SEMINÁRIO CONCÓRDIA-FACULDADE DE TEOLOGIA
Disciplina: Teologia Pastoral
Aluno: Jonas Naor Glienke
Professor: Orlando Ott.
Data:07/04/1999
A VIDA DEVOCIONAL DO PASTOR LUTERANO
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“Viel gebetet ist zur Haelfte studiert”(Martin Luther)
Trad. “Muita oração é a metade do estudo.”
“Ensina-me, SENHOR, os teus decretos e os seguirei até o
fim”(Sl119:33).
“Talis populus, qualis sacerdos”.
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I Crescimento espiritual x ministério
Uma dieta espiritual diária, balanceada, regular é tão importante quanto uma nutrição adequada para o nosso corpo. Não é uma questão opcional, muito pelo contrário, é o fundamento de um ministério público bem sucedido – sob o ponto de vista de Deus.
O ministério público refletirá a vida pessoal que o pastor possui.
O risco que ele corre é de fazer do seu ministério uma simples profissão, um lugar comum, onde lida com a Bíblia com mãos e corações insensíveis.
Deus deseja que o pastor responda com fé, amor e compromisso a seu convite (Jo 8:31).
Pastor- é um modelo a ser imitado.
“Não há tempo”, pode ser a desculpa arranjada. As tarefas são muitas, há reuniões, decisões a tomar, estudos bíblicos, cultos, departamentos, e tantos outros. O tempo deixa pouco espaço para o estudo da Palavra e a lutar com o SENHOR em oração.
Porém, se assim for, o ministro torna-se igual ao presidente da industria local (talvez este ainda possa dar um exemplo de vida devocional ao pastor).
ICO 9:27 – muitas vezes o pregador prega para os outros esquecendo-se de pôr em prática o que ensina. Prega a salvação e ele próprio vem a perder-se. Para tanto, existem algumas máximas:
- “Comporta-te primeiro, ensina depois;”
- “Vive-se como se pensa; educa-se como se vive;”
- “Casa de ferreiro, espeto de pau;”
- Lutero afirmou: “a teologia consiste, prinsipalmente, no seu uso e prática e não na especulação.”
Segundo Lutero, o progresso do cristão está intimamente ligado à prática.
“Quando o Pastor não progride, acaba perdendo a confiança no poder da palavra e apela ao legalismo, moralismo, para alcançar os objetivos.”[1] A falta de autodisciplina afeta diretamente qualificações indispensáveis do ministério público(Itm 3:1ss ). É necessário que o ministro tenha cuidado de si mesmo e da doutrina (I Tm 4:16).
“Quando não há santificação, o pastor facilmente assume uma posição de ‘senhor’ ao invés de ‘servo’. Prefere os cargos às cargas”. Quando o salário atrasa um pouco, já perde o bom humor.[2]
O pastor passa a sofrer de um “mal-estar-pastoral”. O “primeiro amor” foi perdido, e passa a se arrastar pelo ministério com um senso de obrigação, o que traz infelicidade. Surgem muitos problemas na congregação e então tenta sobressair-se a estes, mudando de paróquia.
Não é o lugar onde está, mas o que ele é que vai determinar as coisas.
Necessita, o pastor, recuperar a excitação, a alegria, as expectativas do ministério de Deus.
Neste ministério não há lugar para aborrecimentos, obstáculos, fardos temíveis ou profissão frustrada. Ser pastor é o chamado maior e mais satisfatório que Deus colocou no mundo. É o privilégio de chamar homens a Cristo(Rm 10:15). Nossas atitudes devem refletir isto.
George Kraus (pastor luterano) diz:
Pelos momentos sombrios de meu ministério não tenho ninguém para culpar senão a mim mesmo, e para estes preciso arrepender-me diante de meu Senhor e clamar pelo seu perdão. Pelos tempos de alegria e esperança dou graças a Ele, pois Ele é o único responsável por qualquer satisfação que tenha conhecido.[3]
A história nos mostra o fato de que, todas as épocas que tem presenciado a deterioração da vida espiritual de congregações tiveram pastores os quais deixaram de ser um bom exemplo.
O Reverendo Elmar Regauer compara o ministro de Cristo com um membro da Alcoólicos Anônimos. Ponto em comum é o “estado de alerta”. Não há mais o domínio, mas a tentação de voltar ao modo de vida anterior.
O Apóstolo Paulo admoesta freqüentemente os ministros de Cristo, quanto a sua atitude e ministério (Fp 3:17; IITs 3:9; ITm 4:16). Ainda, em ITm 4:12 Paulo dá algumas sugestões sobre áreas da vida que devem passar por avaliação para que o pastor possa ser um ‘padrão’ dos fiéis.(Ver: Guesth, A. Rev. Igreja Luterana, pp34-35. II Tri 84).
Mas, o que atitudes e ministério têm em comum com a vida devocional?
A vida devocional está apontada para a atitude, fé, ministério e desempenho diário do profeta de Deus.
