CAPÍTULO 4
A FORMA DO ATO BATISMAL
1. A Administração do Batismo no Novo Testamento
O Novo Testamento não dá nenhuma instrução sobre como batizar e certamente não oferece nenhuma fórmula para o Batismo. A partir dos relatos de atos batismais e num nível menor a partir das epístolas, podemos tirar algumas conclusões a posteriori a respeito da maneira como o Batismo era administrado no período mais remoto da igreja cristã. Contudo, em muitos detalhes importantes essas fontes não oferecem uma imagem clara. Não é nenhum acidente o fato que várias tentativas de reconstrução histórica, por exemplo, da fórmula e da confissão batismal divergem entre si. Os autores das epístolas do Novo Testamento não estavam interessados na maneira como e pela qual o Batismo era administrado, porém dirigiam-se às congregações com base na obra de Deus realizada no seu Batismo. Nem estão os relatos de Atos interessados na descrição do ato batismal como tal, antes, porém, no registro de como certas pessoas e "casas" vieram ao Batismo e que resultado estava ligado ao mesmo.(p.172)
As afirmações do Novo Testamento raramente se referem a um batismo que ainda está para ser efetuado. Seu tema principal é a atividade recriadora de Deus que aconteceu no Batismo que já foi consumado. Essa atividade é testemunhada numa variedade de conceitos. Igualmente a liturgia batismal na igreja antiga opõe-se à idéia que o mesmo rito do Batismo fosse usado nas igrejas. Pode-se afirmar com certeza apenas o que segue: (p.172)
a. O Batismo era precedido da mensagem sobre Cristo, um desejo pelo Batismo e a admissão ao mesmo. Em parte alguma o Novo Testamento pressupõe um intervalo de tempo entre a criação da fé e a admissão ao Batismo, muito embora sejam discerníveis indicações a uma forma fixa de instrução batismal (ex.: Rm 6.17; Hb 6.1,s).(p.172) Nem há ali qualquer indicação a respeito de épocas definidas para o Batismo. Desde que muitos registros em Atos mencionam que não havia nenhum impedimento para admissão ao Batismo (8.36; 10.47; 11.17), é possível que no ambiente de Lucas uma fórmula de admissão correspondente já estava em uso. (p.173)
b. O Batismo cristão requer o uso de água. O termo "batizar" é usado metaforicamente no Novo Testamento muito raramente (Lc 12.50). Antes, "batismo" e "batizar" são termos técnicos para o Batismo com água. Por isso Lucas não denomina o derramamento do Espírito no Pentecostes como sendo um Batismo. Enquanto o Batismo cristão no Novo Testamento era administrado com água, não é mencionado como essa água era aplicada. (p.173)
O uso secular do grego "batizar" significa "submergir", "mergulhar", e indica uma imersão total do batizando. Contudo, é duvidoso se esse uso do termo justifica a conclusão que a imersão fosse a única forma de Batizar. A localização da água na Palestina e arredores torna isso improvável, bem como o fato que os batismos judaicos de forma alguma eram realizados apenas por imersão. (p.173)
Também não se pode decidir pela imersão a partir de Rm 6, uma vez que Paulo provavelmente não chegou a essas afirmações sobre o morrer e ressurgir com Cristo a partir duma interpretação simbólica do ato batismal, antes, porém, da interpretação do ser "batizado em Cristo". Da mesma forma as inúmeras referências ao Batismo como um "lavar" poderiam indicar que o Batismo não era administrado exclusivamente por uma completa imersão do batizando. Não podemos excluir a possibilidade do batizante estar na água com a pessoa a ser batizada e derramando água sobre esta - uma forma do ato que é aceitavelmente representada na arte cristã apenas em data mais tardia. Se Felipe imergiu o Eunuco ou derramou água sobre ele, não pode ser descoberto a partir do texto (At 8.38).
Enquanto o Novo Testamento não possui nenhuma referência direta sobre a maneira de se aplicar água, a Didaquê afirma que o Batismo pode ser administrado de várias formas: "...batize na água corrente...Se não possui água corrente, batize em outra água, se você não pode usar água fria, use morna. Se não possui nenhuma dessas, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaquê 7.1-3).(p.173)
c. Quando o Novo Testamento fala no Batismo sobre (em) nome de Jesus Cristo, isto indica, em primeiro lugar, a singularidade desse Batismo em comparação a outros Batismos. No entanto, indubitavelmente a referência a Cristo expressou-se no próprio ato do Batismo. Não podemos simplesmente equacionar essas designações com a fórmula batismal. (p.174)
A frase "batize em nome..." sustenta a conclusão que o batizante pronunciava o nome de Cristo sobre a pessoa a ser batizada. Isso deve ter sido feito de várias maneiras: pela proclamação do nome de Cristo ou pela invocação de Deus em nome de Cristo ou ainda pela invocação direta de Cristo. Já a mudança de preposições e as formulações mais precisas do nome de Cristo nos textos batismais do Novo Testamento pareceriam opor-se à conclusão que uma fórmula fixa fosse usada de modo geral nas primeiras congregações. A história da liturgia na igreja antiga demonstra que a fórmula corrente usual no cristianismo ocidental, "Eu te batizo em nome...", não era genericamente usada na cristandade primitiva. (p.174)
Também é possível que o nome de Cristo não fosse pronunciado pelo batizante, mas pelo batizando, tanto na confissão de Cristo como na sua invocação. Os relatos batismais de Atos mencionam uma confissão da parte do batizando somente uma única vez, e isso não no texto original, e sim na redação posterior do Ocidental (At 8.37). Agora, é inquestionável que as confissões cristológicas registradas no Novo Testamento têm seu "Zitz im Leben" não apenas na assembléia congregacional e na proclamação missionária, mas especialmente no Batismo. Em apoio a essa idéia está também a íntima ligação entre a fé e o Batismo repetidamente mencionada e, por causa dessa relação a confissão especial daqueles que recém chegaram à fé tornou-se particularmente urgente.(p.174)
Contudo, não pode ser defendida uma confissão batismal uniforme nas congregações cristãs primitivas. Entre o uso de várias fórmulas confessionais, também é concebível que a pessoa a ser batizada respondia à mensagem a respeito de Cristo em suas próprias palavras de confissão e invocação. Se o nome de Cristo é falado no Batismo pela pessoa a ser batizada, então uma resposta ou pergunta pelo batizante pode ter precedido (At 8.37). No entanto, isso é confirmado como uma ordem fixa somente nas liturgias batismais mais tardias. Também é possível que o nome de Cristo fosse pronunciado por ambos, o batizante e o batizando, por exemplo, na confissão desse último e na proclamação ou invocação daquele.(p.174)
O Novo Testamento fala somente uma única vez sobre o Batismo "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28.19). Porquanto isso ocorre na instituição do Batismo, sugere por si mesmo uma fórmula na boca do que batiza. Aqui também não podemos projetar fórmulas posteriores para dentro da prática batismal antiga. Em cada evento a história da liturgia na igreja antiga revela que o Batismo no nome triplo também podia ser efetuado de forma a que não o batizante, mas sim o batizando confessava esse nome em resposta às perguntas daquele. (p.175)
d. Apenas dois relatos de Batismo em Atos mencionam uma imposição das mãos. No Batismo de Paulo a imposição de mãos vinha primeiro (9.17), enquanto que no caso dos discípulos de João em Éfeso elas seguiram-se ao Batismo destes (195,6). Em ambos os casos há pré requisitos que não se aplicam de forma alguma a todos os Batismos. Paulo recebeu seu Batismo como homem cego e pela imposição das mãos foi curado e recebeu o Espírito Santo. Os discípulos de João em Éfeso já haviam recebido o Batismo de João sem o Espírito Santo, antes do Espírito ter-lhes sido enviado pela imposição das mãos. (p.175)
Poderia parecer que a imposição de mãos era uma prática fixa em relação ao Batismo. Os samaritanos receberam o Espírito Santo mediante a oração e a imposição de mãos, não no momento do seu Batismo, mas após (At 8.14-24). Aqui também há um pressuposto especial, a saber, a separação cultual de séculos passados entre Samaria e Jerusalém, que agora chegara ao fim pela imposição das mãos da parte dos apóstolos, e pelo recebimento do mesmo Espírito que fora enviado à igreja primitiva em Jerusalém.(p.175)
