Liturgia notas
Comentários sobre liturgias
Trazemos aqui algumas observações sobre a liturgia luterana. Estas notas foram coletadas através de observações e diálogos com diversas pessoas, jovens e idosos de nossa igreja, bem como de visitantes. Apresentamos as observações em forma de diálogo do casal João e Joana[1]. João, 59 anos, e sua esposa Joana, 53 anos. Ambos são membros da Igreja Luterana, conhecem o Catecismo Menor e as Confissões luteranas. Devido sua profissão, eles viajam muito e conheceram muitas igrejas luteranas na América Latina, América do Norte, Europa e na Ásia. Vejamos seus comentários. É evidente que nem sempre precisamos concordar nos detalhes ou ser também tão extremistas, mas os pontos nos lembrar as origens dos passos litúrgicos, hoje, nem sempre lembrados.
Abertura e Invocação
É o 15° domingo após Pentecostes. João e Joana vão ao culto numa Comunidade luterana no Rio Grande do Sul. Na entrada eles são saudados com um cordial bem-vindos e recebem o boletim com a liturgia do dia e informações a respeito da Comunidade. Como de costumo, procuram um lugar e, de pé, fazem sua oração. Pedem que Deus afaste deles tudo o que possa estorvá-los no ouvir e meditar na Palavra de Deus. Pedem que o Espírito Santo lhes abra a mente e o coração pela Palavra, para arrependimento e fé; guie o pregador e abençoe sua Palavra onde quer que ela esteja sendo anunciada, ouvida e meditada. Então sentam. Enquanto isto, uma banda jovem toca muito alto um fundo musical. Alguns jovens fazem gestos rítmicos, evoluções corporais ao cantarem. João sentou rapidamente, logo depois sua esposa, que lhe disse: - Tua oração foi curta?
- É, com esse barulho eu não consegui me concentrar, nem orar direito.
- É verdade, eu só balbuciei a breve oração que está no início do Hinário. É pena, a Igreja não é mais um lugar para meditação e oração. Antigamente vínhamos à igreja e havia absoluto silêncio.
- É, disse João. Lembro-me de tua comunidade natal. Ali tocava o sino. As pessoas entravam. Então havia um silencia de 10 minutos, para meditação e oração. Apos o que o pastor se colocava diante do altar. Todos podiam preparar-se para o culto e a Santa Ceia, meditando nas recomendações do Hinário.
A igreja estava lotada. O pastor ainda corria de um lugar para outro, cumprimentando as pessoas. Um oi! aqui e ali, verificando o som. Finalmente a banda parou. O pastor entrou na sacristia. O organista tocou o prelúdio, após o que o pastor entrou de talar. Voltou-se para o altar, inclinou a cabeça e virou-se para a Comunidade. - Puxa, comentou Joana, foi tão rápido que acho que ele nem fez oração. Então o pastor gritou para a Comunidade: Bom di-i-i-a-a-a!
- A Comunidade respondeu: Bom dia!
- Não ouvi, disse o pastor. Mais forte.
- Bo-o-om di-i-i-a-a-a.
- Como é bom estar aqui, na casa de Deus, para louvar! Vamos lá! Música! O conjunto tocou um hino: Reunidos aqui, só pra louvar... Todos de pé. Os jovens balançando, acompanhando a música com gestos. Os mais idosos, por não conhecerem nem letra nem música, não cantaram junto. Uma e outra senhora, que aprendera essa música nos Congressos, acompanhava.
Então o pastor se voltou para a Comunidade e disse:
- Iniciaremos o nosso culto em nome de Deus Pai, Criador... , Deus Filho, Salvador... , Deus Espírito Santo, nosso Consolador...
João e Joana se entre olharam tristes. Depois comentaram:
- Que invocação! É - disse Joana - querem tornar o culto mais social, comunicativo, humano, mais show e não se dão conta de que estão desvirtuando o culto. O culto não se abre como um programa de televisão. A saudação respeitosa tem seu lugar na liturgia, quando pastor saúda a comunidade com as palavras: O Senhor seja convosco. E a comunidade responde: E com o teu espírito. Além disso, parece que esse jovem pastor desconhece o significado da Invocação. Invocação é invocação. Aqui não é lugar de agradecimentos, nem a confissão de partes do Credo Apostólico. Por outro, o culto não é, em primeiro lugar, nosso servir a Deus, nem viemos aqui Só pra louvar... Nem cabe: Nós iniciamos o culto! O culto é de Deus. Ele convidou. Ele nos trouxe. Ele é quem atua aqui e não nós. Vim porque Deus me chamou e me convidou. É Deus que me serve por Palavra e sacramentos. Além disso, o pastor usou três vezes o nome de Deus: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, como se nós tivéssemos três deuses. Falta a essaes novos pastores uma compreensão melhor da liturgia.
