INSTITUTO CONCÓRDIA DE SÃO PAULO
Escola Superior de Teologia
Disciplina: História da Reforma
Professor: Dr. Paulo Buss
Aluno: Ezequiel Blum 3o Trimestre de 1999
RECENSÃO
DREHER, Martin N. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. São Leopoldo:
Sinodal, 1996. v. 3
Encontramos alguns dados importantes no livro a respeito do autor. Martin N. Dreher é natural de Montenegro (RS), onde nasceu a 10 de novembro de 1945. Seu estudos teológicos foram feitos em São Leopoldo (RS) e em Munique (Alemanha), onde se doutorou em Teologia. Pastor e professor de História, atuou em paróquias da IECLB e na Escola Superior de Teologia de São Leopoldo. Atualmente é professor no Programa de Pós-Graduação em História da Unisinos e pastor em São Leopoldo.
Vemos que o autor possui um objetivo com este volume: Este volume restringe-se praticamente ao século XVI, investigando a crise e a renovação da Igreja no período da Reforma. Historiadores têm caracterizado o século XVI como o século da Reforma e da Contra-Reforma. Os acontecimentos do século XVI ocorridos na Europa, gestaram o tipo de cristianismo que veio transplantado para a América Latina.
O autor ainda continua apresentando seu objetivo: A preocupação está em apresentar os segmentos populares, os processos econômicos, as mudanças sociais e mentais (perspectiva a partir da qual o autor pretende fazer a exposição). O autor não buscou apresentar a crise e a renovação da Igreja no período da Reforma apenas a partir de uma perspectiva teológica, mas quis trazer tantos enfoques quantos lhe fossem possíveis. Deve, porém, confessar que sua perspectiva foi a do Evangelho de Jesus Cristo, por cuja redescoberta se lutou no século XVI.
Estaremos, agora, apresentando alguns fatos, apresentados pelo livro, que consideramos mais importantes.
No início do século XVI, havia se formado na Europa ocidental uma série de grandes Estados nacionais. A Reforma da Igreja e os acontecimentos políticos estão intimamente relacionados. A Reforma deve sua expansão em grande parte às guerras que foram travadas na Europa. A constelação política favoreceu o protestantismo. Especialmente na Alemanha que explodiu o movimento reformatório.
A Reforma também deve ser vista como uma parte da História da Cultura. Praticamente todas as tendências da Reforma têm traços humanistas.
A mensagem da Reforma não pode ser deduzida do processo histórico, mesmo este tendo sido importante no auxílio à redescoberta da mensagem evengélica.
A Reforma, porém, beneficiou-se do processo histórico, mas também sofreu conseqüências deste mesmo processo.
Se quisermos dizer que a Reforma colocou o Evangelho novamente em seu devido lugar só podemos fazer isto caso entendermos a Reforma não como um acontecimento encerrado, mas como algo que tem que acontecer sempre, diz o autor. Em razão dos acontecimentos políticos e de seus aspectos culturais é possível fazer a afirmação de que a Reforma conseguiu seu espaço e seus objetivos.
A Reforma não pode ser explicada a partir de um único acontecimento ou ação de uma única pessoa. Muito antes de Lutero haviam se criado situações, haviam sido difundidas idéias, despertado sentimentos que provocaram e possibilitaram o conflito com a Igreja de então. Podemos dizer que tais sentimentos estavam a exigir o que acabou acontecendo no século XVI. Devemos ver a Reforma do século XVI como resposta revolucionária ao fracasso das reformas dos séculos XIV e XV. Ao não observar as maiores necessidades religiosas das pessoas, ao não verificar a emancipação dos crentes em questões de fé e ao não substituir as estruturas entrementes arcaicas da Idade Média, a Igreja criou as condições e os pressupostos para o clamor por uma Reforma.
As origens da Reforma e suas raízes mas restritas devem ser procuradas no papado renascentista, nos descalabros existentes no clero e nos abusos em relação ao povo, nas incertezas dogmáticas e na vida religiosa.
O período anterior à Reforma foi de grande incerteza teológica. As principais controvérsias teológicas pendentes são geralmente resumidas à temáticas da justificação por graça e fé. Contudo, as diferenças e questões indefinidas concentraram-se na temática de eclesiologia. Havia os que defendiam um eclesiologia papalista. O segundo tipo de eclesiologia do final da Idade Média é o conciliarismo. Também havia a eclesiologia espiritualista. No início do século XVI predominou o tipo papalista de eclesiologia.