Os demais relatos batismais de Atos silenciam sobre a imposição de mãos. Outrossim, tem sido aceito com freqüência que a imposição de mãos deve ser pressuposta como auto-evidente em cada caso, e isso poderia ser comprovado pelo fato que no relato paralelo do Batismo de Paulo (At 22.12-16) a imposição de mãos não é mencionada como ocorre em 9.17. No entanto, a conclusão geral que o Batismo e a imposição de mãos andam juntos mesmo apenas nos limites das igrejas conhecidas por Lucas, é improvável, uma vez que poucos registros tratam de casos especiais. (p.175)
É impossível pressupor a imposição de mãos na prática cristã primitiva do Batismo como algo geral. Contra isso está ainda o fato que as afirmações batismais nas epístolas não mencionam a imposição das mãos. Uma exceção é Hb 6.2, porém não podemos afirmar com certeza que esse texto trata do Batismo. Poderia referir-se a uma espécie diferente de imposição de mãos. A imposição de mãos não pode ser confirmada como um elemento fixo no rito batismal cristão senão mais tarde. (p.176)
e. Desde o princípio o Batismo foi posto em relação com a igreja. Ele era administrado por um membro da igreja, e fazia do batizado um membro da igreja. O batizado é juntado à comunhão de oração e refeição. Segundo Atos, somente o Batismo do Pentecostes aconteceu na presença da congregação - porém de outro modo, num encontro entre membros individuais da igreja e a pessoa a ser batizada. Isso obviamente está baseado na orientação particular de Atos para o avanço missionário. Referências a partes da liturgia batismal que podem ser supostas em várias cartas do Novo Testamento, apontam, por outro lado, para o "nós" das congregações reunidas (1Pe 1.3-5; Ef 5.14; Rm 13.11-14) (p.176)
O que podemos reunir de certo do Novo Testamento quanto à administração do Batismo não nos permite reconstruir de forma consistente o ato batismal cristão antigo. Precisamos contar com varias maneiras de administração do mesmo. Porém todos esses batismos são unívocos em sua referência a Cristo, cujo nome não foi posteriormente substituído pelo do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas confessado novamente de outra maneira. (p.176)
2. O Problema da Forma do Ato Batismal
Está claro que os enunciados do Novo Testamento sobre o Batismo não nos fornecem a forma para a sua administração. Estruturas básicas da forma podem ser deduzidas do Novo Testamento, porém não a forma batismal em si.(p.176)
Considerando que o Novo Testamento não transmitiu uma ordem definida do Batismo, a forma concreta da sua administração é confiada à liberdade da igreja da mesma maneira como a adoração da congregação reunida em nome de Jesus. Essa liberdade da igreja é a liberdade espiritual dos crentes que foram libertados por Jesus Cristo do ritual ético da lei cúltica dos judeus bem como de outras religiões. Essa liberdade espiritual da igreja deve ser protegida no tratado dogmático e litúrgico do problema da forma. (p.177)
No entanto, essa liberdade precisa ser bem definida e distinguida da arbitrariedade. Isso tem a ver com a liberdade que é concedida mediante o ser unido a Jesus Cristo - a liberdade dos "escravos de Cristo". Por essa razão, devem ser observados os limites a seguir, os quais se aplicam a cada forma da administração e recebimento do Batismo, a despeito de todas as variedades possíveis. (p.178)
a. O fundamento para o Batismo é, em cada caso, o fator determinante. O mandamento batismal não pode estar dissociado da morte e ressurreição de Jesus, nem da outorga do Espírito Santo. Essas obras salvadoras fundamentais de Deus, em contrapartida, não devem estar isoladas das promessas da Antiga Aliança e do Batismo de João, especialmente o Batismo que Jesus recebeu de João. Esses eventos, na totalidade de seu relacionamento histórico, são a base para o Batismo cristão. Porque o prometido da Antiga Aliança veio e o Espírito Santo foi derramado, o Batismo cristão é cumprimento escatológico, e a forma deste deve ser determinada a partir dessa premissa. (p.178)
Apesar de toda a sua liberdade, a igreja não deve agir nunca como se o Batismo se originasse dela. Ela está presa à comissão de seu Senhor. Ela não está livre para omitir ou repetir o Batismo, ou para administrar e reconhecer o Batismo numa forma que contradiz ou obscurece a sua origem. Principalmente, ela não tem a liberdade para omitir o nome de Cristo ou da sua explicação tríade-trinitariana. (p.178)
b. A forma do Batismo deve servir para testemunhar a obra salvadora que Deus realizou em Jesus Cristo e no derramamento do Espírito Santo, e que Ele deseja operar e opera no batizando. A forma deve deixar claro ao batizando que Deus está agindo nele pelo Batismo e o que Ele exige deste com base no seu batismo. Ao mesmo tempo deve demonstrar à congregação que dom é dado a ela em cada nova pessoa batizada e qual a obrigação que aquela assume para com esta última. Pois a obra salvadora de Deus no Batismo envolve escatologicamente toda a vida posterior do batizado, incluindo sua morte e futura ressurreição. (p.178)
A forma da ordem batismal não pode ser determinada apenas por esta ou aquela afirmação individual do Novo Testamento, mas precisa atentar para a riqueza das afirmações batismais. (p.178) Acima de tudo, a igreja não está livre para obscurecer a obra salvadora divina enfatizando unilateralmente a obra da pessoa a ser batizada ou ainda reduzindo o significado do Batismo à decisão desta.(p.179)
c. A forma do Batismo deve ser determinada pela universalidade do mandamento pelo qual o Senhor enviou os Seus a todas as nações para serviço de proclamar e batizar. O batizar acontece em consonância com o progresso do Evangelho para dentro de áreas sempre novas da raça humana e para o encontro com expectativas, conceitos e ritos muito diferentes. Esses são rompidos pelo Batismo. O Batismo envolve uma mudança nas regras, uma renúncia aos poderes anteriores e uma submissão a Jesus Cristo. (p.179)
Ao mesmo tempo esses conceitos são convocados a dar testemunho ao novo que irrompeu com o Evangelho e o Batismo. Esse processo de irrupção, convocação e reformulação ocorre onde quer que o Evangelho seja pregado noutra língua. Não se trata de adulterar o Evangelho, mas sim do seu avanço dinâmico em direção ao homem no seu contexto histórico. O processo de um uso crítico de conceitos estranhos é perceptível já nas afirmações batismais do Novo Testamento, especialmente a aplicação transformada de conceitos usados na piedade dos mistérios helenistas. (p.179)
Esse avanço deve, em princípio, continuar se o significado salvador do Batismo deve ser testemunhado eficazmente em novas frentes históricas. Esse processo não está confinado a palavras mas pode também ocorrer na listagem crítica de símbolos e ritos. Nesse aspecto, o Novo Testamento não permite mais do que conjeturas. Agora, a história da liturgia batismal na igreja antiga revela claramente que a igreja não parou com uma arrolagem crítica de palavras e conceitos de fora do ambiente cristão. Nem pode, em princípio, ser rejeitado o desvendar do sentido do Batismo por meio de ações simbólicas. O Concílio Vaticano II, acertadamente chamou atenção para essa possibilidade. Nessa liberdade, a igreja está obrigada a tomar cuidado antes que o avanço crítico se torne uma adaptação e assim uma adulteração que obscurece o evento batismal ou ainda o torna irreconhecível. (p.179)
d. A forma do Batismo precisa demonstrar a relação que existe entre Batismo, fé e igreja. O ato batismal nunca pode estar desligado da fé do batizando nem da fé da igreja. (p.179) A preservação dessa relação é responsabilidade da instrução e exame dos catecúmenos antes da sua admissão ao Batismo e, também da instrução das crianças após o Batismo. Em cada caso, a instrução diz respeito à confissão da fé, seja em relação a um desejo pelo Batismo ou como um resultado do mesmo. Tendo em vista os problemas do Batismo infantil discutidos acima, a relação entre Batismo, fé e igreja deve ser enfatizada de forma nova e expressa na forma do ato batismal. Dessa maneira tornar-se-á mais evidente que o "Credo" do batizando, dos pais e dos padrinhos significa unir-se ao "Credo" da igreja que envolve a criança, os pais, os padrinhos e posteriormente acompanha-os com a sua intercessão e testemunho. (p.180)
