CONCLUSÃO
SIGNIFICADO ECUMÊNICO DO BATISMO
Os diversos segmentos da cristandade possuem diversas formulações de dogmas e diversas ordens eclesiásticas. Eles, por exemplo, não têm em comum a doutrina da justificação, da Ceia do Senhor e outros. Essas diferenças são consideradas tão profundas que muitas igrejas não têm comunhão de altar umas com as outras e não reconhecem umas o ministério das outras. Apesar de vários graus de detalhes, elas não reconhecem umas às outras como igreja no pleno sentido da "uma, santa, católica e apostólica". (p.206)
Em meio a essas diferenças e antíteses, o Batismo ocupa um lugar especial. É fato que a cristandade não tem nenhuma doutrina do Batismo em comum e nenhuma ordem, liturgia ou prática batismal em comum. Agora, transcendendo as diferenças e antíteses, as igrejas reconhecem a validade do Batismo administrado por cada uma delas "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo", exceto as Igrejas Batistas. Estas não reconhecem o Batismo infantil e, em parte, também o adulto de outras, enquanto o restante da cristandade rejeita os "rebatismos" desses grupos como inválidos. No entanto, estão surgindo as primeiras tentativas de superar essa profunda diferença. Entre os batistas está sendo redescoberto o testemunho do Novo Testamento sobre a graciosa obra de Deus mediante o Batismo. As igrejas tradicionais, por sua vez, estão começando a levar novamente a sério o comprometimento ético ligado ao Batismo. (p.206)
Não é de modo nenhum auto-evidente que o Batismo seria reconhecido como válido numa forma que transcende a maioria das separações entre as igrejas. Esse reconhecimento veio somente após um longo tempo e, em parte, após sérios conflitos dentro da cristandade. Quando o Papa Estêvão I, na metade do terceiro século, reconheceu o Batismo administrado pelos hereges e separatistas e recebeu tal povo dentro da comunhão Católica por uma simples imposição das mãos, essa posição de forma alguma ajustou-se à prática geral da igreja contemporânea. (p.206) De qualquer forma, há testemunhos vários e resoluções sinodais daquele período que se negavam a reconhecer o Batismo herege e exigiam um rebatismo. (p.207)
Assim, Cipriano, em sua controvérsia com Estêvão, pode apelar não apenas à tradição da igreja da África, mas também encontrou apoio entre os bispos de outras áreas da igreja, especialmente na Capadócia e na Cilícia. Ele argumentou contra Estêvão que não havia perdão de pecados e nenhum dom do Espírito Santo fora da igreja. Por essa razão ninguém poderia batizar eficazmente fora da igreja. As razões de Estêvão para o reconhecimento do Batismo herege não são claramente compreensíveis. Por um lado, ele apelou à tradição da igreja em Roma e é possível que tanto a pretensão do retorno dos hereges como o esforço por facilitar-lhes a darem esse passo, desempenharam um papel preponderante. Por outro lado, Estêvão enfatizou a eficácia do nome trinitário em que também os hereges foram batizados. (p.207)
A posição de Cipriano foi posteriormente minada dentro da igreja Africana pelo fato que o donatista Ticônio se opôs a rebatizar Católicos convertidos e que também a Igreja Católica na África não estava inclinada a dificultar a transferência dos donatistas por uma repetição do seu Batismo. Agostinho, então, levou a prática Romana através da África e providenciou a base teológica adotando algumas das idéias de Ticônio. Conseqüentemente o valor do Batismo não depende da igreja que o administra, nem do ministério da igreja, nem da filiação ou santidade do batizante, mas do nome triúno de Deus - a Palavra que faz da água um sacramento. Em seu aspecto decisivo, o Batismo é obra de Deus, não da igreja, muito embora a graça seja concedida exclusivamente dentro da Igreja Católica. (p.207)
Futuramente a Igreja Ocidental de modo geral reconheceu o Batismo herege, se administrado em nome do Deus triúno, enquanto a Igreja Oriental continuou por um longo tempo a não aceitá-lo. Assim, em Alexandria, Atanásio rejeitou o Batismo dos Arianos como inválido, muito embora tenha sido administrado da mesma maneira que na Igreja Católica. Na verdade, entre os hereges da Igreja Oriental podiam ser reencontrados alguns mais sérios e outros menos sérios. Assim, o Concílio de Nicéia reconheceu o Batismo dos Novacianos porém não dos seguidores de Paulo de Samósata, enquanto o "Concilium Quinisextum" reconheceu o Batismo dos Arianos, dos Novacianos e dos Quartodécimos, porém não dos Montanistas e Sabelianos.(p.207) No entanto, visto como um todo, a Igreja Oriental, com base na sua compreensão da unidade da igreja, do Espírito Santo e do Batismo, por longo tempo continuou a levantar objeções ao reconhecimento do Batismo herege que, o Ocidente, em princípio, manteve (p.208)
A decisão da igreja antiga no Ocidente foi mantida também na separação das igrejas do século XVI. A Igreja Romana aceitou o Batismo das Igrejas da Reforma e vice versa. Sim, em caso de emergência a Igreja Luterana até permitia o serviço de um sacerdote Romano para a administração do Batismo. Até o teólogo Reformado, Pedro Mártir, afirmou essa possibilidade. É fato que no caso de conversões das Igrejas da Reforma, a Romana geralmente repetia o Batismo e então surgiu a suspeita da recusa do reconhecimento dos Batismos administrados em nome da Trindade. No entanto, a Igreja Romana reteve o princípio de reconhecimento ao fato que tais Batismos eram administrados apenas "condicionalmente", isto é, na condição que o primeiro Batismo poderia não ter sido efetuado corretamente. Por outro, na Igreja Romana atualmente tem se tornado mais escassos tais rebatismos.(p.208)
A Igreja Oriental, ao contrário, rejeitou amplamente os Batismos da Igrejas da Reforma. Por isso, em 1645, o casamento planejado pelo Czar russo para a sua filha com o Conde Woldemar, filho do rei Dinamarquês, não aconteceu porque, como Luterano, o conde recusou-se a ser rebatizado pela Igreja Ortodoxa. Essa exigência foi feita pelo patriarca de Moscou e apoiada pelo patriarca ecumênico em Constantinopla e ainda pela decisão de um sínodo ali reunido. Quando, porém, a Igreja Ortodoxa reconheceu os Batismos evangélicos, foi menos no sentido de um reconhecimento em princípio, do que em razão da "economia" (i.e. a dispensação divina). Foi mais um apelo ao amor que transcende a ordem canônica. (p.208)
Atualmente os Batismos das igrejas da Reforma são amplamente reconhecidos pela Igreja Ortodoxa. De qualquer modo, os representantes Ortodoxos no Concílio Mundial de Igrejas, em convenção em Edimburgo no ano de 1937, não levantaram quaisquer objeções à sentença: "Quando o Batismo é administrado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, torna-se um sinal e selo do discipulado cristão em obediência ao mandamento de nosso Senhor".(p.208)
Originalmente o reconhecimento do Batismo de hereges ainda não significava muita coisa. De qualquer forma, na interpretação de Agostinho, adotada por longo tempo, o Batismo herege não significava receber a salvação. Fora da igreja "apenas o sacramento" era concedido, mas não a "matéria", apenas o "sinal" ou o "caráter", porém não a graça, o perdão e o Espírito Santo.(p.208) Esse "caráter" recebido por aqueles que se encontravam fora da Igreja Romana, foi então interpretado por T.Aquino primordialmente como um compromisso e era distinguido da graça renovadora. A Igreja Romana adotou a mesma posição em relação aos Batismos das igrejas da Reforma e desse seu reconhecimento provinha o apelo ao batizado. (p.209)
Essa união entre graça batismal e membrezia numa igreja específica, foi fragmentada por Lutero. Ele reconheceu que a fé tão somente no mérito de Jesus Cristo também na Igreja Romana recebe não somente um Batismo válido mas também a salvação. As igrejas da Reforma não restringem a obra graciosa de Deus mediante o Batismo, aos Batismos administrados em seu meio. Esses grandes avanços no reconhecimento de Batismos em outros segmentos da cristandade foi amplamente aceito com o surgimento do movimento ecumênico. A Igreja Oriental de qualquer forma não distinguiu entre a validade e graça do Batismo assim como o fez a teologia Ocidental. O atual reconhecimento de outros Batismos pela Igreja Oriental significa ao mesmo tempo um reconhecimento da ação do Espírito Santo noutras igrejas.
Igualmente a Igreja Romana falou no Concílio Vaticano II sobre a obra graciosa de Deus naqueles que foram batizados fora da sua comunhão e de forma alguma considerou tais Batismos apenas como sinais sem a graça. Dessa forma o conceito do reconhecimento de Batismos experimentou uma expansão extremamente importante em nossa época. Além dos limites das igrejas individuais o Batismo é reconhecido como o veículo da obra salvadora de Deus. (p.209)
Dessa forma os limites entre as diferentes partes da cristandade têm sido rompidos num ponto importante. Se é reconhecido, além desses limites, que o Batismo concede união com Cristo e a obra do Espírito, então isto significa ao mesmo tempo a incorporação no único corpo de Cristo. Dessa maneira o corpo de Cristo é reconhecido como que transcendendo os limites de igrejas individuais separadas entre si. Assim o reconhecimento mútuo do Batismo tem grande significado eclesiológico. Isso é mais perceptível uma vez que se manifesta a despeito de diferentes ensinos e liturgias batismais, também a despeito de um diferença nos ritos batismais adicionais e sua interpretação, e além disso, apesar da diversidade no resto das obrigações dogmáticas e canônicas das respectivas igrejas.(p.209)
O reconhecimento do Batismo parece que precisamente traz à tona, de maneira paradigmática, o que tem sido proclamado seguidamente no Concílio Mundial de Igrejas e na Igreja Romana como um princípio básico para a união ecumênica: "Unidade e diversidade".(p.210)
Deveria ser questionado se essa comunhão do Batismo único não leva a conclusões para a comunhão eucarística. Não há nenhuma história de um reconhecimento, desenvolvendo-se através dos séculos, da Ceia do Senhor, em diferentes segmentos da cristandade correspondendo à história de um crescente reconhecimento mútuo do Batismo. Apesar dos variados apelos resultantes do movimento ecumênico, os numerosos sínodos eclesiásticos, vistos como um todo, continuam a confrontar-se uns aos outros sem comunhão entre si. Agora, as diferenças na doutrina do Batismo são dificilmente menores do que as encontradas na doutrina da Ceia do Senhor. Também não é possível, na questão sobre a Ceia do Senhor, avançar através das diferenças dogmáticas para o ato elementar de um recebimento digno? Também as diferenças na ordem litúrgica não são menores. (p.210)
Não seria possível, como no caso do reconhecimento do Batismo, onde todas as ênfases recaem sobre a invocação do nome trinitário, dirigir a atenção também para a posição na celebração da Ceia do Senhor nas outras igrejas para o uso das palavras da instituição de Jesus Cristo às quais se refere a distribuição do pão e do vinho? Se no reconhecimento do Batismo o oficiante é entendido como instrumento da obra divina sem consideração ao seu ofício e sua filiação a uma igreja específica, não seria possível algo similar também no caso de uma distribuição única da Ceia do Senhor, se ele apenas faz o que deve ser feito segundo as palavras da instituição? Evidentemente não pode ser ignorado que a estrutura do Batismo e da Ceia do Senhor não são as mesmas (por exemplo, o mandamento batismal não contém palavras de administração comparáveis à instituição da Ceia do Senhor). (p.210)
Ao mesmo tempo, não deve ser esquecido que cada um dos dois sacramentos concede participação no corpo de Jesus Cristo. Se é reconhecido que através do Batismo há incorporação ao único corpo de Cristo além das fronteiras das igrejas individuais, não se concretizaria também a comunhão no único corpo de Cristo na Ceia do Senhor? (p.210)
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