DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES
4 de Outubro de 1992
Lucas 15.1-10
Texto:
1. O texto divide-se em três partes: a introdução, vv. 1 e 2, que nos apresenta o motivo pelo qual Jesus contou as parábolas seguintes e quem eram os seus destinatários; a parábola da ovelha perdida (ou da ovelha achada!), vv. 3 a 7 e a parábola da dracma perdida (ou achada!), vv. 8 a 10.
2. As parábolas são gêmeas, isto é, trazem o mesmo assunto, querem fazer a mesma colocação, querem evocar a mesma resposta por parte dos ouvintes.
3. Prosdéchctai (v. 2), pres. médio de prosdèchomai, de uni modo geral significa pegar, receber, aceitar, dar as boas-vindas. Em se tratando de pessoas, entretanto, tem um sentido muito mais forte, ligado à hospitalidade oriental: compartilhar, recepcionar, receber na comunhão. Na atitude de Jesus, evoca não somente as leis comunitárias e sociais, mas especialmente a manifestação visível do amor de Deus para com o ser humano pecador.
4. Synesthiei (v. 2), pres. ativo de synesthio, é o comer junto, o comer com alguém. Para os orientais, a fraternidade à mesa simboliza a fraternidade de um modo geral. Veja-se os exemplos da Santa Ceia e da Grande Ceia (Lc 14.15ss).
5. apololós (v. 4), part. Perfeito de apóllymi, vindo desde a cultura grega clássica e do AT, tem um sentido muito mais profundo do que o simples "perdida". Acrescente-se a isso a idéia de ruína, destruição, morte. Evoca a triste condição existencial daquele que vive afastado de Deus (Ef 2.1-10). Aproveitando-se a figura, pode-se lembrar que, sem a proteção do pastor, a ovelha estaria praticamente condenada à morte diante dos perigos que o éremos palestino comportava.
6. Três conceitos fundamentais são subjacentes a estas duas parábolas: Deus; pecado; arrependimento. Deus, conforme revelado em Jesus Cristo, é o personagem principal, estando representado na forma do homem das ovelhas e da mulher das dracmas. E ele quem age, quem se importa, busca, salva (resgata), encontra, traz de volta, se alegra; enfim, aquele que ama. Não há como voltar, não há como ser achado se Deus não agir.
O pecado é a perda, aquilo que afasta o ser humano do Criador; a ovelha do homem; a dracma da mulher (o filho do pai, na parábola seguinte, Lc 15.11-32). Fazendo a conexão com os versículos 1 e 2, vemos que Jesus não sanciona as práticas pecaminosas, como poderia parecer ao leitor desavisado, pelo contrário, mostra que elas afastam de Deus. O arrependimento é a chave
de todo o discurso de Jesus! Aparecem nitidamente dois grupos: os que pecam e não se arrependem, os "justos" e os que pecam e se arrependem, os "achados" (na figura da ovelha e da dracma). E o arrependimento que poderá diferenciar publicanos e pecadores de fariseus e escribas. Este é exatamente o motivo pelo qual Jesus está entre os "pecadores": para colocá-los diante do divino que desmascara o pecado humano, que coloca o ser humano a par de sua existência infame, mas que, em contrapartida, oferece a graça perdoadora, a volta. Era o arrependimento que Jesus queria evocar nas "pessoas de má fama" (BLH). Isto faltava aos fariseus e escribas. Esta é a chave homilética do texto e o tema geral do culto, associado, necessariamente, à graça de Deus, que vai ao encontro do pecador, que evoca o arrependimento, e que acolhe o arrependido.
7. O versículo 7 seria algo problemático se o interpretássemos literalmente, pois iria parecer que Jesus gosta menos daquelas pessoas que se mantêm fiéis, que tentam, com o auxílio do Espírito Santo, viver uma vida consagrada, de acordo com, a vontade de Deus. A luz do Salmo 143.2, parece ser mais prudente ver que Jesus está usando de ironia para com os fariseus e escribas (as duas parábolas são originalmente dirigidas a eles!) por causa da pretensa justiça deles. Em última análise, Jesus está dizendo que aqueles que se consideram "justos" por si mesmos na realidade estão dizendo que não precisam de Deus e estão talvez mais afastados dele do que os publicamos e pecadores.
8. O Salmo 51.1-17 introduz o tema do arrependimento, aquilo que falta aos fariseus e escribas no contexto das parábolas. Pode bem ser usado como texto para a confissão dos pecados no início do culto.
9. O texto do AT nos mostra o imenso contraste existente entre o pecado humano e a infinita misericórdia de Deus. Um aspecto interessante a ser observado é a atitude de Moisés. Este diferentemente dos fariseus e escribas, os quais condenam de antemão aqueles a quem consideram "pecadores"; roga pela misericórdia de Deus em favor daqueles que estão em práticas pecaminosas. E o reflexo, ao nível humano, da atitude de Jesus de ir em busca dos pecadores.
10. Em conexão com Lc 19.10, o texto da epístola, 1 Tm 1.12-17, vem explicitar aquilo que está implícito no texto das parábolas de Lc 15, isto é, que Jesus está entre os pecadores exatamente porque ele veio chamá-los ao arrependimento, à fé e à nova vida.
Apresentação:
1. Sugere-se a leitura do Evangelho na Bíblia na Linguagem, de Hoje, que traz um português mais acessível e expressões mais próximas do nosso quotidiano. A ironia de Jesus no v. 7 também fica mais clara nesta tradução.
2. Todas as leituras estão bastante próximas, sendo interessante, talvez, usar todas elas em uma mensagem diferente, mais em estilo de estudo bíblico.
3. Dentro do contexto do lema da IELB, "Cristo para todos", o texto tem muito a nos dizer. No aspecto de lei, a condenação de nossa auto-justiça, de nosso juízo temerário e precipitado sobre os outros, de nossa indiferença para com os perdidos. No aspecto de evangelho, o texto evoca a ação de Deus em buscar
e salvar; o seu amor pelo ser humano, seja ele quem for; a identidade de Jesus com o ser humano que sofre por causa do pecado; a graça de Deus que vem ao encontro de todos nós.
Gilberto V. da Silva
São Leopoldo, RS.