e. A liberdade da igreja em moldar o ato do Batismo é limitada pela unidade do Batismo. (Ef 4.4-6). Em toda a variedade de formas possíveis cada Batismo deve demonstrar com clareza que aqui o mesmo Batismo está sendo administrado por meio do Deus que em todas as épocas e lugares tem entregue e continua a entregar os homens à morte de Cristo e à esfera do Seu domínio espiritual. Isso não significa que seja exigida uniformidade na liturgia batismal. O fato que o Batismo era administrado de diferentes maneiras em diferentes áreas da cristandade, não torna questionável a unidade do Batismo. Pois a estrutura básica da igreja é a comunhão e, portanto, a unidade na diversidade. (p.180) No entanto, deve haver um consenso entre as igrejas sobre o que constitui o centro e essência de cada Batismo cristão, e esse consenso deve expressar-se também na forma do ato batismal. Também cristãos que não são treinados na ciência litúrgica e os não cristãos devem poder perceber a unidade do Batismo. (p.181)
f. Há uma tensão entre os pontos de vista expressos nos dois parágrafos anteriores. Por um lado, a unidade do Batismo serve como expressão de uma regra outorgada pela preservação e desenvolvimento de uma liturgia batismal definida e historicamente estabelecida. Por outro lado, o avanço para novas áreas do mundo exige mudanças. Por isso também a questão referente à forma do Batismo envolve o problema da relação entre a tradição e a renovação. (p.181)
É um empreendimento importante partir da ordem batismal do Senhor e do testemunho do Novo Testamento e fazer avanços sempre novos e também mudar tradições litúrgicas veneráveis no processo de partir conceitos e ritos do respectivo meio ambiente e fazer uso deles. Ao mesmo tempo, a forma do Batismo deve revelar com clareza o que Deus deseja fazer com o povo hoje. As dificuldades e perigos de tais mudanças na tradição são óbvias. O perigo de surgir questionamentos sobre a unidade por meio da multiplicidade de formas em constante modificação não é menor do que o perigo de um tradicionalismo que se prende a uma forma de Batismo que se tornou ininteligível. Esses perigos podem ser mitigados se as partes das fórmulas batismais não são todas fixadas literalmente e se do seu princípio são oferecidas oportunidades para o testemunho e a oração livres.(p.181)
Com isso a tradição e a atualização resultarão numa relação de uma com a outra e não numa oposição. A nova forma não significará um rompimento com a primeira, mas antes seu desvendamento e correção. Assim como a igreja, também a forma do ato batismal precisa ser "constantemente reformado".(p.182)
As reflexões acima sobre os limites da liberdade da igreja no seu exercício da mesma não implica uma modificação dessa liberdade. Ao contrário, essa liberdade fundamenta-se precisamente na comissão do seu Senhor e na obra salvadora de Deus realizada mediante o Batismo. Por isso a obediência da igreja à orientação do Senhor não é exigida como obediência à Lei, porém, ao Evangelho. Essa obediência é alegria no Espírito Santo. (p.182)
Considerando, portanto, que a forma do Batismo é aplicação prática da espontaneidade espiritual da comunidade de crentes, nenhuma ordem batismal deve ser entendida como Lei e a validade do Batismo não pode ser dependente da observância de uma ordem em especial. Como no cânon da lei, também aqui deve ser feita uma distinção entre o "direito divino" e o "direito humano", mais precisamente, entre o mandamento divino e a realização histórica. No entanto, essa realização não pode estar dissociada do amor que mantém a unidade entre todos os batizados e que é expresso na forma do Batismo. (p.182)
Em princípio, a liberdade da forma não deve ser restringida, e a forma não deve ser erradamente erigida como dogma. Agora, a observância de ordens específicas de Batismo não é uma revogação dessa liberdade, antes, porém, obediência à lei do amor, segundo a qual o batizante individual e a congregação individual renunciam ao exercício da liberdade recebida para que a unidade do Batismo possa ser manifesta a todos os cristãos, bem como aos não cristãos. (p.182)
No que segue nos deteremos à própria forma do ato batismal. Pressupomos, para tanto, concordância na fé cristã e no Credo da igreja, entre aqueles que desejam o Batismo para si próprios ou para seus filhos e aquele que o administra. (p.182)
3. O Centro Constitutivo do Batismo
Conforme várias ordens das igrejas, o ato do batismo, via de regra, inclui palavras de proclamação, de confissão, de oração, de bênção e em grande parte também atos como a imposição de mãos, sinal da cruz, etc. Aqui pretendemos, antes de tudo, perguntar pelo centro do ato batismal, qual seja, o que deve ser mantido como condição indispensável para o reconhecimento de um Batismo cristão validamente administrado. Essa é uma questão dogmática, bem como canônica e também litúrgica. Esse centro constitutivo é o ato batismal em si. Na prática batismal das igrejas esse fato torna-se evidente sempre de novo, sempre que for administrado Batismo de emergência na iminência da morte, e a forma desse ato deve limitar-se ao que é indispensavelmente necessário. Nas duas secções seguintes os desenvolvimentos litúrgicos do ato do Batismo serão tratados a partir da perspectiva desse centro - primeiramente aqueles desenvolvimentos que resistem à Palavra e então aqueles que são expressos por atos posteriores. (p.183)
Na administração do Batismo, o centro é a aplicação de água ao batizando por imersão ou derramamento, junto com a invocação do nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O nome é tão decisivo que por meio dele a água torna-se um Batismo. Por meio do nome invocado, o Batismo cristão é distinguido de todos outros batismos, lavagens e aspersões religiosos. (p.183)
a. Não pode ser particularmente deduzido com certeza das afirmações do Novo Testamento sobre o Batismo: "sobre(em) o nome de Jesus Cristo", "do Senhor Jesus", "do Senhor Jesus Cristo", bem como "em o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", se essas expressões se referem a descrições de Batismo ou a fórmulas utilizadas no Batismo. No entanto, é certo que o nome era pronunciado junto com o ato do Batismo e que isso não era feito sempre numa única formulação. Segue-se daí que, em princípio, vária formulações do nome no Batismo cristão são possíveis. Na igreja antiga, a invocação do nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo tornou-se logo a prática geral e firmou-se a compreensão trinitária dessa fórmula trina. (p.183) Mais tarde os Batismos no nome de Cristo apenas foram até mesmo considerados por alguns como sendo inválidos.(p.184)
Com base nos relatos do Novo Testamento deve-se concordar que no batismo o nome era pronunciado pelo batizante ou pelo batizando ou por ambos. O fato que o batizante e não o batizando invoca o nome do Deus Triúno na igreja antiga durante o ato batismal é apropriado à natureza do Batismo como sendo algo que acontece ao batizando: Deus é o agente mediante o Batismo, enquanto o batizando é apenas o recipiente. Embora, em princípio, hajam várias possibilidades para o pronunciar do nome, por causa da unidade da igreja visível, a cristandade também insistiria que o batizante fale o nome sobre o batizando. (p.184)
A fórmula pela qual isso é feito é diferente no Oriente e no Ocidente. A Igreja Ortodoxa usa as palavras: "Fulano de Tal é batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". A Romana e as igrejas da Reforma dizem: "Fulano de Tal, Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". A forma passiva da Ortodoxa, em que o batizante não está explicitamente incluído dá uma ênfase especial à exclusividade da obra de Deus. Contudo, a forma Ocidental seria mal compreendida se fosse vista como que destacando a pessoa do oficiante. Também na compreensão Ocidental o oficiante é apenas o instrumento, enquanto Deus é o agente. Nesse aspecto não há diferença essencial entre as duas fórmulas. Em cada caso, a pessoa e o nome do oficiante não são importantes para o evento batismal. Já a pessoa do batizando, em quem Deus está agindo pela Palavra e a água, é importante. Nesse aspecto é apropriado que o batizando seja mencionado pelo nome na fórmula batismal. (p.185)
No Novo Testamento a preposição mais comum para o nome invocado é "eis" ("em" nome, ou, mais exatamente, "para dentro" do nome), enquanto "en" e "epi" também são usados. Igualmente em Mt 28.19, o Batismo é ordenado "para dentro do nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". Este "eis" expressa não apenas a relação com esse nome, mas também cedência à realidade divina designada pelo nome. Na forma posterior de batizar "em nome do Pai e do Filho e do Espírito santo", o acento cai sobre o fato que o Batismo é efetuado por ordem e autoridade do Deus Triúno e, por isso, Deus é o agente. Isso corresponde às afirmações batismais do Novo Testamento, porém o aspecto especial da cedência não encontra ênfase nessa fórmula em si. Em cada evento é alvo da instrução para o Batismo dar destaque claro ao aspecto da cedência ligado ao falar do nome. (p.185)
