INSTITUTO CONCÓRDIA DE SÃO PAULO
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
DISCIPLINA: ESPANHOL TEOLÓGICO II.
PROFESSOR: PAULO FLOR
ALUNO: CLÁUDIO RIMAR SCHREIBER 1º TEOLÓGICO
TRADUÇÃO ( Teologia e missão na América Latina, p. 71 a 83)
A RELIGIOSIDADE POPULAR[1]
A conquista da América Latina pelas potências européias provocou uma crise de imensas
proporções para as culturas indígenas do hemisfério. Frente a pressões tão grandes, a cosmovisão
de um povo se troca e se modifica. O antropólogo Anthony Wallace[2] enumerou quatro diferentes
classes de trocas culturais que podem ocorrer mediante o ataque de outras mais forte, a saber: 1. Desmoralização: O povo perde a sua esperança, seu desejo de continuar existindo e de continuar reproduzindo-se, pelo qual se auto destroem, já são mediante suicídios em massa, entrega total ao alcoolismo, e as drogas, etc. Dezenas de ilhas no Pacífico se despovoaram por causa deste fenômeno.
2. Submissão: Se busca reter a velha religião e a velha cultura escondendo-as debaixo das formas da nova religião que traz o conquistador. Exemplo: A sobrevivência de religiões pré colombianas e africanas mediante as formas do catolicismo tradicional.
3. Conversão : Se substitui o que é o coração o centro da velha religião por que é o centro e o coração da nova religião. Isto é como uma troca ou transplante de coração não imposto desde que fosse sido escolhido voluntariamente pelo mesmo povo. Exemplo: A conversão da Armênia nos dias de Gregório o iluminador.
Revitalização: É uma troca iniciada por profetas que se levantam dentro do povo para reformar a sua própria cultura e refazer aqueles elementos da velha cultura ou religião que já não funcionam, e se introduzem algumas inovações que ajudam a velha cultura para que sobreviva ante
as forças, situações ou instituições, que ameaçam destruir a velha cultura. Exemplo: A reforma de Martinho Lutero ou a Teologia da Liberação.
Segundo um bom número de autores, muitas partes da América Latina nunca foram completamente convertidas ao cristianismo. Os indígenas, para preservar suas velhas tradições e crenças, esconderam sua antiga fé pagã mediante as formas exteriores do catolicismo. Este paganismo oculto dentro do catolicismo tem sido denominado Cristo-paganismo pelo antropólogo William Madesen, que efetuou muitas investigações da vida indígena no México[3]. Para Eugênio Lida das Sociedades Bíblicas Unidas, o Cristo-paganismo significam vários conceitos, crenças e práticas cristãs.
As vezes se denomina sincretismo a esta mistura de crenças. Em algumas partes da América Latina se podem encontrar superstições pagãs entre os cristãos tradicionais. Em outras partes do hemisfério, o catolicismo é somente uma capa superficial que serve para esconder um sistema pagão que não tem sido trocado desde os tempos pré-colombianos.
Os teólogos católicos Romanos preferem não usar o termo Cristo paganismo porque isto implica que muitos dos assim chamados “católicos” realmente não são cristãos. Muitos grupos protestantes tem justificado se trabalho de evangelização na América Latina com o argumento de que o seu trabalho não é proselitismo, senão uma autêntica missão apostólica. E dizem, não estão tratando de trocar a fé dos que já são cristãos senão de evangelizar aos que nunca foram cristãos. Ao se referir as suas campanhas para trocar as idéias supersticiosas dos latino americanos, os lideres da igreja católica preferem falar da reevangelização a fim de produzir a fé do povo que já é cristão.
Um dos fins da primeira conferência dos bispos latinos americanos, conhecida como CELAM (Conferência Episcopal Latino Americanas), celebrada no Rio de Janeiro em 1955, foi fazer um chamamento as organizações missionárias da Igreja para realizar uma reevangelização da América Latina. Uma das razões por que se convocou a primeira reunião do CELAM foi para buscar modos para frear o crescimento do protestantismo e o marxismo entre os católicos nominais dos países Hispanos.
