INSTITUTO CONCÓRDIA DE SÃO PAULO
Escola Superior de Teologia
Dogmática III
Prof. Dr. David Coles
Aluno: Gleisson Roberto Schmidt
3º Trimestre de 1998.
RECENSÃO
TOGNINI, Enéas. O Arrebatamento da Igreja. São Paulo: Enéas Tognini. 1970. 63 pp.
O autor da obra O Arrebatamento da Igreja, o pastor Enéas Tognini, diz-se ser “por força da Bíblia, pré-milenista”, pois, a seu ver, Jesus virá buscar a igreja antes da Grande Tribulação, e voltará para julgar as nações antes do milênio. No que diz respeito a cronologia dos fatos descritos no livro de Apocalipse, entretanto, mantém-se alheio a qualquer tomada de posição. Afirma: “Em interpretação do Apocalipse não sou nem preterista, nem futurista ou coisa semelhante”. Também, não é este o assunto que pretende tratar em O Arrebatamento da Igreja. Antes, como o próprio título sugere, detém-se na análise da história do povo de Israel em conexão com a da Igreja Cristã, tendo em vista o grandioso momento em que, segundo crê, Cristo virá e arrebatará seus crentes. Aplica-se ainda em provar e comprovar a fundamentação bíblica do Arrebatamento acima descrito.
Tognini afirma que o tempo é o que determina se uma profecia cumpriu-se ou não. Por isso mesmo, as teorias sobre o Apocalipse são inúteis, assim como de nada adiantava fazerem-se teorias sobre o Emanuel desde a profecia de Isaías até o nascimento de Cristo em Belém.
Atualmente, encontramo-nos no tempo da graça. As coisas que o Senhor fez no passado, registradas na Escritura, são uma garantia do que ainda está fazendo hoje e fará no futuro. E na ordem dos fatos divinos o próximo que ocorrerá será o Arrebatamento da igreja. Enfaticamente afirma que: “os céus proclamam que o dia do Arrebatamento da igreja não está longe. Os sinais dessa vinda já começaram a aparecer e estão se tornando cada vez mais nítidos nas páginas dos horizontes dos tempos”. Fundamenta tal convicção em textos como o do Evangelho segundo Lucas, cap. 21, v. 28: “Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei as vossas cabeças; porque a vossa redenção se aproxima”. O judeu, embora hoje afastado de Cristo, ande errante no mundo, é entretanto, o povo escolhido de Deus, já que “Deus não se arrepende dos seus dons”, conforme cita a Epístola de Paulo aos Romanos, cap. 11. 29.. Por isso, a partir da história do povo judeu, Tognini elabora um esboço para descrever os acontecimentos atuais e futuros, como segue: 1º) Graça – Abraão: Conforme Gl 3.17 vemos que Abraão viveu 430 anos antes de o Senhor ter dado a sua Lei a Moisés. Desta maneira, e ainda fundamentado no capítulo 4 da mesma epístola, afirma que Abraão vivia em pura Graça, e nessa Graça deu o dízimo – o qual muitos crentes atualmente afirmam ser proveniente da Lei – e repartiu sua Promessa com os outros povos da terra.
2º) A Lei: A verdadeira finalidade da Lei, conforme vê-se em Gl 3.23-29, é de servir de aio, ou seja, um escravo que conduz o filho do seu senhor à escola. Vindo porém, a maturidade – o sacrifício de Cristo – o aio perde a razão de ser.
3º) Jesus: Cristo veio em cumprimento às promessas de Deus, mas Israel o rejeitou. Diante de Pilatos assumiram a responsabilidade plena “nem tanto pela morte do Senhor Jesus, mas pela rejeição do Filho de Deus, de Israel como nação e povo (Mt 27.25)” . Segundo Tognini, encontra-se no Novo Testamento dois evangelhos: o evangelho do Reino, que diz respeito aos judeus, e o da Graça, que diz respeito aos gentios. Assim, é necessário que se saiba distinguir quando a Escritura fala sobre o Dia do Senhor e quando fala sobre o Arrebatamento da Igreja, ou o Dia de Cristo. Por exemplo, quando Cristo falou, como no Evangelho segundo Mateus, cap. 24, v. 14: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim” , estava referindo-se não ao Arrebatamento da igreja, mas sim ao restabelecimento de Israel como povo de Deus, como seu “Reino”. O autor afirma ainda que, cronologicamente, as 69 primeiras Semanas descritas no capítulo 9 do livro de Daniel, vv. 20 a 27, correspondem a um período de 483 anos que vão desde os últimos anos do cativeiro babilônico, passando pelo restabelecimento dos judeus na Palestina, até a vinda e rejeição de Cristo. Neste ponto Deus fez parar a história dos judeus, e abriu um parênteses para inaugurar a dispensação da graça, cujo resultado é a Igreja Cristã. Paulo, em Efésios 3, v. 2, fala do mistério – a graça – que esteve oculto e foi revelado aos gentios por causa da rejeição dos judeus. Em outras palavras, a rejeição dos judeus oportunizou a salvação dos gentios.
