Definição de Graça Divina
Introdução
Este trabalho tem por objetivo mostrar a definição de graça. Temos as interpretações de alguns autores sobre o assunto. Graça Divina é um assunto complexo, bastante amplo e por isso um pouco difícil de ser trabalhado. Ainda mais quando se tenta definir o que é graça divina. Muitas das definições que são apresentadas não são confiáveis, pois às vezes se confundem. Devido a essas outras definições que existem de certo modo bem próximas do que é definido e aceito com Graça Divina é possível que se caia no erro.
Neste trabalho será também apresentada a definição de Graça Divina aceita pela doutrina Luterana, de forma a tentar ser o mais autêntico possível com respeito a isso. Serão apresentadas passagens bíblicas-chave, que fundamentam a doutrina da Graça Divina. Definições e conceitos de outros grupos serão também contemplados, bem como algumas definições tidas como errôneas pela igreja. E todo este trabalho será focado na intenção de mostrar a todos a definição verdadeira e alertar sobre as outras.
1- O que a Igreja Luterana define como Graça Divina
Com respeito a definição de “Graça Divina”, será abordada aquela graça pela qual Deus livra todas as pessoas da condenação eterna, dando-lhes a Salvação em Cristo Jesus. A palavra graça aparece muitas vezes em textos do NT, mas não necessariamente diz respeito à verdadeira graça, pela qual somos salvos. E a esse respeito encontramos no Sumário da doutrina cristã[1] um pouco sobre o assunto dizendo que
A palavra “graça”, por vezes designa um dom, qualidade, virtude ou poder que Deus concede gratuitamente ao ser humano (Romanos15.15; 1 Pedro 4.10). Mas quando falamos de “graça salvadora”, não designamos nenhuma dessas coisas, nem designamos uma graça “infusa” ou “proveniente”, da qual se supõe que, usada corretamente, torna o ser humano capaz de efetuar sua conversão. A graça pela qual Deus nos salva é atributo ou qualidade pessoal de Deus, atributo que se manifesta em sua atitude para com o ser humano (Exemplo: podemos mostrar nosso amor ao próximo de várias maneiras, mas não podemos dar-lhe nosso amor). (....). A graça de Deus pela qual somos salvos é o favor Dei, que é aquela disposição graciosa, amorosa, aquela boa vontade de Deus para com o ser humano de acordo com a qual ele perdoa os pecados aos que são dignos de morte eterna. É o amor imerecido de Deus ao ser humano (João 3.16; Tito 3.4,5). Desse conceito da graça, deve ser excluída qualquer consideração de mérito humano. A graça de Deus de modo nenhum é afetada, motivada ou influenciada por qualquer dignidade nossa. Na verdade, a mais leve introdução de mérito e dignidade humanos destrói totalmente o conceito de graça. “ E se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Romanos 11.6). A graça de Deus e o mérito do ser humano são termos excludentes. O ser humano não pode ser salvo em parte pela graça de Deus e em parte por seu próprio mérito. É concebível que fosse por um dos modos, jamais por ambos. (Koehler, Edward W. A. Sumário da doutrina cristã. Tradução de Arnaldo Schüler. 3 ed., Porto Alegre.Concórdia, 2002. p.68)
Realmente a “graça” pura e verdadeira está revelada em Cristo Jesus. O ser humano até pode fazer obras que melhorarão sua relação para com seus semelhantes, mas nunca alcançará mérito na salvação por meio dessas e de nenhuma outra obra. Não é concebível que se defina a “graça divina” de modo tal que venha a anular a satisfação vicária de Cristo. Por isso deve se ter a certeza de que quem procurar salvar-se a si mesmo, cairá da graça e não estará sob a graça salvífica de Deus. Não é possível em hipótese alguma, querer ser salvo pela graça de Deus sem aceitar seu plano de salvação para todos em Cristo Jesus. E é isso que deveria unir cada vez mais os cristãos, por ser obra maravilhosa de Deus em favor dos homens.
Mas infelizmente, muitos procuram outras definições, e até querem achar que a graça de Deus se resume às coisas, bênçãos que ele nos dá para vivermos bem neste mundo. É muito mais que isso, é a salvação unicamente em Cristo Jesus, isso é extraordinariamente maravilhoso. Mas pessoas que não sentem o peso de seus pecados por estarem cegos pelos seus próprios erros, não conseguem dar valor devido à graça divina, que é Salvação para todos os pecadores e certeza de Vida Eterna.