Ao falar de religiosidade popular um se refere a totalidade de crenças, práticas, ritos, cerimônias e orações que enchem as massas. Segundo Elizondo, a religiosidade popular é o que expressa a identidade mais profunda de um povo.[4] Existe uma diferença de opinião entre os teólogos latino americanos quanto aos sujeitos da religiosidade popular. Ao falar da religião popular alguns autores se referem as práticas religiosas de todos os membros do povo sem importar sua classe. Outros autores, no entanto, definem a religião popular unicamente no término das crenças e práticas dos pobres e oprimidos. Para estes teólogos a religião deve ser entendida como a ultima forma de resistência oferecido por um povo colonizado, dominado e oprimido, para ajudar-lhes a resistir os esforços das elites dominantes, a fim de aniquila-los, absorve-los.[5]
Assim, a religiosidade popular pode ser definida como um protesto popular contra as práticas religiosas consideradas demasiadamente abstratas, intelectualizadas, cerebrais e dogmáticas.[6] Uma das pessoas que mais tem se destacado nas investigações da religião folclórica é Antônio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano. Na opinião de Gramsci, o catolicismo popular italiano, com suas devoções fortemente emocionadas, seu culto a Maria e aos santos, e seu sincretismo pagano-cristãos, está feito em formas arcaicas e constituem uma “expressão de uma resistência passiva das classes populares mais pobres e marginalizadas, frente as tentativas metódicas de imposição por parte da s classes com hegemonia, incluída a igreja.”[7] Segundo esta maneira de pensar, a religião popular é uma resposta do oprimido ante o poder do opressor, uma resposta por meio da qual o oprimido busca a sobrevivência de sua negada cultura ancestral, dando-lhe a aparência de cultura dominada.[8]
Agora, o presente capítulo, trata de encontrar alguns dos atributos ou características da religiosidade popular, a saber: o fatalismo, sua orientação legal, as festas, as peregrinações, e os lugares santos.
Características da religiosidade popular
O fatalismo
Uma das características da religiosidade popular geralmente, e do catolicismo da América Latina em particular, é o fatalismo. O fatalismo do catolicismo ibérico e seus antecedentes islâmicos, como também na cosmovisão dos índios pré colombianos. Se tem ampliado e intensificado este fatalismo Hereditário pela experiência Histórica de quase quinhentos anos de exploração e opressão muitas das elites dominantes que tem controlado a sociedade latino americana desde os dias da conquista.[9]
O fatalismo foi uma característica da religião dos aztecas. Os aztecas creram em uma forma de predestinação, segundo a qual, o destino do indivíduo, na vida e na eternidade, é determinada pelos deuses no momento do nascimento.[10] Os deuses determinaram os signos sagrados mediante o qual todos nascem. Cada pessoa nasce mediante um sígno diferente e é o signo o que determina o curso que tomará a vida de cada pessoa no futuro. Estes signos sagrados foram preservados no calendário dos aztecas chamado “totalamatl”. A pessoa que nasce mediante um signo desfavorável pode melhorar um pouco sua sorte celebrando vigílias e oferecendo sacrifícios aos deuses. Mas a pessoa que descuida de suas obrigações rituais perde qualquer vestígio de boa sorte recebido ao haver nascido mediante a um signo favorável. Se pode perder a boa sorte também por desatender a penitência e a auto- mortificação da carne. As enfermidades podem causar uma perda do “tunal” ou “tunali”. O “tunal” é a sorte ou o destino que se recebe ao nascer.[11]
O fatalismo, apesar de mais de 400 anos de cristianismo, todavia é um dos rasgos distintos de muitas comunidades indigenas na América Latina. Em muitas comunidades da cultura Náhuatl, no Vale do México, existe a crença de que ao nascer um neném começa uma luta entre Deus e o demônio para ganhar a alma da criança. Deus ganha a metade destas lutas, e o demônio a outra metade. Se Deus ganha, o recém nascido recebe uma “sombra boa”. Se o demônio ganha, o neném recebe uma “sombra pesada”.[12] Os que recebem uma sombra boa podem esperar o êxito durante a sua vida na terra e a oportunidade de ir ao céu. As pessoas que recebem as sombras pesadas são predestinadas a má sorte, a pobreza, a falta de amigos, e sofrer muitas enfermidades. A sombra pesada trará sobre o indivíduo uma carga insuportável de pecados, e será a causa de sua condenação eterna.[13] É evidente que as pessoas com uma cosmovisão fatalista tenham pouco interesse em iniciar uma reforma social ou política. A causa de sua pobreza não se buscará nas estruturas sociais injustas, senão na classe de sombra que receberam ao nascer.