b. A maneira como a água era aplicada nos Batismos cristãos antigos, não pode ser determinada com certeza a partir do Novo Testamento. Provavelmente a regra era da imersão total. (p.185)Assim era na igreja antiga e permaneceu o costume no Ocidente até a Idade Média. A igreja Oriental observa-o ainda e o movimento batista reavivou-o no Ocidente. No entanto, há indícios de que já os Batismos cristãos primitivos não eram administrados exclusivamente por imersão total, mas também por derramamento. Essa possibilidade é mencionada explicitamente na Didaquê e posteriormente atestada principalmente em relação com o Batismo de um enfermo. Depois que a Igreja Ocidental, no século 14 permitiu o derramamento ao lado da imersão, aquele se firmou mais e mais, sendo adotado também pelas igrejas da Reforma. (p.186)
Uma vez que a tradição do Novo Testamento não prescreve nenhuma forma específica de aplicação de água e uma vez que os enunciados sobre o significado salvador do Batismo fazem pouco uso duma interpretação simbólica da água, a validade do Batismo não pode depender da maneira como a água é aplicada. Agora, deveria ficar claro pelo uso da água que no Batismo a vida do batizando é tomada de tal maneira que envolve a pessoa como um todo. Por essa razão as formas apropriadas de aplicação são a imersão ou o derramar quanto mais água possível. Afora o Batismo de enfermos, a aspersão e, certamente o simples umedecer devem ser evitados. É indiferente se a imersão ou derramamento são feitos uma ou três vezes. (p.186)
4. Desenvolvendo o Ato Batismal Através da Palavra.
A invocação do Deus triúno contém o reconhecimento da obra salvadora que Deus realizou uma vez por todas ao enviar a Jesus Cristo e o Espírito Santo e que Deus deseja operar mediante o Batismo. (p.186) O nome triúno de Deus contém o reconhecimento de todos os atos de Deus por ele realizados e que prometera realizar. Essa concentração contida no nome deve ser desenvolvida na liturgia batismal. Por causa do significado decisivo do nome, e da palavra, no centro do Batismo, essa expansão deve acontecer acima de tudo pela Palavra. (p.187)
Aqui devem ser consideradas todas as formas pelas quais a fé responde ao Evangelho proclamado: Na invocação de Deus e na palavra dirigida aos homens, isto é, na oração e adoração de um lado, e no testemunho e ensino de outro lado. No entanto, essas diferentes formas de expressão estão concentradas na confissão que o crente faz na presença de Deus e do público. A bênção combina a invocação a Deus com a garantia dada aos homens. (p.187)
No desenvolvimento litúrgico do ato batismal, deve-se considerar o fato que (afora no Batismo infantil) a fé e questionamento da pessoa a ser batizada precede a administração do Batismo. O ato batismal deve permitir à pessoa a ser batizada a se expressar por si mesma, enquanto profere seu desejo pelo Batismo e confessa a sua fé. Deve-se, outrossim, reter na mente que mediante o Batismo Deus está agindo em direção à igreja. Ele não somente arrola a igreja como instrumento do Seu batizar, mas torna o batizado um membro da igreja, causa o crescimento da igreja mediante o Batismo e confia a ela o batizado para o resto de sua vida. Por isso, também à igreja deve ser permitido expressar-se no desenrolar litúrgico do ato batismal. (p.187)
Finalmente, deve ser lembrado que o dom do Batismo é muito grande para ser adequadamente expresso por meio de apenas uma categoria de conceitos. Nenhuma formulação dogmática ou litúrgica em especial é suficiente para prestar completo testemunho dessas riquezas. Por isso, deve ser deixado espaço na liturgia, entre as partes fixas para formulações diversificadas e, especialmente, também para a livre palavra de testemunho e oração, de modo que a plenitude da compreensão do Novo Testamento sobre o Batismo possa ser expressa. (p.188)
a. Embora as afirmações bíblicas em defesa do Batismo pertençam à instrução catequética, é normal ler os textos bíblicos mais importantes no início do serviço batismal. Isso se aplica especialmente ao mandamento batismal, Mt 28.18-20, uma vez que ele provê a autorização para o que segue após. Freqüentemente é adicionado Mc 16.16. No entanto, deveria ser considerado se em lugar desse texto não seria melhor ler o relato do Batismo de Jesus por João antes do mandamento batismal. O Batismo de Jesus não assume qualquer papel na história da liturgia batismal, porém é básico no ensino da igreja sobre a instituição do Batismo. (p.188)
Por causa da atual crise sobre o batismo, não se deveria administrar nenhum Batismo sem primeiro haver uma alocução batismal, embora breve, precedendo-o. Essa referência deveria sempre estar baseada num dos textos batismais do Novo Testamento. Ao mesmo tempo, esse uso do texto deveria relembrar à Congregação o benefício do Batismo já recebido. Pela alternância de textos batismais em sucessivos atos batismais e pela proclamação ligada ao conteúdo específico de cada texto, a congregação se tornaria ciente das riquezas do evento batismal. Essa referência à situação específica do batizando e da congregação não pode ser substituída por fórmulas fixas no ritual. Contudo, o propósito da alocução batismal não é atingido por meio observações genéricas sobre o amor e graça de Deus. O que deve ser enfatizado é a graciosa obra salvadora de Deus no Batismo. (p.189)
A alocução batismal deve combinar a promessa com a exortação. Enquanto a alocução batismal proclama a obra que Deus quer realizar mediante o batismo, o "votum" pós-batismal pressupõe o batismo. Esse "votum" na forma de bênção garante ao batizado o que começou em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo: "O onipotente Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que te regenerou pela água e pelo Espírito Santo e te perdoou todos os teus pecados, te fortaleça com a sua graça para a vida eterna". (p.189)
As orações batismais também expressam o significado do nome triúno de Deus. Na oração antes do ato batismal, é feita intercessão pela pessoa a ser batizada, a saber, a petição para que Deus lhe conceda os dons prometidos no batismo. Nesse ponto a oração pelo Espírito Santo deve ser especialmente enfatizada. (p.189) Essa oração reconhece ao mesmo tempo que a igreja não controla a graça batismal. Ao contrário, ela é concedida por Deus em sua soberana liberdade. Na oração após o Batismo e o "votum" pós-batismal, o louvor e ação de graças do batizando e da congregação são oferecidos a Deus por aquilo que ele realizou no batismo. Aqui deveria ser afirmado o fato da adoção como filho de Deus, ocorrida no batismo. As orações também não deveriam ser proferidas segundo uma única forma fixa, porém expressar as riquezas do dom batismal. (p.190)
b. Se o pré requisito para o recebimento do Batismo é a fé e o desejo pelo batismo, então no desenvolvimento da forma do ato batismal ambos devem ser expressos pela pessoa a ser batizada. Isso pode ser feito de várias maneiras, especialmente na medida em que a confissão de fé está presente, como se evidencia da história da liturgia. Essa confissão pode ser feita pelo simples responder às perguntas com um Sim ou repetindo as afirmações de fé contidas nas questões, ou por meio do Credo falado em conjunto com o batizando, os padrinhos e a Congregação inteira, ou, ainda, por meio da confissão pronunciada pelo batizando em reposta às perguntas batismais. A validade do Batismo não requer que todas as igrejas tenham a mesma fórmula de confissão da fé, porém, requer que todas tenham em sua confissão o mesmo conteúdo da fé.(p.190)
Por causa da unidade na fé, que precisa estar evidente para todos, a pessoa a ser batizada deve confessar sua fé nas mesmas palavras da igreja da qual deseja receber o Batismo. Pela mesma razão faz parte do bom senso para as muitas igrejas usarem o mesmo texto da confissão batismal na sua instrução catequética e na sua administração do Batismo. Na cristandade Ocidental usa-se o Credo Apostólico. O ego do confessor se evidencia apenas no "Creio". Com isso o crente deixa de olhar para si mesmo e passa a olhar para Deus. O Credo é totalmente dirigido a Deus. No entanto, a confissão de pecados e a decisão de afastar-se do pecado não está presente em cada confissão da fé, senão de forma implícita. (p.191)