Temos também uma expressão em latim que resume a definição que é aceita pela Igreja Luterana, que é “Gratuitus favor Dei”[2] . Neste sentido, entende-se que a graça de Deus se mostra em favor gracioso ao homem perdido e condenado. E isso, sem cobrar nada, nem exigir nada em troca. É uma disposição da parte de Deus prover a Salvação para o homem, mesmo antes de haver qualquer tipo de fé ou mérito no ser humano.
O autor Francis Pieper, no II Volume de sua obra, “Christian Dogmatics apresenta algumas conotações de sinônimos a respeito de Graça que são: bondade, misericórdia, amor, etc. E sobre estas conotações será citada uma nota abaixo
On the different connotations of these synonyms note: God’s Grace in Christ forms the sharpest contrast to the works for men. Wherever Scripture mentions the grace of God as a motive for divine action, works of men are absolutely excluded as cause. Rom. 11:6: “If by grace, then is it no more of works.” And as God’s grace is wholly independent of human guilt. Rom. 5:20: “Where sin abounded, grace did much more abound.” (Francis Pieper, Christian Dogmatics, vol. II, Concórdia Publishing House, 1951. p.8)
2 - Textos-chave a respeito da Doutrina da graça
Serão apresentados abaixo, textos que nos ajudam a definir melhor o que é graça divina. Estes são usados para defender a doutrina da graça salvadora, que está sendo defendida aqui.
Jo 3.16 - ou[twj ga.r hvga,phsen o` qeo.j to.n ko,smon( w[ste to.n ui`o.n to.n monogenh/ e;dwken( i[na pa/j o` pisteu,wn eivj auvto.n mh. avpo,lhtai avllV e;ch| zwh.n aivw,nionÅ
Jo 3.16 - Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Aqui aparece de forma clara o amor de Deus para com os pecadores, dando a todos na pessoa de Cristo, a sua “Graça Salvadora”, sem mérito nenhum dos seres humanos. Isso Ele faz, mesmo com o ser humano ainda estando em pecado, para que seja realmente “graça” e não obra que o ser humano pudesse ter qualquer tipo de participação.
Rm 11.6 - eiv de. ca,riti( ouvke,ti evx e;rgwn( evpei. h` ca,rij ouvke,ti gi,netai ca,rijÅ
Rm 11.6 - E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça.
Também aqui temos a Graça no sentido de salvação sem mérito do ser humano. Porque como diz o autor, se a salvação vem aos homens por graça, o ser humano não precisa ficar preocupado em realizar obras para cooperar em sua salvação. Isso é a parte mais difícil para o ser humano, aceitar alguma coisa, sem que precise fazer algo em troca.
Rm 3.24 - dikaiou,menoi dwrea.n th/| auvtou/ ca,riti dia. th/j avpolutrw,sewj th/j evn Cristw/| VIhsou/\
Rm 3.24- sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus,
Aqui aparece mais uma vez um texto que, define a graça divina como um dom gratuito de Deus em favor do pecador, para sua salvação. E isso, é destacado de forma a exaltar a mediação de Cristo nesta salvação. E mais, aqui não fala de bênçãos terrenas apenas, pelo contrário é tratado especificamente da Graça Salvadora em Cristo Jesus. O autor aqui chega a ser redundante, mas creio que seja para enfatizar ainda mais esta obra de Cristo que é graça a nosso favor.
1Co 1.4 - Euvcaristw/ tw/| qew/| mou pa,ntote peri. u`mw/n evpi. th/| ca,riti tou/ qeou/ th/| doqei,sh| u`mi/n evn Cristw/| VIhsou/(
1Co 1.4 - Sempre dou graças a meu Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus;
Aqui também temos o apóstolo Paulo falando que sempre agradece a Deus pela graça que Ele deu aos coríntios, em Cristo Jesus. Mais uma vez aparece “graça” no sentido de Salvação em Cristo Jesus. O Apóstolo sempre fez questão de, em seus escritos deixar bem claro a respeito de que graça ele estava tratando em sua carta.