As investigações da antropóloga Mary Douglas tem enfatizado que o fatalismo dos pobres e oprimidos é algo profundamente arraizado na alma do povo. Este fatalismo é parte da cosmovisão do povo, e por tanto não pode, geralmente, ser erradicado com uma só classe bíblica ou um só sermão. Os trabalhadores do campo, peões e obreiros pobres da América Latina tem sido explorados e oprimidos durante séculos pelos grupos dominantes. O mundo, para o pobre, não é um lugar justo; as forças do bem aparentemente não estão com o controle da situação. Existe uma cosmovisão caracterizada pelo dualismo. O cosmos é percebido como um lugar caprichoso, inseguro e hostil, cheio de agentes pessoais (deuses, espíritos, fantasmas e demônios, anjos) que estão em constante luta entre si.
Em pequenas sociedades tribais onde não existem lutas entre classes sociais, o mundo é um lugar justo onde tudo está em armonia. Na literatura de tais sociedades, o que faz o mal sempre recebe o seu merecido porque o que está controlando o mundo é um Deus justo. Mas não é assim na sociedade latino americana. Aqui há uma falta de armonia entre o cosmos e a sociedade e, portanto, os membros da sociedade se preocupam em como se proteger de forças malignas ou perigosas que estão buscando influis e infiltrar-se no grupo. Se explica a falta de justiça no mundo com mitos que afirmam que o bom Deus criador se tem apartado do mundo, e tem entregado o controle do mundo a outros espíritos menos sábios, menos poderosos e menos justos.[14]
As pessoas que estão presas ao fatalismo necessitam ver-se a si mesmas como objetos do amor transformador de Deus. O fatalismo das massas tem servido como um tranquilizante que tem contribuído aos interesses daqueles que tem se aproveitado das classes inferiores. Enquanto se cria que as injustiças sofridas pelo povo não se pode trocar devido ao que não é da vontade de Deus, a religião popular seguirá caracterizada pelo fatalismo. O que fortalece o fatalismo da religiosidade popular é a sua conexão com uma percepção a-histórica e cíclica do tempo. Muitas das grandes festas da religiosidade popular festejam os ritos da natureza e os ciclos agrícolas com sua constante repetição de semeadura, chuva, crescimento, colheita, etc. A religiosidade popular necessita de uma conexão mais vital com os grandes eventos bíblicos que apontam ter as metas da história: o estabelecimento do reino de Deus. Enquanto que a história tem um ciclo continuo de eventos que se repetem e não uma história de salvação, o fatalismo religioso servirá como um ópio das massas.[15]
A orientação legal. O estabelecimento das cofradías
A cofradía foi uma das instituições mais importantes implantadas na vida eclesiástica da América Latina nos anos posteriores a 1600. Uma cofradía é uma irmandade ou associação de membros da paróquia com fins de ajuda mútua, profundização da fé, e a organização de festas e outros eventos sociais. A organização de cofradías não foi o produto do primeiro período de atividade missionária, mas no fim do século XVII, milhares de cofradias foram organizadas ao longo da América Latina. Em algumas paróquias grandes existiam cerca de oito cofradías, enquanto que nos povos pequenos haviam somente uma ou duas. Em muitos lugares todos os membros da comunidade se fizeram membros de uma cofradía.
