SAUL E A VIDENTE DE EM-DOR
Vamos começar com a definição de alguns termos:
Médiuns - tAbaoh' – cujo significado primário era de vaso de barro para guardar água, vinho e outros líquidos. Mas não é este o seu significado aqui. O escritor do livro de Samuel refere-se a pessoas que eram tidas como capazes de invocar e evocar os mortos, ou seus espíritos para dizerem os acontecimentos futuros ou acontecimentos incertos. A prática era por meio de encantamentos e canções mágicas (cf Is 8.19; 29.4; Dt 18.11; 2Rs 21.6; 2Cr 33.6.
De modo particular este termo também denota
· Necromante – uma pessoa que consulta os que estão no mundo dos mortos, visto que muitos povos antigos, inclusive os hebreus, acreditavam que quando as pessoas morrem elas vão para o Sheol ou Hades (que não é o inferno), o lugar para onde vão todos os que morrem;
· uma piton (a grande cobra) ou um demônio profetizador. Acreditava-se que algumas pessoas se deixavam dominar por um destes seres que lhes permitiria revelar as profecias (cf Lv 19.31; 20.6; 1Sm 28.3,9; 1Sm 28.2);
· a própria pessoa falecida que se levanta dos mortos (Is 29.4)
· A LXX comumente traduz o termo por Eggastrimuqoi, ou seja ventríloquo, pois era muito comum que pessoas que tinham essa habilidade muito aprimorada a usassem para emular a fala de espíritos (estes espíritos se manifestariam nos vasos de barro, para dentro dos quais os ventríloquos projetariam suas vozes.
Adivinhos - ~ynI[oD>YIh;– da mesma raiz de [dy (conhecer) “um que tem conhecimento” por meio de divinização, um profeta, um mágico, um falso profeta; semelhantemente ao termo anterior, refer-se a alguém que é possuído por um espírito de adivinhação, de uma piton (simbolizando um demônio) com os quais o adivinho está em comunicação.
A pessoa que o Rei Saul foi consultar era uma bAa- o primeiro termo descrito acima. Saul havia antes tentado saber pelos meios permitidos por Deus para ter os conselhos sobre como agir diante de situações difíceis, mas Deus havia se calado para Saul, como dissera que faria.
Fazer subir - hl,[]a; - lembrando justamente a idéia de que o espírito (ou a pessoa) que seria evocada do mundo dos mortos (de debaixo da terra).
Quando a mulher começou seu ritual de consulta, diz o texto, “ela viu Samuel” e gritou em alta voz “Por que me enganaste? Pois tu mesmo és Saul.
Então a feiticeira passa a falar, como que incorporada pelo espírito de Samuel, que passa a falar por meio dela.
Segundo a literalidade do texto, é mesmo Samuel quem fala a Saul. Ele sabe de detalhes e dos termos da aliança e do rompimento desta aliança entre o Senhor e Saul.
Por meio desta feiticeira (ou pitonisa) mais uma vez Deus falou a Saul e lhe declarou os seus desígnios. E assim como a mulher (ou Samuel) falou, aconteceu.
A questão que não quer calar é: É realmente possível falar com os mortos? Ou os cristãos têm uma necessidade de negar esta possibilidade para negar a crença e a prática espírita de comunicação com os mortos? É possível ter como “possível” a comunicação com os mortos e ainda ser cristão? Como sustentar uma dos princípios básicos da hermenêutica que é o de que a primeira interpretação deve ser a “literal”? Há no texto alguma indicação de que o texto deva ser interpretado simbolicamente?
Quando o texto por si mesmo não é suficientemente claro a este respeito, devemos apelar para o outro grande princípio de interpretação: “A Bíblia é sua própria intérprete” (“Scriptura sui ipsius interpres”).
Em algum outro lugar da Bíblia temos alguma declaração expressa de que é impossível falar
com os mortos? Não que me lembre, não! Mas em vários lugares há afirmações que, no mínimo, dizem que havia gente fazendo isso, ou afirmando que seriam capazes disso.
Em Dt 18.9-14 Deus proíbe que uma série de práticas sejam adotadas por seu povo, entre elas a necromancia, divinização, a consulta a mortos – o que não é prova de que isso seja possível, senão apenas que estas coisas eram praticadas.
Na parábola do Rico e do Lázaro (Lc 16.19-31), Jesus está dando um ensinamento sobre o tempo da graça e não quer fazer uma afirmação categórica de que seja possível falar com mortos. Diante da solicitação do rico para retornar para avisar seus irmãos ou enviar alguém para que faça isso, Jesus afirma que eles têm os vivos para que façam isso, e que não há a necessidade de que os que estão no outro mundo o façam. No entanto, Jesus deixa muito claro que os que morreram estão vivos.
Em outro texto, Jesus faz essa afirmação de forma categórica: “Ele não é um Deus de mortos, e sim de vivos” (Mt 22.32), referindo-se a Abraão, Isaque,e Jacó.
E, finalmente, podemos lembrar do texto da transfiguração, quando Pedro presenciou Jesus em uma espécie de conferência com Elias e Moisés (Mt 17.1-9). Pedro mesmo não falou com nenhum deles. Jesus falava com eles.
Todos estes relatos não afirmam que seja possível falar com mortos, mas também não dizem abertamente que não seja possível. E diante disso podemos afirmar algumas coisas:
· Os que morreram estão vivos;
· Deus não quer que a humanidade queira saber de coisas por meio de adivinhos ou profetas que não sejam por ele chamados;
· Deus sempre falou por meio de seus profetas, diretamente; ou por meio de seus mensageiros (que nunca são humanos que passarem deste mundo para o outro);
· Mas tudo isso não quer dizer que não seja possível invocar os mortos ou que não seja possível com eles comunicar-se;
· Deus quer que as pessoas o busquem em sua palavra (Moisés e os Profetas) e suas testemunhas de hoje (que proclamam esta palavra).
Fiquem com Deus e que Deus os abençoe!
Pr. Rui Gilberto Staats <copyright 30/11/2011.