Universidade Luterana do Brasil
Princípios de Interpretação Bíblica - Prof°: Vilson Scholz
Estudo Exegético Is 53.10-12
Nome: Rômulo Santos Souza
Junho 2007
INTRODUÇÃO
Este estudo exegético dará enfoque para o texto de Isaías 53.10-12, onde temos o final da profecia sobre o sofrimento vicário do Servo do Senhor. Para tanto, utilizaremos alguns recursos em busca da melhor compreensão possível desse texto que é de grande importância para o texto bíblico como um todo.
Em um primeiro momento nos concentraremos no contexto histórico e literário, para que possamos entender em que tempo Isaías escreveu e para quem foi dirigida tal profecia. Posteriormente estudaremos a polaridade lei-evangelho e o estudo de alguns elementos do texto como a pragmática. Por fim, lidaremos com algumas palavras e frases de destaque e no final veremos uma aplicação concernente com os resultados obtidos do estudo.
Com todos esses elementos a serem estudados, esperamos que o estudo seja de grande proveito para um entendimento que não vá além daquele que Deus nos quer passar, para que não nos desviemos da sua palavra. Assim, vislumbraremos o poder que a palavra de Deus tem, sem que seja necessário qualquer tipo de intervenção e divagação humana.
CONTEXTO HISTÓRICO
Quando nos deparamos com um livro profético, se faz necessário analisarmos a época em que o profeta viveu e profetizou como também, a época da qual sua profecia estava se dirigindo, quando foi pronunciada. Para tanto veremos então no contexto histórico o período vivido por Isaías, e no contexto literal a que tempo a profecia contida em Is 53.10-12 se projetaria.
Isaías é um dos quatro profetas, chamado de maiores, devido ao conteúdo extenso dos seus livros. Mais do que qualquer outro escritor do AT, ele se utilizou de um vocabulário variado com mais de 2.200 palavras hebraicas diferentes. O nome Isaías significa “O Senhor da Salvação”, nome bem propício a um dos maiores profetas que já viveu e proclamou a salvação do Senhor.
Sabe-se que o profeta Isaías começou seu ofício profético após a morte do rei Uzias, por volta de 740 a .C e que ele ainda vivia em 701 a .C quando os assírios invadiram o reino de Judá. Portanto Isaías profetizou aproximadamente por 40 anos, em um período de decadência do reino de Judá.
Muitos profetas como Isaías, foram chamados por Deus, devido aos transtornos políticos, militares, econômicos e sociais; ao nível enorme de infidelidade religiosa e de desrespeito para com a aliança mosaica original e mudanças das populações e das fronteiras nacionais. Tudo isso ocorria na época de Isaías, e em meio a tantos problemas ele denuncia os pecados do povo e o iminente destino trágico, caso persistissem no erro.
Uma questão importante, da qual não podemos deixar de abordar é, a situação que o povo israelita se encontrava na 2ª divisão do livro Isaías, isto é, Isaías 40-55. O que é de conhecimento dos estudiosos bíblicos é de que essa parte do livro é conhecida como “O livro da consolação de Israel”, pois, trata da realidade do cativeiro do povo de Judá na Babilônia.
Logo, notamos que a situação é totalmente diferente do início do livro, ou seja, Isaías 1-39, onde o povo vivia na iminência da avalanche assíria, que crescia em seu poderio militar. Eles se encontravam sob poder babilônico, o povo e os tesouros, e tudo havia sido levado para a Babilônia.
Interessante é que o povo só foi levado ao cativeiro babilônico cem anos após o período de atuação de Isaías, ou seja, Isaías não vivia mais quando os israelitas estavam no cativeiro babilônico. E é nesse contexto que as mensagens deste livro se dirigem, isto é, um povo que tinha perdido a liberdade e estava sofrendo opressão dos babilônios.
Pois bem, muitos inclusive estavam perdendo a fé, a coragem e a promessa da libertação de Deus e da grande nação prometida a Abraão estava em xeque. Mas Isaías dá grande ânimo e fôlego para os israelitas, afirmando que Jerusalém e o Templo seriam reconstruídos, fatos inclusive muitos vezes descritos como sendo algo já presente, sendo redigido como se já houvesse ocorrido. Além da reconstrução do templo e de Israel, Isaías também profetiza que o servo do Senhor sofreria para que houvesse remissão dos pecados do povo, e é exatamente sobre esta profecia que iremos refletir.
