1 BONIFÁCIO VIII (1294-1303)
Após a morte de Nicolau IV os cardeais vacilaram na escolha de seu sucessor. GONZÁLEZ, V4 P. 184. Diz:
O ideal franciscano tinha penetrado em suas fileiras, e alguns pensavam que o novo papa deveria encarnar estes ideais, enquanto outros insistiam na necessidade de o papa ser uma pessoa conhecedora das intrigas e ambições do mundo.
Por fim acabou sendo eleito o franciscano Celestino V que pertencia ao grupo dos “espirituais”. Este se apresentou em Áquila descalço e montado em um jumento, com esse gesto muitos pensavam que finalmente as profecias de Joaquim de Fiore estavam sendo cumpridas. A partir de então o Espírito estava em uma nova era, neste novo rumo tomado, a igreja seguiria o ideal monástico. Mas depois de um breve papado de Celestino, resolve este renunciar, se apresentando aos cardeais deixou as medalhas (insígnias) papais, e disse sentado no cão que ninguém seria capaz de fazer-lhe mudar de idéia.
Seu substituto, Benedetto Gaetani, eleito aos 61 anos de idade, por 23 cardeais, em Nápoles, uma homem de caráter oposto ao de Celestino. Na companhia de dois reis vai a Roma, onde foi coroado com o nome de Bonifácio VIII. Nasceu em Anagni em 1231. Formou-se em direito. Legado do papa a fim de evitar o duelo entre os reis Carlos I de Anju e Pedro de Aragão. Tem o seu inicio de reinado no século XIII. Como papa pontificou reis e nações. Iniciou a comemoração do “Jubileu”, Ano Santo. O primeiro , em 1300, foi maravilhoso, atraindo a Roma quase dois milhões de peregrinos de toda a cristandade. Com tudo Bonifácio sofreu muito. Repreendeu abusos, não poupando nem os cardeais e muito menos a nobreza, o que lhe resultou em criticas difamatórias. Estando muito doente e sensível, veio a falecer no dia 11/ 11/ 1303. Teve defeitos humanos, mas seus inimigos ocultaram - era natural - suas virtudes, seus méritos e sua heroicidade em defender os direitos de Deus. Em sua bula Unam Sanctam o ideal do papado onipotente chegou à sua expressão máxima:
Uma espada deve estar sob a outra, e a autoridade temporal deve estar sujeita à potestade espiritual. ... Por isso, se a potestade terrena se aparta do caminho reto será julgada pela espiritual. ... Mas se ala se aparta da suprema autoridade espiritual, então somente pode ser julgada por Deus, e não pelos humanos. ... Por outro lado, declaramos, dizemos e definimos que é absolutamente necessário para a salvação de todas as criaturas humanas que estejam sob o pontífice romano.
GONZÁLEZ, V4 P. 185
Mas apesar destas palavras de tão alto som, o declínio, a decadência do papado começa no reinado de Bonifácio VIII. A “era dos altos ideais” tem o seu fim trágico dando inicio a dos “sonhos frustrados”.
2 O reinado de Bonifácio VIII
Gaeteni tinha um amplo conhecimento e uma experiência diplomática como legado papal, tinha um grande contato com reis e poderosos em muitos países da Europa. Com isso Gaetani desenvolveu um profundo conhecimento em relação a intrigas nas quais eram tramadas nas cortes européias. Ao contrario de Celestino que devido a sua humildade, veio a renunciar à tiara. Bonifácio com suas origens aristocráticas e idéias ambiciosas que tinha sobre as posições papais, se tornou um dos papas, mais elevado que a historia já conheceu.