O tempo da graça, no qual vivemos, “vai terminar quando se completar o número dos gentios”, ou seja, quando a igreja for arrebatada. Retirada a igreja do mundo pelo Arrebatamento, a Semana que falta (correspondente aos últimos 7 anos) irá começar. Será a Grande Tribulação, na qual Deus voltará a tratar os judeus como nação, como povo. 4º) O Arrebatamento: O Arrebatamento é “aquele momento quando o Senhor Jesus virá para arrancar a sua igreja do caos deste mundo”. Por isso mesmo o Arrebatamento e a Volta de Cristo são duas coisas diferentes: na sua volta Cristo virá com os santos, aos quais já havia arrebatado anteriormente, para julgar o mundo. “No Arrebatamento só os mortos em Cristo ressurgirão; na sua volta os que morreram sem Cristo se levantarão também”. O dia do Arrebatamento, contudo, será uma ocasião sensível apenas para os crentes, da mesma maneira como ocorreu após a ressurreição do Salvador: Cristo, durante 40 dias, aparecera somente aos seus discípulos e amigos, aqueles que creram nele. Por isso afirma que “os incrédulos não verão os santos subindo para o Senhor (...) terão oportunidade, depois, de ver os sepulcros abertos e nada mais”, fato que gerará um confusão tremenda e generalizada em todo o mundo, pelo misterioso “desaparecimento” de milhões de pessoas, sem qualquer explicação aparente para os que ficarem. 5º) A Grande Tribulação: Esta eqüivale à angústia de Jacó, registrada no livro de Jeremias, cap. 30.7, à 70ª Semana da profecia de Daniel 9 ou ao “Dia do Senhor”. É diferente do Dia de Cristo, quando os crentes se apresentarão a Cristo; o Dia do Senhor, na verdade, é o que se conhece como o Juízo Final. Neste, Cristo aparecerá no monte Sião e o reino de Israel, convertido, será restabelecido. Ao contrário do que se pode pensar, durante esta Grande Tribulação que se seguirá ao Arrebatamento haverá oportunidades para conversões; contudo, estas serão como aquelas do crentes do Antigo Testamento, e tais crentes não farão parte do corpo de Cristo, haja visto que só pertence a este corpo quem foi batizado pelo Espírito Santo. Identifica os “grandes sinais no céu” citados nas profecias escatológicas da Escritura com todo o armamento atômico, biológico e químico que, utilizado – ou, no mínimo, testado pelos seus possuidores – durante o período da Guerra Fria, representava uma ameaça constante para o mundo.
6º) A Volta de Jesus e o Milênio: Após a grande tribulação e ainda dentro do Dia do Senhor, Cristo voltará junto com o arrebatados e todo olho o verá. Julgará então as nações “na base do tratamento que dispensaram aos judeus” Depois disto, Cristo reinará com os seus crentes – judeus ou não – durante mil anos, durante os quais Satanás estará preso. Em sua argumentação, objetiva e convincente, Tognini faz uso de uma vasta fundamentação bíblica e de excertos de outros escritores como Gordon Lindsay, Ironside e Sinesio Lira, entre outros. Contudo, percebemos claramente que carece de bons princípios de interpretação do texto bíblico, o que o leva a conclusões – na maioria das vezes – precipitadas e fantasiosas. Um exemplo bastante claro encontra-se na teoria que Tognini defende repetidas vezes e que torna-se, de certa forma, a idéia central da obra ao lado da idéia do Arrebatamento da Igreja, de que está nos planos de Deus que Israel, após o “princípio das dores”, seja novamente reunido e reconsagrado como povo de Deus. Para tanto, fundamenta-se em versículos bíblicos como o da Epístola aos Romanos, cap. 11, v. 26: “e todo o Israel será salvo”. Ora, ao seguir-se bons princípios hermenêuticos, analisando o versículo em seu contexto, desde o mais próximo até o mais remoto, fica claro que o apóstolo aqui esteja referindo-se não mais ao povo judeu em si, mas à Igreja cristã, que constitui o Israel neotestamentário.
