INSTITUTO CONCÓRDIA DE SÃO PAULO
Escola Superior de Teologia
Disciplina: Ética Teológica.
Prof.: Dr Erní W. Seibert.
Aluno: Márcio Schumacker.
Turma: 5o Teológico/00
São Paulo-SP, 30 de Junho de 2000.
INTRODUÇÃO
É comum e natural que entre homem e mulher existe uma necessidade de viverem juntos, unidos sob um mesmo teto. Mas, a relação de união não é tão simples e fácil de se dominar, exige muitos esforços na convivência para se superar um conjunto de dificuldades. Os problemas diários e as crises que afetam a união exigem provas de paciência, resistência e comunicação. Quando estas não ocorrem ou, quando não há consenso entre as partes por diversos motivos, o separar-se é inevitável. E essa separação é difícil.
As estatísticas aumentam dia após dia, ao ponto de entendermos que, casamento é uma aposta.
Na apresentação que segue, o tema dominante e único será, “O Divórcio”, uma opção na maioria das vezes, contrária a vontade de Deus, e que traz consequências irreversíveis e até dramáticas, aos envolvidos.
Guy Duty, em sua obra,[1] diz que, quando se começa a sentir os problemas e as dificuldades do divórcio, a única e primeira opção criativa é fazer frente à situação antes que esta defina de uma vez o futuro. E a melhor maneira de “fazer frente” a esta situação é identificar os sentimentos.
Quando a situação encaminha para o difícil, o certo é regular as coisas de acordo com a sua importância e ordem, complementando bom diálogo, trabalhando os problemas e buscando soluções simples e urgentes.
Muitos homens e mulheres, ao comentarem sobre a experiência do divórcio, concluem que, nada mais é senão uma devastadora e contraditória vivência. A insegurança, o temor frente ao futuro, a angústia, a falta de confiança em si mesmo e nos outros, o ressentimento e até a vergonha, pode-se dizer, são alguns dos sentimentos que aparecem com o divórcio. Uma carrada de problemas que, em nada diferente de antes, deverão ser resolvidos ou amenizados.
Se, por um lado, existe um alívio de se ter uma relação de amargura concluída, por outro, surge a tristeza, a dor, a ira, a solidão e um profundo sentimento de culpa.
Muitas questões surgem também junto ao divórcio. Perguntas como: Terei feito o certo? Conseguirei sobreviver a essa crise? Poderei voltar a ser feliz e a amar? Encontrarei alguém que amarei e que me amará? Como? E os filhos? O que os outros irão pensar de mim? De que modo serei vista? Terá sentido a minha vida daqui em diante? Etc, etc, etc.
Mais que um ato de separação de relação e convivência, o divórcio põe fim a uma relação que, um dia, foi feliz.
O divórcio, em si, é uma crise, e, como toda crise, deve ser superada. Requer solução e recuperação.
Do contrário, se não haver essa tentativa de superação, construir-se-á uma carga que será levada pelo resto da vida.
Lamentavelmente, são muitas as pessoas que não tem consciência clara a respeito do que é amor e, do que é envolvimento. O amor é mais que um sentimento, e que se constrói sobre a base de um compromisso, do conhecimento, da entrega e da felicidade.
Amar é comprometer-se. Implica em conhecer a outra pessoa em todos os aspectos, não somente suas opiniões, senão também seus sentimentos e reações. É entregar-se.
Essa entrega envolve promessa, aquela feita frente ao altar e diretamente frente ao Juíz civil, de fidelidade, de amor, de companherismo. Neste sentido, é o amor de Deus que nos educa a vivermos em paz.
“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1 Cor 13.4-7)
Muitos casais se casam com o pensamento de que o amor é todo cor-de-rosa. Outros imaginam que os problemas do noivado desaparecerão no casamento.
As dificuldades não deveriam, por certo, levar ao divórcio, pelo contrário, deveriam servir para o amadurecimento de ambos no relacionamento.
· CAUSAS DO DIVÓRCIO:
Em princípio, e segundo a opinião da maioria dos autores consultados, não existe uma causa única para o divórcio.
Cada união é diferente e cada divórcio precede causas muito particulares e especiais.