Esses aspectos implícitos devem tornar-se explícitos em afirmações especiais. Na história da liturgia batismal isso acontecia especialmente na "abrenuntiatio" (a renúncia a Satanás) e a "syntaxis" (comprometer-se com, afiançar-se a Cristo), bem como no voto batismal. Em princípio, essas partes litúrgicas nada dizem diferente daquilo que de fato ocorre na confissão da fé. São formulações liturgicamente fixadas de aspectos que estão presentes no Credo. (p.191)
No decurso da história a "abrenuntiatio" recebeu várias formulações. Porém sempre envolvia renúncia do batizando ao domínio do diabo, geralmente mediante referência direta a este. Confissões de pecado, por outro lado, raramente eram explícitas na liturgia batismal. Segundo o Novo Testamento, o domínio do pecado e do diabo andam juntos, e essa relação tem sido mantida no ensino da igreja sobre o Batismo (ex.: As palavras de Lutero na resposta à segunda pergunta sobre o Batismo: "Que dá ou aproveita o Batismo? Opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem...").(p.191)
Não podemos ignorar, porém, que a "abrenuntiatio" representa um subterfúgio que ultrapassa as afirmações batismais do Novo Testamento. Estas colocam a libertação do domínio do pecado no pressuposto - não a libertação do jugo de demônios. Por isso as liturgias evangélicas mais recentes têm apropriadamente sujeitado a "abrenuntiatio" a uma revisão crítica. Seria mais apropriado dar expressão explícita na ordem do Batismo ao aspecto da confissão de pecados contido na confissão de fé. Enquanto que o lugar da renúncia ou confissão dos pecados na ordem Batismal se encontra antes da confissão da fé, precisamos perguntar se o "penhor batismal" deveria ser pronunciado pela pessoa a ser batizada antes ou após o ato do batismo. Porquanto a possibilidade de andar em novidade de vida é o resultado do Batismo, seria apropriado colocar a promessa de obediência após o Batismo como uma resposta à admoestação a ela relacionada. (p.192)
c. A Congregação participa no Batismo de forma ativa e receptiva. O instrumento da ação de Deus não é apenas a pessoa batizada, mas a congregação inteira. No batizando a Congregação recebe um novo membro. Por essa razão o Batismo deveria ser administrado na presença da congregação reunida. Apenas deveria receber o Batismo em casa ou no seu leito de enfermidade. (p.192)
A congregação deve ter algo a dizer no ato batismal. Sua participação não pode estar limitada à oração silenciosa, ao ouvir do sermão, à confissão e ao testemunho visual do ato batismal. Por meio dos seus hinos, a congregação deveria clamar pela vinda do Espírito Santo e louvar a Deus pelo que Ele realizou pelo batizado e pela congregação mediante o Batismo. Com o seu Amém, a congregação deveria receber a confissão do batizado. Junto com oficiante e o batizando, a congregação deveria unir-se na oração do Senhor. (p.192)
d. O Batismo de adultos e de crianças é o mesmo e único Batismo. A identidade é expressa nisto que em ambos os casos o Batismo em seu centro constitutivo é administrado de uma mesma forma. É verdade que o Batismo infantil traz problemas peculiares para o desenvolvimento litúrgico posterior do ato batismal.( p.193)
Na situação missionária da igreja primitiva, o ato batismal tornou-se prática exclusivamente com relação a adultos que vieram à fé e pediram o Batismo. A mesma liturgia era então utilizada para o Batismo de crianças. Essa prática foi mantida mesmo quando posteriormente o Batismo infantil superou em número o de adultos. Por isso as questões com relação a renúncia, desejo do Batismo e fé foram dirigidas à criança, porém respondidas pelos padrinhos como fiadores. Assim os padrinhos assumem o lugar dos infantes e respondem em seu nome. O pré requisito para isso (cf. cap. 3.4.d.) é a compreensão da igreja como o âmbito do poder de Cristo e da comunhão do Espírito Santo, em que um representa o outro e Deus responde à oração e consuma aquilo que Ele principia no Batismo. O batizado não é apenas um indivíduo, porém um membro do corpo espiritual de Cristo. (p.193)
Deveria ainda ser respondido se essa relação eclesiológica permanece também obscura e é inadequadamente demonstrada quando a ordem para o batismo de adultos é também usada para o infantil. Há algum recurso nas perguntas batismais já em Agostinho no sentido delas serem dirigidas não à criança, porém aos padrinhos. Eles devem afirmar que a criança renuncia ao diabo, crê e deseja o Batismo. Dessa maneira, no entanto, o problema relacionado às perguntas no Batismo infantil não são solucionados, apenas tocados de leve. (p.193)
Seria apropriado então, em relação ao Batismo infantil, refazer as perguntas de tal maneira que os pais e os padrinhos são questionados com respeito à sua própria fé e o seu desejo de ver seu filho batizado. Segundo essa ordem, os pais e padrinhos fazem a confissão da sua própria fé na presença da congregação, e as afirmações sobre a fé das crianças são transformadas numa oração tendo em vista à fé nelas. As afirmações sobre a renúncia da criança tornam-se então numa oração pela libertação destas do domínio do pecado e do diabo. (p.193) A promessa da pessoa a ser batizada torna-se a promessa dos pais e padrinhos no sentido destes conduzirem a criança no caminho da fé cristã. Uma vez que o assumir dessa responsabilidade é o pré requisito para a administração do Batismo infantil, seu lugar apropriado (em distinção do Batismo de adultos) é antes do ato batismal. (p.194)
Igrejas Luteranas e Reformadas do sudeste da Alemanha foram nessa direção, desenvolvendo fórmulas especiais para o Batismo infantil. Essas têm sido amplamente disseminadas. Nelas as diferenças entre o Batismo de adultos e o infantil são reduzidas em essência às perguntas batismais e o acréscimo da perícope sobre Jesus abençoando as criancinhas. Essa reformulação das perguntas batismais trazem consigo o perigo de não ser demonstrado de forma clara o significado elementar do Batismo como um evento entre Deus e o batizando, e poderia surgir a impressão que Deus está fazendo no Batismo infantil algo diferente do adulto. (p.194)
5. Desenvolvendo o Ato Batismal Através de Atos Futuros
O livro de Atos registra casos isolados de imposição de mãos no ato do Batismo. Contudo, no decurso da história da liturgia, vários atos adicionais logo se tornaram partes fixas da liturgia batismal. Em parte vieram do Judaísmo, em parte são transposições de termos metafóricos para o Batismo no Novo Testamento (como "ungir" e "selar") em atos que, em contrapartida, têm antecedentes vétero testamentários. Em parte, ainda, são buscados da tradição do Evangelho (como o exorcismo, Efatá ou lavagem dos pés). Os atos adicionais acompanhantes são moldados primeiramente pelas tradições do Antigo e do Novo Testamentos. No entanto, foram desenvolvidos também com influências histórico religiosas, especialmente pelo contexto Helenista - como foi o caso também no desenvolvimento da teologia do mistério da igreja antiga. Via de regra, esses atos que cercam o Batismo estavam ligados com uma palavra que até prometiam ao batizando um efeito especial do evento batismal ou interpretavam os atos adicionais. (p.194)
A igreja antiga adotou tais atos numa grande variedade de formas e significados e os colocou a serviço de um desenvolvimento litúrgico do Batismo. Muito embora certos atos dessa variedade, especialmente a imposição de mãos, a unção com óleo e o sinal da cruz fossem amplamente disseminados e em um certo sentido tornaram-se constantes da liturgia batismal, seu significado não foi o mesmo em cada caso.(p.194) Um mesmo e único ato praticado antes ou após o Batismo, poderia ter um sentido diferente. Os significados dos vários atos podiam ser aglutinados. Um número de diferentes atos podiam ser também combinados. Por isso o significado desses ritos não pode ser sempre determinado com exatidão. (p.195)
Apesar de toda a variedade, essas ações têm em comum o fato que elas quase sempre eram realizadas ao batizando pelo oficiante (ou o seu assistente). Deve ser feita uma diferenciação entre os ritos realizados em relação ao batizando e os efetuados nos elementos batismais. Os últimos de fato também estão relacionados ao batizando, porém não diretamente.(p. 195)
a. A imposição das mãos logo após ao ato do Batismo é amplamente atestada em várias liturgias batismais da igreja antiga e é ainda praticada em muitas igrejas em relação com "votum" pós-batismal. Esse ato dá ênfase especial ao significado do Batismo como a outorga do Espírito.(p.195) Contudo ela é usada também em combinação com outras palavras e atos (por exemplo, a unção, o sinal da cruz e a oração do Senhor). Isso concorda com o fato que também o Novo Testamento fala da imposição das mãos em diferentes contextos. (p.196).
