PRÓLOGO - 1.1-8
1
Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos Seus servos as coisas que devem acontecer em breve e comunicou enviando pelo Seu anjo ao seu servo João,
O título do livro - "Apocalipse de João" difere do texto em si, que apresenta-se como "Apocalipse (=Revelação) de Jesus Cristo".
"De Jesus Cristo" - genitivo objetivo ou subjetivo?
- subjetivo: Jesus é o que revela (fonte da revelação);
- objetivo: Jesus é o assunto (tema) da revelação.
Ambos são verdadeiros: "Apocalipse é divina revelação da qual Jesus é o recipiente e o doador".1
Apokalypsis - o ato de desvendar algo oculto, revelar; usado nas Epístolas escatologicamente:
1. em referência à revelação de Deus (Rm 2.5); de Cristo (1 Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1 Pe 1.7,13; 4.13); e dos santos (Rm 8.19), que há de acontecer na Parousia.
2. para qualquer revelação feita agora para a Igreja (Rm 16.25; 1 Co 14.6,26; 2 Co 12.1,7; Gl 1.12; 2.2; Ef 3.3) através do Espírito, como o pneuma apokalypsews (Ef 1.17).2
O termo é usado aqui não como "uma classificação literária, mas indicando a natureza e propósito do livro."3
O Filho como receptor da mensagem e como revelador aos homens - é constante o ensino no Evangelho segundo João de que o Filho recebe o que Ele é e tem da parte do Pai (3.35; 5.20ss, 26; 7.16; 8.28; 12.49; 16.15; 17.2ss).4
"Os servos dele" - primariamente os Profetas (cf. Amós 3.7 -Deus revela a Seus profetas as coisas que Ele fará), mas sem excluir o restante da Igreja (7.3).
"devem acontecer" - o "dever" não é referência a um seguir cego da necessidade; mas refere-se ao cumprimento certo do propósito de Deus revelado pelos profetas (Mc 8.31; 9.11; 13.10; Lc 24.26; Jo 12.34.
"Em breve" - a perspectiva profética sempre tem o fim como algo iminente. Esta é a maneira como o NT como um todo vê o fim. Na verdade, se lembramos que em Cristo o Reino de Deus veio à terra (Mt 4.17; 12.28) e que os "fins dos séculos chegaram sobre nós" (1 Co 10.11), não nos admiramos de que os tempos do fim já estão em vigor. O livro do Apocalipse não só revela as coisas do fim do mundo, mas sobre os tempos do fim, antes da volta de Cristo, na vida da Igreja e do mundo.
2
"O aoristo emartyresen é epistolar; do ponto de vista do leitor o testemunho de João foi dado quando ele escreveu o livro. Sr. Hort considera emartyresen como se referindo à confissão de Cristo da parte de João perante os homens e não às visões do Apocalipse".6
"Ele viu" - acentua o caráter de visão profética (cf. Is 1.1), que pervade todo o livro (1.12,17,19s; 4.1; 5.1s; etc).7
3
Bem-aventurado o que lê e os que ouvem as palavras da profecia e que guardam as coisas que estão nela escritas, pois o tempo está próximo.
O Apocalipse chama de "bem-aventurados":
- os que morreram no Senhor, pois suas obras os acompanham (14.13);
- os que estão preparados quando Cristo vem como ladrão (16.15);
- os que foram chamados para as bodas do Cordeiro (19.9);
- os que têm parte na 1ª ressurreição, pois a 2ª morte não terá poder sobre eles - eles reinarão com Cristo por mil anos (20.6);
- os que guardam as palavras da profecia deste livro (20.7);
- os que lavam suas vestes, pois terão parte na árvore da vida e entrarão na cidade pelos portões (22.14).
"Aquele que lê" - não é um leitor isolado, mas como a frase seguinte deixa claro ("os que ouvem"), é alguém que lê para a Congregação. Poderia ser traduzido: "Bem-aventurado o que lê em voz alta". A Igreja herdou a prática judaica de leitura na Congregação (Ex 24.7; Ne 8.2; Lc 4.16; At 13.15; 15.21; 2 Co 3.15). Na Igreja Apostólica, assim como na Sinagoga, a leitura das Escrituras era da responsabilidade dos presbíteros, que podiam atribuí-la a qualquer dos membros da Congregação, que fossem capazes e se dispusessem a fazê-lo. O escritor do Apocalipse explicitamente quer que o livro seja usado na Congregação, em leitura pública.8 Sabendo que somente escritos do Antigo Testamento e dos apóstolos eram lidos nas Igrejas (cf. Justino, Mártir), pode-se concluir que o autor de Apocalipse colocou seu livro (recebido da parte de Deus) como ao nível daqueles lidos no culto público - era "Escritura Sagrada"!