A seguir, serão apresentadas algumas causas que influenciam ou que podem levar ao divórcio.
a) Infidelidade Sexual ou Adultério:
Apesar da lei civil e da lei de Deus permitirem o divórcio nesta situação, nunca se deve descartar a possibilidade de um perdão e de uma reconciliação, apesar de difícil pois a parte ferida e inocente se vê em dificuldades de confiar novamente no parceiro(a), no futuro do relacionamento. Na maioria das vezes, o sentimento de ira é predominante. Porém, a separação, as vezes, pode ser mais difícil de compreender.
b) Abandono:
Na Bíblia, esta atitude é reprovada e considerada causa para o divórcio. Não é uma causa incomum nos dias de hoje, mais frequentemente em famílias de classe baixa.
c) Atitudes Imaturas:
A falta de maturidade por parte de uma ou ambas as partes, também é fator que coopera para o divórcio, mas não há, na Bíblia, aprovação para essa atitude. Onde inicia a maturidade é difícil de definir. Pessoas com sintomas de imaturidade, geralmente, tendem a ser livres e fazem o que querem quando se tem oportunidade. Isso estimula o conflito e dificulta as tentativas de resolver os problemas e evitar a separação.
Define-se também de imaturas, as pessoas que mantém uma dificuldade ou aversão ao diálogo aberto e franco.
Quando não há diálogo não há consenso, e quando não há consenso, surgem intrigas e discussões sem fundamento.
d) Influências Sociais:
A sociedade tem opiniões por demais liberais quanto à separação. Interessante é perceber que a sociedade aprova o divórcio como algo comum e que “faz parte” do matrimônio, ou seja, dentro da união entre homem e mulher, vale tudo. Assim como se inicia com um simples namôro ou paquera, pode-se terminar com uma separação judicial.
As barreiras legais para o divórcio foram quebradas, a igreja, em si, se tornou mais compreensiva e a própria mulher adquiriu maior influência com os movimentos de libertação, os meios de comunicação transmitem um apoio maciço à infidelidade. A autorealização e a satisfação pessoal são metas mais importantes na vida, que todas as demais, inclusive o matrimônio, está em segundo plano. A televisão, com suas novelas e dramas, trata-se, neste caso, de um perigoso meio de influência que reflete e influi grandemente no modo de pensar e agir de uma enorme massa.
O compromisso “até que a morte os separe”, está sendo substituído pela idéia de que o divórcio seja apenas um meio para se fugir das dificuldades do casamento.
e) Abusos - Físico e Psicológico:
A falta de respeito para com os próprios filhos, o mal exemplo, o abuso sexual no matrimônio, neste sentido, de não compreender o parceiro em suas carências afetivas, as agressões físicas, o medo, são questões que, lamentavelmente se dão na família e que podem levar à separação.
f) Outras Tensões:
Qualquer tensão, suficientemente grave, pode provocar pressão no matrimônio, estimulando o divórcio. As exigências de uma profissão que ocupe todo o tempo do conjuge, o alcoolismo, dívidas resultantes da falta de dinheiro ou de uma má administração, aborrecimentos, inflexibilidade e ressentimentos, podem crescer com o passar dos anos e levar ao divórcio, especialmente quando um dos conjuges tenha presenciado a separação de seus próprios pais no passado.
· CONSEQUÊNCIAS:
Segundo o escritor Jim Smoke, há três etapas pelas quais atravessam os divorciados.
1. O Choque: Fase de reflexão, onde vem à mente tudo o que se viveu até ali, ou seja, o otimismo, a felicidade, a esperança, tem sido substituídos por sentimentos confusos e vazios, ressentimento e perplexidade.
2. O Ajuste: Trata-se de relembrar e repartir os maus tempos vividos antes e também das felicidades compartilhadas quando unidos. Após, buscar adaptar-se à uma vida sem “parceiro”, porém, não sem “parceria”.
3. O Crescimento: É a nova condição de vida. Toma-se mais tempo para a reflexão, a tendência de culpar os outros e a si mesmo pelo ocorrido já não existe mais. Faz-se planos para o futuro na nova vida. Também é importante que a pessoa tenha consciência do que Deus quer para todos nós.
Muitas pessoas divorciadas buscam outra parceria, não por amor, senão por necessidade econômica, pondo desta maneira em perigo, a estabilidade de um segundo matrimônio.
Os FILHOS, principalmente, são vítimas do divórcio. Na maioria das vezes não expressam claramente o que sentem com a separação, e, em silêncio, vêem-se confusos. O divórcio pode marcar o destino de um filho, mesmo assim, jamais deve-se ocultar a realidade com inverdades.
Interessante é que, a separação dos pais gera, na maioria dos casos, uma maior união ou relacionamento, entre irmãos.
· O DIVÓRCIO E A BÍBLIA:
- Do Matrimônio: O matrimônio não foi criado ou formulado por decisão humana, mas, por Deus, aquele que criou os componentes da união. Deus estabeleceu, instituiu e ordenou o matrimônio, assim como também o sujeita a regras e leis. E disso não se pode fugir, a sociedade, em todos os casos, é dependente. Ela necessita da união e das leis.
