1 AS CRUZADAS
Para muitas pessoas, as Cruzadas estão mais comumente associadas a expedições dirigidas para a Terra Santa com o objetivo de libertar o Santo Sepulcro das mãos dos infiéis. Na verdade esse fenômeno é bem mais complexo e visava expulsar os sarracenos na Península Ibérica, também combater e cristianizar os eslavos pagãos e cristãos heréticos, como os cátaros do sul da França. As Cruzadas brotaram espontaneamente, frutos da conjugação das velhas tendências e circunstâncias novas na evolução histórica do ocidente europeu cristão no final do século XI. O sinal característico desse movimento era o próprio problema que deu origem ao termo Cruzada; a cruz, costurada nas vestes, sobre o ombro direito ou o peito. Com a pregação de Urbano II, as pessoas começaram a costurar esses emblemas em suas roupas, pois desejavam seguir as pegadas de Cristo.
O segundo elemento típico destas expedições foi o voto de cruzada, confirmado e tornado público com a adoção do signum crucis, constituindo-se na promessa individual a Deus de participação na Guerra Santa. A maioria dos historiadores afirma que a Cruzada foi um empreendimento espiritual, pura e exclusivamente religiosa. A Cruzada converteu para muitos numa aventura lucrativa. Sobre os cavaleiros exercia um fascínio permanente e definido, pois era a terra onde Cristo nascera e sofrera, terra abençoada por um clima generoso, o país que era o eixo de transmissão no comércio de especiarias. As condições políticas e sociais no final do século XII, eram portanto favoráveis á Cruzada. Numa época em que as fronteiras entre o espiritual e o temporal são mal traçadas, o papa é o guia das nações no que tange aos atos de fé e aos atos da política.
2 A PRIMEIRA CRUZADA
2.1 Pedro o Eremita e a Cruzada Popular
Longe de ser o investigador da primeira cruzada, Pedro o Eremita não foi senão o mais popular dos pregadores que acudiram ao apelo de Urbano II, a quem, como discípulo e depositário das grandes idéias de Gregório VII, cabe, exclusivamente, a iniciativa das cruzadas, visando não somente defender a civilização ocidental, mas ainda proteger os cristãos do Oriente. A França era a herdeira de Roma e Atenas na Idade-Média, devido a situação geográfica e seus antecedentes históricos. Sendo assim o centro sociológico da cristandade. No Concílio de Clermont, com Urbano II foi proclamada em 1095, a primeira cruzada. Sendo vitoriosa a idéia na França, seria também em todo Ocidente.
O Papa prometia aos Cruzados a remissão de todos os pecados e colocava sob proteção da Igreja os bens, suspendendo-lhes o pagamento das dívidas. A grande massa dos cruzados era constituída de salteadores, assassinos, incendiários, adúlteros e mulheres de má vida. Eram oferecidos, à conquista da Ásia, à imaginação arrebatada, reinos e riquezas. Pedro pregava incessantemente nas igrejas, nas ruas e nas encruzilhadas. Induzia grandes e pequenos à guerra e ao arrependimento. Apelava continuamente para Cristo, a Virgem, os Santos e os Anjos do Paraíso, devido a fraqueza de seus argumentos. Imensa multidão acompanhava o Eremita que foi indicado chefe da cruzada popular. Alguns partiram da Alemanha e tinham como guias uma cabra e um ganso, que segundo eles estavam inspirados pelo Espírito Santo. Alguns historiadores chegam a avaliar o número de cruzados a 200 mil. Após três meses e dez dias de marcha forçada, avistaram os muros de Constantinopla, em 30 de junho de 1096. Devido aos homens estarem exasperados, escreve um cronista da primeira cruzada, “apoderavam-se das crianças, cortavam em pedaços para cozinha-las ou assá-las em espetos, passando a devorá-las”. Eles foram perseguidos pelos Turcos, que formaram de suas ossadas verdadeiros montes, além de venderem alguns como escravos por toda a Ásia.
2.2 A Cruzada dos Cavaleiros
Nenhum rei participou dela, portanto os da península ibérica estavam absorvidos com os mouros, que os cercavam de todos os lados. Na cruzada dos cavaleiros, nenhum barão exercia o comando supremo que caberia a um generalíssimo nos exércitos modernos.