- Puxa João! Não seja tão crítico, disse Joana. O que o pastor disse não está errado.
- As frases não estão erradas – respondeu João, mas não estão no lugar certo. Você recorda, Joana, o culto da semana passada. Ali o pastor agiu corretamente. Ele saudou os ouvintes respeitosamente. Você recorda as palavras? Ele disse: Muito bem-vindos! Somos gratos a Deus por nos reunir mais uma vez em sua casa, para nos edificar por sua palavra e sacramento. Que Deus em sua graça nos abençoe. O tema de hoje é... Então disse: Invoquemos a Deus, voltou-se para o altar e disse: - Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Outros preferem: Em nome de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Amém.
Nossos pais formularam aqui uma frase interessante. Ela não tem sujeito nem predicado. Nossos pais foram cautelosos. Só a invocação do nome de Deus. Pois o culto é totalmente de Deus. Ele vem nos servir. Mesmo nosso canto, nossas ofertas, nosso responder é ação de Deus, como toda a boa obra que fazemos é a ação do próprio Deus que age em e por nós.
- É verdade, disse Joana, isto me lembra o estudo que fizemos lá em casa do Caderno BOAS NOVAS, n° 24. Aquele material feito nos Estados Unidos.
- Mas João, tu não achas que começar todos os domingos da mesma forma isso se torna monótono? Estamos na era da comunicação, da televisão. Isto requer constantemente inovações.
- Não, Joana. Invocação é invocação. Não há o que mudar. Sempre deve ficar claro porque estamos aqui. Quem nos convoca, quem age aqui do começo ao fim é Deus e não nós. O pastor é o embaixador de Cristo. Ele age em nome Deus. Por isso ele deve ter o cuidado extremo de fazer somente o que é ordenado e da vontade de Deus. E mais uma coisa, Joana. Você lembra o culto há um mês atrás. Lá o pastor disse o seguinte: Em nome de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Um estranho vai concluir que esta igreja tem três deuses. Sei que por vezes é um lapso, um mau hábito. É preciso ser claro. Nós cremos num Deus em três pessoas. Por isso consta em nossa liturgia: Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.
Confissão e Absolvição.
João e Joana estão em outro culto. O pastor seguiu nossa liturgia a risca e a apresentou de forma falada. Joana disse:
- Pena! Ele deveria tê-la cantado.
- É verdade! respondeu João. Antigamente se cantava para que todos pudessem ouvi-la bem. Mas hoje temos aparelhos de som. O cantar embeleza a liturgia; mas falada ela permite melhor concentração.
Após a invocação, o pastor fez um pequeno sermão confessional. Ele leu um versículo bíblico e o expôs de forma breve, muito significativa.
- Que maravilha, disse João. Faz tempo que não ouvimos uma mensagem tão bem preparada. Três minutos. Ela me induziu a uma reflexão sobre arrependimento e me trouxe conforto. Então o pastor seguiu a liturgia de Confissão e Absolvição.
- Sabe João, disse Joana: Isto precisa ser dito a nossos pastores. Você lembra, nos últimos cultos dos quais participamos não houve sermão confessional. Em vez disso cada pastor mudava a confissão e absolvição, com recitação de Salmos e responsórios, tornando-a longa e chata, mencionando ora esses ora aqueles pecados, inserindo versículos de toda a ordem. Muitas vezes um ziguezague confuso. Eu tinha a impressão de que num domingo confessávamos só pecados na mordomia, noutro só pecados do evangelismo, então só pecados no comércio, etc. Numa dessas confissões, você lembra, o pastor chamou todos de vagabundos, adúlteros. Ele quis destacar os pecados grosseiros dos quais a Bíblia fala, mas eu fiquei chocada. Nossa liturgia é nobre e clara. Ela mostra que quando me coloco diante de Deus, eu me confesso culpado de todos os pecados: Eu, pobre e miserável pecador, te confesso todos os meus pecados e iniqüidades com que provoquei a tua ira... Essas palavras só se tornarão sem sentido, no momento em que entro no culto como entro num show, sem orar, sem me concentrar, sem pensar, só para me recrear.
- Você tem razão Joana. Mas Mesmo nessa confissão – que foi abreviada – uma frase breve que, se não for explicada de tempos em tempos, pode ser mal entendida. Veja: Te confesso todos os meus pecados. Quem é capaz de conhecer e confessar todos os seus pecados? Ninguém. O sentido da frase é: Confesso que pequei contra todos os Mandamentos , ou: Me confesso culpado de toda a lei. É neste sentido que confessamos todos os pecados. Isto precisa ser de tempos em tempos explicado.