A importância da cofradía está no feito de que, como os grêmios e as “terceiras ordens”, é uma organização local que realiza funções religiosas. Uma das características da religião popular é que são a maior atividade local na igreja institucional da grande tradição. Uma lição que cada líder na Igreja é que o Espirito Santo outorga dons espirituais a todos os membros do corpo de Cristo. O Espirito deseja que todos os dons, assim outorgados, sejam empregados para a glória de Deus, e o bem estar do próximo, e para a extensão do Reino. Lamentavelmente muitas instituições eclesiásticas e lideres institucionais atrasam a marcha da Igreja ao restringir o exercício dos dons espirituais aos membros de uma pequena elite clerical. Ao equiparar os ministérios da Igreja, esta elite clerical, se dá como resultado que a maioria dos membros, especialmente os membros das classes sociais inferiores, caiam como membros marginalizados do corpo de Cristo.
Na religiosidade popular vemos o florescimento de organizações e movimentos no que os locais tenham uma participação maior que nas organizações e as instituições da Igreja Oficial. As cofradias, como organizações locais, davam aos membros da igreja a oportunidade, não só de observadores, mas também participantes e lideres em atividades religiosas. Muitas vezes, os membros do corpo de Cristo que estavam dotados de vários talentos, abandonavam uma igreja demasiada institucionalizada para desenvolver-se em outros grupos, mais dispostos a dar-lhes a oportunidade de utilizar seus dons. Seguramente este fenômeno pode ajudar a explicar o florescimento de tantos movimentos religiosos populares, cultos e seitas, entre os locais de organizações eclesiásticas muito ieararquisadas. Desde o ponto de vista sociológico, os movimentos pentecostais teriam que ser classificados, em parte, como expressões de uma religiosidade de uma religiosidade popular local. Uma grande parte dos atrativos dos movimentos pentecostais, entre os membros das classes inferiores, é que oferecem uma participação ativa na religião aos que tem sido marginalizados nas igrejas elitistas e hierárquicas.
Nem todas as cofradias eram das classes marginalizadas. Também existiam cofradias especiais para os espanhóis, os crioulos, os índios, e os negros. Em países como Cuba, Venezuela, e Brasil, as cofradias organizadas por distintos grupos de afro-americanos, serviram para manter vivas as crenças e tradições africanas. De algumas destas cofradias nasceram seitas afro-americanas como a Santeria Cubana. Cada cofradia tinha seu santo patrão; em algumas ocasiões, estes patrões representavam, não somente o santo católico cuja festa celebraram os membros da cofradia, mas também antigas deidades africanas, veneradas mediante as formas da religião católica.
As cofradias ofereciam a seus membros uma segurança espiritual e um sentido coletivo que faltava no resto da vida indígena do século XVII[16]. A cofradia era uma instituição perdurável que sobrevivia de seus membros. Este feito pode haver injetado uma sensação de segurança numa provação seriamente reduzida em número, e que sofria diversas dificuldades. Cada cofradia cobrava uma mensalidade de seus membros. Com estes fundos a cofradia pagava os enterros de membros defuntos, e as missas oferecidas para o eterno descanso de suas almas. Cada ano a cofradia organizava a festa do seu santo patrão. A organização e celebração destas festas era, geralmente, administradas por leigos.
As cofradias mais ricas podiam reduzir os custos das missas mensais, no autar da cofradia, para seus membros, vivos ou mortos.
Também pagavam várias missas especiais ao largo do ano. Alem do mais pagavam velórios, caixões, missas, vigilhas, e enterros na capela da cofradia, a morte dos membros, e realizavam pagamentos extras em caso de morte ocorrida fora do povo. Era bem sabido, por todos os membros, que devido a sua associação com a cofradia, e por concessão do papa Inocencio XI (1676-1689), se lhes outorgava indulgência plenária no dia da entrada de um comungante na cofradia, e novamente no dia da sua morte. Os membros de boa posição não deviam expiar no purgatório. A cofradia, em outras palavras, era uma organização de segurança eclesiástica, mantida por remunerações regulares, que cobriam as missas e remissão de castigos resultante de pecados, e alem disso contribuia com o gasto maior de um funeral cristão.
