A Ressurreição do Senhor
Dia da Páscoa
11 de abril de 1993
Colossenses 3.1-4
A Páscoa é o centro de toda a vida cristã. Em todas as orientações bíblicas para a vida cristã um olhar crítico encontra a Páscoa como pano de fundo. O texto de hoje não foge à regra, pelo contrário, nos revela uma conseqüência toda especial da ressur- reição de Cristo: "Jesus Cristo nos esconde em Deus" (v.3).
1- O contexto
A carta aos colossenses é um tremendo exemplo de "como lidar" com falsos ensinamentos e falsas práticas. Magistralmente o apóstolo mostra que a tarefa do cristão não consiste em "defender" o Evangelho (o que, aliás, tantas vezes impossibilita o nosso diálogo com pessoas que defendem opiniões diferentes), mas anunciá-lo em toda a sua simplicidade e profundidade. Convencer a respeito do Evangelho, para Paulo, é obra exclusiva do Espírito Santo.
Partindo deste princípio, Paulo não se põe a defender o seu Evangelho em relação aos falsos ensinamentos que estavam dificultando a fé dos colossenses. O apóstolo sabe que todo o colossense, que permitir ser atingido por este Evangelho, estará con- vencido da falsidade dos "outros ensinamentos".
Dispensando a defesa, o apóstolo inicia anunciando a pessoa e a obra de Cristo (1.9-2.19). No restante da carta, fala da nova vida que a obra de Cristo faz acontecer (2.20-4.6).
2 - O texto
V.1,2 - "... fostes ressuscitados juntamente com Cristo..." - esta afir- mação está intimamente ligada com "... tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo ..." (2.12) e, com "... morrestes com Cristo ..." (2.20). Estamos acostumados a afirmar e ouvir que trata-se de morrer para o pecado e viver para Cristo. Mas o que vem a ser ou significar este "morrer e ressuscitar"?
Acontece que todo o poder de Satanás sobre a natureza humana (vencida por ele e a seu serviço) termina com a morte desta natureza. Uma vez morto o fruto do primei- ro nascimento, termina o reinado de Satanás. Graças à obra de Cristo a morte da natureza humana pode ser adiantada. Satanás pode perder o "mando de campo" muito antes do inicialmente previsto, pois todo aquele que se submete ao batismo mata a natureza humana. O fruto do primeiro nascimento (que, na verdade, é o ser humano em si) não mais determina o ser e o destino da pessoa, porque foi sepultado com Cristo. Uma vez sepultado, está morto para a ação de Satanás, está livre da fatal escravidão.
Como Cristo, esta velha natureza não permanece morta, mas ressurge nova (o ser humano em Cristo). É nesta condição de nova natureza que a pessoa é capaz de pensar nas coisas lá do alto e "não nas que são aqui da terra” (v.2), porque sua vida "está oculta com Cristo, em Deus" (v.3).
V.3 - "e a nossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus". Paulo deixa claro que os colossenses, já agora, participam da vida celestial, uma vez que ressusci- taram juntamente com o Cristo que não mais está sujeito à natureza humana, que está sentado à direita de Deus, que está em Deus. Para Paulo, os colossenses estão lá EM DEUS, com Cristo. Em outras palavras, os colossenses são "um com Deus".
V.4 - "O cristão participa já realmente da sua vida celestial (ver Ef 2.6ss), mas esta vida continua espiritual e escondida. Será manifesta e gloriosa apenas na Parusia" (Bí- blia de Jerusalém). Ou seja, o participar da vida celestial, o estar escondido em Deus limita-se à nova natureza. No entanto, determina a existência do cristão como um todo, neste mundo. Quando Cristo se manifestar também a natureza humana será recriada e, definitivamente, em glória, unida com Cristo, em Deus.
3. Meditação
O centro do "ser ressuscitado" e do "ser manifestado em glória" é o "estar escondido juntamente com Cristo, em Deus". Esta é a conseqüência da ressurreição de Cris- to apontada pelo texto. Por isso a meditação há que passar por aí. Na verdade, viver a Páscoa é esconder-se a cada dia com Cristo, em Deus.
