MORDOMIA CRISTÃ
Textos: 2 Co 8.5, Mc 12.41-44 (Quadrante: moeda de cobre de pequeníssimo valor. Era a menor moeda grega de cobre, equivalente a 1/128 de denário, e o quadrante era a menor moeda romana, equivalente a 1/64 de denário.), At 4.36,37, Fp 4.10-20, 2 Co 8.2-5.
O MISTÉRIO DO PLANO DE DEUS
INTRODUÇÃO: O mundo vive na intensa busca do sentido da vida. Busca-se um objetivo, um significado para a vida. As pessoas se trancam na sua individualidade, numa sala com o seu aparelho de TV. Correm, trabalham, se esforçam; mas, c chegam à constatação que sua vida é estéril, fútil, vazia. O sábio rei Salomão retrata esse quadro com palavras claras e fortes, ao dizer: " Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento!" ( Ec. 1.14 ).
Na era da ciência, os homens buscam respostas na visão científica do mundo. Mas, a ciência nos mostra que tudo o que acontece na vida dos seres humanos é produto dos fenômenos científicos, universais e insensíveis. Quer chova, faça tempo seco, quer nos sintamos felizes, angustiados, doentes e sadios, isso são coisas sujeitas à reações físicas, químicas ou psicológicas. A ciência é fria. A morte, por exemplo, que é o maior de todos os traumas humanos, a ciência simplesmente diz que é a cessação da vida biológica. Por isso, a depressão é a doença do século, que mata mais que o câncer e a AIDS.
Em contraposição a isso, a fé cristã possui as respostas e soluções que o homem carece. A fé cristã aponta para o Deus Único e Verdadeiro, e para a sua ação na Criação, Redenção e Santificação. O cristão crê na intervenção de Deus na História, e que nenhuma coisa passa por despercebido aos olhares de Deus. Como todas as coisas foram criadas por Deus, e é Deus que está na gerência do mundo e das nossas vidas, tudo o que acontece a nós é um acontecimento em que Deus nos fala num tom de juízo ou de Graça. O apóstolo Paulo afirma que a vida toda e o mundo que a contém se centraliza em Cristo, de acordo com o plano da Salvação. Ele diz: "desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra" (Efésios 1:10 RA).
Compreendemos, portanto, pela palavra de Deus, que fomos criados por Deus para sermos salvos por ele, mediante a redenção em Cristo Jesus, para realizar aqui, no mundo, pelo breve espaço de tempo que aqui vivemos, a obra de Deus, que é a salvação de todas as pessoas.
A IGREJA VOLTA-SE PARA A SUA TAREFA DE MORDOMIA
Uma vez que compreendemos a vontade de Deus com a vida da Igreja, dentro do Plano da Salvação, é preciso compreendermos como a Igreja participa desse plano. Nós perguntamos: Que aplicações teológicas e práticas válidas podem ser colocadas aqui para instruir e orientar a Igreja quanto à Mordomia?
1 – Mordomia cristã é uma atividade que precisa ser entendida na fé como um princípio permanente e inerente à atividade criadora, redentora e santificadora do Deus Misericordioso. Deus nos criou, remiu e nos chamou, santificou, renovou e habilitou para o louvor da sua Glória e realizar os seus propósitos no sentido de levar a salvação aos homens. Nós confessamos isso no Credo Apostólico.
A apresentação de Lutero sobre os três artigos constitui a base fundamental da nossa vida religiosa em resposta aquilo que o Deus Triúno fez por nós, e continua fazendo. A entrega que Cristo fez de si mesmo por nós e a obra do ES em nós tem um significado decisivo para a nossa relação com Deus e com os seus propósitos para com a sua Igreja no mundo.
Aprendemos que tudo o que somos e temos é presente, dádiva gratuita de Deus, e isso requer de nós uma postura de gratidão e responsabilidade na administração dos recursos naturais e físicos que o Senhor Deus nos concede.
Aprendemos que somos integrados na família de Deus por causa do sacrifício que NSJC realizou por todos nós, dando a sua vida na cruz, e vencendo a nossa morte, proporcionando-nos o perdão dos pecados. O que não éramos, passamos a ser, uma vez que ele nos torna justos pela fé, diante dos olhos de Deus. Isso requer de nós a atitude de amor a Deus e desejo ardente de fazer a sua vontade.