As cruzadas refletiam fielmente o feudalismo, sob o aspecto militar, isto é, eram constituídas de corpos guerreiros independentes uns dos outros. Nenhum desses senhores estava obrigado à obediência relativamente aos demais. Essa falta de direção, que minava o exército dos cruzados, foi a causa de haverem correspondido resultados verdadeiramente irrisórios a imensos esforços. Godofredo de Bouillon comandava o exército que era composto de lorenos, franceses e alemães. Em 22 de julho de 1099, Godofredo foi eleito príncipe de Jerusalém, a fim de combater os pagãos e defender os cristãos.
No verão de 1099, três anos depois de terem partido da Europa, os cavaleiros e os peregrinos-cruzados atingiam o objetivo fixado por Urbano II, que era a libertação de Jerusalém e do Santo Sepulcro da sujeição muçulmana.
3 A SEGUNDA CRUZADA
Os preparativos da cruzada estavam terminados na primavera de 1147. Os alemães foram os primeiros a partir e depois os franceses. Não se sabe o número de participantes da segunda Cruzada, aos cavaleiros juntaram-se peregrinos, a gente humilde e mulheres. A expedição deteve-se em Portugal, onde diante da solicitação do bispo do Porto, voltou suas armas contra os muçulmanos e participou do cerco de Lisboa. Alguns cruzados prosseguiram rumo à Palestina, mas muitos permaneceram em Portugal. A segunda Cruzada fracassou e a situação política e militar dos Estados latinos não podia deixar de deteriorizar-se progressivamente.
3.1 A conquista de Jerusalém por Saladino
Saladino conduziu sem pressa e com energia a ofensiva que, por um lado, lhe permitiria impor a sua autoridade aos muçulmanos da Síria e, por outro lado, leva-la até Jerusalém. Em 1174 ele ocupava a cidade de Damasco, depois avançava na Mesopotâmia e, em 1183, foi em direção a Alepo, além disso, apoderava-se da região de Edessa, cercando os Estados latinos. Estes só podiam contar com socorros vindos da Europa. Na primavera do ano de 1187, Saladino decidiu livrar-se dos seus adversários do Reino de Jerusalém. Aproveitou-se dos benefícios dessa vitória que expulsava do seu pequeno reino os seus cavaleiros. Saladino soube refrear a sua vitória, permanecendo os seus soldados submetidos a uma rigorosa disciplina e, à parte um ou outro caso, a população cristã foi poupada.
4 A TERCEIRA CRUZADA
A situação dos Estados latinos em 1187, era trágico. Jerusalém, meta e justificativa da Cruzada, havia caído nas mãos dos muçulmanos, o Principado de Antioquia, que o Condado de Edessa não mais protegia, encontrava-se sob a ameaça direta das tropas de Saladino, e o Condado de Trípoli sofria, por sua vez, a ofensiva do conquistador de Jerusalém.
O rei da França, Felipe Augusto e o rei da Inglaterra, Henrique II reconciliaram-se e ascenderam o entusiasmo das multidões nas terras por onde passou o Cardeal de Albano. Os dinamarqueses e noruegueses puseram-se a caminho e participaram da Terceira Cruzada.
A Terceira Cruzada – Cruzada de Reis – oferece o espetáculo da desunião e das rivalidades. Depois de tomado Acre, fez-se necessário, para ser fiel ao Espírito de Cruzada, marchar contra Jerusalém, aproveitando-se do efeito que a recente vitória produzira em Saladino. Mas, em vez disso, a cruzada esfacelou-se, e Filipe Augusto decidiu retornar à França.
O semifracasso da Terceira Cruzada suscitou algumas críticas que, pelos erros cometidos, atingiam a própria idéia de cruzada.
5 A QUARTA CRUZADA
A Quarta Cruzada, empreendida como a precedente com o objetivo de reconquistar Jerusalém e reconstituir o reino, culminou em 1204 com a tomada de Constantinopla. A personalidade do papa Inocêncio III domina o começo do século XII. Homem de grande devoção, espírito jurídico, propôs-se a velar pelos interesses espirituais da cristandade e pelos interesses temporais deles decorrentes. Afirmou vigorosamente a primazia romana e a plenitude do poder que lhe estava confiado. Morreu em 1216, enquanto empreendia esforços no sentido de reconciliar Pisa e Gênova com vistas à Cruzada.
O fracasso da Cruzada alemã reforçou ainda mais o desejo de Inocêncio III de socorrer os cristãos da Terra Santa e reconquistar Jerusalém. A sua correspondência, desde 1198, está cheia de apelos patéticos à cruzada. Em carta endereçada a Filipe Augusto, rei da França, exorta esse soberano a unir-se a Ricardo Coração de Leão, rei da Inglaterra, tendo vistas sobre a Cruzada. Escreveu aos príncipes da Europa e da Síria, aos bispos e a todo o clero, e finalmente ao imperador Aleixo.