Estar escondido com Cristo, em Deus é a primeira condição para qualquer tra- balho no Reino. Deus precisa nos esconder com Cristo porque a natureza humana está a serviço de Satanás. Todos conhecemos desastrosas experiências de trabalho no Reino quando a natureza humana procura esconder a Cristo, Sem estar escondido com Cristo, qualquer iniciativa no Reino de Deus não passa de onda entusiasta, de empreendida piedosa, que tende a desaparecer com a falta de estímulo humano. A congregação que não se esconde com Cristo não passa de clube social onde o núme- ro aumenta e tudo funciona a partir e em torno dos atrativos humanos oferecidos.
Estar escondido com Cristo é entregar-se completamente a Ele. É deixar de confiar em toda e qualquer garantia humana de segurança. Dietrich Bonhoeffer, em seu li- vro Discipulado, muito bem expressa:
"O discípulo é arrancado de sua relativa segurança de vida, e lançado à incerteza completa (i.é. na verdade, para a absoluta segurança e proteção da comunhão com Jesus), de uma situação previsível e calculável (i.é. de uma situação totalmente impre- visível) para dentro do imprevisível e fortuito (na verdade, para dentro do que é unica- mente necessário e previsível)..." (p.21).
Estar escondido com Cristo é a total, única, e absoluta garantia de vida vitorio- sa, pois o diabo perdeu o seu campo de ação. Este fato nos dá a certeza de que o pe- cado (e suas conseqüências) não tem a mínima condição de nos derrubar. Estamos sujeitos a qualquer pecado e sofrimento, no entanto, nenhum deles tem o poder de de- terminar a nossa existência. Quanta lamúria e desânimo perderiam o terreno se levássemos esta verdade a sério quando o pecado, o diabo ou a nossa carne tentam nos derrubar!
Estar escondido com Cristo, é a total e absoluta certeza de que apareceremos, pois é a garantia de que todo e qualquer trabalho no Reino será frutífero. Cristo, que está escondido conosco, diz: "Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fru- to" (Jo 15.5). Jesus Cristo, como vimos, é a nova natureza em nós. Esta nova natureza é vitoriosa sobre todo o mal. Esta nova natureza "só faz o que é bom e reto aos olhos de Deus", não peca, e não se intimida diante do mal, porque já o venceu. Logo, se permitirmos que sejamos escondidos pela Palavra e Sacramentos a ponto de esta no- va natureza determinar a nossa vida os frutos aparecerão, sob pena de Deus ter sido um fracassado em Cristo (Ef. 2.10).
Estar escondido em Cristo é a absoluta garantia dum aparecer prazeroso, pois, escondidos com Cristo seremos "abençoados com toda a sorte de bênçãos espiri- tuais..." (Ef 1.3). Lucas, em At 4.33, expressa esta verdade de outra forma: "... e em todos eles havia abundante graça...”. A graça de Deus vem a nós sob "toda sorte de bênçãos espirituais". É bom lembrar que esta graça de Deus não vem sobre todo aquele que "lê a Palavra" e "acredita na Palavra". Lucas deixa claro que estar cheio da graça e colocar-se a disposição do serviço no Reino andam juntos, são inseparáveis. Sem um não existe o outro. A multidão que creu e os apóstolos estavam cheios da graça porque "suaram a camiseta" em favor do Reino e, por sua vez, "suaram a cami- seta" por que estavam cheios da graça.
O problema é que muitos cristãos querem sentir vontade de vestir a camiseta, que- rem sentir alegria em ser cristãos, mas esquecem que tudo isto é conseqüência do uso ativo da graça de Deus, e não do mero contemplar passivo desta graça através duma fé individualista e piedosa.
Resumindo, podemos dizer que Deus nos esconde para que tenhamos condições de produzir frutos. Este produzir Ele quer abençoar com toda a sua graça. E "toda a sua Graça" traz toda a paz, a alegria, a satisfação, etc. (perdidos no Jardim do Éden) que tanto procuramos.
Portanto, escondamo-nos com Cristo, em Deus, que apareceremos e, com muito prazer, levaremos CRISTO PARA TODOS!
4. Sugestão para Tema - "O cristão realmente aparece quando está escondido!"
Arno Vorpagel Scheunemann