Tt 3.4 o[te de. h` crhsto,thj kai. h` filanqrwpi,a evpefa,nh tou/ swth/roj h`mw/n qeou/( 5 - ouvk evx e;rgwn tw/n evn dikaiosu,nh| a] evpoih,samen h`mei/j avlla. kata. to. auvtou/ e;leoj e;swsen h`ma/j dia. loutrou/ paliggenesi,aj kai. avnakainw,sewj pneu,matoj a`gi,ou(
Tt 3.4 - Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, 5 - não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,
Temos agora um texto que não aparece o termo graça explicitamente, mas é possível encontrá-lo implícito no texto. Mais uma vez fala de Graça Salvadora mediante Jesus Cristo. Deus mais uma vez, através de sua Palavra deixa claro que não é por obras que o ser humano recebe a salvação. Não só aqui, mas em todos os outros textos que foram analisados é possível observar e não ter dúvidas a respeito da verdadeira definição de graça.
3 - Conceitos de Graça envolvendo épocas e teologias diferentes
O autor Paul E. Buyers, em seu livro “Discípulos de Cristo”, diz que a “graça de Deus é muito maior do que podemos definir em palavras, vemos em um trecho do livro, o seguinte
Agora quando tentamos definir a graça de Deus estamos defronte de uma grande dificuldade. É difícil definir a graça de Deus, pois é termo tão incompreensível e abrange tanto que é realmente impossível defini-la. Quem pode definir o espaço? Não é possível. O espaço que é infinito não pode ser descrito em palavras humanas. Quando tentamos pensar no espaço e contemplar a lua, o sol, as estrelas e os astros que giram na imensidade do espaço, deixando a nossa imaginação se estender até não poder mais, não temos começado ainda a medir o espaço na sua infinitude. Portanto, temos de concluir que o espaço é infinito na sua extensão e ninguém jamais o poderá definir. E o tempo? (....) Quando tentamos definir a graça de Deus defrontamos logo a mesma dificuldade que temos em definir certos outros termos. A expressão a graça de Deus encerra tanta coisa que é impossível formular uma definição adequada. ( p.90-91)
Não concordo com ele no que diz a respeito de definição de graça, isso, por eu estar certo de que a verdadeira graça de Deus é a que Ele nos revelou em Cristo Jesus. Existem sim muitas tentativas de definir graça, mas o maior problema mesmo é quando as pessoas tentam ser ativas nesta graça de Deus. Pois sabemos que a graça de Deus se manifesta a nós, em nosso favor, e não nós que precisamos manifestar ou fazer algo para que Deus nos conceda sua graça. Logo abaixo o autor apresenta quatro definições de graça, que ele julga ainda imperfeitas, vamos a elas
1.“A graça de Deus é o amor e o favor de Deus manifestados em Cristo; logo, é o dom gratuito de Deus.” (....) 2.“A graça é a influência divina operando no coração para o regenerar, santificar e guiar.” (....) 3.“A graça é o estado de reconciliação a Deus por Cristo.” (....) 4. “A graça é o poder ou a disposição para exercer a fé e viver a vida cristã.”(Paul E. Buyers, Discípulos de Cristo, 1956. p.91-93)
Dessas definições acima destacadas, as quais o autor diz que são imperfeitas, a primeira, segundo minhas anotações é a defendida pelos luteranos, como a definição de graça de Deus. As outras não são aceitas pelos dogmáticos luteranos, por não se tratar exclusivamente da obra de Deus a favor de todo pecador, mesmo antes de ter o arrependimento em seu coração.
O autor Leonardo Boff[3] apresenta algumas definições de graça, as quais não são necessariamente as corretas. Serão colocadas abaixo para que as analisemos.
1. A Escritura do AT – o autor começa falando que tem dois modos de achar a “graça” no AT. Mas no meu ponto de vista ele define graça com uma aproximação da graça verdadeira quando diz que a graça de Deus veio ao povo de Israel e o escolheu entre todos os povos para ser o seu povo. Aqui é claro não é uma graça revelada como a que Deus executa no NT, mas já está com o povo o livrando dos inimigos, unicamente por graça, não que o povo de Israel merecesse por seus feitos.