Então o pastor pronunciou a Absolvição. - Que maravilha, pensou Joana. Não me canso de ouvir essas palavras. Mas por um motivo, parece que o regente do coral fez um sinal ao pastor, por isso ele leu as palavras de forma rápida, e Joana comentou: - Estas palavras, que Deus nos diz pela boca do pastor, o pastor deve dizer com toda a ênfase, pausadamente, de preferência de cor, olhando para a Comunidade.
A Comunidade, de pé, entoou o Gloria Patri, o Kyrie e o Glória in Excelsis. João e Joana cantaram com todo o fôlego. São seus cantos prediletos. – O Gloria Patri é conciso, mas seu conteúdo merece um livro. O louvor após o perdão. Pelo perdão de Cristo a comunhão entre Deus e sua grei redimida, sua Igreja, foi restabelecida como era no princípio antes da queda em pecado. (Observe os verbos: “era”, “é” e “há”) Assim a comunhão “é” novamente restabelecida, e “há” de ser por toda a eternidade. Que maravilha. Amém. Isto dispensa qual quer outros comentários. Que consolo. Ao a Comunidade cantar esse louvor, o grava em todos os corações para consolo. Então segue o Kyrie. Na maioria das liturgias, como em nossa liturgia na página 13 do HL, a palavra não é traduzida. Na verdade, é impossível traduzir o rico conteúdo dessa palavra. Transcrever todo o seu conteúdo daria páginas. Seu significado é adoração e confissão ao Rei dos reis, Jesus. Pelo Kyrie estamos dizendo que reconhecemos Cristo como nosso Rei, pois dele temos a vida, o perdão, a santificação, a paz, a esperança, a força e o poder. Nossa vida, sustento e proteção provêm dele. Ele é a fonte de todo o saber. Dele dependemos em todas as coisas. (1 Co 1.30) A ele queremos servir com tudo o que temos e somos. Então segue o Gloria in Excelsis, o grande momento da adoração da Trindade em especial de nosso Salvador Jesus e exaltação da salvação que Cristo nos preparou. Esse texto é maravilhoso de mais. Eu o recito diversas vezes ao dia. Alias, João, você já reparou que o texto do Glória in Excelsis da página 13 é mais completo do que o texto da página 36? – Sim, mas para mim recito o texto antigo, pois é esse que eu aprendi e está no sangue. Impressionante. Num mês inteira em minha comunidade não se cantou o Glória in Excelsis. Parece que por ser um pouco cumprido, os pastores o deixam fora e o substituem por palavras sem muito sentido. Que coisa triste.
O pastor se voltou para a Comunidade e a saudou: - O Senhor seja convosco. E a Comunidade respondeu: - E com o teu espírito. Assim Boás saudou seus empregados. (Rt 2.4) Que saudação! Que relacionamento maravilhoso entre patrão e empregados. Aqui o pastor saúda, da parte de Deus, os membros e deseja que Deus esteja com eles. Pois agora será lida a Palavra de Deus, por ela Deus vem a nós. A Comunidade, ciente da alta responsabilidade do pastor, pois não serão seus dons nem sua inteligência que tornarão a palavra compreensível ou eficaz. Ele precisa para tanto que Deus o guie e trabalhe em nossos corações. Por isso a Comunidade responde com profunda oração no coração: - E com o teu espírito. - É verdade, e não simplesmente: E contigo também, que desvirtua este belo significado.
Segue uma coleta, isto é, uma oração breve, que resume o tema do dia. Aqui não é lugar para devaneios a respeito do dia, do sol ou da chuva, nem dos últimos acontecimentos, mas uma frase que resume o tema do dia e da semana.
Um culto no exterior
João e Joana tinham compromissos no exterior. Eles foram para Tokyo, Japão, a negócios. Ficaram ali uma semana. Procuraram o endereço da Igreja Luterana no Anuário Luterano. Eles não falam nem entendem o japonês, mas acharam que o culto foi fantástico. A liturgia era luterana. Muitos hinos eles reconheceram pela melodia e cantaram juntos em português. Sentiram-se em casa. – Após o culto Joana disse:
- Maravilhoso! Mesmo num país estranho do qual não entendemos a língua, a gente se sente em casa no culto. Na saída falaram com o pastor, que entendia inglês, e o cumprimentaram. Disseram que gostaram muito dos hinos. – Sim, respondeu o pastor. Este ano estamos celebrando o aniversário de Bach. Japão está descobrindo Bach e com isso também os muitos hinos de Paul Gerhard, pois quem seria Paul Gerhard, sem os arranjos de Bach.