A bem-aventurança é estendida aos leitores se eles "guardam" o que ouvem. É semelhante ao que Jesus diz em Lc 11.28 (só que aí Jesus usa o verbo fylassw, ao invés de terew). Pode-se lembrar também Tg 1.22 (não somente ouvinte, mas praticante da Palavra).
Ate aqui aula de 11 de Março. Inicio da aula de 16 de Março.
"Profecia" - o autor coloca seu escrito ao nível dos escritos proféticos do AT. O mesmo é colocado por ele em Ap 22.7,10,18s.9
"O tempo está próximo" - kairos denota um período, determinado por algum acontecimento, em distinção a xronos, que denota unicamente a extensão de tempo.10 "No Novo Testamento ... designa quase sempre uma época ou um evento predeterminado por Deus e ligado à sua história da salvação; portanto, sem proporções exatas segundo o raciocínio humano."11
4
João às sete igrejas que estão na Ásia: graça a vós e paz da parte daquele que é e que era e que vem, e da parte dos sete espíritos que estão diante de Seu trono
A saudação vem caracterizar o livro como uma carta, na sua forma (ainda que é profético no seu conteúdo). A diferença básica está na maneira como Deus é apresentado, não de uma forma direta e clara, mas com o uso de designações que levam o leitor a refletir mais profundamente sobre Aquele que abençoa os leitores (e ouvintes) da carta.
"Sete igrejas" - pode-se explicar que as sete igrejas tinham posição privilegiada na Ásia, o que possibilitaria a melhor difusão do livro entre outras localidades. No entanto, o número 7, em si, pelo seu uso constante no Apocalipse, sugere outra razão para esta limitação (i.e., cartas para estas cidades e não para outras, onde também havia Igreja: Trôade, Hierápolis, Colossos, Magnésia, Trales).12
- O nº 7 - para os Semitas dava a idéia de algo completo. Por isso, tem sido sugerida a idéia de que as "sete igrejas" na verdade representam toda a Igreja de Cristo.13 Ainda assim, não devemos esquecer o referente imediato, qual seja, as sete igrejas nomeadas. Elas foram as receptoras da profecia e não devem ser vistas simplesmente como uma alegoria da Una Sancta.
"Da parte daquele que é e que era e que há de vir" - a referência é evidentemente ao Pai (seguindo a maneira usual de Paulo fazer a saudação, iniciando por mencionar o Pai, cf. Rm 1.7; 1 Co 1.3; etc).
- ho wn - é a tradução da LXX para asher ehieh de Ex 3.14. Que Deus é "Aquele que é" enfatiza não só Sua existência, mas (com o contexto do AT), Sua ação como Senhor. Chama a atenção o uso da preposição apo, normalmente acompanhada pelo genitivo (como nos vv. 4b e 5) - aqui, com o nominativo! Possivelmente uma referência ao indeclinável nome de Deus. Estando no nominativo, enfatiza que Ele ésempre o sujeito da ação. Ele não é objeto de nossas reflexões, mas Aquele que vem e se revela, através de Seu Filho (como especificamente o faz aqui; como o fizera no ministério terreno de Jesus - Jo 1.18).
- ho erxomenos - manifesta um dos grandes pontos do livro, qual seja, a vinda de Deus para dentro da História de Seu povo. Sobre o Pai vir, ver João 14.23 (Meu Pai e eu viremos para aquele que me ama e guarda a minha Palavra).
"Os sete espíritos" - a mesma expressão aparece ainda em Ap 3.1; 4.5 e 5.6; pode ser também uma referência a Is 11.2 (as 7 qualificações do Espírito: 1. do SENHOR; 2. de sabedoria; 3. de entendimento; 4. de conselho; 5. de fortaleza; 6. de conhecimento; 7. de temor do SENHOR).
A referência só pode ser ao Espírito Santo, uma das Pessoas na Santíssima Trindade, pois a graça e a paz tem a Ele como fonte, ao lado do Pai e do Filho. Nenhuma criatura pode ser colocada ao lado de Deus Pai e do Senhor Jesus como fonte de Bênção.
Alguns tentam aplicar esta expressão aos 7 anjos que aparecem mais adiante no Apocalipse (8.2ss; 15.1ss). No entanto, a descrição dos 7 espíritos em 5.6 é claramente uma referência a Zc 4.10 ("Aqueles sete olhos são os olhos do SENHOR, que percorrem toda a terra"). Além disso, o NT muito raramente chama os anjos de pneumata (Hb 1.7,14, numa citação do AT; e em Ap 6.13, onde o substantivo é qualificado por akatharta e daimoniwn, o que tira toda ambiguidade). Além disso, uma pluralidade em conexão com o Espírito Santo aparece também em Hb 2.4; 1 Co 12.10; 14.32; Ap 22.6. Neste texto os "espíritos" são sete, pois estão relacionados às 7 igrejas!14 "É o Espírito de Deus em sua manifestação pela palavra às igrejas, ao povo de Deus, aqui na terra. Pelo seu Espírito Deus se comunica com o seu povo mediante a sua palavra.