A forma que Bonifácio foi eleito é uma maneira de como ele procedia, durante os dez dias que não se chegava a um acordo de quem seria o novo papa, enquanto as poderosas famílias dos Colonna e a dos Orsini disputavam o papado, ambas não queriam eleger um do grupo oposto. Bonifácio trabalhava para sua própria eleição, o primeiro passo era convencer os dois grupos a deixá-lo a apresentar um candidato imparcial. Após convencê-los Bonifácio se apresente a si mesmo, só restava Carlos aceitar, já que o rei queria uma pessoa dócil e ocupado com a Santa Sé (Igreja Episcopal), e todos sabia que Bonifácio era um gênio indiscutível e independente. Como diplomata inteligente, Bonifácio convence a Carlos que não era de seu interesse, ter em Roma um títere, mais sim um aliado poderoso. E ainda ofereceu apoio a Carlos para se apossar de Sicília, esta se encontrava em poder de Aragão.
A eleição de Bonifácio não agradou a todos. GONZALEZ, VOL. 5, P. 36
O ideal franciscano, com seus profundos elementos Bíblicos, exercia uma forte atração sobre os corações da época.
Para as classes pobres finalmente com a eleição de Celestino, a igreja deixaria de servir aos ricos e poderosos. Por outro lado, para os monges dedicados se iniciava a “Era do Espírito” profetizada por Joaquim de Fiore. Pelo que parece a renuncia de Celestino foi totalmente voluntária, e que a grande causa realmente foi a sua simplicidade e a profunda humildade que o dominava. Mas logo surgiram comentários de que Bonifácio o havia convencido a deixar o papado para que ele tomasse posse. Muitos partidários criticaram Celestino, para eles a renuncia não fazia parte dos direitos papais, e que mesmo não querendo exercer o comando papal, deveria continuar contra sua própria vontade, porque atitudes como esta não havia acontecido durante toda a história da Igreja.
Como a união dos movimentos celestinistas e os franciscanos extremistas, criaram-se fortes argumentos contra Bonifácio que dizia:
Este movimento “celestinista” logo se misturou com o dos franciscanos extremistas, ou “fraticelli”, e convenceu a muitos de que Bonifácio era um usurpador, um homem indigno de ocupar o trono de São Pedro.
GONZÁLEZ, V4, P. 37.
Com a morte de Celestino a oposição ficou sem argumento, não havia motivos em dizer que existia um papa verdadeiro. Mas não deixaram de criar argumentos talvez falsos ou exagerados de que Bonifácio era o culpado pela morte de Celestino devido aos maus tratos que sofrera por ordem dele.
CONTRIBUICÃO
Mesmo em meio a fortes oposições, os primeiros anos do papado de Bonifácio contribuiu no reforçamento de seu conceito de autoridade do papa. Bonifácio defendia a tese de que o papa deve ser a autoridade máxima na terra e que o mesmo tinha como dever estabelecer a paz entre os soberanos. Mais tarde ele diz ao rei da França que: Cf. GONZALEZ, V5, P. 37
Se o imperador Teodósio se humilhou diante de Ambrósio, o arcebispo de Milão, quanto mais um rei qualquer, que é monos que um imperador, deve se humilhar diante do papa, que é muito mais que um arcebispo.
Com essa afirmação Bonifácio tinha em mente que cabia a ele restabelecer a paz na Itália, esta passava por muitos conflitos internos e guerras constantes. Mas a promessa de colocar Carlos sobre o trono da Sicília fracassou. Mais seus principais inimigos se afastaram. Os Colonna, desde a eleição de Bonifácio perderam quase todos os domínios que obtinham, tendo o papa como inimigo tiveram que partir para o exílio. Com os recursos de Orsini, o novo papa tomou todos os castelos e lugares fortificados dos Colonna.
Ate no império, Bonifácio demonstrou sua autoridade na ocasião que levou o imperador Adolfo de Nassau a ser deposto por um determinado grupo de nobres, que o substituíram por Alberto da Austrália. Dias depois Adolfo de Nassau foi morto, no campo de batalha ao encontrar com seu rival Alberto. Considerando ser um crime com duplo sentido, Bonifácio se negou a coroar o novo imperador. Podendo fazer pouco diante dos primeiros anos do pontificado de Bonifácio, Alberto não viu outra saída a não ser, tentar reconciliar com o poderosíssimo inimigo que não se curvava no que dizia ser a causa da justiça.