O ato de ungir logo se tornou também um ritual fixo, e em parte complementou a imposição das mãos ou a substituiu. Era realizado às vezes antes, às vezes após ao Batismo - algumas vezes aplicado ao corpo todo, outras apenas na fronte. Esse ato também enfatiza o aspecto da outorga do Espírito - porém de modo geral em relação à compreensão da unção como consagração ao sacerdócio ou também como inauguração do reino. Onde isso acontece conscientemente, a unção testifica que o crente se torna um membro do sacerdócio e povo real de Deus mediante o Batismo e o Espírito Santo. Nesse sentido a relação cristológica do Batismo se destaca ao mesmo tempo, pois ao confessar o nome de Cristo a igreja reconhece a Jesus como o ungido Messias-Rei. Na igreja Ortodoxa, o crisma recebeu um peso dogmático especial que em certo sentido corresponde à imposição das mãos praticada pela Igreja Romana em relação à confirmação. Contudo, ao contrário desta, o crisma Ortodoxo tem permanecido um componente do ato batismal. (p.196)
O ato de fazer o sinal da cruz sobre o batizando já bem atestado no final do 20 século, chama atenção especial ao aspecto do selar contido no Batismo. Enquanto no Novo Testamento o ato de selar, bem como também a unção, foi uma designação metafórica do Batismo com vistas à outorga do dom do Espírito, o selar tornou-se um ritual na igreja antiga pelo qual era enfatizado o significado cristológico do batismo, a saber, a subordinação do batizando sob o domínio do crucificado. Assim o sinalizar da cruz também poderia ser interpretado como "comprometimento ao serviço militar de Cristo". Em algumas liturgias o sinal da cruz é aplicado junto com a unção, e outras ele está ligado à imposição das mãos. Contudo, também a unção sem o sinal da cruz foi ocasionalmente interpretada como um ato de selar.(p.196)
O exorcismo realça o aspecto contido no Batismo em que o crente é removido do âmbito do poder satânico-demoníaco. Ele é o desenvolvimento concreto da negação contida no ser entregue a Cristo, porém não é falado pelo batizando na forma de renúncia, mas pelo oficiante na forma de uma ordem a Satanás para que se retire do batizando. (p.196) A palavra de exorcismo não está sempre ligada ao mesmo ato nas várias liturgias batismais. Algumas vezes está ligado ao soprar sobre o batizando, outras ao tocar o mesmo com a saliva do oficiante. Ocasionalmente, também a imposição das mãos, o sinal da cruz e outros atos acompanhando o batismo eram entendidos no sentido exorcizante.
O papel preponderante que o exorcismo adquire em algumas liturgias batismais e que é expresso numa multiplicação de exorcismos representa um óbvio afastamento das afirmações batismais do Novo Testamento. Enquanto estas claramente atestam a mudança de dominadores ocorrida no Batismo, elas falam menos da libertação de Satanás do que da libertação do domínio do pecado. (p.197)
A entrega de sal, que é de origem posterior, foi amplamente interpretada num sentido exorcizante. Seu significado, porém, não pode ser limitado a esse sentido. Há muito em favor do argumento que esse ato expressa o aspecto do estabelecer a aliança contida no Batismo. Em todo caso, o Antigo Testamento fala numa "aliança de sal" (Nm 18.19; 2Cr 13.5), e o comer reunido do sal é mencionado também em contextos Orientais e Helenistas, significando que os participantes estão entrando numa "relação de amizade e confiança".(p.197)
A alimentação consistindo de leite e mel toma a promessa do Antigo testamento da terra que "mana leite e mel" (Ex 3.8 et.al.) e pode ser entendida como apontando para o futuro escatológico do povo de Deus e, relacionado com a Ceia do Senhor, como um sinal do aguardar pelo banquete no reino de Deus. (p.197)
b. A cerimônia de consagração da água dá ênfase especial no aspecto contido no ato batismal de separar a água para a obra de Deus mediante o Batismo. A unidade desse ato com o Batismo é preservada nisto que, como norma, ela é também realizada em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Na medida em que a água é consagrada em algum momento ou então no ato do Batismo, assim que a mesma água consagrada é usada para muitos Batismos, essa cerimônia expressa o aspecto da unidade eclesiológica contida em cada Batismo. (p.197)
Não pode ser ignorado, porém, que a consagração da água sugere uma mudança na perspectiva, à revelia das afirmações do Novo Testamento, muito embora a cerimônia reflita um aspecto que está presente em cada ato batismal.(p.197) Enquanto no Novo Testamento a água unida à Palavra é o veículo da ação de Deus no ato batismal, a água consagrada recebe um significado independente ao lado desse ato. O foco é mudado do ato de imersão ou derramamento para a substância da água. Aos poucos foram acrescentadas a esse ritual idéias questionáveis da água consagrada sendo portadora do Espírito Santo. (p.198)
Observações semelhantes podem ser feitas sobre a consagração do óleo. Aqui as mudanças de natureza são ainda mais sérias, porque a unção não é essencial para o ato do Batismo. (p.198)
Avaliando as várias cerimônias mencionadas, especialmente as do grupo a. (acima), podemos dizer que apesar da variedade de seus significados, aqueles contextos elementares de significado retornam ao sentido em que o Novo Testamento quer que entendamos o Batismo: o contexto Cristológico, Pneumatológico e Eclesiológico. A base principal é ocupada pelo contexto Pneumatológico. Cada um desses contextos também contém implicitamente a separação que ocorre mediante o Batismo. Essa separação é feita explicitamente no exorcismo e, ainda, por meio de repetição, expressa de forma unilateral. (p.198)
O fato que no decorrer da história da liturgia o ato batismal foi desenvolvido não apenas por meio de palavras mas também por meio de ações, não pode de maneira alguma ser condenado em princípio. Tal desenvolvimento é justificado na medida em que pelos seus aspectos do próprio Batismo são especialmente acentuados e esclarecidos. (p.198)
Sob aquelas circunstâncias o acréscimo de cerimônias é uma expressão da liberdade que foi concedida à igreja com a comissão de pregar o Evangelho. Nessa liberdade, a igreja pode testemunhar da obra salvadora de Deus também por meio de sinais visíveis. Nem pode haver qualquer objeção ao fato que a igreja antiga também arrolou conceitos e costumes do ambiente pagão. É precisamente no avanço pelo mundo, no penetrar e transformar os conceitos e costumes do mundo que o domínio de Cristo é afirmado. Portanto, não pode haver qualquer objeção, em princípio, se no seu avanço para dentro de áreas de outras culturas e religiões o Batismo é tornado significativo pelo uso de diferentes sinais, descartando cerimônias tradicionais que eram ininteligíveis num novo contexto. (p.198)
Se os atos que acompanham o Batismo são vistos como explicação simbólica daquilo que Deus faz mediante o Batismo, sua variedade não deveria ser surpreendente. As riquezas da obra divina não podem ser expressas apenas por uma única palavra. Nem deveria haver qualquer surpresa no fato que os sentidos desses atos geralmente se aglutinam de maneira peculiar e são geralmente difíceis de serem delimitados em detalhes. (p.198) Os atos prestam testemunho do mesmo evento batismal. Se o caráter de testemunha desses atos é mantido, pode-se também entender porque a seqüência em que eles se desenvolveram na estrutura das várias liturgias e geralmente de forma tão diferente. Se eles são testemunhos ilustrativos do mesmo evento batismal, então apontam para o mesmo centro. (p.199)