É interessante notar que algumas cofradias funcionavam, não com base das contribuições de seus membros, mas dos ingressos tirados de propriedades agrícolas. Estas terras eram “terras de santo”, e entendia-se que pertenciam as imagens dos santos e os que trabalhavam eram os mordomos dos santos. Algumas cofradias chegaram a ser tão ricas que estabeleceram escolas e hospitais, alem de atuar com agências bancárias ao emprestar dinheiro com termos de interesse.
O clero apoiava a fundação da cofradias por que eram meios seguros para obter um ingresso eclesiástico regular para os sacerdotes, pois as cofradias necessitavam encher com sacerdotes para rezar as muitas missas. Para uma população indígena cristianizada, ou parcialmente cristianizada, a cofradia oferecia uma organização comum na época em que as comunidades tradicionais sofriam grandes perdas de população. Consequentemente, o auge das cofradias pode ser considerado, em certa forma, como uma resposta a decadência dos povos. As cofradias serviram para ajudar a manter as tradições de um povo e para dar a seus membros um ponto de referência na preservação de sua identidade.[17] Considerando que as cofradias serviram para financiar as missas que se rezavam a favor dos defuntos no purgatório, se podem valorizar os ataques de Martinho Lutero contra as cofradias e irmandades de seu tempo.
Durante o tempo da colônia, cada grêmio, já fora dos sapateiros, carpinteiros ou os orfebes, tinham também seu santo patrão, suas festas, , suas procissões e missas especiais. Como nas cofradias, os leigos tinham uma participação religiosa maior nas atividades do grêmio, que na celebração da mesma na igreja do povo. Se deve mencionar também a participações de leigos nas terceiras ordens. Quando São Francisco de Assis fundou a ordem dos Franciscanos, todos seus discípulos eram varões. Estes homens, que tomaram os votos da pobreza, castidade e obediência, formaram a primeira ordem dos franciscanos. De pronto, muitas mulheres se incorporaram no movimento franciscano. Mediante o liderasgo de Santa Clara se formou um ramo feminino do movimento, o sea, a segunda ordem de São Francisco. Um pouco mais tarde, leigos casados que estavam de acordo com os objetivos do movimento franciscano formaram a terceira ordem de São Francisco. Um membro de uma terceira ordem reza nas horas canônicas e tem uma disciplina monástica em seu próprio lugar, enquanto segue com suas responsabilidades familiares, sociais e laborais. Existem terceiras ordens, não só entre os franciscanos, mas também entre os dominicos, os agustinos e outros.
Apesar de muitas práticas supersticiosas e idólatras, as organizações legais tem feito muito para manter a identificação das massas com a Igreja Católica, especialmente nos lugares onde tem carência de sacerdotes ordenados. Em certo sentido estas organizações eram precursoras das comunidades igrejais do século XX.
As festas
Uma das características da religiosidade popular que se tem mencionado é a importância que se lhe dá nas festas. Uma das funções das cofradias era a de financiar e organizar as festas. As festas tem uma grande importância para a religiosidade popular, pois são dirigidas por leigos com relativa independência do clero.