A principal vitória de Bonifácio foi à tentativa de reconciliar França e Inglaterra, mas também foi o que o levou a decair mais tarde. Cf. GONZALEZ, V5, P. 38, Inglaterra e França estavam em clima de guerra, com o intuito de restabelecer a paz entre os dois países, Bonifácio entra como mediador. A situação era esta:
Quando Bonifácio foi eleito em 1294 (bem antes da guerra dos cem anos), França e Inglaterra estavam a ponto de mutuamente se declararem guerra. Através de um subterfúgio o rei da França, Filipe IV, o Belo, tinha se apoderado da Guyenne, propriedade hereditária de Eduardo I da Inglaterra. Em resposta este último, que em suas possessões francesas era vassalo de Filipe, se declarou em rebeldia e apoiou economicamente Adolfo de Nassau e o conde de Flandres, inimigos de Filipe. O rei da França por, seu lado, prestou ajuda à resistência que os escoceses opunham a Eduardo.
Neste estado não restava outra sugestão ao papa a não ser enviar seus legados à corte da Inglaterra, com o objetivo de que Eduardo negociasse com Filipe. Eduardo coloca obstáculo, mas o papa ordenou a eles uma trégua, primeiramente de um ano, e mais três anos depois. O papa também manda ordens semelhantes a Adolfo de Nassau, aliado de Eduardo. Mas ambos não ligaram para o que o papa lhe ordenara, continuando assim seus preparativos em favor da guerra.
Como os monarcas estavam seguindo um caminho fora ao que o papa o ordenara, este resolve ser mais duro, e começa a colocar obstáculos em seus objetivos (dos reis). O papa sabia que ambos necessitavam de muita grana para manter seus soldados, e comprar aliados para que o apoiassem. Em ambos os lados, as propriedades eclesiásticas não pagavam impostos (isentas). Mas tanto a coroa da França e a da Inglaterra, encontraram meios de fraudar a regra que isentava as propriedades de impostos, exigiam do clero contribuições Voluntárias, e quando se tratava de guerra à cobrança era ainda maior. Com a perda de seus direitos, o clero ficava irado. Com o objetivo de proteger as terras da igreja, e ganhar a simpatia do clero, o papa decidi colocar obstáculos na política de Eduardo e Filipe, promulgando em 1296 a bula Clericis laicos, que dizia:
Os tempos antigos mostram que os leigos foram sempre inimigos do clero; e a experiência dos tempos presentes o confirma, pois os leigos, insatisfeitos com suas limitações, querem conseguir o que lhes está proibido, e abertamente procuram obter o que ilicitamente cobiçam.
Prudentemente eles não admitem que qualquer domínio sobre o clero lhes é negado, bem como sobre qualquer pessoa eclesiástica e suas propriedades,impondo pesadas cargas aos prelados, às igrejas, e às pessoas eclesiásticas ... e, dói-nos dize-lo, certos prelados e pessoas eclesiásticas, ... admitem estes abusos ... Por isto, para pôr um fim nestas práticas iníquas... Declaramos que qualquer prelado ou pessoa eclesiástica... que pague ou prometa pagar qualquer quantia... a qualquer imperador, rei, príncipe... ou alguma outra pessoa, não importa sua posição, ... que o exija, requeira ou receba este pagamento... está automaticamente, por sua própria ação, sob a sentença de excomunhão.
GONZÁLEZ, V5, P. 39.
Eduardo se revoltou, já que o clero estava isento de imposto ao estado, então não tinha proteção da lei, e nem ao tribunal de justiça. Estava evidente a situação do clero, e sem duvida alguma Eduardo faria qualquer coisa para obter a renda que lhe era necessária.
Filipe por sua vez age de forma direta, com uma edito real, proibi transferências de dinheiro ao exterior, como também, metais preciosos, cavalos, armas, e qualquer objeto de valor, e só o rei poderia autorizar. Os bancos e instituições estavam proibidos de exportar qualquer riqueza.