Tendo voltado ao Hotel Joana comentou:
- Me senti aqui mais em casa do que em algumas de nossas comunidades no Brasil. Em alguns cultos, devido a tantas modificação e hinos estranhos das seitas não me sinto mais em casa.
Sermonete para crianças
João e Joana estavam de volta dos Estados Unidos da América e assistiram um culto na cidade em São Paulo. O pastor fez um sermonete para as crianças. Que ótimo, pensou Joana. O pastor disse que iria falar sobre o evangelho do domingo, Lucas 16.14-17. Jesus reprova os fariseus, isto é, sua avareza e justiça própria. Ele introduziu o evangelho por uma outra história até muito interessante, sobre um homem muito vaidoso e orgulhos, o então presidente da FIAT na Itália, descrito por uma revista brasileira naquela semana. Portanto, algo bem atual.
Após o culto, João e Joana receberam um convite de um amigo para almoçarem com ele. O convite foi aceito. Na casa do amigo havia duas crianças em idade da escola dominical e um confirmando que havia convidado dois amigos, também confirmandos. Não demorou João perguntou a um dos confirmandos:
- Gostaram do culto.
- Sim! O que vocês lembram?
- A gente não deve ser tão egoísta como o presidente da FIAT.
João fez ainda mais uma perguntas. Então as crianças foram brincar.
- Que pena disse o amigo. O tema egoísmo foi bem gravado, mas só pelo exemplo negativo do dono da FIAT. Do Evangelho, que é a base, lembram quase nada. Eu acho que isto é um dos grandes erros hoje nos sermonetes e também em alguns sermões. Os pastores – sem dúvida bem intencionados - querem tornar o evangelho, me parece, mais atraente, e em vez de explorem bem o evangelho, o sepultam com histórias, que dizem ser vida real, mas na maioria inventadas, incríveis, ou da moral asiática e sepultam assim o belo Evangelho. Eu acho que se usassem seus dons para contarem a história do Evangelho, gravá-lo nos corações, seria melhor e as crianças, ou nós membros teríamos um proveito para a vida, tanto para repreensão como para consolo. Já tenho falado com nosso pastor. Ele me disse: Jesus usou esse método. Ótimo. Mas importa permanecer na Palavra de Deus e não contar seus próprios sonhos e historinhas inventadas, aplicando um pouco de moral, sem dar ênfase ao evangelho.
- Confesso, disse João, eu nunca refleti sobre isso. Se bem que muitas vezes notei que histórias – chamadas da vida real, me pareciam muito irreais – sepultavam o texto. Acho que isso merece ser analisado.
Leitura da Palavra
João e Joana estavam numa cidade do norte do Brasil. Eles convidaram um amigo, que era católico, para ir ao culto com eles. O culto fluiu normal. Quando chegou o momento do ofício da palavra, um leigo fez a leitura do Antigo Testamento, uma senhora leu a Epístola e o pastor leu o Evangelho. Realmente as leituras do dia eram um pouco difíceis. O pastor não fez nenhuma introdução ou explicação. Após cada leitura o pastor dizia: Palavra do Senhor! Após o culto foram almoçar num restaurante com seu amigo católico, e lhe perguntaram: Então, gostou do culto? O amigo respondeu: É, como na nossa igreja. O pastor é um profissional que cumpre sua função como nossos padres, sem se importarem se a palavra realmente é compreendida ou não. João e Joana se surpreenderam, pois eles gostaram do culto. E perguntaram ao amigo o que ele realmente queria dizer com essas suas palavras. Então ele disse: Confesso que não sou muito versado na Bíblia. Vou regularmente à missa. O padre lê esses trechos, mas eu não entendo nada e gostaria de compreendê-los. Por vezes noto e acho que nem o padre compreendeu ou não preparou a leitura, pois tropeça sobre vírgulas e ponto e vírgula que fica difícil alguém entender a leitura. Custaria ao padre ou pastor se preparar um pouco mais e fazer uma breve introdução para as leituras, para que pudéssemos compreender um pouco?
- É verdade, respondeu João. Hoje as leituras realmente foram difíceis, até eu gostaria de ter ouvido uma pequena introdução.
- Você recorda João – disse Joana - não me lembre em que comunidade foi em que o pastor, logo no início dava uma pequena explicação dos textos a serem lidos e mostrava que eles levavam ao tema da mensagem. Nós gostamos muito dessa forma.
