Estimados no Senhor:
Neste (nesta véspera do) segundo Domingo de Pentecoste, meditamos sobre a leitura do Antigo Testamento, Deuteronômio 6.4-9, por meio da qual somos instruídos a respeito da obra do Espírito Santo em nossos corações.
As palavras que vamos ouvir fazem parte do segundo discurso de despedida de Moisés, quando o povo já se encontrava acampado no lado oriental do rio Jordão, prestes a tomar posse da terra prometida. Moisés, que sabe que é chegada sua hora de partir e tomar posse da herança eterna, adverte o povo a permanecerem fiéis ao Deus vivo e verdadeiro.
Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus, é o único SENHOR.
Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.
Estas palavras que, hoje, te ordeno, estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.
A obra do Espírito Santo é fazer-nos cumprir o primeiro mandamento: crer em Deus, amar a Deus, servir a Deus.
I
CRER EM DEUS
Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus, é o único SENHOR.
Este versículo contém o fundamento de toda a nossa fé: O SENHOR nosso Deus, é o único SENHOR!
A obra do Espírito Santo é nos dar o conhecimento não só de que há um só Deus mas também o conhecimento de quem é esse Deus. Por isso, O Espírito Santo é o Espírito da Verdade, porque nos faz conhecer e crer no Deus único e verdadeiro, e nos liberta tanto da incredulidade como da fé naquilo que não é Deus.
A fé vive e verdadeira é um dom do Espírito Santo, porque a fé viva e verdadeira é um renascimento espiritual, um nascer de novo, um renascer como filhos de Deus.
Este renascimento espiritual não vem de nós mesmos, mas é dom de Deus, que os apóstolos chamam de iluminação.
No vocabulário teológico, distingue-se entre luz da natureza e luz da graça.
A luz da natureza existe em todo o ser humano e é o conhecimento natural de Deus. Todo o ser humano tem a capacidade de reconhecer a existência de Deus, mas esta fé natural também pode ser chamada de ignorância espiritual, porque saber que existe um Deus e ter uma fé viva e verdadeira em Deus são coisas muito diferentes.
A luz da graça, ao contrário, é a iluminação divina, quando o Espírito Santo faz brilhar em nosso coração a luz conhecimento do verdadeiro e único Deus.
O Apóstolo Paulo, escrevendo para a igreja de Corinto sobre a conduta cristã em uma sociedade idólatra, ecoa as palavras deste versículo ao dizer: sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo, e que não há senão um Deus. Porque, ainda que há também alguns alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas e nós também, por ele (1 Co 8.4-6).
Em sua 1ª Carta aos Tessalonicenses, Paulo dá graças a Deus porque o evangelho não chegou a eles apenas como palavra de homens, mas como palavra de Deus e no poder do Espírito Santo. Como prova disso, Paulo aponta o fato que que deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro (1 Ts 1.9)
A luz da natureza leva a muitas crenças falsas e mortas, porque se fundamenta na ignorância espiritual em que vivem todos os seres humanos por causa do pecado.
A luz da graça somente leva ao conhecimento verdadeiro de Deus, revelado em Jesus Cristo, no Antigo Testamento como promessa e no Novo Testamento como cumprimento.
É por isso que Paulo, na primeira carta aos Coríntios, afirma: ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo (12.3)
II
AMAR A DEUS
Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.
A fé viva e verdadeira é uma iluminação divina e um nascer do alto, é uma criação e uma dádiva do Espírito Santo, mas é também um inundar do Espírito no coração e na alma humana.
A fé verdadeira, escreve Paulo na carta aos Gálatas, não se confirma por meio de uma mera transformação exterior, caracterizada por ele como circuncisão ou incircuncisão.
Por “circuncisão”, Paulo indica aqui, especialmente, a lei cerimonial do Antigo Testamento, tal como vivida pelos judeus na época, mas também por cristãos de origem judaica, e ainda por cristãos de origem pagã que seguiam os costumes judaicos.
Por “incircuncisão”, Paulo indica o modo como os cristãos de origem gentílica viviam, no que eram seguidos também por alguns judeus convertidos ao cristianismo, que punham em prática a liberdade que o evangelho lhes concedia.
Paulo defende a liberdade dos dois grupos, tanto a liberdade de continuar seguindo os preceitos da lei mosaica como a liberdade de abandoná-los. A razão é que nenhuma das duas maneiras de viver pertence à essência da fé. São manifestações exteriores de obediência a Deus.
Então Paulo define o que é essencial, que não são tais práticas relacionadas à alimentação, mas a fé que atua pelo amor – ou, em outra tradução: a fé ativa no amor.
A fé viva e verdadeira é uma inundação interior do amor que vem do alto, como Paulo escreve em Romanos 5: porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi outorgado (Rm 5.5).