5a
e da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos e o governante (príncipe) dos reis da terra.
A bênção explicitamente trinitária conclui com a menção de Jesus, Aquele que revela o Pai (João 1.18) e envia Seu Espírito Santo, da parte do Pai (João 15.26) é fonte da graça e paz, assim como o Pai e o Espírito Santo. Negar a divindade do Filho (e do Espírito Santo) equivaleria a questionar a divindade do Pai (que seria fonte de bênção, ao lado de "criaturas"!).
É digno de nota a menção do Filho de Deus pelo nome "Jesus Cristo". Um detalhe é que este duplo nome não é mais usado no Apocalipse, onde aparece sempre "Jesus". Isso parece indicar que "o propósito do escritor foi enfatizar a humanidade do Cristo glorificado, identificando-o com a Pessoa histórica que viveu e sofreu".15
Seguem-se 4 nominativos caracterizando Jesus. Novamente o nominativo (como no caso do Pai) serve para enfatizar que Jesus é o Sujeito da ação (da Revelação). Ele é o centro das atenções no Apocalipse, o foco de todos os acontecimentos de Deus para com Suas criaturas.
"A Testemunha fiel" - Em vários locais no NT Jesus é caracterizado como uma Testemunha. Por exemplo, em Jo 3.11, 32s; 8.14s; 18.37; 1 Tm 6.13. É uma referência à obra de Cristo, no Seu ministério terreno, como Aquele que veio dar boa confissão. Ele manifestou ao mundo a vontade eterna do Pai; deu um testemunho que não se baseou em sabedoria humana, mas no conselho eterno de Deus. Mais, Ele, sendo a "imagem do Deus invisível" (Cl 1.15), vem para revelar o Pai (Jo 1.18), de modo que quem o vê, vê o Pai (Jo 14.9).
"Primogênito dentre os mortos" - mesma expressão é usada em Cl 1.18. Esta expressão tem pelo menos dois referenciais:
1) Jesus é o primeiro que ressuscitou para não mais morrer e, segundo Sua natureza humana, desfrutar da vida celestial plenamente.
2) Ele é a causa, a fonte, a base, a segurança da ressurreição de todos os que hão de ressuscitar. Ele "abriu o caminho" da ressurreição para os homens.
"Governante dos reis da terra" - João segue a linha do Sl 89.28, onde a primogenitura e o governo sobre os reis são colocados no mesmo contexto. Pela ressurreição Jesus conquistou domínio não só sobre a Igreja, mas sobre o mundo (Rm 14.9). Pela Sua morte e ressurreição Ele conquistou o que o diabo lhe havia oferecido na tentação.16
Esta designação de Jesus seria por certo de grande consolo para os leitores primeiros de João, que sofriam perseguições da parte de "reis da terra". Ele podiam estar certos que o poder do mal era controlado, não estava livre para fazer o que bem entendesse. O mesmo Senhor que os salvou pela Sua morte de cruz era aquele que estava governando os destinos do mundo, para o bem de Sua Igreja e para a proclamação de Seu evangelho da salvação.
Os três títulos (testemunha, primogênito, governante) respondem ao propósito tríplice do Apocalipse, qual seja: 1) um testemunho divino; 2) uma revelação do Senhor ressurreto; 3) uma antevisão dos destinos da história.17
5b,6
Ao que nos ama e nos libertou18 com Seu sangue, e nos fez reino, sacerdotes para Seu Deus e Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos [dos séculos]. Amém.
Dois Particípios definem a maneira como Jesus Cristo se relaciona conosco; o primeiro é Partc. Presente ("nos ama") e o segundo é Partc. Aoristo. Levando em conta que o Partc. Aoristo é normalmente usado para manifestar uma ação anterior ao verbo principal. Neste caso, parece focalizar a obra completa de Cristo, quando pela Sua obediência ativa e passiva nos redimiu. O Seu amor é algo constante, permanente (por isso, o tempo Presente).19
Uma questão seria definir o "quando" Ele nos "fez reino e sacerdotes" (Aoristo Indicativo)! Possivelmente a melhor referência seja ao Batismo, quando a obra completa de Cristo foi aplicada a nós, por obra do Espírito Santo.
