SEMINÁRIO CONCÓRDIA
Faculdade de Teologia
Disciplina: Exegese do Novo Testamento II
Professor: Vilson Scholz
Aluno: Marcos Schlemer Weide
Introdução:
Mordomia é um assunto por vezes controvertido dentro da igreja. Isto acontece porque quando se fala em dinheiro, cada qual quer proteger o próprio bolso. Mas mordomia, antes de tratar de dinheiro, é algo mais amplo, que envolve todas as esferas da vida. Neste pequeno ensaio, queremos tratar de princípios bíblico-teológicos para uma mordomia cristã baseados em 2Co 8 e 9.
Uma olhada sobre o texto:
Os capítulos 8 e 9 da Segunda Carta aos Coríntios giram em torno de uma situação específica: socorro aos irmãos carentes da Judéia. Isto podemos conferir em Rm 15.25-26.
“Mas, agora, estou de partida para Jerusalém, a serviço dos santos. Porque aprouve à Macedônia e à Acaia levantar uma coleta em benefício dos pobres dentre os santos que vivem em Jerusalém”.
Este serviço aos santos também era uma forma de aproximar as igrejas cristãs, gentílicas e judaicas, para que sentissem maior unidade entre si (sínodo??).
Como em qualquer texto, importa levar em consideração o contexto. O apóstolo conclui a seção anterior expressando sua total confiança nos coríntios. Então inicia o capítulo 8 destacando a oferta dos cristãos macedônios, pois deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós pela vontade de Deus (8.5). Eles eram pobres, mas ricos na graça de dar (8.2). De modo que a igreja primitiva se pôs a providenciar que esta dádiva fosse levada aos necessitados. Além disso, houve a preocupação em edificar este dom (a graça de dar) em outros cristãos, e usar o exemplo dos macedônios como um estímulo para outros.
Mesmo em meio a perseguições, e apesar da profunda pobreza, os macedônios eram extraordinários na generosidade, porque atendiam os apelos financeiros ainda que eles eram necessitados também. Devido às suas condições, provavelmente o que davam somava pouco, mas comparado com a profunda pobreza, sua contribuição superabundou em grande riqueza de generosidade.
Ao longo de todo o texto aparecem três palavras-chave que ajudam a compreender o sentido deste trecho. Graça (ca,rij) , comunhão (koinwni,a) e serviço (diakoni,a). Graça tem sentido duplo. O primeiro é a graça de Deus, a graça vertical, com a qual somos todos alcançados. Com a palavra “graça” Paulo aponta sempre para o doador de tudo quanto se tem e possui. Já no começo do capítulo 8 Paulo diz que quer contar aos coríntios o que a graça de Deus tem feito pelas igrejas da Macedônia. Num segundo sentido, também se pode entender graça no sentido de que os Macedônios consideravam a oportunidade de contribuir como um favor, um privilégio. A comunhão (participarem – v.4) indica o envolvimento da comunidade de fé num ato de compaixão e comunhão. Serviço também tem relação com ministério. Aqui reflete o fato de que a contribuição financeira era entendida como um serviço, um trabalho cristão.
Paulo surpreendeu-se com os macedônios porque fizeram muito mais do que ele esperava (v.5). A base fundamental da vida e atitude dos macedônios é a graça de Deus, mencionada já no versículo 1. Básico para a oferta, em 2Co, é cultivar a oferta como uma graça, isto é, como um dom de Deus ao coração do ofertante.
O apóstolo não está operando com o método do mandamento (8.8). Seu objetivo é a sinceridade do seu amor, o qual está ligado à obra e ao dom de Deus, diz ele; e o mandamento destruiria esta linha de força. O exemplo de Cristo traz à tona o assunto do amor. Para Paulo o sacrifício de Jesus não começou na cruz. Nem sequer começou no seu nascimento. O sacrifício de Cristo começa na glória, quando a deixou para vir ao mundo como homem para a salvação de todos. Nisto consiste a riqueza e pobreza de Cristo: em deixar a glória junto ao Pai para se encarnar e viver como homem. Mesmo sem dar ordens, o discurso é bastante persuasivo.
O único imperativo do trecho aparece no v.11, quando diz para completar o que haviam começado. É possível deduzir que os coríntios haviam começado a colher ofertas, contudo não estavam se mexendo porque julgavam que não tinham condições de ajuntar bastante dinheiro. Poderiam participar mais tarde. Paulo contrapõe com o exemplo dos macedônios, que eram pobres e mesmo assim, não deixavam de fazer a sua parte.