O propósito da vida devocional do pastor é torna-lo mais habilitado para a servidão e felicidade. Não tem como objetivo apenas o crescimento intelectual, mas espiritual. O processo de crescer na graça dura a vida toda.
II Ser pastor – um ministério glorioso
Para tanto, seguem seis observações:
1- Disciplina
Esta é uma palavra sempre presente em nosso vocabulário.
A ausência de disciplina é um perigo para o pastor. Ele não tem relógio de ponto, supervisor, chefe. Ele é o seu próprio chefe. “A distância que separa a mesa da cozinha até a escrivaninha pode ser a de mais difícil percurso.”[4]
Para nós, disciplina cheira a legalismo, autoritarismo, mas Salomão nos lembra bem em Pv 6:6-8.
Portanto, “disciplina é como tomar-nos a nós pelo congote de nosso pescoço e pelos fundilhos de nossas calças para colocar-nos a nós mesmos às tarefas, às obrigações que Cristo colocou diante de nós. Isto se aplica tanto a nosso vida devocional como às tarefas gerais do ministério público.”[5]
O tempo, por sua vez, é um dos mais preciosos dons que recebemos de Deus. Porém, como o gastamos?
“Viver pelo relógio” é um sinal do mordomo fiel de Cristo, o qual está procurando aproveitar o máximo de cada hora, de cada dia. (Ec 9:10; Ef 5:16-17).
Que o ministro tome conta da sua vida, do seu tempo, do seu ministério, dos seus dias é a vontade do Senhor. Fazer assim é abrir a porta de uma vida satisfatória de serviço.
“O pregador possui uma arma poderosa em suas mãos e em sua boca: a palavra do Deus vivo, que é uma espada do Espírito Santo. Com ela, conferida por Deus, ele não poderá fugir e dar ouvidos aos convites de sua vontade corrupta; com ela terá forças para manter o seu relacionamento com a fonte de todo o poder através da oração; com ela dominará a ‘santa ira’ que por vezes dele se apossa como se apossou dos filhos de Zebedeu, discípulos de Jesus, que por isso não sabiam de ‘de que espírito’ eram(Lc(9:54).”[6]
2- Estudo
Somos considerados a Igreja da Palavra de Deus, em sua plenitude e doutrina. Todavia a excelência do treinamento teológico não é a garantia para a excelência da fé pessoal.
A palavra de Deus não é como uma vacina que possa ser tomada para eliminar a descrença, o mal, mas Ela é como vitamina, devendo ser de uso diário.[7]
Muitas vezes o pastor repousa sobre os conhecimentos adquiridos no seminário. Não tem um firme e constante regime alimentar da maravilhosa Palavra.
Talvez a oração diária do pastor deveria ser a coleta pela palavra de nossa liturgia v.I pp.8.
Também temos a admoestação de São Paulo em IITm3:16,17.
Assim sendo, nenhum pastor luterano pode ser fiel ao seu chamado se ele negligencia o estudo diário, regular, profundo da palavra de Deus.
3- Livro Concórdia
As confissões normalmente não são consideradas como parte integrante da vida devocional do pastor. Porém, na nossa vida devocional não escolhemos entre crescimento espiritual ou intelectual, mas esperamos ambos.
Somos uma Igreja dos meios da graça, e para tanto as confissões (norma normata) são um grande auxílio para a clara e correta compreensão destes meios da graça (Palavra e Sacramentos), a qual é diferente em outras religiões. Além disso, elas nos dão um profundo conhecimento das Escrituras, bem como um estímulo nas magnificantes tradições de nossa Igreja.
Sendo assim, o pastor consagrado irá fazer uso, em primeiro lugar, da Bíblia (norma normans), mas também da norma normata, para seu crescimento espiritual e intelectual.
O Livro Concórdia, em seu frontispício, dá o seu valor e a sua utilidade: “Confissão Cristã... ...para ensino e admoestação de seus territórios, igrejas, escolas e descendentes.”[8]
4- Oração
“A oração é a respiração diária do cristão”. É fácil concordar com esta expressão e, até mesmo, elogia-la e considera-la corretíssima. Contudo, quando nos deparamos com a expressão: “Pratique o que você mesmo prega”, aí pode complicar um pouco.
Bom, oração é aquele privilégio maravilhoso que Deus dá aos seus filhos, para falarem com Ele. A deficiência na oração sempre ferirá o ser humano, não a Deus.
O Senhor deseja um ministério imerso em oração. Um dos exemplos mais admiráveis é o de Jacó (Gn32:24-26).Hoje precisamos de “Jacós” em nosso mundo e congregação.
O Dr. Martinho Lutero orava 2 horas por dia. E nós conseguimos orar 10 minutos diários? As admoestações do apóstolo de Cristo são claras em Tg 4:2,3.
Creio que cada pastor precisa começar seu dia com oração. Isto se torna ainda mais necessário por que sobre ele pesam enormes responsabilidades neste santo ofício.