As festas mexicanas, como ocasiões de cerimônias públicas com serviços eclesiásticos, procissões, comidas e bebidas, danças, decorações florais, fogos artificiais, trajes e música, combinam elementos de ritos cristãos com formas tradicionais do ritual indígena, e de numerosas maneiras, e reconciliam os mundos cristão-espanhol e indígena-pagão. Do lado do cristianismo se contavam as festas específicas do calendário e o culto cristão que se celebrava nelas. Do lado indígena estavam os trajes, as danças e máscaras, os desfiles públicos e o sentido da participação especial em funções coletivas. O missionário do século XVI, Pedro de Gante, descreveu a maneira em que patrocinou deliberadamente esta fusão no primeiro período. Havendo observado o canto e a dança dos indígenas no grupo pagão, compôs um canto cristão e desenhando novos desenhos para os pálios que deviam usar numa dança cristã. “Desta maneira” disse, “os indígenas mostrarão pela primeira vez sua obediência a igreja”.[18]
O conhecido escritor mexicano Otávio Paz, ganhador do prêmio nóbel de literatura 1990, tem analisado o significado da festa de outra maneira. Para Paz, a machismo latino, especialmente no México, tem servido para encerrar ao homem hispano num “labirinto da solidão”, titulo de uma de suas obras mais famosas. Segundo a filosofia do machismo, um verdadeiro homem não mostra medo e nem fragilidade. Revelar os pensamentos profundos, medos ou temores que um sente por dentro, especialmente diante de uma mulher, não é uma característica de um macho. Deixar que outros cheguem a conhecer as fragilidades ou temores do mesmo é dar uma vantagem a um possível adversário. Revelar a outros o que um é por dentro é expor-se ao engano, a traição, e a burla. Segundo Paz, o macho teme comunicar seu mais intimo ser com os outros. Portanto, o homem hispano se concentra em si mesmo, escondendo seus verdadeiros sentimentos, sofre interiormente pela falta de uma verdadeira comunhão, mas teme cair demasiado exposto ante os demais e ser qualificado com uma pessoa débil e afeminada.
Escondidos atrás de suas máscaras, muitos hispanos, segundo Otávio Paz, vivem dentro de seu próprio labirinto da solidão,. É somente durante a festa, com seus excessos, e seu clima de caus coletivo, quando as máscaras se fazem a um lado e o verdadeiro já pode abrir-se e escapar de seu labirinto. Durante a festa, todos os sentimentos reprimidos tentam sair. A festa é, por excelência, segundo Paz, a revolução não só nos oferece a oportunidade de expressar nossos temores, frustrações e ódios reprimidos, senão também a oportunidade de voltar ao mundo do passado, ao mundo que foi destruído, reprimido e submergido pela conquista. Em outras palavras, cada festa é uma antecipação da revolução definitiva que será o retorno ao paraíso perdido.
Há um elemento revolucionário em todas as festas, no sentido de que a festa é um protesto contra as regras do estabelecido, o sistema, o estruturado. As forças que controlam a sociedade buscam regulamentar as atividades e o tempo das massas designando tarefas e obrigações que devem ser cumpridas segundo certo horário. Dia a dia as massas se vêem obrigadas a cumprir com tantas horas de trabalho por dia e tantos dias de trabalhos por mês. Mas em contra a tal regulamento, o povo celebra suas festas que rompem com o ritmo imposto pelos capatazes da sociedade.
Em cada festa tem um elemento carnavalesco ou dionisiaco (Dionísio era o Deus do vinho e da ebriedade). Segundo os historiadores, a celebração do carnaval começou a milhares de anos antes de Cristo na antiga Babilônia. O antigo calendário babilônico estava baseado num sistema que deixava um espaço de uns cinco dias depois do fim do ultimo mês do ano e o começo do primeiro mês do novo ano. Estes cinco dias soltos, que não pertenciam a nenhum mês, eram considerados como dias durante os quais a sociedade se voltava ao caos primitivo que existia antes da criação do mundo e da sociedade. Durante esse espaço de regresso ao mundo desorganizado, sem leis e estruturas sociais, o povo celebrava o caos primitivo. Se aboliam as distinções sociais, o rei se vestia como camponês e o pobre como nobre. A prostituta se disfarçava de princesa, e a ama de casa se botava como mulher dede calle. Devido ao que o carnaval representava um retorno aos princípios ao caus, não havia lei, e qualquer podia fazer o que tinha vontade. No fim do carnaval vinha a celebração do ano novo, durante o qual, novamente o rei era entronado para restabelecer e recriar a ordem, as normas e a lei.