2. A Escritura do NT – já para o NT, o autor diz que “graça é especialmente um comportamento salvífico, uma bondade e simpatia única de Deus que se fez pessoalmente bondade e benignidade em Jesus Cristo.”[4] Essa definição acho razoável, pois ele fala da Salvação em Cristo, mesmo que ao meu ver de modo meio confuso. Mas até que ele conseguiu retratar os aspectos mais importantes da graça, como graça salvadora.
3. A Teologia Grega – segundo o autor , “a teologia grega assimilou estes últimos dados do já e agora da graça libertadora e salvadora dentro de suas categorias culturais: a graça é glória que se irradia da Divindade e transmuta o homem.”[5] Os gregos entendem a graça como uma deificação do homem, isso pelo contato com a Glória da divindade.
4. A Teologia Latina – o autor coloca em seu livro que “ a teologia latina incorporou a presença da graça em Jesus Cristo e na Igreja no sentido de libertação do pecado e da corrupção da natureza humana. Graça é primeiramente justificação do homem pecador e a partir daí divinização.”[6] Do meu ponto de vista, o autor colocou aqui a igreja também como parte desta graça, e por isso não acho que seja a posição defendida por todos os grupos latinos.
5. A Pré-Escolástica – Quanto ao que se entendia sobre graça nesse período, o autor tem o seguinte texto
A Pré-Escolástica se concentra preferentemente no aspecto ético da graça. Aqui há uma forte influência agostiniana: a graça é força para a vivência conseqüente das virtudes. Assim a graça é vista numa dimensão histórico-individual, aberta para o futuro, dinâmica. Ela fundamenta o mérito do qual segue o prêmio futuro no após a morte. A graça é experienciável, pois se experimentam e se vivem as virtudes que são identificadas com a graça. (Leonardo Boff. A Graça Libertadora no Mundo. Editora Vozes, 1976. p.22)
6. A Alta-Escolástica - neste conceito de graça vemos claramente a visão filosófica, pois dizem que “a graça como virtude supõe um princípio anterior, princípio gerador da virtude”. E ainda dizem de virtude e ação, como sendo nova qualidade ontológica na alma, originadora da ação. Aqui aparece uma idéia totalmente diversa a que é ensinada como graça em seu sentido real e verdadeiro, assim como na Pré-Escolástica.
7- A Teologia Pós-Escolástica – neste período se preocuparam em se aprofundar nos estudos sobre graça, mas penso que foram por um caminho que não levou à verdadeira compreensão do que é graça.
8. A posição dos Reformadores – aqui segundo o autor aparece a graça como fundamentalmente a atitude benevolente e misericórdia de Deus. E esta atitude é que salva o homem pecador. Ao menos no discurso é muito próxima à que é ensinada na Igreja Luterana.
9 - A Teologia no século XIX - Houve neste século várias visões a respeito de graça. E por fim é apresentada a visão de que graça é a inabitação que gera a adoção de filhos de Deus. Essa é a meu ver mais uma forma da graça infusa, a qual também acho que não corresponde à graça divina verdadeira.
10 – A Teologia Moderna - esta com algumas influências histórico-culturais do personalismo e de outros pensamentos da época. Segundo o autor, a Teologia Moderna tem três grandes nomes que tentaram definir graça. São eles: Henri de Lubac- “ por um lado a graça é graça e de graça, por outro lado é objeto de um desejo enraizado profundamente na natureza pessoal do homem.” O outro é Karl Rahner, que “tentou apontar, ao nível de uma ontologia religiosa fundamental, o fato de que no homem existe um existencial sobrenatural, ...”. E o terceiro é Romano Guardini, este “foi um dos primeiros a dilucidar o horizonte próprio da graça como diálogo entre Deus e o homem.” De todos estes pensamentos a respeito de graça não vejo um que defina realmente o que é graça.
Todos passam de largo do verdadeiro significado de graça, pois não esclarecem graça como sendo o favor de Deus ao pecador em Cristo Jesus. Assim vejo que ao longo dos tempos foi muito pesquisado a respeito da definição de graça. Mas, no entanto poucos chegaram ao ponto de definir de modo verdadeiro e digno a graça divina. Isso é importante ter em mente, que muitos tentaram definir, talvez até com boas intenções, mas não conseguiram. Penso que talvez seja pela linha de pensamento que foram formados, talvez em épocas de muita filosofia, racionalismo., e outros fatores que os influenciaram.
