A. Contexto Litúrgico
Sl 50.1-6; 2 Rs 2.1-12c; 2 Co 3.12-4.2; Mc 9.2-9
I. A congregação como parte e ponte na história da igreja (chronos e kairos)
O relato da transfiguração só foi relatado após a ressurreição de Cristo, pois até lá Jesus ordenara que eles guardassem segredo (Mc 9.9). Portanto, se Cristo não tivesse ressuscitado, não teríamos este relato. Mas nós o temos! E este se tornou mais um testemunho de que Cristo de fato ressuscitou!
Porém, antes mesmo de ressuscitar, os discípulos já tiveram a oportunidade de contemplarem um Cristo coberto de glória, glória que pôde ser claramente vista por três discípulos. A face de Cristo não teve de ser coberta como a face de Moisés teve que ser coberta para que não ofuscasse os olhos das pessoas. Aliás, os discípulos até viram Moisés, e juntamente Elias, mas quem brilha não é Moisés, e tampouco Elias, mas Cristo, que está no meio dos dois.
Além de verem a glória de Cristo, os discípulos ouviram um testemunho do próprio Pai: “Este é o meu Filho amado; a ele ouvi.” (v.7).
Tamanha foi a impressão dos discípulos que um deles, Pedro, sugeriu que ali se fizessem tendas, uma para Cristo, outra para Moisés, e outra para Elias. O pedido de Pedro não foi atendido. Não só não foi atendido como toda aquela glória desapareceu diante de seus olhos. Jesus estava novamente em sua aparência normal para eles e já não estavam ao seu lado nem Moisés nem Elias.
Aumenta o nosso problema se a visão dos judeus sobre o véu colocado sobre Moisés é como a que Paulo expôs na segunda carta aos Coríntios. Aí ele nos mostra que o motivo de se colocar o véu na face de Moisés devia-se ao fato de a glória em seu rosto manifesta ser passageira, a qual não deveria ser vista pelos filhos de Israel. De repente vemos também Cristo glorificado, não apenas seu rosto, mas até mesmo as suas vestes. E sobre ele não foi colocado um véu. Mas os discípulos contemplaram essa glória apenas por um momento, além do momento da ressurreição. Assim, sua glória teria sido escondida como que por um véu? Seria a glória de Cristo passageira?
Quão frustrante não terá sido aos discípulos verem o seu senhor em aparência tão resplandecente, tendo o claro testemunho de que estava ali à frente o próprio Filho de Deus, o próprio Deus! Frustrante não por terem visto a face glorificada de Cristo, mas justamente porque deixaram de ter tal visão. Pedro testemunhou pelos discípulos que eles não queriam deixar aquele lugar, não queriam deixar de contemplar o Cristo glorioso, queriam antes que aquelas três figuras habitassem em tendas. Mas tal pedido sequer foi respondido em palavras, apenas foram embora, permanecendo apenas aquele Jesus de sempre, humano.
Essa dupla visão de Cristo (como verdadeiro Deus e como verdadeiro homem) atravessou a história como que um tesouro em vaso de barro, ameaçado a todo momento. E também hoje a igreja vê um Cristo glorificado. Talvez não seja a glória que nós esperaríamos, mas é assim que Cristo se mostra: num pedaço de pão e num bocado de vinho! Como é desconcertante para a igreja dizer que o seu senhor está num pão e num vinho! E isso é ainda mais desconcertante quando nos é dito que ali está o corpo e o sangue de Cristo derramado por nós!
A igreja celebra o Cristo morto, o Cristo humano, porque este é o Cristo que morreu por nós, para aniquilar o pecado, para levar sobre si as nossas culpas, para tomar as nossas dores sobre si, para ser fiel intercessor diante de Deus, para participar da nossa morte. A igreja celebra o Cristo ressuscitado, o Cristo Deus, porque este é o Cristo que ressuscitou por nós, para nos tornar justos diante de Deus (Rm 4.25), para ressuscitarmos juntos com ele.
A Santa Ceia nos dá a visão de Cristo, pois é o próprio Cristo presente, mas ela não nos priva da morte física. Assim como os discípulos deixaram de ver o Cristo glorificado e tiveram que passar pela morte, assim os cristãos de hoje não vêem constantemente o Cristo glorificado, mas passam pela morte. A glória de Cristo está tanto em ele ser morto como em ele ser ressuscitado, pois é isso que ele se torna o nosso Senhor, o Senhor de tudo o que existe. Ele é o único que pode ser encontrado como digno de tomar o livro da mão direita do Pai, como Apocalipse 5 o descreve; um Cordeiro como que tendo sido morto.