Portanto, é em meio a essa confusão de tempos, cativeiro e profecias que a perícope se encontra. Assim, ela tem um papel duplo, pois, além de animar os israelitas oprimidos na babilônia, vislumbra um tempo que viria se cumprir aproximadamente seis séculos depois, e que não só viria se refletir sobre o povo hebreu, como também sobre toda humanidade constituindo um marco na história do mundo e sobre os tempos que ainda hão de vir. E é exatamente sobre o tempo da profecia de Isaías em 53.10-12 que nos debruçaremos no item seguinte.
CONTEXTO TEXTUAL
Como não poderia deixar de ser, o livro de Isaías foi muito estudado e objeto de constantes divisões que tentam explicar o enfoque de suas mensagens e profecia. Há quem divida ele em duas partes: cap. 1-39 e 40-66. Como também quem divida em três: 1-39; 40-55 e 56-66. Neste estudo nos concentraremos na perícope de Is 53.10-12 à luz da divisão em três partes.
Dentro dessa divisão, os estudiosos propõem outra segmentação em 40-55, a fim de explicarem melhor o livro de Isaías. Os capítulos 40-49.13 seriam a 1ª divisão, seguido de 49.14-55.13. Como nos interessa o cap. 53, podemos dizer que os temas principais concernentes a esta divisão são: 1) a reconstrução e glorificação de Jerusalém e 2) O Servo do Senhor. E é sobre o último que nossa perícope trata.
Após essas divisões, podemos entender agora do que a perícope nos fala, resta-nos a questão sobre a época à qual ela se dirige. Mas antes devemos enquadrá-la dentro do oráculo da qual pertence. Nesse sentido tanto a Almeida Revista e Atualizada (ARA), quanto à Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) são unânimes e dividem a partir do versículo 13 do capítulo 52 até o final do capítulo 53.
Na NTLH o título é “o sofrimento e a vitória do Servo de Deus” e na ARA “O sofrimento vicário do servo do Senhor”. Finalmente após todas essas divisões fica mais fácil chegarmos ao conhecimento de que tal perícope se refere a Jesus Cristo, e seu sofrimento e vitória para nos salvar.
Assim, já podemos saber que a profecia contida na perícope da qual estamos estudando se refere a Jesus Cristo, e seu sofrimento como servo de Deus. Tal perícope é constantemente retomada no Novo Testamento a fim de explicitar a profecia a respeito do sofrimento de Cristo e seu cumprimento do Novo Testamento.
POLARIDADE LEI-EVANGELHO
A Polaridade Lei-Evangelho é de um prognóstico um tanto complexo. Claro que estamos lidando com o mais puro Evangelho do Antigo Testamento. Estamos tratando da expiação de nossos pecados através do sofrimento vicário de Jesus Cristo na cruz.
Mas não há como deixarmos de sentir uma comichão por dentro, aquele tipo de sentimento que insiste em aparecer. Afinal de contas, o sofrimento de Cristo na cruz do ponto de vista humano traz um sentimento de derrota. A morte de Cristo sob o meio mais drástico e humilhante aos criminosos da época ainda causa escândalo nos dias atuais.
A rigor, é totalmente ilógica uma decisão judicial que absolva o réu culpado, através do cumprimento de pena de alguém inocente. Mas, não é isso que Deus faz? Se analisarmos melhor a situação, veremos que somos totalmente culpados por nossas transgressões e merecemos a condenação eterna de Deus. Entretanto, o amor de Deus é tão grande que ele sacrifica o seu filho para nos santificar.
Muitas vezes as pessoas tentam mesmo achar culpados pela crucificação de Cristo, como no filme “Paixão de Cristo” dirigido por Mel Gibson que foi duramente rebatido pelos judeus, que até hoje não aceitam serem chamados de culpados. Contudo, o que as pessoas ainda não perceberam é que ele morreu por todos e salvou todos.