"Reino" - enfatiza a posição dos crentes em Cristo como sendo o povo de Deus. No AT Deus havia declarado que faria de Israel um "reino de sacerdotes" (Ex 19.6). Agora Israel não é mais o povo de Deus. A vinha foi entregue a outro povo (Mt 21.43 - a parábola dos lavradores maus). Os cristãos são povo de Deus e reino de Cristo. Neles Cristo reina, através de Seu Evangelho.
"Sacerdotes" - a função sacerdotal (também atribuída a Israel como um todo, no AT - Ex 19.6) enfatiza a possibilidade de se chegar diante de Deus para trazer ofertas e súplicas. Não é um termo que nos relacione ao próximo, mas a Deus. Temos acesso ao Pai, graças à obra vicária de Cristo.
A bênção com origem e fonte no Deus Triúno termina com uma doxologia a Cristo, Aquele que nos revela quem é Deus e que nos reconciliou com Deus, e que enviou Seu Espírito para nos santificar. O livro de Apocalipse começa, por assim dizer, com os dois elementos constantes do Culto cristão: Teofania (na manifestação de cada Pessoa da Trindade) e Doxologia (no louvor que a Igreja estende ao Deus único, reconhecendo Seus feitos de salvação). Estamos entrando num livro sagrado, num livro em que Deus se manifesta e nós só podemos ter uma atitude: de reverente ouvir e receber a Sua dádiva, Sua revelação em Jesus Cristo!
7
Eis Ele vem com as nuvens e todo olho o verá e todos os que o perfuraram20 e todas as tribos da terra lamentarão por Ele. Sim. Amém.
O vir entre as nuvens é uma referência a Dn 7.13 (a chegada gloriosa do Filho do Homem) e lembra At 1.9ss, onde a volta de Cristo é anunciada pelos anjos.
"Todas as tribos da terra" - lembra Gn 12.3, quando é dito que na descendência de Abraão todas as famílias da terra seriam abençoadas. Agora que a promessa de Deus a Abraão fora completamente cumprida, a triste realidade é que muitos - para quem a bênção foi alcançada - não usufruíram dela. Para estes serã um dia de lamentação, pois estarão conscientes de que a promessa foi cumprida, mas que eles não tiraram proveito no tempo oportuno. Que advertência para cada cristão!
8
Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, o que é, o que era e o que vem, o Todo-poderoso.
Novamente o Pai se manifesta. Alfa e Ômega são as letras correspondentes ao Alef e Tau do Hebraico, que não são apenas a 1ª e última letras, mas cuja união engloba todas as letras. Simboliza totalidade. Significa não apenas eternidade, mas infinitude, a vida sem limites.21 Além disso, lembrando que são letras, usadas para comunicar, revelar, manifestar, o uso de Alfa e Ômega parece denotar o sentido de completa revelação. Deus é Aquele que se manifesta na Palavra escrita e proclamada. É ali que podemos reconhecer Sua presença e atuação. Este mesmo título é atribuído a Jesus em Ap 22.13. Isso mostra a unidade das Pessoas da Trindade. Mostra especificamente a deidade de Jesus, que é tão enfatizada neste livro.
"Todo-poderoso" - o que pode tudo; o que governa sobre todas as coisas.
A VISÃO DO COMISSIONAMENTO RECEBIDO DO CRISTO RESSURETO E ASSUNTO -1.9-20
9
Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação e reino e perseverança (expectativa) em Jesus, estive na ilha chamada Patmos por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus.
O escritor se identifica novamente (como nos vv. 1 e 4), mas se coloca como "irmão vosso", isto é, das igrejas. A designação de um apóstolo como "irmão" não é incomum: Pedro se refere assim a Paulo: 2 Pe 3.15; Os apóstolos se dão este designativo: At 15.23. [Em outras palavras, ao João autodenominar-se "irmão" não elimina seu caráter apostólico].
___________ - não somente "companheiro", mas alguém que participa nas mesmas coisas que o outro, ou alguém que reparte com o outro alguma coisa. Neste caso, com os dativos a seguir: ter algo em comum com outra pessoa; neste caso: tribulação, reino e perseverança (ou expectativa).
_______________________22 - comunhão no sofrimento é algo que está enraizado na fé cristã, especialmente na Igreja primitiva: 1 Pedro; 2 Co 1.7; Fp 3.10; 4.14.
__________ - Reino - Lc 12.32; 22.29; Tg 2.5; 1 Ts 2.12; 2 Ts 1.5. Aponta não só para o reino da graça (a participação no Reino de Deus, com o desfrutar da comunhão com Cristo, pela fé operada pelos meios da graça), mas também para o reino da glória - a plenitude de bênçãos que nos aguarda.
_________ - Perseverança, paciência, resignação, firmeza - principalmente como se manifesta ao haver sofrimento (Lc 21.19; Rm 5.3,4; 2 Tm 2.12; 2 Ts 1.4). O outro significado da palavra é (paciente) expectativa23 (Sl 9.18; 62.5).