5.1 A Primeira Tomada de Constantinopla
Em 24 de maio de 1203, a frota dos cruzados aparelhou, de Corfu, dirigiu-se para o sul de Peloponeso, tornou a subir para o norte e, depois de ter cruzado o mar Egeu, entrou nos Dardanelos. Após se haverem abastecido, singraram os cruzados através do mar Mármara e, em 23 de junho de 1203, chegaram a San-Stefano, diante de Constantinopla. A cidade de Constantinopla era, na época, muito populosa e insuficientemente defendida. Foram então tomadas todas as providências para atacar a grande cidade. Os cruzados, que se haviam estabelecido em Scurati, em face de Constantinopla, posicionaram-se e sete corpos de batalha, sendo a vanguarda confiada ao conde Balduíno de Flandres, e a retaguarda era confiada pelo marquês de Montferrat e composta de lombardos, toscanos e alemães.
Em 17 de julho de 1203, o assalto à cidade foi desferido simultaneamente pelos francos ao Norte, perto do Corno de Ouro, e pelos venezianos contra o mesmo. Os latinos instalados em Constantinopla deixaram a cidade com as suas famílias e se dirigiram para junto dos cruzados.
5.2 A Segunda Tomada de Constantinopla
Constantinopla era a cidade mais rica do mundo, havia acumulado ao longo dos séculos, as obras primas da Antigüidade grega e latina. As suas igrejas, praças, palácios regurgitavam de obra de arte. Os venezianos conquistavam e roubavam de Constantinopla, admiráveis cavalos de bronze, entre muitas maravilhas. A falsa Cruzada de Constantinopla resultava assim, por um curioso paradoxo na prática religiosa que justificava a peregrinação, fonte da própria Cruzada.
6 AS CRUZADAS DO SÉCULO XIII
Inocêncio III, jamais deixou de pensar na Cruzada, a queda de Jerusalém diante de Saladino ainda estava bastante disseminada e forte nas lembranças e no espírito de Cruzada para autorizar todas as esperanças. No quarto Concílio de Latrão, em novembro de 1215, a Cruzada foi verdadeiramente proclamada e o direito de Cruzada foi oficialmente determinado. Os bispos tinham a incumbência de pregar a Cruzada e de fiscalizar o cumprimento dos votos, cuja ruptura acarretaria a excomunhão.
6.1 As Cruzadas de Crianças
No começo do século XIII, as crianças, reunindo-se em grupos, dirigiam-se da Alemanha para a Itália a fim de tomarem o rumo da Terra Santa. Em 1212, houve dois recrutamentos de crianças. Neste mesmo ano, Estêvão, um jovem pastor de Cloyes, perto de Vandôme, foi gratificado com uma visão: Cristo apareceu-lhe sob a forma de um pobre peregrino. Estêvão fez milagres e logo arrastou atrás de si um grande número de meninos, meninas e adultos que o reconheceram como chefe e foram em procissão de castelo em castelo, de aldeia em aldeia, empunhando bandeiras e cruzes. Na realidade, a Cruzada de crianças da França teve um fim menos trágico, devido à fome, elas voltaram para seus lares, depois de haverem peregrinado pela região que vai de Vandôme a Rouen e a Calais.
6.2 As Cruzadas de Socorro
Em 1218, uma frota de cruzados desembarcou diante de Damieta, onde teve início uma espécie de guerra de assédio. Damieta contava com poderosas fortificações e a navegação através do Nilo era controlada por uma torre erguida no meio do rio. Os cruzados investiram primeiro contra essa torre, que conseguiram abordar e conquistar. Esse primeiro êxito não foi explorado e o desânimo logo tomou conta dos cruzados, alguns regressaram às suas terras, cuidando sem dúvida que haviam cumprido os seus votos, mas outros vieram substituí-los.
No Reino de Jerusalém, mais uma vez privado da sua capital, agravava-se a anarquia política, multiplicavam-se as dissensões e as oposições entre os diversos grupos sociais e políticos, e a máquina militar dos latinos perdia aos poucos sua força. Já era tempo de uma nova Cruzada vir proporcionar aos Estados latinos em perigo o apoio moral e militar da Cristandade.