II. As perícopes e sua função no lecionário anual
Essas perícopes referem-se ao Último Domingo Após Epifania, ao dia da Transfiguração. O que é Epifania senão a manifestação do Senhor a todas as pessoas? Não apenas aos judeus, mas a todos! “No tempo da Epifania, somos chamados a glorificar a Deus pela sua obra graciosa de trazer seu reino a este mundo”. Isso é mostrado através de Jesus. Cristo é reconhecido como rei pelos magos do Oriente (Mt 2.1-12). Cristo tem o testemunho de seu Pai como sendo o seu Filho, o qual faz aquilo que lhe agrada (Lc 3.15-17, 21-22). Os seus “sinais” são prova de sua identidade aos discípulos (Jo 2.1-11). O próprio Cristo dá testemunho de si mesmo (Lc 4.14-21). Ao fim de todas essas leituras sobre a manifestação de Cristo escutamos a ordem do Pai: “a ele ouvi”.
A igreja não está perdida, abandonada, ela tem um senhor que a comprou com o seu próprio sangue. E o reino desse senhor não ficou perdido lá no passado. Ele está presente no meio da sua igreja, a qual é percebida na Palavra e nos Sacramentos. Em todos os momentos de dificuldade pelas quais a igreja passa permanece o imperativo: “a ele ouvi”, mas não com uma conotação negativa, mas como a ordem mais perfeita para atentarmos para quem tem as palavras da vida eterna, contra a nossa auto-suficiência.
Lembrar de 2 Co 4.4.18
III. Os textos
Sl 50.1-6; 2 Rs 2.1-12c; 2 Co 3.12-4.2; Mc 9.2-9
a. Idéia central
Sl 50.1-6 à Deus chama toda a terra o dia inteiro para julgar o seu povo, pois ele mesmo é o Juiz, cuja retidão é anunciada pelos céus;
2 Rs 2.1-12c à Deus busca Elias estando ele em atividade é levados aos céus diante de Eliseu;
2 Co 3.12-4.2 à O Senhor tira o véu dos que a ele se convertem para contemplarem a sua glória, sendo estes transformados na sua própria imagem, motivo pelo qual não desfalecem e porque rejeitam as coisas ocultas;
Mc 9.2-9 à Jesus aparece com toda a sua glória a três de seus discípulos por algum tempo.
b.

Idéias comuns

Sl – Deus chama toda a terra, não guarda silêncio, perante ele arde um fogo devorador, ao seu redor esbraveja grande tormenta, intima os céus e a terra, os céus anunciam a sua justiça;
2 Rs – Deus abre o Jordão e manda uma carruagem de fogo para buscar Elias à vista de Eliseu;
2 Co – o Senhor tira o véu de nosso coração para vermos a sua glória. Nós vemos a glória do Senhor como por espelho (ARA);
Mc – Jesus foi transfigurado, as suas vestes tornaram-se mais brancas do que qualquer roupa, Moisés e Elias estavam do lado de Jesus e conversavam com ele. Deus deu testemunho de Jesus dizendo que este era o seu filho amado, e ordenou que a ele ouvissem.



Sl – Deus fala e chama a terra. Deus resplandece desde Sião. Deus vem e não guarda silêncio. Deus intima os céus e a terra. Deus manda congregar os seus santos. O próprio Deus é quem julga;
2 Rs – Deus envia uma carruagem de fogo para vir buscar o seu servo Elias;
2 Co – Cristo remove o véu que há sobre os corações, quando é lida a lei. Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. Deus nos mostra a sua glória. Isso impede o nosso desfalecimento e permite a nossa rejeição às coisas ocultas;
Mc – A transfiguração aconteceu diante de Pedro, Tiago e João.
c. Objetivo geral


Mostrar o domínio de Deus sobre toda a terra e céu e o seu interesse por eles;


Confirmar a sucessão profética de Elias para Eliseu;
Mostrar que mesmo sendo Eliseu privado de seu mestre, Deus continuaria com ele.