____________ - modifica as três cláusulas anteriores. "Toda a vida de um cristão, esteja ele sofrendo ou reinando ou esperando, é em união com a vida do Filho encarnado".24
Patmos - a 1ª ou última parada na viagem de Éfeso para Roma e vice-versa. Naquela ilha existia um Mosteiro de São João, lembrando seu exílio naquele local.
_________________________________________ - o "por causa" pode significar duas coisas: que João foi para aquela ilha a fim de testemunhar (ainda que diá não signifique finalidade, mas sempre causa) ou que foi levado lá como castigo pelo seu testemunho anterior. A última explicação é confirmada: a) pelo uso em 6.9 e 20.4; b) pela sua designação como "companheiro na tribulação"; c) pela antiga e praticamente unânime tradição da Igreja (Tertuliano, Clemente, Orígines, etc.).
10
Estive em espírito no Dia do Senhor e ouvi atrás de mim uma grande voz, como de trombeta
____________ - "estar25 no Espírito" é o estado natural de todos os cristãos, em contraste com o estar "na carne" (Rm 8.9); mas "vir a estar"26 denota a exaltação do profeta sob inspiração divina (Ez 37.1; cf. 3.12,14 - ser tomado pelo Espírito; At 10.10; 2 Co 12.1-4; At 22.17 - estar em êxtase; cf. 12.11 - voltar a si). Importante é notar que não se pode isolar o "em espírito" do Espírito Santo. O uso do mesmo vocábulo para o nosso espírito e para o Espírito de Deus enfatiza que não pode haver vida espiritual em nós (o novo homem, a nova criação) sem a atuação do Espírito Santo. No caso do profeta, é importante que não se confunda seu estado com algum tipo de "transe sonambúlico" ou qualquer outro meio humano de se colocar em um estado diferente.
__________________ - 1 Co 16.2; Mt 28.1; At 20.7. Era o dia consagrado ao Senhor. Conforme outros escritos do final do 1º século e do 2º século, a expressão refere-se ao 1º dia da semana (Didaquê 14; Inácio de Antioquia; Evangelho [apócrifo] de Pedro; Melito de Sardes - todos escritos com origem na Ásia Menor). Antes mesmo do final do 2º século a expressão já tinha uso generalizado na Igreja (cf. Dionísio de Corinto; Clemente da Alexandria; Tertuliano de Cartago). É notável que o Senhor Jesus tenha escolhido como data de Sua especial revelação o mesmo dia que a Igreja - no uso da liberdade cristã - escolheu para o Culto, especialmente a celebração da Ceia do Senhor. A nós Ele também se revela neste dia, não porque nós decidimos nos reunir neste tempo, mas porque é um encontro em Seu nome e baseado na Sua promessa (Mt 18.20).
_________________________ - a cena lembra a Teofania no Sinai (Ex 19.16; Hb 12.19). A trombeta também lembra as palavras de Jesus sobre a Sua volta e o Juízo Final (Mt 24.31), a que Paulo também se reporta (1 Ts 4.16).
11
a qual disse: o que vês, escreve27 em livro e envia às sete igrejas: para Éfeso e para Esmirna e para Pérgamo e para Tiatira e para Sardes e para Filadélfia e para Laodicéia.
O "livro" era em forma de rolo, preparado com papiro. Aqui se verifica novamente a intenção de que o livro fosse lido publicamente, diante da igreja, por um leitor (cf. 1.3).
As sete igrejas - ver comentário sobre o significado do número sete, acima (1.4). A ordem em que as sete igrejas são nomeadas corresponde à rota que o mensageiro tomaria de Patmos através das sete cidades, começando em Éfeso, a cidade mais próxima e seguindo rumo noroeste primeiro, depois sudeste até Laodicéia.
Conforme o estudioso Ramsey, as sete cidades eram os centros de distribuição para os sete distritos postais daÁsia Menor centro-oeste.28
É interessante que as cartas não foram enviadas cada uma para uma cidade, mas o livro todo (as coisas que João viu) foi enviado (incluindo as sete cartas) às sete igrejas. Isso mostra duas coisas:
1) que a mensagem dirigida especialmente para uma dizia respeito também às outras;
2) que não precisaria haver segredo tanto nas admoestações como nos elogios dirigidos a determinada Congregação. Isto serviria de exortação e orientação para as outras também.
12
E voltei-me para ver a voz que falava comigo e, voltando-me, vi sete candeeiros de ouro
13
e no meio dos candeeiros um semelhante a filho do homem, vestido até os pés29 e envolvido30no peito com um cinto de ouro.