A confissão do Credo
Após um culto, João e Joana voltaram para casa. Um estagiário havia realizado o culto, porque o pastor local fora visitar seus pais adoentados. O estagiário resolveu escrever um credo diferente, que foi impresso no boletim informativo.
Já sentado em casa, João disse a esposa:
- Me traga o boletim, por favor. Deve estar em tua bolsa. Ele pegou o boletim e disse: - Eu nunca vi isso. João releu o Credo. Isso realmente é estranho. Confissão é algo aceito pela igreja, o pastor não tem o direito de mudar a confissão a seu belo prazer e com suas palavras. O que ele deveria fazer é explicar uma e outra vez o conteúdo do Credo. Ele poderia colocar algumas perguntas para acordar a correta compreensão. Por exemplo: Vamos confessar nossa fé. Você sabe o que significa dizer: Eu Creio. O que isso significa para a nova semana que se abre diante de nós hoje? Que, quando o confessamos, o fazemos para honrar a Deus, para reafirmar nossa fé e para consolação e fortalecimento mútua na fé?
- Aliás, outra coisa que me chamou a atenção, disse Joana, foi que ele anunciou todos os hinos assim: Vamos louvar a Deus com hino tal e tal. Mas havia hinos de arrependimento, hinos doutrinários, hinos que são orações. Parece que para ele só interessava uma coisa: Louvar a Deus.
- Joana, eu notei isso, disse João. São certos vícios de linguagem que a pessoa adquire e é necessário que alguém chame atenção dele, mas não encontrei na saída uma Caixa de Sugestões. Uma caixa, na qual os membros possam colocar agradecimentos, observações, perguntas e sugestões. Tal caixa na saída sempre é muito útil para que a diretoria e os pastores possam ouvir os membros. Claro que nessa caixa vão entrar observações, perguntas e afirmações até chocantes. Mas ninguém deve-se ofender com isso, pois são um reflexo de como anda a saúde espiritual da comunidade que nos cabe alimentar.
A Santa Ceia
João e Joana estavam em casa. Eles haviam convidado o seu pastor para o chimarrão à tardinha. Queriam discutir com ele alguns aspectos da Santa Ceia. Pois, no último mês, assistiram alguns cultos e estranharam a forma como a Santa Ceia foi instituída e distribuída. Após algumas novidades das viagens abordaram o tema.
- Pastor, é verdade que só pastores podem consagrar os elementos da Santa Ceia?
- Sim, respondeu o pastor. Vocês recorda o 5° Artigo da Confissão de Augsburgo, Do Ofício da Pregação. – Sim, recordo. – Mas eu estranhei quando vi num culto o pastor fazer a consagração em forma responsiva. Ele dividiu as palavras da consagração em pequenas frases para usá-las de forma responsiva com a Comunidade. Isto está correto? – Hoje, respondeu o pastor, infelizmente, cada qual faz inovações na liturgia sem conhecer, por vezes, a verdadeira razão disso ou daquilo. Só se pensa em apresentar novidades. Isto faz parte de nossa época. Novidade e novidade. Mas a instituição da Santa Ceia não é um simples costume litúrgico que pode ser mudado a belo prazer. Nós estamos diante do testamento que Jesus deu à sua igreja. E nisso o pastor empresta sua boca a Jesus. Por isso deve proferir as palavras da instituição sobre os elementos da Santa Ceia. E nisto preferimos as palavras de Paulo, da carta aos coríntios.
- Uma outra pergunta, pastor. Semana passado estávamos no centro do Brasil. Procuramos nossa igreja e fomos ao culto. Na entrada fomos bem recebidos e nos perguntaram quem éramos. Informamos que éramos luteranos da IELB, do sul. Eles nos chamaram bem-vindos e perguntaram se gostaríamos de participar na santa ceia. Respondemos que sim e damos nossos nomes para a inscrição. Então sentamos nos bancos. Ao olhar para o altar, não vimos sobre o altar os apetrechos da Santa Ceia. Estranhamos. Aguardamos. Na hora da Santa Ceia, o pastor convidou as auxiliares trazerem os elementos da Santa Ceia. Entraram seis moças, vestidas com túnicas brancas, seguraram os elementos que o pastor os consagrou. Após a consagração, ele disse à Comunidade: Podem ficar nos bancos. A Santa Ceia será levada até vocês. Quem quiser participar, faça um sinal com a mão e às moças que estão distribuindo o pão e o vinho em copinhos, vão alcançar a vocês. E então, por favor, segurem na mão até que eu diga a palavras: Tomai e comei. Então comam o pão. Tomai e bebei, então bebam o vinho.