A concordância de todas as igrejas de que as cerimônias adicionais não possuem aspecto constitutivo do significado, da validade e do efeito do Batismo é revelado pelo fato que estas podem ser omitidas no Batismo de emergência. Apenas a invocação do nome Triúno e o uso de água são essenciais. Os atos litúrgicos que circundam o próprio ato batismal, não possuem qualquer significado constitutivo, antes, eles ilustram o centro constitutivo do Batismo. Cada coisa que essas cerimônias confirmam e simbolizam são concedidas ao batizando total e completamente mediante o simples ato de imersão ou derramamento em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. (p.199)
6. O Perigo de se Obscurecer a Compreensão do Batismo
Antes de tudo, entendemos os atos que, em muitas igrejas circundam o ato batismal como testemunhos ilustrativos e esclarecimentos simbólicos. Contudo, a interpretação teológica e especialmente a piedade popular não param nessa compreensão. Isso não é verdadeiro em relação a todas as cerimônias batismais da mesma maneira. É especialmente o exorcismo, a imposição das mãos e a unção que tem sido vistas como meios eficazes da graça e por isso não apenas num sentido significativo, porém também eficaz. Isso se confirma pelas palavras ligadas a esses atos. Elas seguidamente não possuem apenas um caráter significativo e de testemunho, mas também um aspecto promissor e de concessão. Contudo, isso levanta a questão sobre que conclusões devem ser extraídas de tal compreensão eficaz desses atos que acompanham a compreensão do próprio Batismo, isto é, o centro constitutivo do ato batismal. (p.199)
Essa questão pode ser atacada de vários ângulos. Indubitavelmente a compreensão dos tempos desempenha aqui um papel especial. Por essa razão, o problema será tratado a partir dessa perspectiva. (p.199)
É possível ignorar a seqüência de tempo na interpretação litúrgica e ver os vários atos como circulando em torno do centro do ato batismal. Tal conceituação está presente especialmente no pensamento Oriental. Em distinção à Igreja Romana, a Ortodoxa recusa-se a fixar o momento da consagração dos elementos na Ceia do Senhor (ela acontece por meio da epíclese, das palavras da instituição ou na totalidade das orações eucarísticas?), e por isso na celebração eucarística tendo em vista ao tempo na eternidade em certo sentido permanece como está. Assim também no Batismo a seqüência temporal dos atos individuais da liturgia batismal podem tornar-se sem importância na certeza da fé. Nesse caso as cerimônias precedentes e posteriores são entendidas como uma unidade com o ato batismal em si. Então nada mais é concedido mediante essas cerimônias do que mediante o próprio Batismo.(p.200)
Muito embora elas sejam consideradas meios eficazes, elas simplesmente revelam as riquezas do próprio Batismo. A unidade Cristológica, Pneumatológica e Eclesiológica da obra divina mediante o Batismo pode permanecer intacta, convivendo com uma compreensão eficaz das cerimônias que o acompanham. Embora essas cerimônias ocorram numa seqüência temporal, elas não precisam ser interpretadas no sentido de condições para e suplementos ao Batismo. (p.200)
No entanto, isso de fato começou a acontecer muito mais na igreja Latina do que na Grega. Não apenas surgiu a pergunta se era recebida a libertação do domínio dos poderes da perdição pelo exorcismo ou pelo Batismo, ou se o Espírito Santo era concedido mediante o Batismo ou a imposição das mãos, etc, senão que haviam respostas a essas questões que reduziam a compreensão da obra de Deus no Batismo. Tertuliano já era da opinião que o Batismo concedia apenas o perdão dos pecados, e não o Espírito Santo. Esperava-o pela imposição das mãos. Houve ampla divulgação da noção que o exorcismo era exigido antes da renovação pelo ato batismal. Exemplos de tais interpretações podiam ser multiplicados. Em tais casos as cerimônias não serviam mais para testemunhar do próprio Batismo, pois elas assumiam o seu lugar ao lado do Batismo como meios especiais de salvação. Elas não desenvolviam mais alguns aspectos do Batismo, mas traziam à tona esses aspectos em lugar do Batismo. (p.200)
Perguntas semelhantes surgem quando consideramos as repetições de uma mesma cerimônia em várias liturgias batismais. Isso se aplica especialmente ao exorcismo e à unção. Tais repetições tornam as questões ainda mais urgentes como o que o batizando recebe pelos atos adicionais em contraste ao próprio Batismo. Será que a repetição não dá a esses atos por si mesmos uma importância adicional? Será que pelo seu grande número eles não diminuem a importância do Batismo único? Também essas perguntas não precisam ser respondidas incondicionalmente na afirmativa. Se ignorarmos a seqüência temporal e vermos esses atos adicionais não como condição precedente ou como suplementação posterior, mas apesar da sua seqüência temporal como desenvolvimentos simultâneos do único ato do Batismo, essas repetições podem também ser entendidas como uma plenitude de testemunho e como a garantia mais vigorosa do que é concedido ao batizando e à congregação mediante o Batismo. (p.201)
No entanto, essas repetições de maneira alguma foram entendidas somente dessa maneira. Ao contrário, homens refletiram na sua seqüência temporal, e com uma interpretação eficaz foi fortemente possível chegar a uma maneira de pensar quantitativa. Assim, por exemplo, o exorcismo foi considerado como um pré requisito para o recebimento da graça batismal, e isso conduziu à idéia que um exorcismo não era suficiente, mas seria totalmente eficaz somente quando repetido. Em tais casos, a multiplicação e repetição das mesmas cerimônias não mais representam uma referência total ao poder do único Batismo, mas agora considerações ansiosas sugerem a si mesmas se os pré requisitos para receber a graça batismal foram adequadamente alcançados e se aquilo que está faltando no próprio ato batismal é adequadamente suprido por futuras ações subseqüentes. (p.201)
O problema quanto ao que pertence ao ato batismal em si é levantado ainda de outra forma. Quando algumas cerimônias são retiradas da liturgia batismal e realizadas como atos independentes, ou ainda, aparecem tanto no Batismo como em momentos isolados antes e após ao mesmo, então surgem questionamentos quanto à eficácia do Batismo. Por exemplo, se o exorcismo é praticado durante o catecumenato, antes do batismo, ou se a imposição das mãos ocorre isolada do Batismo, como é o caso na Confirmação, então a questão pode surgir em maior medida se o efeito do Batismo deve ser considerado como sendo reduzido, enquanto se atribui os efeitos àquelas cerimônias. Novamente, essa redução, necessariamente, não ocorre. Deve ser dedicada atenção cuidadosa à interpretação de tais atos que estão separados do Batismo quanto ao momento de sua execução. (pp.201,202)