Sem vantagens decisivas tanto para Filipe como para Eduardo e ambos com poucos recursos, o jeito era se curvar e aceitar a mediação de Benedetto, e não a do papa. Com tudo isso Bonifácio adquiriu uma grande vitória com o acordo de paz aceito pelos dois reis, assim os oficiais do papa tomaram posse das terras em disputa por tempo indeterminado.
E acima de tudo a Escócia declara que é feudo do papa devido à invasão dos ingleses, não tendo para onde recorrer, esta apela para as suas próprias armas e a proteção do papa. Com a atitude dos escoceses Bonifácio vê mais uma prova da dignidade do papado.
Bonifácio em 1300 proclama um grande jubileu eclesiástico, que foi um sucesso, prometendo indulgência plenária a quem visitasse o sepulcro de São Pedro.
Mas infelizmente dura pouco, a pessoa que parecia ser o mais poderoso da Europa, derrepente vê seu poder decaindo. Suas relações com Filipe, ficavam cada dia mais tensas. O rei da França se apossou de grande parte das terras eclesiásticas, e permitiu que seu maior rival Sciarra Colonna se refugiasse em sua corte, e concede a mão de sua irmão ao imperador Alberto da Áustria, o mesmo que Bonifácio considerou usurpador e regicida. As cartas e bulas dos dois poderosos ficaram cada vez mais ácidas, até que no início de 1302, uma bula papal foi queimada na presença do rei. A resposta de Bonifácio foi a famosa bula Unam Sanctam, em que ele expunha a autoridade papal em termos sem precedentes.
Bonifácio coloca em ação seu poder máximo, convocando todos os bispos e arcebispo a comparecerem no inicio de novembro para discutir sobre o caso de Filipe. Por sua vez proibi-os por meio de ameaças de que se eles abandonassem o reino, todos seus bens seriam confiscados. Por outro lado o papa se esquece de que tinha considerado Alberto da Áustria um rebelde regicida, e fez um acordo com este que ordenava a todos os príncipes alemães que aceitasse o senhorio de Alberto. Foi o mesmo que dar um tiro no próprio pé. Nogaret acusou em uma das sessão dos estados de que Bonifácio era um papa falso, herege, sodomita e criminoso, e a assembléia pediu a Filipe que ele, como guardião da fé, convocasse um concílio universal para julgar o papa usurpador.
Ao papa só restava à última arma que seus predecessores tinham utilizado contra os monarcas recalcitrantes, a excomunhão.
Mas no dia 7 de setembro de 1303, um dia antes da planejada excomunhão de Filipe, Sciarra Colonna e Guilherme de Nogaret invadiram Anagni, rendendo o papa, enquanto o povo saqueava seus pertences e seus parentes, o objetivo dos franceses era forçar o papa a renunciar, mantendo-se firme disse que não renunciaria, caso contrario poderia mata-lo, “aqui está meu pescoço; aqui minha cabeça”. Nogaret o esbofeteou, e depois o humilharam obrigando-o a montar de costas em um cavalo não muito manso, conduzindo-o pela cidade.
Apenas dois cardeais se manterão firmes no meio do tumulto, Pedro da Espanha e Nicolau Boccasini. Mais tarde Boccasini conseguiu acalmar o povo, que se revoltando contra aquela atitude, libertou o papa expulsou os franceses e seus partidários.
Tarde de mais para voltar atrás, voltando a Roma, Bonifácio não consegue mais reavivar nem a sombra do respeito que tivera antes. Mais ou menos um mês depois Bonifácio veio a falecer. Mas mesmo assim as perseguições continuaram com boatos de que ele tinha se suicidado, quando tudo indica que ele morreu serenamente, rodeado dos seus seguidores mais fiéis.
O momento era difícil para o papado, e os cardeais elegeram sem demora Boccasini como papa, o mesmo que conseguira libertar Bonifácio.