VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
Lucas 17.11-19
28 de outubro de 2001
CONTEXTO
A narrativa de Lucas apresenta Jesus a caminho de Jerusalém. No v. 5 deste mesmo capítulo, os discípulos pedem ao Mestre que lhes aumente a fé e este, em resposta, lhes conta a parábola do servo que cumpre suas obrigações. A fé não é apresentada como o recebimento de algo por decorrência natural ou retribuição meritória, mas como um receber em gratidão. Da mesma forma que em Mc 1.40-45, o relato dos dez leprosos tem por referência vetero-testamentária o episódio da cura de Naamã (2 Rs 5.1-27).
TEXTO
Vv. 11-13 - Jesus está peregrinando a caminho de Jerusalém, através de Samaria e da Galiléia (regiões citadas na perspectiva de quem está em Jerusalém). Ele chega a uma aldeia, lugar onde leprosos podiam se estabelecer, ao contrário de Jerusalém e outras cidades fortificadas. Enfermos de lepra viviam esta condição como pessoas sujeitas ao castigo divino (cf. Êx 2.10 e Dt 28.27). Seguindo a determinação legal, podiam aproximar-se de outras pessoas apenas até certa distância (Lv 13.45s). Ao invés do grito de advertência “Impuro!”, elevam sua voz pedindo por misericórdia. Chamam Jesus pelo nome e o denominam de epistata (cf. Lc 5.5; 8.24 e 45; 9.33 e 49). A forma de abordagem revela que os leprosos teriam uma relação de proximidade com Jesus. “Tem compaixão de nós” é o que pedem. Sua esperança se dirige à misericórdia de Jesus.
V. 14 - Este, por sua vez, após ouvir o clamor dos enfermos, envia-os aos sacerdotes. Cabia aos sacerdotes, declarando alguém purificado, atestar a possibilidade desta pessoa voltar à comunhão cúltica e social em Israel. O envio aos sacerdotes é um teste da fé professada pelos leprosos, pois nenhuma palavra de cura lhes é dita por Jesus. A cura e a purificação acontecem enquanto os leprosos trilham o caminho iniciado pela obediência às palavras de Jesus (comparar com 2 Rs 5.10-14).
Vv. 15s. - Um dos leprosos, ao dar-se conta da cura, volta imediatamente até Jesus, glorificando a Deus em voz alta. A ordem dada por Jesus foi compreendida como ação de Deus e a fé se exterioriza na forma de um ato de louvor. Ser curado equivale a ser abençoado por Deus; se a doença é compreendida como castigo, então a cura é bênção. Prostrando-se aos pés de Jesus, com o rosto em terra, o homem curado o honra como um rei. Na tradição árabe, a cura de lepra só pode ser proporcionada por alguém cujo carisma o eleva à condição de rei. Merece destaque a frase: “e este era samaritano.” Ao “bom samaritano” (Lc 10.30-37) o evangelho de Lucas reúne “o samaritano, que crê em Jesus e louva a Deus”. Também este é apresentado ao povo de Israel como modelo, apesar da rejeição a Jesus pelos samaritanos (Lc 9.51-56).
Vv. 17-19 - Jesus faz três perguntas relacionadas aos demais, que, como aquele samaritano, também foram curados. A terceira delas manifesta o espanto com o fato de apenas o membro de um povo estranho ter louvado a Deus. Os judeus compreenderam sua cura como um direito que lhes cabia da parte do seu Messias. Desde Lc 4.25-27 esse suposto direito vinha sendo questionado por Jesus. O samaritano, por outro lado, acolhe sua própria cura como graça, passando a ser alguém que louva a Deus e manifesta gratidão a quem o auxiliou. A ele é atribuída a fé: “tua fé te salvou.” O dom concedido por Jesus pode ser recebido em vão; os nove ingratos o demonstram exemplarmente. Por outro lado, sua cura da lepra não é retirada por Jesus. Eles não são vítimas de um milagre punitivo, como ocorre no Antigo Testamento (cf. Gn 19.26; 2 Rs 5.19s). Aqui, Jesus não se apresenta como juiz.
APLICAÇÃO HOMILÉTICA
1. A mensagem central desta passagem traz a radicalidade da boa nova, do Evangelho. O Evangelho não discrimina. Quem nada é, quem é completamente excluído do convívio social, quem é excluído até mesmo em meio às pessoas excluídas, este pode sentir a fé - que liberta e cura - nascer dentro de si e prestar louvor a Deus. O Evangelho acolhe indiscriminadamente gritos de “Kyrie eleison” e pode levar qualquer um ou qualquer uma a cantar “Glória a Deus”. Repetindo, esse é o ponto central a ser sublinhado, do qual podem ser tiradas algumas decorrências.
1.1 - Doença não é castigo de Deus. Pelo contrário, Deus quer curar e cura as pessoas enfermas. Essa verdade infelizmente não está muito difundida no Brasil. O espiritismo kardecista e até mesmo algumas denominações cristãs insistem em ligar doença e castigo. Isso somente contribui para aumentar a marginalização de pessoas enfermas.
1.2 - Jesus olha para os leprosos em seu contexto sócio-religioso. Manda que se apresentem aos sacerdotes. Com isso, não limita seu olhar à pessoa e sua saúde no plano individual, mas quer que ela seja reintegrada à comunidade. Vale lembrar também: Jesus olha para o meio social de seu tempo, não a partir dos sadios, incluídos e “abençoados”, mas desde a perspectiva dos enfermos, excluídos e “castigados”. “Os sãos não precisam de médico, e sim, os doentes” (Mt 9.12).
1.3 - O fato da doença não ser castigo divino, por outro lado, não justifica o descompromisso das denominações cristãs tradicionais no Brasil - entre elas a IELB -, em sua reflexão teológica, vida eclesial e prática diaconal, com a questão da saúde das pessoas. Na Escritura e na tradição confessional evangélico luterana, aprendemos que o ser humano é integral (totus homo), não podendo ser dicotomicamente separado em corpo e espírito.
Não se vive a fé e não se pode falar da fé desvinculada da saúde e da doença. Deus quer curar, cura e vai continuar curando as pessoas, apesar de nossa omissão e de todo o charlatanismo de certos grupos e movimentos religiosos; este, em parte, decorrente daquela.
1.4 - O tema da gratidão como virtude antropológica e cristã - geralmente o mais explorado por pregadores nessa passagem -, se exposto de forma desmedida, pode transformar a pregação em discurso moralista e promotor das qualidades humanas, jogando para o segundo plano o que deve estar no centro: a ação graciosa e poderosa de Deus, por meio de Jesus Cristo, nas pessoas. Desta ação provém a fé, juntamente com seus frutos.
Um deles, justamente, é a gratidão.
Dr. Ricardo Willy Rieth