- Sabe pastor, mesmo tendo nos inscritos, preferimos não participar. Na verdade eu já havia visto isso numa Comunidade Luterana na Alemanha. Naquela oportunidade os Confirmandos do dia receberam a Santa Ceia no altar e depois eles levaram o pão e o vinho para seus pais e padrinhos nos bancos. Agora vimos algo parecido aqui.
O pastor ficou um pouco constrangido, porque o pastor do qual se tratava era seu colega e amigo. E ele disse:
- Há muitas formas de distribuir a Santa Ceia. Mas os elementos devem ser colocados no altar e consagrados ali. Mesmo havendo inscrição para a Santa Ceia, o pastor local é o responsável, portanto ele deveria dar o pão. Em todo o caso, este pastor é meu colega e vou procurar falar com ele.
Nossa liturgia, há mais de mil anos em uso, tem suas partes fixas e móveis. Precisamos conhecer bem a razão de cada item e o porquê de sua formulação com tais palavras. Veja, a liturgia é aceita pela Igreja e não está livre para modificações a belo prazer de cada um, nem do pastor, nem da congregação. Para que cada congregado possa se acostumar e memorizar a liturgia e poder recitá-la. Se há constantes modificações, e isto já me aconteceu, noto erros e sou obrigado a parar de falar ou de orar junto, por não ser mais a minha confissão.
- Bem pastor, disso o sr. João, este assunto é muito interessante. Voltaremos a conversar sobre isto oportunamente.
- É, respondeu o pastor, eu vou precisar reler também alguns aspectos da doutrina da Santa Ceia. Muito obrigado e volte sempre.
A Oração Geral. João e Joana estavam em casa. Sua comunidade estava de aniversário. Haviam convidado um pregador especial. Era o Conselheiro do distrito, um pastor já mais idoso. Ele fez a pregação e também a oração geral. Foi um culto muito bonito. Como havia almoço festivo, a maioria permaneceu. Na roda do chimarrão antes do almoço, sentaram com o pastor Conselheiro e João lhe disse:
- Muito obrigado pela mensagem, e especialmente pela oração geral, acrescentou Joana. – Ué - disse o pastor – tenho recebido agradecimentos pelo sermão, mas pela oração (geral) é a primeira vez. Por quê?
- Sabe, pastor, hoje se modifica tudo no culto. E a Oração Geral, um momento muito precioso em que a comunidade se une em oração com toda a cristandade, sim até anjos e arcanjos participam. Mas esta oração está ficando cada vez mais pobre. Antigamente os pastores seguiam as orações que estão na Agenda Litúrgica. Nós sabíamos estas orações praticamente de cor, podíamos acompanhar e usá-las em nossas orações particulares. Mas agora ouço cada oração, e até tenho dificuldade para acompanhar essas orações.
- E não só isto, interrompeu João. Ouvi pastores dizer que a oração deve brotar do coração para ser oração de fato. Mas o que brota de nosso coração? Nós nem sabemos orar como convém. Se mesmo em nossas orações particulares preferimos nos guiar por orações escritas, especialmente pelos salmos que é a própria linguagem de Deus, quanto mais nas orações em público, nos cultos.
Concordo com vocês, disse o pastor. A oração não vem naturalmente do coração, visto ser linguagem da fé, que precisa ser aprendida. Por isso os discípulos pediram a Jesus: Senhor ensina-nos a orar. Também nós não sabemos orar como convém. Nosso coração é egoísta. E se não preparamos a oração devidamente, deixando isto para o momento sentimental após o sermão, teremos uma oração do coração, que dificilmente será acompanhada pela congregação. O momento da oração, especialmente no culto, não pode ser dirigido por nossos sentimentos e por nossas emoções. A oração precisa ser bem pensada. O Dr. L.E. Fuerbringer, um dos professores de nosso Seminário em St. Louis, USA escreveu num pequeno livrinho sobre a liturgia, no qual ele diz o seguinte: “Ouvi bons sermões, seguidas por péssimas orações.” Simplesmente porque o sermão foi preparado, mas a oração deixada para o momento. Isto não pode acontecer. Na Oração Geral há mais ou menos a seguinte ordem:
1. Agradecimento geral, pelas bênçãos espirituais e materiais.
2. Palavra, Igreja, missão, conversão dos inimigos.
3. Nação e autoridades.
4. Bênçãos materiais, colheitas. Proteção e consolo nas calamidades e doenças.
5. Diversos. – Aqui sim incluímos pedidos especiais.
6. Olhando para a eternidade.
7. Doxologia.
Nossos pais elaboraram as orações gerais e as incluíram nas Agendas Litúrgicas, como se faz em todas as igrejas luteranas no mundo, para que os membros possam se acostumar e como vocês disseram: “Nós já a conhecíamos de cor,” para poderem usá-las, também, na oração particular. Mas falando em orações escritas, permita-me mais uma pergunta: O Pai Nosso. ....