O casar-se não é simplesmente perpetuar-se.
O que a Palavra de Deus nos ensina com respeito ao matrimônio encontramos muito claramente na passagem de Gênesis 2.24: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se uma só carne”. Daí percebe-se claramente ser o casamento uma união exclusiva. E ainda Mateus 19.6: “O que Deus juntou, não o separe o homem”.
- Do Divórcio: Na sociedade judía, o divórcio era permitido ou tolerado, no entanto, não estava aprovado por Deus. (Dt 24.1-4)
Segundo as palavras em Mt 5.31-32, 19.3-8; Mc 10.11-12, conclui-se que, a única razão pela qual se justifica o divórcio é o adultério. Há ainda outras aceitações como causa do divórcio em casos de desavenças com a fé cristã, conforme 1 Cor 7.10-16.
Enfim, o que o próprio Deus nos revela é que, para todas as complicações há soluções. O que ocorre quase sempre, é que o ser humano se deixa dominar pela hipocrisia, falta de humildade, pelo ódio enraizado, pela intolerância e pela ausência de um espírito verdadeiramente crente e confiante.
· RECUPERAR-SE PARA O FUTURO:
Recuperação é reconhecer a necessidade de receber consolo, perdão e saber que, viver sempre, vale a pena.
Em certo sentido, o divórcio é uma volta ao passado, ou seja, à vida de solteiro, mas há responsabilidades que foram construídas com o tempo das quais não se pode fugir.
É importantíssimo que se reserve tempo para criar e organizar metas ou ajustes para o futuro. E isso se consegue em meio à confiança em Deus e na sua graça. Uma vida com relacionamento centrado no amor de Deus em Cristo é, e sempre será, uma vida de sólidas bases emocionais.
Deus mesmo criou a família, e ele mesmo a abençoa. Quando se pensa desta forma, existirá um profundo desejo entre os cônjuges de estarem juntos, unidos carnal e espiritualmente em Cristo. Cristo nos ensinou a amar, a dedicarmo-nos ao nosso próximo e a fazer a sua vez.
A maneira mais correta de se evitar uma separação é construir matrimônios mais fortes, é basear as uniões matrimoniais nos princípios bíblicos caracterizados pelo amor, a dedicação e a franca comunicação. Antes de descobrirmos como são as outras pessoas, devemos procurar descrobrir, com orientação divina, como nós somos e ou reagimos. A leitura diária da Palavra de Deus e a oração são inevitáveis para que uma relação a dois seja concretizada melhor e mais tranquilamente.
“Martinho Lutero diz que cada cônjuge deve reconhecer o estado do matrimônio, ou seja, é ver o cônjuge como um presente de Deus que deve ser aceito e tratado como tal”.[2]
· PESQUISAS E DADOS ESTATÍSTICOS ATUAIS:[3]
A legalização civil do divórcio foi promulgada em 1977, e, a cada ano que passa, no Brasil, as pessoas valorizam mais àquilo que, anteriormente, era considerado um desrespeito.
Atualmente, uma em cada quatro uniões se desfaz no país onde o casamento para a vida toda é considerado coisa rara.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a frequência de uniões rompidas aumenta a cada ano. As alegações para o rompimento do matrimônio também aumentaram. Antes da década de 70, as alegações eram: Infidelidade, dificuldades financeiras, problemas com a família do cônjuge, violência doméstica, negligência do lar, e outros mais comuns; a partir da década de 80 constavam nas alegações: Falta de entrosamento, de comunicação.
Nos Estados Unidos, quase que 60% dos rompimentos partem das mulheres, enquanto que no Brasil esse índice sobe para 70% dos processos.
Segundo a socióloga americana Diane Vaughan, sete fases precedem a separação, sendo elas:
FASE 1 = O Segredo
A idéia da separação começa a tomar forma com os questionamentos dos defeitos do outro.
FASE 2 = As Queixas
O insatisfeito começa a se queixar em casa e com os outros, os hábitos do outro que o irritam.
FASE 3 = A Transição
Passa-se um a evitar o outro e a negligenciar até os filhos. Compromissos familiares são evitados.
FASE 4 = A Incerteza
Enquanto um demonstra incerteza e infelicidade, o outro, percebendo a crise, quer acreditar que tudo é passageiro.
FASE 5 = O Confronto
O descontente sente que não pertence mais “àquele mundo” e pede a separação.
FASE 6 = A Reconsideração
O casal troca acusações e revira o passado.
FASE 7 = A Separação
As tentativas, se houveram, surtem efeito contrário. Um sai de casa ou pede que o outro saia.