O princípio da proporcionalidade pode surgir de 8.12: “Porque, se há boa vontade, será aceita [a oferta] conforme o que o homem tem e não segundo o que ele não tem”. Talvez haja uma referência com Pv 3.27-28. De qualquer forma, esse é o princípio da comunhão. Tem a ver com a igualdade citada nos versículos 13-14. Nesta igualdade, os mais prósperos ajudam os mais necessitados e podem esperar a recíproca no momento em que mudarem os ventos.
8.15 apresenta a economia do maná. É uma citação quase que direta de Êx 16.18. O princípio do viver cada dia, não preocupando-se em demasia com o que vem pela frente. É confiar no sustento que Deus proverá dia após dia.
8.21 nos mostra que não se quer apenas proceder honestamente diante de Deus, mas também diante dos homens. A transparência quando se lida com dinheiro comunitário é importante.
No capítulo 9 a competição nas ofertas está em pauta. Temos dificuldade em usar este tipo de argumentação, porém Paulo o faz. Poderíamos ao menos pensar sobre o assunto... Logo a seguir, dois pontos importantes para o tema da mordomia: a) Deus dá as condições para que se possa ser generoso (9.6-10); b) a generosidade redunda para a glória de Deus (9.11-15).
É importante sempre que se tome o contexto em consideração, para que não haja margem à uma teologia da prosperidade, visto que, versículos tomados isoladamente podem levar a uma compreensão errada do texto. O clássico texto nos nossos envelopes de oferta nos indica que só pode contribuir com alegria quem reconhece a graça de Deus na sua vida. E Deus provê a suficiência para que os crentes pratiquem todo tipo de boas obras, servindo uns aos outros.
O versículo 12 nos mostra que o serviço aos santos não está relacionado apenas na esfera horizontal, de ajuda física e material, mas redunda em muitas graças a Deus, numa esfera espiritual, de resposta do crente a Deus. No fim das contas, a oferta move o campo material e espiritual. Graças a Deus pelo seu dom que não se pode explicar com palavras!
Um esboço possível:
O exemplo da Macedônia (8.1-7)
O exemplo de Jesus (8.8-9)
Um apelo razoável e justo para contribuir (8.10-9.15)
Argumentos de Paulo para interessar e motivar a oferta.
Cita o exemplo de outros (igrejas da Macedônia).
Cita o exemplo de Jesus Cristo.
Cita o próprio histórico da comunidade.
Sublinha a necessidade de pôr em ação a fé.
4 maneiras de dar (Barclay)
Por obrigação; (2) Para ter a sensação de que ajudou; (3) Por motivos de prestígio; (4) Por amor.
Algumas afirmações sobre o ofertar:
Jamais alguém perdeu por ter sido generoso.
Deus ama quem dá alegremente.
Deus pode dar ao homem tanto o material a ser doado como o espírito para fazê-lo.
O ofertar faz coisas maravilhosas em três níveis diferentes:
Faz algo pelos outros. Alivia sua necessidade....
Faz algo por nós mesmos. Garante nossa manifestação de fé, ganhamos o amor e as orações dos demais.
Redunda para a glória de Deus.
Alguns princípios:
Dar é uma graça, é ação do Espírito Santo (8.1)
Aflição não é obstáculo (8.2)
Pobreza não é impedimento (8.3)
Oferta não é exigida, é “motivada” primeiro com motivos espirituais(8.8)
A abundância de uns supre a necessidade de todos (8.13-14)
Oferta cristã se desenvolve numa atmosfera de honestidade na manipulação do dinheiro (8.21)
Oferta é expressão de generosidade (9.5)
Quem recebe oferta de auxílio fica enriquecido também espiritualmente, e dá graças a Deus (9.12)
Entre doador e recipiente surgem laços de amor (9.14)
Conclusões:
Em 1Co 16 Paulo deu algumas ordens. Agora, em 2Co, Paulo faz apelos muito mais complexos, de natureza teológica, retórica e psicológica. Os princípios apontados pelo texto desrespeitam modelos econômicos em vigor na atualidade. Não há nada que lembre uma economia de mercado. Como se expressou Dieter Georgi: “É dar em vez de receber, gratidão em vez de interesse, confiança em vez de crédito, confiança em vez de segurança, comunidade em vez de mercado, dom em vez de propriedade”. (apud Blomberg, p.198, citado por Scholz em obra não publicada).
Fontes de Pesquisa:
BARCLAY, William. I y II Corintios. Volumen 9. Buenos Aires: La Aurora, 1973.
ZIMMER, Rudi. O Motivo para a Oferta. In: Igreja Luterana. I Trimestre. 1980.
KRUSE, Colin. II Coríntios: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2005.
SCHOLZ, Vilson. Posses, pobreza, ofertas e missão no Novo Testamento. 2009. (não publicado).
Novo Testamento Interlinear Grego-Português.