Como se não bastassem tais conclusões “literais” – no sentido crasso da palavra, é claro – o autor ainda toma a liberdade de fazer conclusões fantasiosas e entusiastas. Haja visto que os anjos, no dia da Ascensão do Senhor Jesus, afirmaram que Cristo voltará “do modo como o vistes subir” (Atos 1.11), afirma que Cristo retornará exatamente donde ascendeu, ou seja, na Palestina, no monte das Oliveiras. A obra foi escrita num período em que as revoluções militares em toda a América Latina e alguns países da África ainda estavam processando-se e estabelecendo-se. Neste contexto de violência, a assim chamada Guerra Fria, encabeçada pelos Estados Unidos e pela ex-União Soviética assumia proporções ainda maiores, e constituía uma preocupação constante e a nível mundial. Neste contexto, Tognini aponta a própria Guerra Fria, os armamentos atômicos produzidos pelas duas superpotências da época e a situação de conflito que o mundo enfrentava como sinal evidente de que o Arrebatamento da Igreja estaria realmente muito próximo. Dá a idéia de que a Guerra Fria seria um dos sinais imediatamente precedentes à Grande Tribulação. E ainda procura descrever como seriam os dias da Grande Tribulação. Vemos, contudo, que a Guerra Fria conforme era concebida já se acabou, e no entanto a Grande Tribulação, conforme descrita por Tognini, ainda não começou.
Carece ainda de um maior rigor analítico em seus julgamentos. Afirma que em nossa época os sinais do fim descritos no capítulo 24 do Evangelho segundo Mateus são maiores e mais visíveis que em toda a história da humanidade. Ao se analisar tais sinais descritos por Jesus – guerras, fome, terremotos – de maneira objetiva, fundamentados em dados estatísticos confiáveis, percebe-se que não aconteceu ainda em nosso século um “boom” no número de tais situações, mas sim, que ocorrem atualmente como ocorreram em toda a história da humanidade. O que leva muitos a crerem que tais sinais tenham-se multiplicado pode ser explicado, entre outras coisas, pelo enorme avanço dos meios de comunicação de massa nos últimos cem anos, que possibilitaram um fluxo incomparavelmente maior de informações entre as diferentes partes do mundo. É pela influência de meios como rádio, TV, jornais e, mais recentemente, a comunicação digital via computador, que têm-se a impressão de que os números das guerras, da fome, dos terremotos e outros acontecimentos agigantam-se a cada dia.
Por fim, Tognini apresenta-se extremamente legalista nesta obra. Condena veementemente diversões como o circo, o teatro e o futebol. Chama o leitor à conversão, não baseando-se na oferta incondicional da graça de Deus, e sim em ameaças relativas à “ira futura de Deus”. Demonstra desconhecer qualquer noção da distinção correta, bíblica, entre a Lei e o Evangelho – ainda que todo o tempo cite as duas doutrinas. Logo, julgamos que O Arrebatamento da Igreja, em vista da quantidade de informações errôneas e contraditórias que contém, fundamentadas antes em conclusões pessoais que em bons princípios hermenêuticos, não constitui uma obra realmente valiosa ou relevante no estudo da Escatologia, ao qual se propõe. Antes, é necessário que seu leitor possua exatamente aquilo que falta ao autor: uma atitude interpretativa correta frente a Escritura, atitude esta de submissão ao texto, contudo não entusiasta, nem desejosa de “enxertar” teorias espúrias dentro do texto bíblico, nem tampouco desprovida de uma capacidade objetiva de julgamento daquilo que se lê e se quer interpretar. Apenas assim poderá ele “peneirar” os – escassos – conteúdos realmente proveitosos do livro. Positivamente, seu grande mérito é nas palavras de Horace D. Hummel ao comentar a obra de Ironside, The Great Parenthesis, manter-se ainda cristocêntrico no sentido mais próprio do termo.