“Deus conhece a nossa natureza iníqüa e os atoleiros em que nós entramos. É por isso que ele deu a Sua Palavra como ‘Lâmpada para os [nossos] pés’ – Sl 119.105a”.[4]
· CONSELHOS E CONSIDERAÇÕES:
Os seguintes princípios básicos que, sendo observado, podem evitar um divórcio e colaborar para um casamento feliz:[5]
v FAZER UMA ESCOLHA SÁBIA;
v SEGUIR OS PRECEITOS BÍBLICOS;
v CASAL QUE ORA JUNTO PERMANECE JUNTO;
v OS PROBLEMAS DEVEM SER ENCARADOS DE FORMA FRANCA;
v AS DIFERENÇAS DEVEM SER DISCUTIDAS CALMAMENTE;
v DEVE-SE BUSCAR CONSELHO QUALIFICADO;
v MANTER OUTRAS PESSOAS LONGE DOS PROBLEMAS CONJUGAIS;
v LEMBRAR-SE QUE: DIVÓRCIO NÃO É SOLUÇÃO;
v QUE NÃO EXISTE CASAMENTO PERFEITO.
“O casamento tem que ser uma união em todas as áreas da vida e a religião tem que entrar como fator de união. O casamento ‘no Senhor’, implica uma identidade religiosa profunda, isto é, os dois não podem apenas crer no Senhor, mas precisam, juntos, serví-lo”.[6]
“É bom amar, porque o amor é difícil. O amor de um ser humano por outro, é talvez a mais difícil prova para qualquer de nós, é o mais alto testemunho de nós mesmos; a obra suprema de que as outras todas são meros preparativos. Por isso é que os seres jovens, novos em tudo, ainda não podem amar; devem aprender. Tudo o que resulta de uniões turvas, que devem sua confusão à pressa, é mera convenção. Se, porém, com pertinácia, nos sujeitarmos ao amor como lum duro aprendizado, em lugar de nos perdermos nos jogos fáceis e frívolos, talvez, então, um insensível progresso, um certo alívio possa vir aos que nos sucedem e ainda por muito tempo depois de nós”.[7]
CONCLUSÃO
Realmente não é fácil conviver com uma experiência dessa natureza. O divórcio é, sem dúvida, a pior consequência de uma má relação, e que causa incontáveis prejuízos à família e à sociedade em geral.
Mas, por outro lado, deve-se reconhecer que não há crescimento se não se aprende a sofrer e a compreender a importância de reconhecer os erros e os equívocos a fim de encontrar o perdão de Deus, a graça que conduz à uma vida de felicidade e realização.
Deve-se lembrar também que a presença de Cristo não divide, pelo contrário, une sempre mais; não separa, mas cria uma união mais íntima e sólida; não destrói, mas estimula à reconciliação. Este é o desejo de Deus. E como cita Lutero: “Não há ligação mais doce do que a de um matrimônio feliz, porém, não há separação mais amarga do que a de um matrimônio feliz.”
BIBLIOGRAFIA
CHAVE BÍBLICA. Compêndio Bíblico. São Paulo: SBB, 1998.
A BÍBLIA SAGRADA. Ed. Revista e Atualizada no Brasil. Trad.
João Ferreira de Almeida. São Paulo: SBB, 1994.
Nunes, Reginaldo. Et al. Divórcio para os Não-Católicos. São
Paulo: Agir, 1957.
Duty, Guy. Divórcio e Novo Casamento. Trad. Myrian T.Lins. 2a
ed. Belo Horizonte: Betânia, 1979.
Da Silva, Plínio Moreira. O Divórcio e a Bíblia. Mogi das
Cruzes: ABECAR, 1983.
Plekker, Robert J. O Divórcio à Luz da Bíblia. Trad. Ia H.
Kietzmann. São Paulo: Vida Nova, 1985.
Müeller, Norbert H. Teologia Pastoral. Trad. Paulo e Ivonelde
Teixeira. Saint Louis: Concordia, 1990.
Forell, George W. Ética da Decisão. 5a ed. Trad. Walter
Müller e Luís Sander. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
Revista VEJA. Edição 1.641 de 22/03/2000. São Paulo: Abril,
pp 120-125.
Mensageiro Luterano. 12/85. Porto Alegre:Concórdia,pp 6-8.
[1] Guy Duty. Divórcio e Novo Casamento.
[2] Müller e Kraus. Teologia Pastoral. p. 261
[3] Revista VEJA - 22.03.2000
[4] Robert J. Plekker. O Divórcio à Luz da Bíblia. p 69
[5] Mensageiro Luterano. 12/95. Pp 6-8
[6] Plínio M. da Silva. O Divórcio e a Bíblia. p 56
[7] Hahnemann Guimarães. Divórcio para os Não Católicos. pp 40-41