Nessa relação deve ser lembrado que, enquanto o Batismo deve ser administrado apenas uma vez, ele determina toda a vida posterior e para isso é praticado uma vez por todas. No entanto, há aspectos do Batismo que exigem expressão também na vida futura do batizado, muito embora o próprio Batismo não se repita. Isso se aplica não apenas ao ato de arrependimento e fé em que o Batismo foi recebido e em que consiste a vida posterior do cristão. Aplica-se também ao perdão que foi concedido no Batismo e do qual o batizado deve depender durante sua vida. Igualmente ao recebimento do Espírito Santo. Assim como, diferente da encarnação, a outorga pentecostal do Espírito não foi um evento uma vez por todas, mas ocorreu pela primeira vez, assim também o dom do Espírito no Batismo é o começo da posterior atividade pelo Espírito, a garantia de dons futuros do Espírito. A vinda do Espírito deve ser esperada sempre de novo. E seus dons devem ser buscados pela oração. (p.202)
Assim como atos especiais de absolvição não precisam lançar dúvidas quanto à libertação do domínio do pecado experimentada no Batismo, assim também momentos especiais de imposição das mãos, separados do Batismo, e em relação com a oração pelos dons do Espírito Santo, não precisam trazer dúvidas sobre o dom do Espírito recebido no Batismo. Semelhantemente a repetição do sinal da cruz não precisa levar à dúvida quanto ao selar ocorrido no batismo. Ao contrário, como rememorização da entrega a Cristo que aconteceu no Batismo, essa entrega precisa acontecer sempre de novo. (p.202)
A história da teologia mostra, no entanto, que cerimônias batismais praticadas isoladamente têm de fato conduzido a consideráveis modificações na compreensão do Batismo. Não é acidentalmente que na primeira metade da Idade Média o número de sacramentos tornou-se um sério problema que não foi apenas parcamente resolvido pela diferenciação entre sacramentos e atos sacramentais. De fato, pelo grande número de outros atos sacramentais, o significado do Batismo foi bastante reduzido na piedade popular. (p.202)
Nem mesmo as igrejas da Reforma estão isentas desse problema. Se o dom do Espírito Santo é esperado na Confirmação, o que então foi concedido no Batismo? A polêmica na Igreja Anglicana quanto à relação entre o Batismo e a Confirmação esclareceu de forma especial o problema da particularidade de ambos os atos. Em todas as igrejas a atividade salvadora de Deus mediante a pregação, o Batismo e a Ceia do Senhor tem sido desenvolvida em atos posteriores (e.g. o abençoar de crianças nas igrejas batistas). Contudo, a relação desses atos com a pregação e os dois "principais sacramentos" freqüentemente é tão mal esclarecida que se obscurece o significado salvadora do Batismo. (p.203)
Semelhantemente a separação temporal entre a água e óleo do Batismo não precisaria suscitar quaisquer dúvidas. Aqui a água e o óleo são arrolados para o Batismo de tal maneira que a consagração efetuada pelo bispo ou o sacerdote ao mesmo tempo testemunham em favor da unidade dos muitos Batismos administrados com os mesmos elementos consagrados. Agora, não pode ser ignorado que essa separação tem levado a uma séria mudança do ato do Batismo para a substância dos elementos consagrados e tem desviado as atenções da ação concreta de Deus mediante o Batismo. Mui facilmente os homens puderam atribuir aos elementos consagrados um poder inerente de graça e um efeito salutar do seu próprio evento separado do ato do Batismo. Isso também não é apenas uma possibilidade, mas realmente acontece, tanto em tratados teológicos e na piedade do povo. (p.203)
Por isso, as cerimônias adicionais não podem apenas ilustrar e confirmar o ato recriador de Deus pelo Batismo, senão que elas podem também obscurecê-lo. Seu grande número, sua repetição e sua interpretação como sendo eficazes podem cancelar a unicidade do poder do Batismo. Elas trazem em si o poder de diminuírem o próprio ato batismal e impedir a compreensão do Batismo. Esse perigo se torna tão maior quanto mais o desenvolvimento ritual ocorre às expensas da proclamação batismal, quando as palavras da liturgia batismal são congeladas em fórmulas, e quando o Batismo é ainda oficiado numa linguagem que é estranha para a congregação. (p.203)
Através da história da igreja esses perigos têm sido reconhecidos sempre de novo e tem sido contra atacados seguidamente enfatizando-se teologicamente a unidade do ato batismal e expressando essa unidade por meio do encolhimento da liturgia.(p.203) Nesse contexto precisamos analisar também as duas ordens do Batismo que Lutero apresentou em seu livrete sobre o batismo, de 1523 e 1526. Lutero propôs o uso da língua alemã. Recebe destaque a explicação do ato batismal por meio da Palavra. A Palavra é aqui entendida primeiramente não como uma fórmula eficaz mas como promessa e garantia. Também é significativo a redução nas cerimônias adicionais ao Batismo. Somente a exuflação (soprar sobre), o sinal da cruz, um exorcismo, a imposição das mãos e, finalmente, vestir o manto batismal foram mantidos. Ordens batismais Luteranas do Sudeste da Alemanha fizeram reduções posteriores. Elas tiraram a exuflação, o exorcismo e outras cerimônias ainda mantidas por Lutero. (p.204)
Nas ordens batismais de Zwínglio e Calvino, tais atos adicionais estão de todo ausentes. Em contrapartida, as admoestações batismais receberam ênfase bem maior. No entanto, mesmo naquelas igrejas Luteranas cujas ordens de Batismo foram modeladas após o livrete de Lutero sobre o Batismo, de 1526, o exorcismo logo se tornou um problema que as igrejas tentaram superar, primeiro por meio de uma reinterpretação teológica dele, depois tornando-o opcional ou, finalmente, retirando-o completamente. Outrossim, a imposição das mãos e o sinal da cruz ainda estão amplamente em uso. (p.204)
Temer o perigo de um obscurecimento da compreensão do Batismo apenas por causa de um crescimento nos rituais adicionais poderia, certamente, estar errado. O perigo não é menor vindo do aumento de palavras em torno do ato batismal sem que testemunhem com clareza o evento. Há palavras diretas, orações e admoestações que diminuem e obscurecem o Batismo, desde que elas não tratam do centro do evento batismal, a saber, a atividade recriadora de Deus, mas perdem-se num falatório generalizado e em sentimentalismos familiares. Em tais casos, o seu conteúdo é, por exemplo, o alegre evento do nascimento, porém não o novo nascimento - o enriquecimento da família e não o fato de ser unido ao povo de Deus. Talvez elas apontam para o prospecto de alguma sorte de ajuda divina para vida terrena, porém não têm nada a dizer sobre o batizando ser entregue à morte de Cristo para uma nova vida. (p.204)
O Batismo pode ser obscurecido se o seu ato não é desenvolvido nem por palavra nem por atos adicionais. Há um meio mecânico flutuante de batizar que está satisfeito com paupérrimas coisas essenciais mesmo que não haja qualquer emergência, e declina de fazer uma aplicação concreta do evento batismal. Enquanto a validade de tais Batismos não pode ser questionada, a maneira como são administrados não proporciona nem ao batizando nem à congregação a oportunidade de reconhecer as riquezas que Deus aqui realiza por eles. (p.205)
Portanto, o perigo de se obscurecer o Batismo por meio da sua forma provêm de lados completamente opostos. É tarefa da igreja reconhecer esses perigos no seu batizar e com vigilância e amor buscar o caminho para uma atividade litúrgica que possa superar esses perigos. As formas possíveis de liturgias batismais são inumeráveis. O decisivo é que a obra salvadora de Deus no Batismo, quer por palavras ou cerimônias, seja louvada e aplicada e que a fé seja desse modo fortalecida.(p.205)