Nos versículos seguintes, Este que fala a João tem posição central na revelação e é identificado com Aquele que morreu e ressuscitou (1.18): Jesus. A forma como Ele se manifesta revela Sua posição de glória e majestade. Como lembra Irineu,31 João vê Jesus numa forma ao mesmo tempo sacerdotal e real. Os sete candelabros, conforme explicação do próprio Senhor (1.20), são as sete igrejas para as quais o livro é escrito.
____________________ - lembra Ex 25.31-40 (o candelabro de ouro a ser colocado no Tabernáculo) e Zc 4.2 (também um candelabro com sete lâmpadas de azeite); e também 1 Re 7.49, onde se diz que havia cinco lâmpadas de cada lado, diante do Santo dos Santos. A cena, portanto, haveria de lembrar, a um judeu, o ambiente do Culto do povo de Deus, ambiente onde o nome do Senhor se manifestava, para ouvir as orações de Seu povo (1 Re 8.29).
____________ - o termo vem de Dn 7.14 e da auto-designação de Jesus. O significado desta expressão é de que Ele é homem verdadeiro; mais do que isto, que Ele é o representante da raça humana (é o "Novo Israel"), que veio para substituir a humanidade na obediência ativa e passiva diante do Pai. Já Jesus usara esta designação para falar de Sua exaltação (Mc 8.38; 13.26; 14.62 e paralelos).32
As vestes não somente o caracterizam de forma sacerdotal e real, mas lembram o personagem divino que se apresentou diante de Daniel (Dn 10.5).
14
e Sua cabeça e seus cabelos [eram] brancos como branca lã, como neve e os Seus olhos [eram] como chama de fogo
_____________________________________________________ - esta descrição se assemelha muito à de Dn 7.9, não do Filho do homem, mas do Ancião de Dias! "A cristologia de nosso escritor leva-o freqüentemente a atribuir ao Cristo glorificado atributos e títulos que pertencem ao Pai, por exemplo: 1.18; 2.8; 5.12; 22.13."33 O branco do cabelo tem sido associado à pre-existência do Filho e o "como neve" à Sua impecabilidade (Sl 51.7; Is 1.18).34 Também não se pode deixar de lembrar da glória mostrada no relato da Transfiguração (Mt 17.2) e na ressurreição (Mt 28.3) de Jesus.
______________________________ - a figura parece enfatizar o olhar penetrante do Senhor (especialmente usado nos Evangelhos para mostrar Sua capacidade de perceber o íntimo das pessoas e de investigar o que se passava à Sua volta (Mc 3.5, 34; 5.32; 10.21, 23; 11.11; Lc 22.6135).
15
e os Seus pés [eram] semelhantes a bronze,36 como refinado37 em forno e Sua voz [era] como barulho38 de muitas águas,
Novamente a figura de Dn 10.3 pode ser lembrada; da mesma forma, Ez 1.7 (as quatro criaturas que se manifestaram a Ezequiel) e Ez 1.27 (o próprio Senhor que se manifestou a Ezequiel) e Ez 8.2. O metal lembra força e estabilidade (Dn 2.33,41).39
_________________________________ - em Ez 43.2 a voz de Deus é assim caracterizada. É interessante comparar com 1 Rs 19.12, onde Deus se manifesta numa brisa suave. Em Apo, como na passagem de Ezequiel, a glória surpreendente (e até apavorante) de Deus é enfatizada; Ele mesmo que, noutras ocasiões (como em 1 Rs) se manifesta da forma mais suave.40
16
e tinha41 na Sua mão direita sete estrelas e de Sua boca [estava] saindo uma espada cortante com duplo fio42 e o Seu aspecto exterior43 como o sol brilha no seu poder.
Sobre a simbologia das "sete estrelas", ver v. 20 (abaixo). "Para a mente semítica as estrelas do céu estavam na mão de Deus (cf. Jó 38.31s; Is 40.12) e cairiam (Mc 13.25; Ap 6.13) se o suporte fosse retirado".44
ek tou stomatos autou romfaia distomos oxeia ekporeuomenh - a imagem da espada é usada em Ef 6.17 e Hb 4.12 em referência àPalavra de Deus. em Isaías 49.2, o Servo diz que Deus fez a sua boca como uma espada aguda. Em Ap 19.15 aparece na descrição de Jesus como o "Verbo de Deus" vitorioso. A figura da espada, pois, enfatiza a luta e a vitória contra o mal (ver Ap 2.16; 19.15,21). Há um paralelo interessante no livro apócrifo "Sabedoria", no cap. 18, vers. 14 a 16: "Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite mediava o seu rápido percurso, tua Palavra onipotente lançou-se, guerreiro inexorável, do trono real dos céus para o meio de uma terra de extermínio. Trazendo a espada afiada de tua ordem irrevogável, deteve-se e encheu de morte o universo: de um lado tocava o céu, de outro pisava a terra" (numa referência à morte dos primogênitos egípcios, que aqui se torna obra da Palavra de Deus).45 Obs.: Romfaia era um tipo de espada longa, a ser manejada com duas mãos.
oyis autou ws o hlios fainei en th duvamei autou - se o João do Apocalipse é realmente o apóstolo João, ele certamente deve ter lembrado neste momento da aparência de Jesus na Transfiguração (Mt 17.2), que antecipou Sua aparição em glória. Também pode-se recordar de Ml 4.2 ("o sol da justiça" que nascerá).