Vamos também, saber o que o autor Charles Hodge tem escrito a respeito da compreensão de graça divina dos luteranos, onde ele traz
Os luteranos também afirmam que Deus teve o sério propósito de salvar a todos os homens; que Cristo morreu igualmente por todos; que a salvação é oferecida a todo aquele que ouvir o evangelho, sob a condição, não de obras ou de obediência evangélica, mas de fé somente; não obstante, a fé é o dom de Deus; os homens não têm o poder de crer, mas têm o poder de resistir eficazmente; e aqueles, e somente aqueles, sob o evangelho, que voluntariamente resistem, perecem, e por essa razão. (HODGE, Charles. Teologia Sistemática; Tradução de Valter Martins. São Paulo; 2001. p.748)
Acho interessante aqui é que sendo um autor que aparentemente não tem nenhuma ligação com a Igreja Luterana. Mesmo assim apresentou bem a definição de graça divina que a Igreja defende. Pois é realmente essa a posição aceita pela igreja a respeito de graça divina.
4 - Compreensões errôneas a respeito de graça divina
4.1 - Graça infusa
Uma das definições que é considerada errônea e que talvez seja a mais importante é a que é conhecida como graça infusa. Mas o que é graça infusa? “É um dom sobrenatural concedido por Deus ao homem, pelo qual a mente é iluminada e a vontade é curada, de modo que a pessoa poderá então amar a Deus e a seu próximo com a perfeição requerida nos mandamentos divinos.”(Cadernos universitários. 216, Sistemática: Doutrinas básicas da Igreja cristã, Paulo Moisés Nerbas, Canoas: Ed. ULBRA, 2004, p. 8)
Ainda podemos concluir que este conceito de graça está muito presente hoje. Muito se ensina por aí que a salvação é graça de Deus, mas que ela é manifestada em nós. Ainda temos uma boa contribuição para nossa reflexão, que encontramos nos ensinos contidos na Dogmática Cristã[7]
O crente não deve a sua salvação a uma graça inerente ou infusa, ou seja, à graça que há nele, porém unicamente à disposição benevolente em Deus ou o gratuitus Dei favor. Em outras palavras, ao dizermos que somos salvos pela graça, não nos referimos à graça divina como se manifesta em nós, mas como se encontra fora de nós, em Deus. Dessa maneira, também, a fé não justifica e salva porque fosse uma boa qualidade (nova qualitas) ou uma boa obra (opus per se dignum) ou um dom de Deus (donum Spiritus Sancti) ou uma boa fonte das boas obras em nós, porém unicamente porque é o órgão recipiente (órganon leeptikón) mediante o qual o ser humano que, em si mesmo é ímpio, se apropria da graça de Deus e dos méritos de Cristo por meio da confiança implícita nas promessas do Evangelho. ( John Theodore Mueller, Dogmática Cristã, Ed. Concórdia, 2004. pp.242-243)
Com isso, é esperado que fique bem claro a idéia de graça infusa. Por isso é preciso que se tenha em mente que não é por obras próprias que se alcança o favor de Deus e sim pela fé. Mas não é qualquer fé, é a fé na obra salvífica de Cristo. É através desta obra de Deus, que o ser humano recebe a Graça de Deus.
4.2 - Mérito de Côngruo e Mérito de Condigno
Encontramos também no Livro de Concórdia[8], no Artigo IV: Da justificação, uma nota a respeito do “Mérito de Côngruo e do Mérito de Condigno” que nos possibilitam entender um pouco mais sobre esse pensamento.
