a lei (vv. 17,18) e, segundo, o cristão e a lei (vv. 19,20).
Os versículos 17-20 aparecem apenas em Mateus. Jesus começa dizendo que não imaginem que ele veio para revogar a lei ou os profetas, isto é, todo o Antigo Testamento ou qualquer parte dele. O modo como Jesus enunciou esta declaração negativa dá a entender que alguns já pensavam exatamente isso que ele agora está contradizendo. Embora seu ministério público tivesse começado há tão pouco tempo, os seus contemporâneos estavam profunda-mente perturbados com a sua suposta atitude com relação ao Antigo Testa-mento. Portanto, era natural que as pessoas perguntassem que relação havia entre a "sua" autoridade e a autoridade da lei de Moisés. Eles sabiam que os escribas submetiam-se à lei, pois eram "mestres da lei". Dedicavam-se à sua interpretação e declaravam não haver qualquer outra autoridade além daquela que citavam. Mas Jesus falava com autoridade própria. Ele apresen-tava alguns dos seus mais impressionantes pronunciamentos com "Em verdade digo", falando em seu próprio nome e com sua própria autoridade. Jesus não veio para "revogar" a lei e os profetas, deixando-os de lado ou anulando-os, nem tampouco para endossá-los de maneira estéril e literal, mas para "cumpri-los". O verbo traduzido por "cumprir" (plerosaí) significa literal-mente "encher".
Após declarar que o seu propósito em vir era o cumprimento da lei, Jesus prossegue, apresentando a causa e a consequência disto. A causa é a permanência da lei até que seja cumprida (v.18); e a consequência é a obediência à lei, que os cidadãos do reino de Deus devem prestar (vv. 19,20).
Isto é o que Jesus tem a dizer sobre a lei que ele veio cumprir. "Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i (yod, a menor das letras do alfabeto grego, quase tão pequena como uma vírgula) ou um til (keraia, um acento, sinal que distinguia algumas letras gregas de outras) passará da lei, até que tudo se cumpra.
No v. 19 a palavra "pois" introduz a dedução que Jesus agora apresenta a seus discípulos para a validade duradoura da lei e a sua própria atitude com relação a ela. Revela uma conexão vital entre a lei de Deus e o reino de Deus.
Jesus, pela sua morte de cruz, aboliu a lei, não como lei moral, mas como método ou meio de salvação do pecador e como sistema de penalidade. Os escribas e fariseus eram considerados como possuidores das chaves da ciência, mas a justiça de que Jesus trata é a justiça que é imputada pela fé em Cristo e que Cristo cumpriu perfeitamente. "A vossa justiça" de que Jesus fala é infinitamente superior a dos escribas e fariseus (os escribas tinham 248 mandamentos e 365 proibições), porquanto é de natureza completamente diferente: é a justiça que vem da fé, é a justiça do reino de Deus. Portanto, Jesus está comparando a justiça própria dos homens com a justiça que vem de Deus. Jesus estava se referindo à justiça que o apóstolo Paulo prega e escreve (Rm 3.19-22; Gl 5).
3. Proposta homilética
Como COOPERADORES DE DEUS, este texto tem muito a nos ensinar sobre nossas responsabilidades cristãs no mundo, e três lições se destacam aqui:
1 - Há uma diferença fundamental entre os cristãos e não-cristãos, entre a igreja e o mundo;
2 - Somos chamados à responsabilidade de mostrar esta diferença: a) sendo sal da terra; b) sendo luz do mundo.
3 - A força e o poder para sermos cooperadores de Deus não estão em nós, mas na justiça que recebemos pela fé em Cristo. É esta justiça que nos capacita.

Joel Renato Schacht

Revista Igreja Luterana, Vol 2, pag 197