Assim, pode-se notar que a descrição deste que fala a João tem todos os elementos derivados de figuras usadas no Antigo Testamento, e que combinam bem com a descrição e características de Jesus nos Evangelhos, ainda que enfatizando Sua glória e majestade e Seu caráter de Juiz.
17
E quando o vi, caí aos Seus pés como morto, e Ele colocou a Sua [mão] direita sobre mim, dizendo: Não temas! Eu sou o primeiro e o último,
A imagem que se tem não é de João atirando-se diante dele, mas realmente caindo como consequência da visão.46 Foi algo espontâneo, como que em resultado de um poderoso choque vindo do Senhor glorificado. É a reação típica do profeta que se encontra com a manifestação espetacular de Deus - Ez 1.28; Dn 8.18.
A cena tem mais esta semelhança com o episódio da Transfiguração de Jesus, inclusive com o tocar de Jesus em Seus discípulos (Mt 17.6,7). "A mesma mão que sustenta a natureza e as igrejas ao mesmo tempo acorda e levanta as vidas individuais".47
mh fobou. Egw eimi - A primeira parte da frase poderia ser traduzida: "Não continues a ter medo" - Imperativo presente (ou, conforme Voelz, ação conectada ao sujeito). Palavras como estas eram por demais conhecidas aos ouvidos de um apóstolo, que andara por três anos com o Senhor (Mt 14.27). O "Eu sou" é particularmente importante, ao lembrarmos que no Evangelho, João cita várias ocasiões onde Jesus se apresentou com esta frase inicial (6.48 - o Pão da vida; 8.12 - a Luz do mundo; 10.9 - a Porta; 10.11 - o Bom Pastor; 11.25 - a Ressurreição e a Vida"; etc.).
O prwtos kai o escatos - Deus assim se apresenta em Is 44.6 e 48.12. João dá este atributo do Pai ao Filho, mostrando que sua Cristologia não permite ver Jesus à parte de Sua divindade (ao mesmo tempo, de Sua humanidade).
18
e [sou] o que vive e estive morto e eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno.
Aqui a identificação com o Jesus dos Evangelhos fica evidente. Ele é o mesmo que morreu e ressuscitou. É Aquele com quem João andara por três anos e contemplara em Sua glória (Jo 1.14; 2.11); é o mesmo ao lado do qual João estivera reclinado na última ceia (Jo 13.23,25). Que emoção especial João deve ter sentido ao ver, depois de aproximadamente 60 anos o mesmo Senhor, ressurreto e glorioso, com uma aparência temível, mas falando palavras de consolo!
o zwn - é outro título de Deus no Antigo Testamento: Js 3.10; Sl 42.2; 84.2; Os 1.10. O mesmo João, no Evangelho, mostra que Jesus é, como o Pai, Aquele que vive, e tem esta vida em conexão com o Pai - Jo 5.26. Também é tipicamente Joanina a diferença entre o "tornar-se" e o "ser" em Jesus (Jo 1.1,14; 8.58).48
exw tas kleis tou qanatou kai tou adou - "Morte" e "inferno" aparecem novamente juntos em 6.8 e 20.13s. Ter as chaves significa ter autoridade (Jo 5.26-28) sobre o domínio destes locais.49 Também significa que Ele é quem tem a autoridade de abrir e fechar a entrada à morte e ao inferno.
19
Escreve, pois, as coisas que viste50 e as coisas que são e as coisas que devem51 acontecer depois destas.
Com o uso de oun há uma volta ao que foi dito no v. 11, agora tendo João já presenciado e tomar conhecimento de quem lhe está ordenando escrever.
a eides - isto é, a visão de Jesus Cristo glorificado.
a eisin - aquilo que está acontecendo (por vezes, de forma não perceptível aos olhos humanos) na Igreja e no mundo.
a mellei genesqai meta tauta - a revelação das coisas futuras, especialmente a vitória do Cordeiro sobre as forças do mal.