Aprendemos da doutrina da santificação que nos foi concedido o Dom da fé pela operação do ES nos meios da Graça ( Batismo, Palavra e Santa Ceia ), e que é somente pela ação do ES que podemos realizar a obra de Deus; e não pela nossa força ou justiça própria.
A maneira como respondemos a essa atuação do Deus Triúno mostra a profundidade ( ou não ) que essa compreensão está enraizada em nós. Por isso, a tarefa de pregar a Mordomia não é falar do que o homem faz; mas, do que Deus fez pelo ser humano. É um sermão sobre a intenção de Deus : salvar o mundo. As pessoas precisam saber o que Deus planejou. Precisam saber que a tarefa da Igreja não consiste em pagar contas, gerir a sua própria programação, pintar, reformar, comprar. As pessoas precisam saber que Deus está fazendo o seu plano agora. Precisam saber que Deus está realizando o seu plano nelas e por elas. Precisam saber que é privilégio assombrosamente maravilhoso ser remido por Jesus e que Deus quer fazer agora uso da vida de cada um de nós para o seu plano da Redenção de toda a humanidade.
Não existem atalhos para a mordomia cristã. Mesmo os cristãos mais fervorosos, atuantes, devem dizer: "somos servos inúteis!" Nenhum de nós pode afirmar de si mesmo que é o cristão perfeito que deveria ser! A vida do cristão consciente é assim: de um lado está ouvindo as promessas da Graça de Deus e, por outro lado, abastecido por esta graça, está atuante na tarefa de servir a Deus e ao próximo.
Às vezes se fazem grandes esforços visando enfatizar a mordomia junto às pessoas que mostram desleixo na sua vida espiritual: falta aos cultos, não participa adequadamente à Ceia. Em vez de fazer apelos legalistas a essas pessoas, ou a tomar atalhos de efeito rápido com motivações e pressões puramente seculares, a Igreja deve munir-se da Palavra de Deus para convencer os faltosos e relapsos. Deve ser pregada a Lei de Deus, com todo o rigor, aos faltosos, relapsos, inadimplentes , apontando-lhes o juízo de Deus; e , deve ser pregado a solisalvante mensagem do Evangelho, para motivá-las a apegar-se a Deus e servi-lo.
2 – O povo de Deus precisa saber que Deus quer a sua vida integral. Deus deu aos homens tudo o que tinha que dar. Deu o que tinha de mais precioso: seu Filho Jesus. Deu a herança incorruptível dos céus. Derramou o seu amor sobre nós pela atuação do Espírito Santo. Agora, as pessoas que Deus reúne na Igreja, chamadas das trevas para a luz, necessariamente irão organizar as suas vidas de uma maneira que seja condizente ao padrão de Deus. Paulo resume muito bem o desejo de Deus de envolver a totalidade da nossa vida: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional." Paulo usa a linguagem de sacrifício para bem expressar que a nossa latréia ( serviço ) é tanto vertical como horizontal. Conferir: " Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo." 1 Co 6:19-20 "Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus." (1 Co 10:31 )
3 – A Natureza da batalha que o cristão trava precisa ser entendida, e o cristão precisa ser amparado na batalha. O viver e o ofertar do cristão não é apenas despertado pelo que Deus fez; mas, também pelo que Deus continua fazendo. Somente no encontro qualitativo com a Palavra de Deus o homem é salvo , a sua vida cristã acontece em todos os âmbitos. Nunca se precisará dizer a um cristão consciente: você deve ofertar! Ele oferta tão naturalmente, como é natural ao corpo respirar.
Fora do relacionamento de perdão, o homem só opta pela exclusão de Deus da sua vida, rejeitando também as potencialidades para as quais ele foi criado e , tentando organizar o seu próprio mundo. O homem sem Deus reprova a situação de viver em amor a Deus e ao próximo! O homem natural repudia a resposta ao amor de Deus. Isso lhe é loucura!