Meritum congrui et meritum condigni. Mérito côngruo: Billigkeitsverdienst ou Angemessenheitsverdienst, merit of fitness. Mérito condigno: Würdigkeitsverdienst, merito of worthiness. Mérito congrui ou “de côngruo” é mérito adequado, apropriado, suficiente, que Deus dá sem que seja devido por justiça. Gabriel Biel diz que é mérito não por débito de justiça, mas de mera liberalidade: Meritum de côngruo est actus libere elicitus acceptatus ad aliquid retribuendum non ex debito iustitiae, sed ex sola acceptantis liberalitate. (...) Meritum condigni ou de condigno é mérito devido, mérito a que o homem tem direito diante de Deus em vista de suas obras. Boaventura distingue entre meritum congrui, meritum digni e meritum condigni: meritum congrui est quando peccator facit, quod in se est et pro se. Meritum digni, quando iustus facit pro allo. Meritum condigni, quando iustus opertur pro se ipso, quia ad hoc ordinatur gratia de condigno.( Livro de Concórdia, p. 112)
Esta posição que se tem a respeito de mérito de côngruo é basicamente, que Deus dá esse mérito voluntariamente e por liberalidade. Ou seja, sua graça não é necessária para a salvação, para que sua justiça seja satisfeita. E a respeito do mérito de condigno, os hipócritas sempre julgam merecer a salvação, pois confiam em sua justiça própria.
4.3 - Prima Gratia
Essa compreensão de graça divina é errônea, pois trata da salvação mediante o hábito do amor, que nada mais é do que justiça da lei. É ensinado de forma errônea, “que boas obras feitas com o auxílio daquele hábito do amor, é justiça digna, que por si mesma agrada a Deus, e é digna da vida eterna, não carecendo de Cristo como mediador.” ( Livro de Concórdia, pp. 162-163). É importante destacar que as pessoas que assim pensam e ensinam, estão desvirtuando de tal modo o Evangelho, que tiram toda a glória e mérito de Cristo, com respeito à salvação.
Conclusão
Foi possível apresentar algumas definições de graça divina, e perceber como ela foi e é interpretada . A graça divina é entendida de muitas formas diferentes. Isso se dá pelas influências que as pessoas recebem ao longo de suas vidas. Mas este trabalho procurou mostrar o verdadeiro conceito de graça divina. Pois muitos autores apresentam a graça como dons que Deus concede ao homem. Mas estes, segundo a compreensão de teólogos sérios, simplesmente estão tratando de meios da graça, e não da verdadeira graça.
A verdadeira definição de graça consiste unicamente em graça salvadora em Cristo. É a compaixão de Deus pelo pecador, para livrá-lo da condenação eterna por causa do pecado. E isto descarta qualquer tipo de obra ou mérito da parte do ser humano. Como os próprios textos bíblicos usados neste trabalho demonstram que a salvação realmente é por graça de Deus.
Mas existem correntes de pensamentos que não entendem a graça dessa maneira, antes fazem compreensões errôneas a esse respeito. E também sobre essas foi tratado neste trabalho. Esses pensamentos errôneos devem ser combatidos, pois essa falsa compreensão de graça anula a obra de Cristo em favor de todos os pecadores.
Bibliografia
Bíblia de Estudo Almeida. Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri – SP, 1999.
BUYERS, Paul Eugene. Discípulos de Cristo. Imprensa Metodista, São Paulo, 1.956.
HODGE, Charles. Teologia Sistemática; Tradução de Valter Martins. São Paulo; Hagnos, 2001.
MUELLER, John Theodore. Dogmática Cristã, Ed. Concórdia, Porto Alegre, RS, 2004.
BOFF, Leonardo. A Graça Libertadora no mundo. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1976.
LIVRO DE CONCÓRDIA. 5.ed. Tradução: Arnaldo Schüler. São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto Alegre: Editora Concórdia, RS, 1997.
NERBAS, Paulo Moisés. Doutrinas básicas da Igreja Cristã. Editora ULBRA, Canoas, RS, 2004.
KOEHLER, Edward W. A. Sumário da doutrina cristã. Tradução de Arnaldo Schüler. 3. ed., Editora Concórdia, Porto Alegre, RS, 2002.
[1] Livro que contém resumo dos assuntos dogmáticos cristãos.
[2] Termo em latim que significa “favor gratuito de Deus”, usado para definir a graça de Deus em favor do homem, sem mérito da parte do ser humano.
[3] Autor do livro “A Graça Libertadora no mundo”, entre outros.
[4] Leonardo Boff. A Graça Libertadora no Mundo. Editora Vozes, 1976. p.21.
[5] Idem
[6] Idem, p.22.
[7] Livro que contém ensinos sistemáticos de doutrinas bíblicas.
[8] Livro de Concórdia, As confissões da Igreja evangélica Luterana. Livro que contém ensinos bíblicos a respeito dos mais variados assuntos que fazem parte do ensino da Igreja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário