Lei e Evangelho
Sob o título “Lei e Evangelho” está uma das principais doutrinas da fé cristã. A distinção entre “Lei e Evangelho” acompanha a doutrina da igreja cristã. A confusão neste sentido pode levar as pessoas ao desespero ou à completa frouxidão moral. Os dois não se podem confundir nem substituir um ao outro. Ambos são palavra de Deus, mas não ensinam a mesma coisa.
1. O que é Lei?
1. A Bíblia usa a palavra “lei” em diversos sentidos. Entende-se por lei:
1.1. A palavra de Deus. Sl 1.2; Sl 119.72
1.2. Livros do Antigo Testamento. Jo 15.23
1.3. Os livros de Moisés. Lc 24. 44
1.4. O evangelho é chamado de lei. (sentido amplo). Is 2.3; 42.4 Jr 31.33; Mc 4.2; Rm 3.27
2. Conhecimento natural da Lei. A lei de Deus é anterior à queda do homem em pecado. Não havia evangelho. Ele não era necessário, pois Adão e Eva tinham perfeito conhecimento da lei de Deus. Com a queda em pecado este conhecimento foi obscurecido, mas não eliminado. Até hoje todos têm conhecimento natural da lei. Mas este conhecimento é imperfeito e não salva ninguém. Mas ele é suficiente para mostrar ao homem sua culpa e pecaminosidade.
3. Lei revelada. Porque o homem não tinha mais o conhecimento perfeito da lei, Deus novamente entregou a lei de forma escrita através de Moisés no monte Sinai. Os dez mandamentos são o resumo de toda lei de Deus. A Lei de Deus está dividida em três classes:
3.1 Lei Civil: Leis pertinentes ao estado e não válidas para todos os tempos e todos os povos.
3.2 Lei Cerimonial: Leis sobre o culto, festas, ofertas, circuncisão, válida somente para os judeus. O objetivo desta lei era servir de antevisão do que seria o Messias. Isto se refletia nos sacrifícios. Por isso ela teve sua duração até a vinda de Cristo.
3.3 Lei Moral. Tem validade para todas as pessoas de todas os tempos. Ela determina o que é pecado e o que não é.
4. Cumprimento da Lei. Com a queda em pecado, o homem tornou-se incapaz de cumprir a lei de Deus. Todos pecaram e carecem da glória de Deus (Sl 14.3; Ec 7.20). O homem corrompido não quer mais guardar a lei por causa de Deus, mas por amor de si mesmo, pois teme a punição de Deus. Tendo a motivação errada e vendo que não consegue cumprir os mandamentos, o homem afasta-se cada vez mais de Deus (Is 64.6). Desta forma a lei não salva ninguém.
5. Propósito da Lei. Deus nos deu a lei:
5. 1. Não para nos tornar justos e santos, pois o cumprimento da lei não justifica ninguém. (Gn 3. 21). A lei não foi dada por causa da santidade, mas por causa do pecado. É verdade que se alguém cumprisse toda a lei seria salvo por meio do cumprimento da lei. Mas isso é impossível aos homens. A lei, portanto não nos dá esperança de salvação.
5.2. Não para invalidar a promessa do evangelho (Gl 3.17)
5.3. A lei quer servir de aio para nos conduzir a Cristo. Ela prepara o caminho. Ela produz contrição. Ninguém crê em Cristo se não se sentiu no inferno. A lei não é o início, mas prepara o coração para ouvir a boa semente de evangelho. Gl 3.23-27
6. Os três usos da lei. Via de regra distinguem-se três usos para a lei.
6.1. A lei como freio. Um freio domina um carro em disparada ou conduz um animal. Assim a lei serve para manter a disciplina e a decência entre as pessoas e evita que eles pequem desenfreadamente. Mas esta não é a motivação correta diante de Deus, pois sem fé é impossível agradar a Deus.