O cristão , mesmo perdoado por Deus e munido da sua Graça, vive numa intensa luta contra o diabo, o mundo e a sua própria carne ( Gl 5.6 : "Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne." O velho homem necessita da lei para prostrá-lo ao arrependimento e reconduzi-lo à Graça de Cristo ( Gl 3.24: "De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé." Ainda que o cristão esteja em Cristo, nem sempre vive submisso a ele em seu reino e o serve em eterna justiça e bem-aventurança. Sempre precisará da Lei e do Evangelho. Somente quando a Graça de Deus recolhe uma criatura da morte para a vida, das trevas para a luz, a pessoa vive na epifania da Glória de Deus, e a atitude ambiciosa do homem natural se transforma na atitude generosa do homem redimido, e o seu ofertar fica sendo espontâneo, afetuoso e edificante. Enquanto os cristãos crescem na realização fé – graça , eles irão aprender que toda a existência como povo de Deus, justamente com o mundo inteiro, está pendurada no fio da graça de Deus e que eles vivem somente de cada Palavra que procede da boca de Deus.
4 – A igreja precisa insistir que a mordomia cristã é uma ação coletiva. Nós às vezes sentimos falta da cooperação entre os cristãos e lamentamos: " se ao menos cada um fizesse o que deveria fazer, certamente tudo ficaria mais fácil!" os cristãos precisam aprender que a sua ação acontece num corpo, numa congregação, numa coletividade. Ao ofertar, oferta na Igreja, no culto, onde estão presentes os demais irmãos, e onde acontece o principal momento da terapia de Deus na Igreja : O Culto. Não há individualismo na Igreja. Há família, corpo, edifício! Pela fé nós fomos unidos a Cristo e aos demais irmãos. O discipulado cristão consiste em ser membro de uma Igreja divinamente instituída, e a ação do cristão vem a ser mútua e corporativa em função da própria existência e ação coletiva da Igreja. A Igreja do Pentecostes vivia assim: " Estavam juntos, e tinham tudo em comum!"
Isso extrai os malefícios da visão de muitos cristãos de ofertar pensando em si mesmos: no batismo dos filhos, na confirmação, no casamento, no enterro; mas, faz pensar nas outras pessoas, e, principalmente, no mundo. Abre-se então a visão não do eu, mas do você e do mundo. O que Deus encarrega a Igreja a fazer é ação coletiva, de todos. O êxito definitivo de uma congregação não está o fato de ela ter conseguido equilibrar o seu orçamento, ou se há superavit, ou até mesmo se o seu rol de membros está abarrotado; mas, a Igreja verdadeiramente viva é marcada por viver do puro evangelho e na preocupação ativa de anunciar esse evangelho ao mundo. Os sinais exteriores de sucesso nada significam, se não houver a atitude interior de confiar nas promessas de Deus e estar atuante na vontade de Deus de salvar a humanidade.
5 – Existe qualquer probabilidade para o princípio do dízimo no ofertar do cristão hoje em dia? A resposta bíblica é esta: o princípio do dízimo no AT não deve ser aplicado de forma legalística na vida do cristão como uma norma para contribuir. O dízimo tem assumido conotação teológica quando se analisam os motivos subjacentes a essa prática. É perigoso falar em dízimo, quando se quer com ele incutir quanto se deve ofertar. A questão não é dar o dízimo; mas, por que dar o dízimo?
Quando as pessoas perguntam quanto elas deveriam dar, a teologia bíblica sadia não permite respostas do tipo dessa: " você deve dar o dízimo!" Jesus nada ordenou referente ao dízimo. A palavra de Mt 23.23 " Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!" E "jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho." Lc18:12 Estão em contextos próprios de reprovação à atitude farisaica e não mostram a mentalidade de Jesus quanto à oferta. As ofertas de pessoas sinceras na Bíblia sempre mostram um patamar muito superior ao dízimo: Zaqueu ( 50 % ), a viúva pobre ( 100 % ), Abraão ( deu o dízimo dos despojos da guerra a Melquisedeque, e não há instrução bíblica sobre a oferta dos despojos ). Jesus jamais fez alguma referência ao dízimo, e o evangelho que ele anunciou transcende a todos os entendimentos legalísticos com Deus em que a prática se apóia.
O texto do profeta Malaquias, capítulo 3, versículo 10 "Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida". Tem sido usado, muitas vezes, em apelos para a mordomia cristã. Nesta passagem, como tem sido interpretada, Deus promete abençoar quem dá o dízimo. Note , porém, que a bênção é descrita em termos de " frutos da terra e vossa vida no campo!" ( v. 11 ). Note também que o dízimo que Malaquias fala consiste nos dízimos e ofertas e o dízimo integral - mais que 10%! Se um cristão tomas esta passagem literalmente, ele pode ser alguém que dá o dízimo e mesmo 30 %, e mesmo assim ser roubador de Deus.
Dar o dízimo é bíblico no sentido que está ordenado no AT, mas o mesmo se dava com as dívidas perdoadas, com a terra que descansava a cada sete anos, com as espigas deixadas no campo para serem apanhadas pelos pobres e com outras coisas que se consideravam mordomia apropriada para a sociedade hebraica. A pergunta: quanto eu deveria dar? É tão imatura como a pergunta de Pedro: quantas vezes devo perdoar o meu próximo?
O ofertar espontâneo e generoso dos cristãos macedônios não foi o resultado de uma doutrinação baseada no princípio de leis, de coerção, nem tão pouco numa obrigatoriedade de se fazer um voto. Eles contribuíram da sua profunda pobreza, acima mesmo das suas posses, rogando seriamente, que lhes fosse concedido o privilégio de participarem da assistência aos santos, porque eles " deram-se, primeiro, a si mesmos, ao Senhor!" ( 2 Co 8.2-5 ). Dar o dízimo entra no seu uso correto quando é praticado espontaneamente e com alegria pelos cristãos, cuja vida toda, e todos os bens e dons, estão a serviço do Senhor, e não apenas 10%.
Ser cristão é estar consagrado 100% ao Senhor. Se os crentes do At, que viveram antes do cumprimento da promessa da vinda do Messias Salvador, ofertaram muito mais que 10%; nós, que vivemos após a promessa cumprida, desfrutando plenamente da graça de Deus, certamente temos mais bênçãos, pelas quais somos constrangidos a ofertar. Se Deus abençoou uma pessoa tão ricamente, porque ela vai dar algo tão pequeno como 10%, posto que ela e todo o restante pertence a Deus.
Do outro lado, se a condição de pobreza é real, não poderia Deus exigir que as necessidades da família tivessem prioridade em detrimento ao orçamento da Igreja? Enaltecer o dízimo como uma espécie de taxa fixa é retroceder diante de uma obrigação ditada por Deus de ofertar tudo o que o cristão tem para os propósitos de Deus. nenhuma quantia ou proporção especial é prescrita aos que vivem pela graça. Deus somente quer que o crente saiba que as bênçãos que possui provêm de Deus e que, ao contribuir, o faça de acordo com a prosperidade que recebeu de Deus ( 1 Co 16.2: "No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for. ). A contribuição deve ser conforme " tiver proposto no coração" 2 Co 9.7.
CONCLUSÃO: A grande motivação para o ofertar é a Graça de Deus, a sua ação misericordiosa traduzida na realização do Plano da Salvação, que ele estendeu a nós, e que quer estender ao mundo. O ofertante que trouxer a sua oferta ao altar por qualquer outro motivo, se iguala ao mundo e nenhum proveito tem, porque no momento em que outro motivo é estabelecido, a oferta perde o seu caráter cristão. Penso que aqui está a diferença entre as obras do cristão e as do incrédulo. A ação de levar a oferta sobre o altar, o incrédulo também pode praticar, mas a motivação que o cristão tem para ofertar o incrédulo não conhece. O incrédulo pode fazer, de maneira externa, tudo o que o cristão faz, mas não tem a motivação íntima, interna, propulsora, graciosa que o cristão tem, visto que "... o que não provém da fé é pecado !" ( Rm 14.23 ). Que os nossos sermões, mensagens e apelos de mordomia sejam a proclamação do Plano da Salvação de Deus em Cristo, ao mundo, e a maneira maravilhosa como Deus realiza esse plano em cada um de nós e, por nós, no mundo. Em nome do Pai, e do Filho , e do Espírito Santo. Amém!
Rev. Silvio F. da Silva Filho – Nova Venécia – ES
Nenhum comentário:
Postar um comentário