Martinho Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben. Durante seus estudos, recebeu uma exposição do pensamento de Aristóteles a partir da perspectiva de Gilherme de Ockham. Em 17 de julho de 1505 ingressou no convento dos agostinianos eremitas observantes. Nos dias 18 e 19 de outubro de 1512 tornou-se Doutor em Teologia. De suas inúmeras obras, podemos citar as 95 teses de 1517 a respeito do valor das indulgências, alguns hinos que até hoje determinam a piedade luterana, o Catecismo Maior e o Catecismo Menor. A sua mais importante obra, porém, foi a tradução do Novo Testamento para a língua do povo. Podemos destacar, ainda, a experiência de Lutero da descoberta da justificação por graça e fé a partir de Rm 1.17. Em meio a muitas discussões que surgiram na época por causa de suas obras e pensamentos, Lutero se casou, em 13 de junho de 1525, com Katharina von Bora.
Melanchthon, confrontado com uma lista elaborada por João Eck que continha 404 afirmações heréticas dos “luteranos”, viu-se forçado a reunir os Artigos de Schwabach de 1529 e os Artigos de Torgau em um único documento, do qual surgiu a Confissão de Augsburgo. Os Artigos de Esmalcalda só passaram a fazer parte do corpo de escritos confessionais da Igreja Luterna em 1580. Na codificação pública de sua fé, a Igreja Luterana é mais “melanchthoniana” do que “luterana”.
Lutero quase não vai usar a palavra Reform, fala de “melhoramento”.
A temática do Deus que justifica seres humanos esteve presente em Lutero até o final de sua vida. Foi com essa certeza que ele morreu em 18 de fevereiro de 1546.
No centro da teologia de Lutero está o primeiro mandamento do Decálogo. A este Lutero deu a seguinte explicação no Catecismo Menor, de 1529: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele sobre todas as coisas”. Todas as descobertas que Lutero fez e tudo o que ele escreveu vêm desse referencial.
Justiça de Deus passou a ser justiça com a qual Deus se compadece do ser humano pecador e o presenteia com sua justiça. Os pecadores se apropriaram dessa justiça pela fé, não por intermédio de boas obras.
A chave hermenêutica para essa compreensão da justificação do ser humano perante Deus, do correto relacionamento entre fé e obra, está dada, segundo Lutero, na correta distinção entre Lei e Evangelho. A correta teologia depende desta correta distinção, pois o ser humano sempre corre o risco de misturar e confundir Lei e Evangelho, embaralhando assim a palavra de Deus.
Assim como a doutrina da justificação e a hermenêutica de Lei e Evangelho ajudaram Lutero a redescobrir que Deus é Deus, também foram fundamentais quando levaram o reformador a articular seu falar a respeito de Deus. No Debate de Heidelberg, em 1518, Lutero apôs à Teologia da Glória a Teologia da Cruz. Segundo Lutero, a Teologia da Glória procura perceber e entender Deus a partir das boas obras da natureza, não reconhecendo o ser divino que se volta para a natureza. O ser visível de Deus, voltado para a natureza, é o oposto de seu ser invisível: é a humanidade de Deus, sua fraqueza, sua loucura na cruz de Cristo. A cruz de Cristo, porém, não se pode deduzir das obras da natureza. Ela é o lugar onde Deus quer ser encontrado. A cruz é o que Deus revelou a seu respeito aos seres humanos. Lutero afirmou que pouco utilidade tem a aplicação da lógica e da metafísica de Aristóteles na teologia. A razão nada consegue nas questões relativas à salvação, pois a palavra proferida por Deus na cruz vai contra a razão. Claramente é fundamental o uso da Bíblia na teologia de Lutero. Para Lutero, a Bíblia é a única autoridade da Igreja.
O Evangelho é palavra viva, dirigida ao ser humano, e quer provocar fé. Para Lutero, o conteúdo da Escritura se resume na palavra Jesus Cristo, que é o centro da Escritura e é onde encontramos a unidade da mesma. Desse conceito de palavra de Deus, com sendo o Cristo para o qual aponta a Escritura, também depende a eclesiologia de Lutero. A Igreja está fundamentada na palavra de Deus, que alimenta, mantém e fortalece a Igreja. A palavra de Deus não pode subsistir sem o povo de deus, que, por sua vez, não pode subsistir sem a palavra de Deus.