6.3 As Cruzadas de São Luis no Egito e na Síria
São Luis, filho de Luis VIII e de Branca de Castela, recebeu uma educação severa que marcou para toda sua vida. A rainha Branca incutiu em seu filho o horror ao pecado. São Luis era um rei culto, tinha a cultura de um clérigo versado no conhecimento das Escrituras e dos padres da Igreja. Sua política foi muitas vezes alvo de espanto e reprovação. No Concílio de Lyon 1245, o papa Inocêncio IV evocou as desventuras da Cristandade, Jerusalém novamente nas mãos dos infiéis, Constantinopla ameaçada, Frederico II em luta aberta contra o chefe da Igreja. Depois de ter decidido a deposição do imperador germânico, Inocêncio proclamou uma nova Cruzada. Somente em agosto de 1248, são Luis e os seus companheiros deixavam a França em direção a Chipre, escala normal na rota da Síria, e ali permaneceu durante o inverno de 1248-1249.
A Cruzada empreendida pelo rei da França seis anos antes terminava assim sem glória, mas com honra. O Egito vencera os cruzados e o Reino de Jerusalém continuava privado da sua capital e sob a dupla ameaça de mamelucos e damascenos.
6.4 A Cruzada da Tunísia
A longa estada de são Luis na Terra Santa e o interesse dedicado por esse soberano aos estabelecimentos latinos não foram suficientes para garantir a segurança desses últimos, a sua situação continuava sendo precária, subsistiam sob a ameaça permanente de seus inimigos muçulmanos. Em 1268, depois de Jafa, capitulava frente ao terrível sultão a cidade de Antioquia, 8 mil habitantes tiveram que render-se incondicionalmente ao inimigo. Matanças, escravidão, destruição de igrejas, marcaram o fim de uma cidade cuja posse evocava o tempo glorioso da Primeira Cruzada e a fundação de um principado criado em 1098 pelo grande Boemundo. Os contemporâneos de são Luis, dificilmente podiam avaliar a extensão do papel desempenhado na Europa e no Oriente pelo rei da França. As duas Cruzadas empreendidas pelo soberano capeto haviam resultado em fracasso, o reino suportava com dificuldade os ônus financeiros e o rei havia consentido que se abrisse mão de certos direitos em favor da Inglaterra. Em contrapartida, a retidão e a autoridade de são Luis eram reconhecidos até mesmo fora das fronteiras da França, e a sua arbitragem foi requisitada em diversas circunstâncias.
7 ÚLTIMAS CRUZADAS
Nos séculos XIV e XV, são ainda numerosas as tentativas para conquistar os Lugares Santos, os papas continuam a lançar apelos à Cruzada, e os teóricos da guerra santa intitulam na opinião a idéia de Cruzada. A Cruzada não constitui mais o assunto e a preocupação de toda a Cristandade, já não responde a um sentimento geral e profundo. As Cruzadas apresentam então o aspecto de expedições políticas e militares em que às vezes ainda participam cavaleiros penetrados do espírito de Cruzada. Não há mais identidade entre Cruzada e cruzados, acordo entre os fins e os meios, a instituição, como demonstrou M. Villey, sobrevive ao espírito que o criou.
7.1 A Cruzada de Nicópolis
Em 12 de setembro de 1396, o exército de cruzados chegou diante de Nicópolis, cidade fortificada situada na margem direita do Danúbio, o sultão Bajazet nela instalara uma guarnição e a havia abundantemente provido de vitualhas e de armas.
Depois de um primeiro choque entre as cavalarias, tiveram os cruzados de suspender a marcha muito feridos. Esse desastre militar atingia toda a Europa, feria a Cristandade em seu conjunto. A Cruzada de Nicópolis anunciava o fim de uma instituição privada da sua alma, e em via de desaparecimento.
8 O SENTIDO E O VALOR DAS CRUZADAS
Desde o final do século XI, a noção de Cruzadas fascinou a sociedade feudal. Ela trouxe a paz à Cristandade Ocidental, pois por algum tempo, os cavaleiros cessaram de mover guerra uns aos outros e preferiram então a guerra contra os muçulmanos, guerra que lhes assegurava favores espirituais e satisfações temporais. Ela permitiu que o papado assumisse provisoriamente a direção da Cristandade e contribuiu para estabelecer a unidade no Ocidente. Em contrapartida, fracassou na questão da unidade das Igrejas. A Quarta Cruzada e a fundação do Império Latino aumentaram os sentimentos de hostilidade dos gregos para com Roma. Estados nascidos da Cruzada: Estados Latinos da Síria; Reino de Chipre; Reino armênio da Cilécia; Ducado de Atenas e Principado de Moréia. Todos permaneciam como testemunhas mais ou menos fiéis da Cruzada numa época em que esta havia perdido grande parte dos seus fiéis.