A bênção e Despedida.
João e Joana estavam no Estado do Espírito Santo a negócios. Domingo foram ao culto. Eles já conheciam o lugar e eram conhecidos ali. No final do culto, o pastor deu a bênção. Levantou as duas mãos e disse: O Senhor vos abençoe e vos guarde. O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre vós e tenha misericórdia de vós. O Senhor sobre vos levante o seu rosto e vos dê a paz. Amém. Cantaram a última estrofe do hino começado. Então o pastor saudou a todos. Chamou os visitantes bem-vindos. E disse é uma grande alegria para nós ver vocês aqui. Muito obrigado por vossa presença. Voltem sempre. E agora convido todos para o salão da Comunidade aqui ao lado, para confraternizar e conversarmos um pouco. Ali temos cafezinho e algumas bolachas. Desejamos a todos um domingo e uma semana muito abençoada.
João e Joana foram ao salão. Eles conheciam muitos dos membros. Ali houve cumprimentos e conversaram alegremente. Mais ao final, quando muitos já tinham ido embora, João foi falar com o pastor:
- Pastor, gostei do culto, sua maneira viva e alegre de dirigir o culto, e agradeço pelo sermão. Mas permita-me uma pergunta: Que bênção o senhor usou? –
- Bênção? A bênção araônica.
- Tem certeza?.
- Sim, por quê?
- Veja, a bênção araônica está no singular, você a usou no plural?
- Sim, ela é para todos. Que diferença faz.
- Que diferença? Você é um representante de Deus, você empresta a boca e as mãos a Deus, para que ele abençoe a cada um individualmente no culto. A bênção é quase um sacramento individual. Compreende. Daí a importância de permanecermos nas palavras exatas, no singular. Eu sei, que em reuniões particulares, quando usamos a bênção em forma de oração, usamos o plural, mas no culto, importa permanecer nas palavras exatas.
- O pastor olhou e disse:
- Muito obrigado. De fato. Confesso que nunca pensei nisto. Vou ter que me esforçar para observar o singular.
- Alias, mais uma coisa. Não me leve a mal, pastor. Nem é crítica, mas uma colaboração. Por que as pessoas vêm ao culto?
- Ora, para ouvirem a palavra de Deus, cantar e louvar.
- É. Para isso eu também vim. Então, não faz sentido o senhor me agradecer e dizer: Muito obrigado por sua vinda. Eu preciso dizer obrigado a Deus, por ter-me servido, mas Deus não precisa me agradecer por eu ter vindo. Não acha?
- Mas, senhor João, hoje você está crítico. Até essa frase!
- Não, não é crítica. Nem lhe censuro por isso. Sei que você e a Comunidade, sim todos nós nos alegramos quando a igreja está cheia e quando temos visitantes. E queremos expressar isso a eles, mas de forma correta. Pensa nisso uma vez.
- Sim, eu sei. Você tem razão. Obrigado. E quando vier novamente, saiba que gosto de ouvir suas observações. Mais uma vez, agora sim, obrigado.
Cerimônia de Casamento
João e Joana estavam em casa tomando seu chimarrão num sábado, à tardezinha. De repente João lembrou e disse: Joana hoje, às 18h, tem casamento. O filho do senhor Alfredo, membro destacado em nossa Comunidade, vai casar hoje. Faz tempo que não assisti uma cerimônia de casamento. Que tal irmos assistir.
- João, nem fomos convidados.
- E é preciso convite? A cerimônia de casamento é culto da Comunidade, aberto para todos. Acho até que os membros que puderem deveria participar. Vamos lá!
- João, retrucou Joana, eu nem tenho roupa adequada para isso. Casamento tu sabes como é, todos dão valor à roupa. Não vou passar vergonha.
- Que vergonha, respondeu João. É culto. Nós vamos assim como sempre vamos ao culto. Vamos lá.
Eles foram. Realmente era um casamento grande. Havia uns 200 convidados. A igreja estava cheia e muito bem enfeitada.
- Que exagero de flores e de enfeites, comentou João.
- Fica quieto, João, não começa com teus comentários.
No altar havia uma correria de fotógrafos, os encarregados da filmagem, fios para cá e para lá, luzes, músicos e seus instrumentos. De repente um forte som de trombeta, todos silenciaram. Abriram-se as cortinas da entrada, o noivo entrou conduzido por sua mãe. Atrás dele os padrinhos do noivo. Depois os padrinhos da noiva.
- Que música é essa - perguntou João. A música mudou e entrou a noiva, sob os acordes da marcha nupcial, entrou conduzida por seu pai. Noivos e padrinhos se colocaram no altar. Fotógrafos corriam de um lado para o outro. Um até empurrou o pastor um pouco para o lado, para obter uma foto melhor. O pastor fez uma pequena mensagem e realizou a cerimônia de casamento.
João estranhou que muitas partes da liturgia, que ele conhecia, foram deixadas fora. Durante a cerimônia, dois jovens entoaram uma música popular inglesa que não tinha nada ver com a igreja. E outras novidades. Na verdade, João e Joana ficaram chocados.
A cerimônia terminou. Na saída receberam a chuva de arroz, com votos de muito dinheiro e felicidade.
João e Joana esperaram até que todos os convidados saíram, então viram que a esposa e filha do pastor já vieram com vassoura para fazerem à limpeza. Eles foram cumprimentar o pastor.
- Que cerimônia, disse João.
- É, disse o pastor. Os tempos mudaram. Já não sou mais eu que organizo a cerimônia. Este casal teve uma comissão para organizar a cerimônia e festa de casamento. Eles escolheram tudo. Eu até objetei contra alguns hinos, mas em vão.
- Mas pastor, disse João, eu estou estorvando. Você quer ir para a festa. Não é?
- Não, respondeu o pastor. Eles estão fazendo a festa num lugar muito distante e amanhã tenho os cultos. Preciso descansar. Mas voltando ao casamento, sabe João, no começo eu me choquei. Num casamento desses, eu simplesmente disse: Não aceito isto ou aquilo. Casamento é culto e isto deve ser respeitado. Mas criei muitos problemas com isto. Fiz o casamento, mas o jovem casal, após alguns meses se desligou da Comunidade. Muitos membros me criticaram por isso. Desde ali, me contento se pelo menos me deixam fazer uma pequena mensagem. João e Joana se despediram e foram para casa.
- Joana eu ainda estou pensando na cerimônia de casamento. Como as coisas mudaram. Eu não me conformo. A igreja é um lugar santo. Ali se realizam coisas santas. Ali Deus atua por sua Palavra e seus sacramentos e o pastor é servo de Deus, ele não pode simplesmente abrir mão das coisas vitais. Imagina se nós tivéssemos que chamar os bombeiros para um incêndio e eu me parasse à frente da casa para dizer ao chefe dos bombeiros, como ele deveria proceder. O que ele me diria? Ou se num tribunal eu quisesse dizer ao juiz como ele deveria proceder. Isto seria um absurdo. Mas na igreja todos se julgam com o direito de determinar o que e como querem. Isto não está correto.
- João, você exagera. Casamento é uma cerimônia, antigamente não se fazia tanto alô com isto. A cerimônia de casamento era anexada ao culto e toda a comunidade participava, sem toda essa fanfarra. Mas hoje estamos em tempos diferentes. Um quer isto, outra aquilo. Uns casam na igreja, outros no local da festa, ou em clubes. Sei lá. Acho que o pastor está certo. Que bom quando ainda pedem a bênção na igreja. Alguns simplesmente se ajuntam. Simplesmente aparecem juntos. Todos sabem que vivem juntos e vão à Santa Ceia. E ai se o pastor diz alguma coisa. Dizem o amor é algo do nosso coração deles e nem Estado nem Igreja não têm nada a ver com isso. E nós dizemos, mas que bom que eles pelo menos vêm à Igreja. A grande oportunidade do pastor é instruí-los, quando fala com eles no preparo para o matrimônio e a cerimônia seja como eles querem, desde que permitam que ele diga uma palavra a todos.
- Não, eu não posso concordar, disse João. Inclusive, por ser culto, a igreja determinou a liturgia e nem pastor, nem Comunidade tem o direito de simplesmente alterar ao seu gosto e seu belo prazer o que consideramos as partes fixas. Vou levar o assunto à diretoria da Comunidade para ser estudado e se necessário ser apresentado à assembléia dos membros votantes.
- Bem, João, você pode fazê-lo, mas tenha certeza que vai ficar como está.
São Leopoldo, outubro 2007
Horst R. Kuchenbecker
[1] Os personagens são reais. Os nomes são fictícios. Os fatos são, na maioria dos casos, verídicos como descritos, outros descritos de forma remodelada.