Convencer-nos de que sem Cristo a lei permanece com um véu, não sendo vista a grande glória de Deus;
Mostrar que o mais importante não é o que desvanece, mas o que permanece para sempre.
Mostrar que esse véu pode ser retirado apenas pelo Senhor, no qual há liberdade.
Mostrar que somos transformados na mesma imagem gloriosa do Senhor;
Mostrar que a nossa vida e a rejeição das coisas ruins deve-se ao fato de vermos a glória de Deus.


Mostrar que Jesus é o Filho de Deus;
Convencer os discípulos de que Jesus deveria ser ouvido;
Mostrar que Jesus está entre Moisés e Elias.
B. Opção por um dos textos para proclamação do Evangelho
Mc 9.2-9
I. Contexto bíblico do texto
a. A narrativa
Antes de ser transfigurado Jesus mostrara a muitas pessoas o seu poder. Isso ele fez, por exemplo, quando multiplicou 5 pães e dois peixinhos de modo a alimentar 5 mil homens, quando multiplicou 7 pães e alguns peixinhos para 4 mil homens. Não apenas isso, mas Jesus também andou por sobre o mar, curou diversas pessoas que simplesmente tocavam as suas vestes, curou a filha endemoninhada de uma mulher siro-fenícia, fez um surdo e gago ouvir e falar claramente, e deu vistas a um cego.
Ainda que pareçam algo rotineiro na vida de Jesus, tais curas não aconteceram num ambiente de plena credulidade das pessoas ou de completa paz. Antes da primeira multiplicação de pães e peixes havia acontecido a morte de João Batista. Jesus havia convidado os discípulos para irem a um lugar deserto para descansarem, pois eles nem mesmo podiam comer de tanta gente que vinha até eles. De repente, quando Jesus e seus discípulos chegam ao lugar deserto, eles deparam-se com uma multidão. Diante da situação, qualquer um ficaria irritado. Mas Jesus vê de uma forma diferente, ele se compadece e ensina a multidão até o fim da tarde. Mas logo surge o problema: como alimentar aquela multidão? Jesus que deixar ao encargo dos discípulos a alimentação da multidão, mas eles reconheceram que com cinco pães e dois peixinhos isso seria impossível. O que eles poderiam fazer? Foram salvos por Jesus, que multiplicou os pães e peixes.
Logo após esse acontecimento, Jesus vai até os seus discípulos andando por sobre as águas. Isso causa espanto aos discípulos, acham que o que estava indo até eles era um fantasma. Mas era Cristo, que estava indo em auxílio deles, pois tinham dificuldade em remar num mar que estava com o vento contrário.
Jesus havia se tornado como que um símbolo de cura, onde quer que ele estivesse, eram-lhe trazidos enfermos para que fossem curados. Mas, de repente, quando uma mulher roga por sua filha que estava endemoninhada, ouvimos surpresos da boca de Jesus: “Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. Essa frase parece um tanto que forte para uma mulher, ainda que estrangeira. Mais surpresos ficamos, então, ao vermos que a mulher aceita o título a ela conferido por Jesus e aceita comer as migalhas, aceita qualquer coisa que vier de Cristo. Assim, Jesus parece ter escondido a sua graça, ter ocultado por um momento a sua glória. Mas ele logo a revela atendendo o pedido da mulher.
Os sinais de Jesus muitas vezes não eram compreendidos pelas pessoas. O relato da multiplicação dos pães e peixes relatado em João nos deixa isso claro, pois aí se nos diz que as pessoas estavam em busca de Jesus para fartarem-se de pão. Também em Marcos isso transparece. Vemos na voz dos próprios discípulos que, não conseguindo entender o poder de Jesus, os sinais de sua divindade (Mc 8.14-21). Os fariseus também quiseram ver algum outro sinal para acreditarem em Jesus (Mc 8.11-13).
Mas não foi apenas a divindade de Jesus incompreendida, sua humanidade também não foi. Um pouco depois de Pedro confessar com todas as letras que Jesus era o Cristo (Mc 8.29), o mesmo Pedro repreendeu Jesus por ele dizer que deveria sofrer, ser rejeitado morrer, ser morto e finalmente ressuscitar.
Depois de tudo isso acontecer, Jesus toma consigo três discípulos, apenas três; Pedro, Tiago e João. Levou-os para um alto monte e lá ele foi transfigurado na frente deles. Jesus apareceu em toda a sua glória sem estar coberto por um véu, como Moisés foi coberto. E o que resplandecia em Cristo não era apenas o seu rosto, mas até mesmo as suas vestes, num tom de branco que nenhum lavadeiro consegue deixar.
Admirado com tudo o que via Pedro não queria mais sair dali. Propôs fazerem-se três tendas, uma para Jesus, outra para Moisés e outra para Elias. Mas isso revelou novamente sua falta de compreensão. Jesus estava glorificado, mas ele ainda não havia passado pela morte. O propósito de Deus ainda não estava cumprido. Então vêm a voz do Pai dando testemunho do Filho. Este era o seu Filho querido e amado. Então o Pai diz que a ele ouvissem, que não fizessem como Pedro fez, repreendendo-o, mas que soubessem que Cristo era um ser humano e que passaria pela morte, assim como todos os discípulos e todas as pessoas. Mas que, da mesma forma, ressuscitaria.
b. Problema
Porque Elias e Moisés apareceram ao lado de Jesus?
Por que Jesus não permaneceu glorificado?
Porque o pedido de Pedro não foi atendido?
II. O texto
a. Verbos (ação)
Ø “avkou,ete” imperativo presente ativo 2ª pessoa do plural. = ouvi
b. Ação principal.
Jesus Cristo é transfigurado e o Pai diz ele ser Filho amado e ordena que o ouvissem
c. Tema a ser trabalhado
Morte
Biografia do Morto
Morava, Em Porto Alegre , uma senhora chamada Adelaide Fischer. Não se tratava de uma senhora alta, mas não seria baixa também caso sua coluna já não estivesse tão encurvada. Seus cabelos já eram brancos, fruto dos seus sessenta anos de vida. Mas não foram apenas cabelos brancos que a sua idade produziu. Arlindo Fischer era um homem que já quase alcançava os quarenta anos. Era um homem estudado, gerente de um supermercado da rede BIG. Suas duas filhas gêmeas eram para ele suas pérolas. Seu pequenino, um futuro jogador de futebol. Margaretha Fischer era uma senhorita que embarcara havia pouco tempo nos trinta anos, mas já tinha um casal de filhos, que lhe eram de extremo valor. Essas duas novas famílias eram os frutos da respeitosa Adelaide.
Seus filhos e seus netos eram, para ela, grandes preciosidades. Mal podia ela esperar pelos domingos, quando então se reunia a família toda, e podia abraçar os seus dois filhos e seus pequeninos netos. Quisera ela que nunca se acabasse aquele dia. Mas a noite chegava muito rápido e logo estava ela novamente só em sua humilde casa do bairro Guajuviras.
Durante a semana, ela permanecia a maior parte do tempo só. Cuidava de sua casa e de seus afazeres diários. Seus momentos de solidão eram quebrados geralmente no início de cada tarde. É que ao lado de sua casa havia um mercado. E como era um mercado pequeno ele fechava ao meio dia e só reabria às duas da tarde. As pessoas que precisavam fazer alguma compra sempre chegavam um pouquinho antes de o mercado abrir. Não tinha árvore, nem bancos, nem alguma marquise para que as pessoas pudessem se refugiar e se proteger do calor escaldante das tardes de Porto Alegre ou mesmo do gelo que eram as ruas no inverno.
No entanto, havia uma casa simples. Já estava batida pelo tempo. A madeira já estava envelhecida, o quintal não era muito belo, mas bem arrumado. Em muitas partes da grade da casa havia sinais de ferrugem. Apesar de tudo isso, a casa tinha um ar convidativo. A começar pelo portão, que estava sempre aberto.
Quando um dia fui eu no mercado, vi uma pessoa entrando naquela casa. Essa mesma pessoa também me convidara para entrar ali. Eu tinha vergonha, pois, mesmo que eu conhecesse a Adelaide, a dona da casa, não me sentia no direito de entrar ali assim. Mas cedi ao convite.
Pensei comigo que seria repreendido. Uma senhora de idade, iria sentir ter o seu espaço invadido. Mas tendo-a avistado, a reação dela foi bem diferente da que eu esperava. Recebeu tanto a mim quanto à outra pessoa tão bem que cheguei a ter vergonha do que antes havia pensado sobre ela.
Ela não estava querendo questionar o porquê de termos entrado na casa dela, ainda que sem pedir antes. Ela mostrava um sorriso tão bonito por ver que pessoas estavam ali na sua casa que só podia concluir que ela estava tremendamente feliz. Sem contar que sempre nos dava atenção. Sentava junto conosco e conversava até irmos embora. Às vezes era tirada de seu almoço. Mas ela pouco se importava com isso. Ela estava feliz porque não estava sozinha. Assim muitas vezes essa cena se repetiu.
Numa de nossas conversas, ela me revelou o medo que tinha de ficar sozinha. Disse-me que esse sentimento veio-lhe forte quando sentiu o seu nariz trancar. Não conseguia respirar! Contou-me simplesmente ter pensado: “Deus, faz de mim o que quiseres!” E se jogou na cama. Ela não tinha ninguém mais consigo para a amparar. Seu marido, já era morto. Mas aquilo passou, seu nariz destrancou e ela conseguiu respirar.
O trancamento do nariz passou, mas não o susto. Depois do acontecido ela começou a fazer algo que nunca fazia. Quando anunciava que teria que deixá-la, ela pedia para que ficasse um pouco mais com ela, pois queria conversar um pouco mais. Ela me dizia como se sentia feliz por ver os seus filhos tendo sucesso na vida. Às vezes faltavam-lhe as palavras para dizer o quanto lhe era prazeroso ver os seus filhos crescerem. Ela não conseguia se conter; sempre que ia até a sua casa, fazia questão de me dizer isso.
Mas não era só isso o que ela dizia. Ela dizia que tinha medo de perder isso tudo. Cada vez mais ela queria ter os seus filhos e netos em sua casa. Não foi à toa que ela começou a ligar mais frequentemente para eles pedindo por sua visita, o que era dificilmente atendido. Ela contentava-se, então, em conversar pelo telefone. Até mesmo brincadeiras ela fazia pelo telefone. Falava às vezes mais baixo, ou tentava mudar a voz, como se estivesse passando um trote. Isso, porém, lhe custava algumas repreensões por parte de seus filhos. Ela me dizia que só não queria estar sozinha. Tinha medo de que algo lhe acontecesse quando não fosse domingo e nem o início da tarde.
Havia conversado algumas vezes com os seus filhos. Arlindo já me havia dito estar preocupado com a sua mãe. Não agüentava mais ser cobrado para atender a uma visita. Ele tinha tantas coisas a fazer, tinha que trabalhar para sustentar a sua família. Contou-me que o supermercado em que trabalhava estava passando por muitas dificuldades e precisavam reformulara algumas coisas. Isso significava o investimento de muito tempo em intermináveis reuniões de planejamento. Dizia sentir-se mal por não conseguir atender ao pedido de sua mãe, mas não conseguia juntar forças e nem mesmo dedicar um tempo para ir visitá-la em outro dia além do domingo. O caso de Margaretha não era diferente. Ela trabalhava como arquiteta e tinha um prazo determinado para terminar um projeto grande. Mas sua preocupação não era muito diferente. Achava que sua mãe já estava ficando louca por ficar ligando para fazer brincadeiras. Queria ela estar perto de sua mãe mais vezes, mas não conseguia ter um tempo além do domingo.
Certo dia, aconteceu que Adelaide teve novamente aquele mesmo entupimento no nariz. Isso aconteceu na manhã de uma segunda-feira. Agora, porém, a intensidade foi maior. Deu-lhe a sorte, no entanto de estar ao lado do telefone. Ela logo o pegou e ligou para o seu filho, Arlindo. Quem atendeu foi o seu netinho. Ele achou que sua avó estava brincando com ele, mudando a sua voz. Mas o motivo de estar com a voz diferente, era que já estava sem ar, tanto que nem conseguia dizer direito o que queria. Não ouvindo mais nada, o netinho desligou o telefone e foi comentar para a sua mãe, que estava em casa, que sua avó havia ligado para brincar com ele.
Ninguém estranhou o acontecido. Mas aquela não foi uma ligação qualquer. Ela ligou tentando salvar a sua vida. Ao contrário do que aconteceu na primeira vez, seu nariz não deixou de estar entupido. Sua respiração não voltou. Não pôde mais respirar, nunca mais.