6.2 A Lei como espelho. O espelho nos mostra como estamos. Assim a lei mostra a nossa situação pecaminosa diante de Deus. Esta é uma das finalidades principais da lei. Ela mostra que diante de Deus todos são culpados. Ela termina com toda justiça própria. Rm 3. 19. O evangelho só tem sentido quando o homem reconhece sua pecaminosidade.
6.3 A Lei como norma. Para os que crêem, serve como guia de vida santificada. Assim como as placas de trânsito nos dão orientações seguras, a lei é uma indicação segura da vontade de Deus para o cristão. Por causa da fé, e porque ele conhece o evangelho, ele quer cumpri-la com alegria. Esta é a nova obediência, fruto da fé. Por isso este terceiro uso serve apenas para o cristão.
2. O que é o Evangelho?
Se este trabalho fosse encerrado neste ponto, ele de fato não traria nada de importante para a salvação nem para a vida cristã das pessoas. Assim também é a lei. A lei sem o evangelho nada pode fazer pela vida cristã e nem pela salvação do homem. O evangelho é a força renovadora do homem, que transforma, produz fé viva, boas obras. O evangelho é a boa notícia da salvação. É o registro do que Deus fez pela nossa salvação. Ele fala da vinda de Cristo, da sua obediência, da sua paixão morte e ressurreição. O evangelho não é lei, é promessa, e, por isso mesmo, só pode ser aceito pela fé. Ele não exige nada da parte do homem. O evangelho traz o dom do perdão. Quando ele é pregado não apenas ressoa com boa nova, mas traz os benefícios adquiridos por Cristo aos nossos corações. Nosso Deus fala pelo evangelho e nos torna possível receber os dons da graça. O evangelho é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. A palavra do evangelho traz em si o que ele promete e oferece.
Tanto a lei como o evangelho são Palavra de Deus, mesmo que ambos tenham função diferente. Ambos dizem respeito a todos os homens. A lei e o evangelho devem ser pregados a cristãos e não cristãos.
1. Diferenças entre Lei e Evangelho.
1.1. A lei é conhecida parcialmente pelo ser homano. Ele ainda tem vestígios da lei inscrita no seu coração. O evangelho, por outro lado não é conhecido pelo homem natural. Ninguém, por raciocínio próprio, sabe algo do evangelho. Ele só se torna conhecido quando é anunciado.
1.2. A lei e o evangelho diferem quanto ao conteúdo. A lei diz o que homem deve fazer e deixar de fazer e como o homem deve ser. Ela consiste de exigências e proibições. O evangelho revela o que Deus fez pela nossa salvação. A lei é exigência, o evangelho é dom. A lei trata das nossas obras, o evangelho trata das obras de Deus. A lei sempre nos ordena, enquanto o evangelho nos motiva, encoraja e capacita a aceitar aquilo que Deus graciosamente nos oferece.
1. 3 Lei e evangelho diferem entre si na maneira de prometer vida. A lei promete vida eterna sob condição de haver perfeita obediência por parte do homem. E essa promessa só se obtém quando o homem cumpre perfeitamente todos os mandamentos. O evangelho promete vida aos que não cumpriram a lei. Esta promessa é livre, gratuita, incondicional. Não há nada a fazer pelo homem. Deus é que concede a fé, embora seja o homem que creia. O evangelho estabelece nova relação entre Deus e o homem. Não estamos mais sob a lei, mas sob a graça de Deus. E se vivemos sob a graça de Deus não podemos nos gloriar de nossas obras.
1. 4 A lei mostra a situação do homem condenado. O evangelho mostra que há salvação.
1.5 A lei traz pesar, tristeza, medo, desespero e ódio a Deus. Também pode produzir hipocrisia. A lei exige amor, mas não pode produzi-lo. O evangelho produz fé amor, alegria e esperança porque Deus nos declara justos por amor a Cristo.
1.6 A lei no terceiro uso. A lei deve ser pregada aos cristãos, mas não como necessária para a salvação. Para viver sob a graça de Deus o cristão não deve esquecer que é pecador e por isso merece ser condenado pela lei de Deus. No entanto o evangelho o salva. A lei mostra que o velho homem deve constantemente ser afogado e morrer. Mas é no evangelho que está o perdão que dá a força para o novo homem viver.