Dessa ligação com a Bíblia brotou toda a crítica de Lutero à prática sacramental da Igreja de seus dias. Sua maior crítica, porém, dirige-se à interpretação escolástica, que vê o sacramento como boa obra e bom sacrifício. Lutero, porém, deixa claro que sacramento não é algo que o ser humano dá a Deus, mas algo que Deus dá ao ser humano.
De todos estes fatores a respeito de teologia de Lutero emerge sua ética. Lutero se entendia como um instrumento usado por Deus para a salvação da cristandade ante o iminente juízo final. Para Lutero, reforma só pode ser feita por Deus, sem o concurso humano.
Lutero lutou por boas obras, não como mérito diante de Deus, mas como serviço necessário ao mundo e a suas instituições.
As sugestões de Lutero não foram propostas de reforma, mas de “melhoramento”, pois Lutero não se compreendeu como reformador. A reforma será obra de Deus.
O autor do livro diz que, ante de Lutero, o alvo da ética cristã era o céu. Lutero transfere-o para a terra. Boas obras produzem “salvação”, a salvação da sobrevivência em um mundo em perigo.
Na primavera de 1522 aconteceu, em Wittenberg, o início de uma das maiores catástrofes na história da humanidade. O conselho da cidade determinara a retirada das imagens das igrejas. Onde os iconoclastas passaram, os templos ficaram completamente destruídos. Uma paixão brutal destruiu o que para gerações de cristãos fora objeto de veneração religiosa. Os motivos que levaram ao inconoclasmo são os precursores dos poderes católicos que dominaram a modernidade.
O mentor intelectual do iconoclasmo em Wittenberg foi Andreas Bodenstein, de Karlstadt.
O biblicismo é importante para entender a onda iconoclasta, pois possibilitou que, usando a Bíblia, se fizessem críticas severas às imagens. O século XVI é o século da vitória da palavra sobre a imagem e sobre o gesto.
Os reformadores, porém, protestaram contra a violência usada contra as imagens.
Lutero tinha dificuldades com as imagens e afirmava que seria melhor se não existissem, mas quando Karlstadt deu início à onda iconoclasta, nela nada mais viu do que vandalismo, que estava prestes a destruir a liberdade evangélica e a reintroduzir a lei. Por isso, Lutero passou pouco depois a afirmar que imagens são memoriais e testemunhos e como tais devem ser toleradas.
O mundo de Zwínglio era diferente do de Lutero no aspecto político, social e filosófico. Num setor de influência do humanismo erasmiano devemos situar Zwínglio (1484-1531). Zwínglio leu todos os escritos de Lutero, mas jamais se considerou seu discípulo. A Reforma de Lutero, segundo ele, era incompleta. Ela deveria ser total. A reforma da igreja de Zurique foi lenta. Zwínglio não se podia dar ao luxo de ser visto como um aliado de Lutero. Assim como Lutero, Zwínglio quis orientar sua Reforma pela Bíblia. Este lhe serviu de critério para a reforma da missa. Zwínglio eliminou tudo o que lhe parecia ser idolatria católica.
Mesmo tendo Zwínglio uma posição diferente da de Lutero em relação ao Estado, muitos de seu companheiros julgavam que ele era inconseqüente em termos bíblicos, ao não separar Igreja e Estado. Os descontentes foram designados de “entusiastas” ou de “anabatistas”, que procuraram alternativas para uma Igreja carente de mudanças.
Foram chamados de “anabatistas” ou “batistas” por causa da crítica feita por eles à prática usual do batismo de infantes e a adoção de um batismo de pessoa adulta, antecedido por confissão de fé.
Lutero rejeitou a concepção da missa como um sacrifício e a doutrina da transubstanciação, mas preservou o caráter sacramental da Eucaristia, acentuando a presença real de Cristo nos elementos, para evitar que o mistério pudesse ser eliminado por meio de argumentos racionais. Enquanto Lutero defendia o caráter sacramental da Eucaristia, Zwínglio advogava seu caráter simbólico.
Zwínglio morreu em 11 de outubro de 1531. Com sua morte a Reforma estagnou na Suíça. Contudo, sua obra teve continuidade no assim chamado protestantismo reformado, que continua na obra de João Calvino.
No contexto da história da reforma religiosa do século XVI, Thomas Müntzer é um dos personagens mais controvertidos. Müntzer atraiu alguns e recebeu o desprezo de outros. Ele era revolucionário e teólogo, que procurou fundamentar teologicamente a revolução.