“O Pastor é o embaixador de Deus – sepulta mortos, conforta vivos, ora com doentes, pastoreia perturbados, consola os desesperados, ama os que não são amados, convida o pecador.” Assim sendo, o pastor não pode ter a ousadia de fazer estas coisas sem chamar uma Mão Poderosa para ajuda-lo e orienta-lo. São Paulo dá a ordem “Orai se cessar” (ITs5:17), mas é preciso começar.[9]
“Falar aos homens a respeito de Deus é uma grande coisa; mas falar a Deus em favor dos homens é ainda maior”[10]
5 Meditação
O encorajamento à meditação vem de Davi (Sl19:14). A meditação existe desde tempos imemoriais. É a arte de ruminar, ponderar, refletir, olhar para, de cada ângulo.
“Meditar é como experimentar um vinho. Não o tomamos de uma só vez, mas o revolvemos na língua, saboreamos cada bocadinho, cheiramos seu buquê.”[11]
Apesar de termos perdido um pouco esta importante prática, podemos e devemos recapturar a arte da meditação cristã.
6- grandes expectativas
As promessas de Deus não são vazias. Você deve desafiar grandes coisas para Deus e esperar grandes coisas dele. Ele não nos desaponta. Em Fp 4:4 São Paulo diz para nos alegrarmos no Senhor. Talvez possamos começar a nos alegrar com a benção e a satisfação da vida devocional diária, com a meditação da palavra e com a oração. Fazer com que aquela hora de silêncio seja a melhor parte do dia!
“Habite em vós a palavra de Cristo (Cl 3:16)”. Quando nos imergimos na Palavra de Cristo começamos a adquirir a plena estrutura dEle, e nos tornamos “pequenos cristos”.
Deus não chamou pastores ao ministério para serem fracassados, mas para produzirem sucessos no seu ministério e com seu ministério.[12]
II Subsídios Para a Devoção
Basicamente: Bíblia, Livro de Concórdia, Hinário e materiais adicionais como um livro de oração.
Uma vida devocional diária regular não é uma opção para o pastor luterano. É a necessidade mais urgente para ele.
Os materiais adicionais usados devem ser os que mais se ajustam a ele.
Um conselho é que o pastor faça um pacto de crescimento, com colegas ou em particular. Isso lhe traz uma certa “cobrança”, e o lembra continuamente de seu compromisso como ministro de Cristo.
IV O Pastor e a sua Vida Devocional com a Família
A família pastoral sempre será alvo de observação e atenção da parte dos membros e dos estranhos.
O pastor traz sobre si a responsabilidade de bispo da família (ITm3:4-5).
É importante que a devoção familiar realmente aconteça. Este momento deve ser de alegria e comunhão. Para tanto vão abaixo algumas sugestões de Kraus:[13]
- Horário adequado: cada um precisa encontrar o seu melhor horário, o qual deve ser cumprido. A não possibilidade da presença de todos, nunca deve suspender a devoção.
- Conteúdo adequado: de acordo com a idade das crianças (caso tiver). A devoção sempre deve visar a compreensão por parte de todos.
- Canto: melhor expressão de louvor , une a família, traz comunhão com Deus.
- Oração: oportunidade para todos poderem orar.
- Liturgia para devoção familiar: esta é muito útil. contextualiza e organiza o momento devocional.
V O Pastor e a sua Vida Devocional com a Congregação
- Culto: é o ponto mais alto da vida devocional do pastor e sua congregação. Isto requer que todo o culto seja bem preparado.
- Estudos bíblicos: este pode ser informal. Portanto, um momento formal (oração, e outros) enriquece o estudo.
- Reuniões: nestas, o momento de devocional muitas vezes é pobre e desprezado. Porém, é uma ótima oportunidade de se aproveitar para Ter um momento de comunhão e edificação espiritual, o que faz com que o trabalho seja visto mais na perspectiva de Deus.
VI Conclusão
“O cura d’almas que quer consolar precisa ele mesmo estar consolado, ter vida espiritual. Precisa estar com as baterias carregadas. É assim que estará disposto a renovar diariamente o seu comprometimento para o desempenho dos compromissos do ministério. Apesar de indignos é pela Palavra que nos é assegurado o amor de Deus em Cristo Jesus. Este amor nos constrange a dedicar-nos à tarefa de apascentar e consolar o povo de Deus.”[14]
“Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno(IIPe 3:18)”. Que assim seja.
[1] Revista Igreja Luterana. I Tri 1979, pp30.
[2] Revista Igreja Luterana. I Tri 1979, pp 31.
[3] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp73.
[4] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp74.
[5] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp75.
[6] Revista Igreja Luterana; II Tri 1979. Pp 122. (??? Certificar).
[7] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp76.
[8] Livro de Concórdia, Frontispício, pp5
[9] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp78-79.
[10] E.M.Brous. Poder Através da Oração (São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1962), pp 21.
[11] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp79.
[12] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp80.
[13] Vox Concordiana. Suplemento Teológico. Ano 7,nO_1-2, 1991. Pp83-84.
[14] Revista Igreja Luterana. Número 2/1991. Pp174.