Amar a Deus, no entanto, significa odiar o mundo (1 Jo 2.15). Tornar-se amigo de Deus acarreta a inimizade do mundo (Tg 2.23, 4.4).
O mundo é tudo o que nega a Deus, tudo o que se opõe a Deus, tudo o que se coloca no lugar de Deus.
Também agora precisamos diferenciar entre amor natural e amor espiritual.
O ser humano foi criado com a capacidade de amar, e esta capacidade não foi totalmente destruída pelo pecado. Mas o amor natural não nos aproxima de Deus, porque o amor natural se apega às criaturas e não ao Criador.
O amor espiritual, que é o amor que o primeiro mandamento requer, amor a Deus acima de todas as coisas, amor a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso entendimento e com todas as nossas forças, esse foi totalmente destruído pelo pecado.
O amor natural está ligado à luz da natureza, isto é, à capacidade natural do ser humano de conduzir sua vida com dignidade e decência. Afeto e boa educação são essenciais na criação de qualquer ser humano.
Mas assim como a razão natural não leva o ser humano ao conhecimento de Deus, também o amor natural não leva o ser humano à comunhão com Deus.
Somente quando somos inundados interiormente pela habitação em nós do Espírito Santo, e nascemos de novo e somos iluminados é que o verdadeiro amor a Deus, o Pai, surge em nosso coração.
Jesus, ao despedir-se de seus discípulos, reflete sobre as palavras de Deuteronômio 4.6, que todo israelita sabia de cor, e afirma: “Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim...Se me amais, guardareis os meus mandamentos... vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós... Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada... Isto vos tenho dito, estando ainda convosco; mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.” (Jo 14.11, 15, 20, 23, 25, 26).
Somente os corações e almas em que Deus habita, nos quais derramou seu Espírito Santo, é que podem amar a Deus de todo o coração, de to alma, de todo entendimento e com todas as forças.
Esse é o sentido da expressão “batizados no Espírito Santo”, porque a água é um sinal exterior da obra interior, não só de purificação interior ou de perdão dos pecados, mas também de renascimento interior ou de nova vida no Espírito, isto é, de filhos de Deus que invocam a Deus como pai, assim como fez Jesus Cristo, e que o amam e guardam os seus mandamentos.
Somente quando o amor de Deus é derramado em nossos corações podemos amar a Deus, porque somente quando Deus habita em nós, podemos também habitar em Deus.
E ama a Deus somente quem habita em Deus, quem permanece em Deus, quem está em comunhão com Deus.
I
SERVIR A DEUS
Habitar em Deus é, interioremente, crer em Deus, e exteriormente, exercitar-se na Palavra de Deus.
Jesus, aos 12 anos, respondeu a Maria e José que, depois de três dias de procura, o encontraram no templo: Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai? (Lc 2.49) Também lemos em Lc que era costume de Jesus, todo sábado, participar do culto na sinagoga, em que se lia e estudava a Palavra de Deus e se cantavam salmos e se faziam orações.
Mas Jesus mesmo afirma que ele habitava em Deus, o Pai, e o Pai, nele, e Paulo também afirma que no próprio Jesus habitava a plenitude da Divindade.
Por que Jesus precisava ir anualmente ao templo de Jerusalém desde os 12 anos e ir semanalmente na sinagoga?
Porque ao assumir a nossa natureza e habitar entre nós, Jesus esvaziou-se da glória divina e viveu a plenitude de nossa humanidade.
Interiormente, habitava plenamente em Deus e Deus, nele. Exteriormente, fez da leitura e estudo das Escrituras no templo, na sinagoga e em casa, sua habitação com Deus.
Quem crê em Deus e ama a Deus habita em Deus, e faz habitar em sua vida, em sua casa, em sua família, a palavra de Deus, porque pó Espírito Santo habita ricamente entre nós quando a Palavra de Deus habita ricamente entre nós.
Estas palavras que, hoje, te ordeno, estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.
É por isso que o Apóstolo Paulo recomenda aos cristãos na carta aos Colossenses: Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, como gratidão, em vosso coração (Cl 3.16).
Na carta aos Efésios, Paulo escreve: E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo (Ef 5.18-21).
Em Hebreus, lemos: Guardemos firme a confissão da esperança, em vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima (Hb 10.23-25).
O Espírito Santo faz sua obra em nós por meio da Palavra, quando ouvimos e lemos a Palavra de Deus.
Temos em nossa congregação muitas oportunidades de estudo da Palavra de Deus, não só o culto, mas também a escola bíblica, os departamentos, a instrução de confirmandos, os estudos em casa... façamos da Palavra de Deus a nossa habitação para que habitemos em Deus aqui e na eternidade.
Amém.