É impossível falar de Müntzer sem falar de Lutero e vice-versa. Ambos se preocupam com Deus e sua Palavra, com seu Espírito, com sua revelação e com a vinda do Reino de Deus.
Müntzer nasceu por volta de 1490, em Stolberg. De 1517 a 1520, ele ficou adepto da causa luterana. Assim como Lutero, passou por profundas dúvidas, mas há diferenças nessas dúvidas.
Ao que tudo indica, Müntzer se sentiu chamado a fundar a Nova Igreja Apostólica. Para compreender esta visão de Müntzer, é bom comparar seu conceito eclesiológico com o de Lutero. A Igreja, segundo Lutero, não surge nem é mantida a partir dos indivíduos, mas a partir de algo objetivo, que está fora deles e sobre eles: a Palavra. Igreja é, para Müntzer, um ideal social, onde inexistem Estado, classes, propriedade privada. Se compreendermos essa caracterização de Igreja, encontrada em Müntzer, podemos ver por que ele não pôde aceitar a conceituação luterana. Mesmo assim, pode-se constatar que, em muitos sentidos, Müntzer continuou a assumir posicionamentos luteranos.
Para Müntzer, o texto de Daniel 2 é um resumo de sua teologia.
Pela pregação de Müntzer fica claro que ele queria a revolução e não a evolução pregada por Lutero. Na questão de resistência à autoridade, o conflito entre Lutero e Müntzer se agudiza. Nos últimos cinco meses de sua vida, Müntzer foi uma pessoa amargurada, cheia de ódio. Lutero rompera com ele em 1522, os príncipes da Saxônia não lhe deram ouvidos, outros dele se afastaram.
Müntzer liderou os camponeses na batalha de Frankenhausen. Foi aprisionado, torturado e decapitado em 27 de maio de 1525. Pouco antes de ser decapitado, teria pedido que os príncipes fossem benevolentes em relação aos camponeses.
Sabendo-se ensinado por Deus, Müntzer viu que a estrutura social e de domínio de sua época carecia de mudanças radicais. Müntzer era anticlerical e também contra o Estado existente. Igreja e Estado estavam impedindo a verdadeira Reforma.
O esquema de Müntzer é: conversão interna leva à conversão externa. Na prática, esse esquema não vingou. Houve muitos fatores não teológicos que levaram seu pensamento ao fracasso.
João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509 em Noyon. Sua obra principal foi a Institutas da Religião Cristã (obra de teologia sistemática, destinada a leigos). Seu pensamento teológico concentrava-se na temática do domínio e da glória de Deus. Curiosamente, o criador da dogmática das igrejas reformadas jamais estudou Teologia. Podemos notar em Calvino a firme disposição para reconduzir a Igreja à sua pureza original, para a glória de Deus. Nenhum teólogo influenciou tão profundamente o protestantismo pós-Lutero quanto Calvino.
Calvino faleceu em 27 de maio de 1564.
O centro do pensamento de Calvino está determinado pela teologia de Lutero: a radical pecaminosidade humana, o cristocentrismo, a plena eficiência da graça, a justificação somente pela fé, a centralidade da palavra pregada. Esses elementos, tomados de Lutero, receberam caracteres indeléveis da personalidade de Calvino bem como de sua formação humanista e jurídica, aliada a seu labor exegético.
Para Calvino, Jesus instituiu quatro ministérios para governar a comunidade local: pastores, mestres, presbíteros (anciãos) e diáconos. Ele desenvolve isto a partir da sua visão da palavra de Deus, que é infalível.
Em Calvino, a santificação é apresentada antes da justificação. Ele negou a presença real do corpo e sangue de Cristo na ceia. De acordo com sua eclesiologia, a Igreja é a comunhão dos eleitos em Cristo.
Para não estendermos demais o assunto, gostaria apenas de falar que o penúltimo capítulo do livro nos dá detalhes sobre a expansão da Reforma protestante e, ainda, o último capítulo fala sobre a Reforma católica, sendo que suas origens encontram-se na Espanha e são anteriores à Reforma de Lutero. Também podemos dizer que neste último capítulo são apresentados fatos importantes como o Concílio de Trento, a Contra-Reforma e o livro conclui falando sobre novos impulsos na Teologia, afirmando parecer ter vindo os maiores impulsos para a Teologia católico-romana de Roberto Belarmino.
Bibliografia muito rica e numerosa.
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