Por isso, devemos ver o sofrimento horrendo de Cristo como um fato totalmente positivo para toda humanidade e como algo que não poderia deixar de acontecer. O sofrimento vicário consiste na substituição da condenação, já que ao invés de nós sofrermos, Cristo sofreu por nós, dessa forma não há mais o que discutir, tal perícope relata o mais puro evangelho, a expiação de nossos pecados pelo sofrimento vicário de Cristo.
Portanto, em meio a um tempo difícil que os israelitas viviam, a profecia cai como uma luva para o alívio e a retomada de esperança em dias melhores. Assim, como ela foi confortadora para os israelitas que viviam sob cativeiro babilônico, a morte e ressurreição de Cristo, que não é mais profecia, mas realidade, nos convida a olharmos para um tempo em que não seremos mais escravos do pecado, viveremos na mais perfeita paz e liberdade com Cristo Jesus, que pagou a nossa culpa com seu precioso sangue.
ELEMENTOS DO TEXTO
Para conseguirmos captar da melhor forma o texto que estamos estudando é de grande auxílio o estudo dos elementos que compõem um texto, como: a pragmática, semântica, sintaxe, a morfologia e a fonética. O elemento que geralmente os escritores pensam primeiro é aquele referente ao objetivo que ele deseja alcançar, elemento este chamado de pragmática. Como objetivo da perícope, podemos entender que ele queria animar os israelitas cativos, prometendo alguém que pagaria por seus pecados.
Já a semântica constitui o significado ou o sentido das palavras. Sobre este aspecto apenas falaremos de algumas palavras e seus significados, pois, a mesma será mais destacada no capítulo seguinte. Fazendo um paralelo vemos que a ARA no v.10 relata “moê-lo” e a NTLH “maltratá-lo”, todas carregam diferentes traços semânticos, mas não deixa de trata-se de um sinônimo utilizado para enfatizar a pragmática, ou seja, a maneira que Jesus pagaria pelos pecados cometidos.
Outro elemento importante de um texto é a sintaxe, que é a maneira como os diferentes termos se relacionam dentro do texto, pois, é necessário evitarmos uma fragmentação do texto. Como conseqüência podemos ver na perícope um pequeno esboço, versículo por versículo. No versículo 10 nos deparamos com o sacrifício de Cristo como plano de Deus; no v. 11 que o servo não tem pecado, mas sofreu o castigo que todos mereciam, já no v. 12 observamos que ele receberá a recompensa pelo seu sacrifício, ou seja, trata-se de um encadeamento de palavras que começa pelo plano de Deus, passa pelo sofrimento e culmina na salvação de todos.
Por último a morfologia e a fonética que estão estritamente ligadas às palavras em si, pois, a morfologia é o estudo da classificação das palavras e suas estruturas e a fonética é a ciência que estuda os sons da fala. Ambas são de suma importância para formação dos elementos explicitados acima.
Feita as devidas explicações concernentes aos elementos mais relevantes do texto, podemos entrar diretamente nas palavras que merecem destaque. Dessa forma, estaremos estudando elas, como também muito dos elementos que foram relatados aqui, para que os mesmos propiciem um melhor aproveitamento do Estudo.
DESTAQUES
No v. 10 podemos dar destaque a dois momentos. O primeiro se trata do termo “moê-lo” do hebraico “‘AaK.D”; que já foi inclusive explicitado no capítulo anterior desse estudo. O mais terrível sofrimento que Cristo teve de suportar se demonstra em uma vontade de cumprimento do plano de Deus pai, como exposto: “ao Senhor agradou moê-lo”, sacrifício este que não era de um animal como era de costume aos pagãos, mas do próprio filho unigênito de Deus.
O outro destaque que podemos mencionar neste versículo é a frase “Ele verá a sua posteridade e prolongará os seus dias”. Tal bênção é muito utilizada no Antigo Testamento, porém, aquilo ela toma num sentido diferente e elevado, trata-se dos descendentes espirituais, o verdadeiro Israel, ou seja, os cristãos.
No v. 10 damos destaque ao termo “enfermidade”, pois, a sua satisfação só viria depois do sofrimento, mas essa enfermidade não é meramente física, já que o sofrimento atingiria não só o corpo, como também toda a pessoa de Cristo. Aquilo que ele receberá como conseqüência do sofrimento é o prêmio por tanto sofrimento.
Outro destaque é o conhecimento de Jesus que, seria um elemento de seu ofício profético atrelado ao sacerdotal, já que nesta perícope tratamos diretamente do sacrifício de Cristo. O detentor de tão alto conhecimento é chamado de “meu servo” do hebraico “yDIÞb.[;”, o que nos demonstra o conhecimento de Cristo de estar realizando a obra da qual foi encarregado.
Outro destaque a se ressaltar são as palavras “ele será feliz”, ao pé da letra o texto quer dizer “ele verá” do hebraico “harw”( . No texto da LXX transparece “ele verá a luz” do hebraico “rwa harw” , texto que inclusive transparece em um dos manuscritos encontrados na região do Mar Morto no século XX. Assim, podemos dizer que ver a luz é ter alegria, é ser feliz. Interessante também são as palavras “os pecados deles serão perdoados” (NTLH), que em hebraico ao pé da letra está “ele os justificará”, fazendo com que todos sejam aceitos diante de Deus, como explicitado em Rm 5.19.
Por fim, vemos no último versículo às palavras “as iniqüidades deles levará sobre si”. O que nos causa perplexidade e admiração, pois, quem ele salva é justamente quem causa sua execução, ou seja, toda humanidade. Aqui somos movidos a olharmos para o Novo Testamento, onde se encontra “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. E é sobre sua influência no Novo Testamento e a aplicação de tal profecia para nossas vidas que iremos tratar no próximo capítulo.
APLICAÇÃO
Após as devidas observações e entendimento do contexto histórico e literário, podemos finalmente chegar a uma compreensão melhor da perícope de Isaías 53.10-12 e de sua aplicação para nós. Pois bem, para fazer tal aplicação teremos auxílio de alguns textos cruzados, para que tenhamos o realce final desta curta perícope, mas que como já foi explicitado na introdução, tem grande importância para a Bíblia.
No v. 10 “ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados” é a única vez que transparece em um texto do Antigo Testamento, o que denota o tamanho grau de importância dessa profecia. No v. 12 “com os poderosos ele dividirá o que foi pego na guerra”, ou seja, como alguém que derrota inimigos de guerra, Jesus será recompensado. E ainda no v. 10 “verá seus descendentes”, como uma maneira de dizer que ele será restaurado, ou seja, além de ser uma profecia de sofrimento é uma profecia de ressurreição.
Uma excelente maneira de podermos entender uma profecia do Antigo Testamento é ver o seu cumprimento no Novo Testamento, e isso ocorre de maneira direta com esta perícope. Em Is 53.12 vemos que Jesus seria contado com os transgressores, tal profecia pode ser vista como cumprida em Mc 15.28 e também em Lc 22.37, onde ele é crucificado ao lado de dois malfeitores.
Assim, podemos dizer que esta profecia presente em Isaías foi de grande importância para os contemporâneos de Isaías e para os israelitas que estavam no cativeiro babilônico, em uma época que nem sequer Isaías estava vivo. Ela serviu de amparo, de ânimo para um povo que estava sofrendo devido a pecados cometidos anteriormente e a escravidão babilônica.
Mas ela não serviu apenas para os israelitas antes de Cristo, como também para aqueles que foram contemporâneos de Jesus e que aguardavam a vinda do Messias. Além de servir para todos os cristãos, tanto dos dias atuais quanto dos tempos vindouros que aguardam o retorno de Cristo para cumprir o restante de sua obra, pois esta profecia demonstra que aproximadamente 700 anos antes de Cristo vir e sofrer na terra para pagar por nossos pecados, já havia uma profecia. E não só foi profetizado, como cumprido.
Desta forma, podemos ficar tranqüilos do ponto de vista do tempo em que Jesus virá. Ele não disse a hora, nem o dia, mas afirmou que voltaria para buscar os seus. Portanto, podemos esperar com confiança e jubilo o cumprimento do restante da obra de Cristo, ou seja, o seu retorno triunfal em busca das suas ovelhas, para uma vida eterna santificada na presença do Servo do Senhor, que nos purificou de todo mal e nos salvou.
BIBLIOGRAFIA
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SCHOLZ, VILSON. Princípios de Interpretação Bíblica: introdução à hermenêutica com ênfase em gêneros literários. Canoas: Ed. Ulbra, 2006.