Aspectos da Correta Distinção entre Lei e Evangelho
Se não aplicarmos corretamente a lei e o evangelho podemos cair no desespero ou numa falsa segurança. A diferença é especialmente difícil em momentos de angústia. Nestes momentos especialmente, segundo Lutero, o evangelho é um hospede raro em nossos corações e a lei um inquilino constante. Quando as pessoas estão em situações difíceis, em angústias profundas, em desespero, não conseguem aplicar corretamente lei e evangelho, e aí o caminho da lei é apontado com maior facilidade.
“A palavra de Deus não é aplicada corretamente quando, ao invés da palavra e dos sacramentos, se indica o caminho das orações e lutas com Deus aos pecadores que foram atingidos e atemorizados pela lei, para que deste maneira alcancem o estado da graça. Em outras palavras: quando lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até sentirem que Deus os recebeu em sua graça”. (WALTHER.Lei e Evangelho. tese 9).
Exemplos bíblicos:
At 2: Quando a lei surgiu efeito no coração, Pedro disse: “Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos pecados”. A única coisa que Pedro solicita é que seus ouvintes creiam em Cristo e no perdão que ele concede.
At 16. A conversão do carcereiro de Filipos. Quando o carcereiro mostrou-se desesperado, a única mensagem dada a ele foi: Crê no Senhor Jesus e serás salvo.
A Bíblia não diz que o pecador atemorizado deve começar a orar até sentir a presença do Espírito Santo e então começar a gritar: “Aleluias” A Bíblia mostra que é preciso crer e receber os sacramentos e viver uma vida cristã. A nossa mente resiste ao evangelho e gosta de ouvir o martelar da lei.
Compreendendo alguns pontos doutrinários
Quando não há compreensão do que significa, principalmente, graça de Deus, justificação pela fé, santificação e sacramentos, então o homem sempre tenta participar da salvação, tentando salvar-se por méritos próprio e não aceitando Cristo como seu único e suficiente salvador.
1. Justificação e santificação: Cristo ao dar a sua vida, fez tudo o que era preciso para salvar a humanidade do seu pecado. Agora, todo pecador que confia na obra salvadora de Cristo é declarado livre dos pecados. Desta forma, aquele que pela fé, toma para si esta declaração, passa a ser justo e santo para Deus. Esta justificação não acontece por obras ou esforços próprios, mas unicamente pela graça de Deus juntamente com a fé em Cristo Jesus.
A partir desta justificação o filho de Deus vive pela fé a santificação, que é a nova vida em Cristo. Portanto, tendo a certeza do que Cristo em seu amor fez para salvá-lo do pecado, o verdadeiro cristão agora, pela fé, precisa e quer viver inteiramente para Deus, fazendo a sua vontade e produzindo os frutos da fé. Esta vida santificada aqui na terra, no entanto, não é perfeita, mas cresce na perfeição. Tanto a justificação como a santificação são obras que Deus realiza em nós. Ou seja, receber a fé e produzir frutos da fé, só acontece pelo poder de Deus.
As boas obras, ou seja, a nova vida do cristão é tudo aquilo que o cristão pensa, fala e faz pela fé em Cristo, para a glória de Deus e o bem do próximo. Ninguém é salvo pelas boas obras que faz, pois elas são apenas frutos da fé. As boas obras não são necessárias para a salvação, mas a fé não existe onde não há obras. A fé sempre se manifesta em amor. Não é o amor que salva mas a fé. Quando a fé não se mostra ativa no amor, é porque a fé não é verdadeira.
2. Sacramentos: Outra grande confusão que surge é no que se refere aos sacramentos e por isso, talvez o pouco valor que muitos dão ao batismo e a santa ceia. Julgam que batismo e santa ceia são obras que o cristão faz e não algo que Deus faz por nós. Sacramentos não são meros sinais ou símbolos que mostram a presença de Deus, mas são meios da ação salvadora de Deus pelo pecador.