Segundo o grande fenomenólogo das religiões, Mircea Eliade, o carnaval é uma das características das religiões cósmicas que se opõe as religiões proféticas - históricas - salvíficas como o judaísmo, o cristianismo, o zoroatrismo e o islamismo.[19] Nas religiões cósmicas, o sagrado esta em todas as partes e todas as coisas estão empapadas do sagrado. Assim, o sagrado pode se manifestar em qualquer parte. Pode ocorrer uma epifania, uma manifestação do sagrado em um árbol, uma fonte, uma tempestade, uma festa ou o ato sexual. A religião cananéia, contra a qual luxaram os profetas bíblicos era uma das formas mais estendidas da religiosidade cósmica.[20]
Nas religiões cósmicas se buscam uma epifania do sagrado que se esconde na natureza, que pode ser nossa própria natureza. Nas religiões arcaicas, as religiões de fertilidade e as religiões de mistério, a divindade se faz presente na celebração da festa.. A festa, segundo esta maneira de pensar, é como uma epifania porque representa a entrada do divino no tempo e no espaço. Segundo as religiões de salvação, como o cristianismo, Deus não se encontra nas epifanias cósmico-naturais como ,os relâmpagos, os tronos, os huracanos, mas em feitos históricos-libertadoras como o êxodo, o retorno da Babilônia, a crucificação e a ressurreição de Jesus Cristo, feitos históricos que não se repetem.
A festa é importante para as religiões cósmicas, não somente porque representam momentos quando os mortais podem aproveitar-se do poder do sagrado, é o qual se faz acessível durante as festas, e também porque, na festa, o ser humano pode escapar do tempo cíclico e voltar ao tempo onde não há passado nem futuro, somente o instante de vida. Nas religiões cósmicas procura-se explorar o momento de gozar da vida, de viver um momento como um fim de si mesmo. A festa, em certo sentido é um protesto contra a tendência de sacrificar o momento pelo futuro e de nunca gozar realmente do momento. Neste sentido a festa, ademais, é um protesto contra o tempo, é um intento de escapar do tempo e viver o presente que não tem passado nem futuro.
[1] O que aqui se chama a religiosidade popular é o que os outros autores tem denominado de religião folclórica, a pequena tradição, catolicismo popular, Cristo paganismo e catolicismo folclórico.
[2]WALLACE, Anthony A. F. C. Revitalização Movimentos, en Amercan Anthropologist 58 (New Series, 1956), p.264-281.
[3] MADSEN,William, Christ Paganism: A Study of Mexican Religious Syncretism, Publication 19 (New Orleans, Middle American Research Institute, Tulane University, 1957).
[4] Eizondo, Virgilio, Religiosidade Popular e Identidade na Comunidade Mexicana nos Estados Unidos, na Religiosidade Popular Concilio 206, pp.49-56, ed. Norbert Grienacher e Norbert Mette (Madri, Edições Cristandade, 1986), p. 49.
[5] Ibíd, p. 49.
[6] Maldonado, Luis, dimensões e tipos da religiosidade popular, em A Religiosidade popular, Concilio 206, pp. 9-18, ed. Norbert Grienacher e Norbert Mette (Madri, Edições Cristandade, 1986), p. 17.
[7] Maldonado, Luis, Introdução a religiosidade popular (Santander, Editorial Sal Terrae, 1985), p. 28.
[8] Ibid.,p.29.
[9] Kearny, Michael, World View (Novato, Califórnia, Chandler & Sharp, Publishers Inc., 1984), p. 196.
[10] Madsen, Op. Cit.., p. 127.
[11] Ibid., pp. 120-122.
[12] Ibíd., p. 146.
[13] Ibid., p. 145.
[14] Douglas, Mary, Natural Symbols (London, Berrie and Jenkins, 1973), pp. 93-102.
[15] Dussel, Enrique D., História Geral da Igreja na América Latina, Tomo 1/1 (Salamanca, Edições Sígueme, 1983), p. 569.
[16] Gibson, Op. Cit., p. 130.
[17] Ibid., p. 134.
[18] Ibid., pp. 134-135
[19] Eliade, Misea, História das Crenças e das Idéias Religiosas, vol. I (Madrid, Edições Cristandade, 1978), p.275.
[20] Maldonado, 1985, Op Cit., p. 141