20
O mistério das sete estrelas que viste sobre a minha mão direita e dos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são anjos (mensageiros) das sete igrejas e os sete candelabros são as sete igrejas.
musterion - cf. Mc 4.11, onde os mistérios do reino são revelados por Jesus aos seus discípulos, mas não aos "de fora". Como Jesus revelara a seus discípulos o que era necessário para que eles pudessem não só desfrutar, mas proclamar o reino, assim Jesus agora o faz com João ... e também conosco. É preciso que valorizemos o fato de que na Sua Revelação Jesus coloca a nós como recipientes dos Seus mistérios, a fim de que nós, desfrutando das bênçãos de Seu Reino, sejam também ptos a proclamar Sua verdade.
Aqui "mistério" significa especificamente o referente da visão simbólica.
aggeloi - pode ser traduzido tanto por "anjos", como por "mensageiros" (Mt 11.10; Lc 7.24; 9.52; Tg 2.25). A maneira como traduzimos aqui influenciará nosso entendimento do endereçamento das cartas às sete igrejas. Se traduzimos como "mensageiros" pode referir-a a pessoas enviadas por aquelas igrejas para Patmos e de lá voltando com o texto do Apocalipse,52 ou aos pastores daquelas Igrejas, que deveriam receber a correspondência e cuidar em que fosse lida diante da Congregação (1.3). A tradução "anjos" não deve ser totalmente descartada a priori, visto que há textos na Escritura onde se fala de algum tipo de "anjo protetor" (Dn 10.13; 12.1; Mt 18.10; At 12.15). Outra explicação é que o "anjo" da igreja seja, na verdade, uma maneira de designar o "espírito" prevalecente na igreja, ou seja, seria uma referência àigreja em si.53
A identificação dos candelabros (lâmpadas) com as sete igrejas serve para enfatizar a mensagem de que Jesus está no meio das Suas igrejas (ou. da Sua Igreja). Entre elas Ele anda livremente, cumprindo Suas promessas feitas especificamente à Igreja (Mt 18.20) e ao Ministros desta Igreja (Mt 28.20). Outra idéia presente no candelabro é que a Igreja é luz para o mundo (Mt 5.14).
1Swete, 1.
2Swete, 1.
4Swete, 2.
5Deu testemunho.
6Swete, 3.
7Swete, 3.
8Swete, 3.
9Swete, 3.
10Cf. anotações do Prof. Paulo Flor.
12Swete, 4.
13Como vários pais argumentaram - cf. Swete, 4.
14Swete, 5,6.
15Swete, 6.
16Swete, 7.
17Swete, 7.
18Partc. Aor. A leitura variante traz loysanti, do verbo louw, lavar, banhar (referindo-se muitas vezes à purificação ritual antes dos sacrifícios e de entrar no Templo).
19Swete explica a diferença entre o Presente e o Aoristo neste caso como um "contraste entre o permanente agape e o ato completo da redenção" (7).
20ekkentew - atravessar, perfurar, traspassar. Só usado neste texto e em João 19.37 (citação de Zc 12.10), numa referência à morte de Cristo na cruz.
21Swete, 11.
22pressão, opressão, aflição. Angústia e sofrimento causados por circunstâncias externas (normalmente perseguição).
23BAGD, 846.
24Swete, 12.
27Aoristo imperativo - parece denotar um "escreve já", à medida em que a revelação é recebida.
28Mounce, 76.
29ou: com um talar.
31cf. Swete, 15.
32Donald Guthrie mostra que Jesus usou este título para falar tanto do Seu ministério terreno, como de Seu sofrimento e morte e posterior exaltação. Tomando por base Dn 7, que une sofrimento e glória, Guthrie propõe que Jesus usou este título como uma declaração de Sua messianidade. Ele preferiu este título a "Messias", pois este último traria consigo conotações políticas, que Ele quis evitar (New Testament Theology, 278-281).
33Swete, 16.
34Swete, 16.
35Esta com uma particular importância: o olhar de Jesus a Pedro, quando este o negava; e que o levou a sair dali, em choro de arrependimento.
36Há uma dificuldade na tradução desta palavra, visto aparecer apenas aqui e em Ap 2.18. A versão Siríaca traduz como um metal do Líbano e as latinas, como uma liga de ouro, uma mistura de metais.
37lit.: aquecido até o ponto de brilhar.
38lit.: voz.
39Swete, 17.
40Swete, 18.
41lit.: tendo (Particípio Presente ativo).
42"de dois gumes", Hb 4.12.
43aparência, face.
44Swete, 18.
45Bíblia de Jerusalém, 1236.
47Swete, 19.
48Swete, 20.
49Swete, 21.
51Usado com o Aoristo infinitivo para designar algo que: está para acontecer; acontecerá inevitavelmente; está no propósito para ocorrer; necessariamente acontecerá em razão de um decreto divino (como neste caso). BAGD, 500,501.
52Swete, 22.
53Swete, 22.
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