Contrastes entre a Narrativa babilônica e o Relato bíblico
Existem numerosas semelhanças entre a narrativa babilônica e a bíblica a respeito do Dilúvio, mas as divergências entre ambas são muito significativas e fundamentais. Será plenamente suficiente, portanto, à luz das muitas diferenças que já foram notadas na discussão das semelhanças, sumarizar os chocantes contrastes sob três tópicos: teológicos, morais e filosóficos.
1. As duas narrativas estão em grande contraste, quanto às suas concepções teológicas.
As duas narrativas se divergem completamente quanto ao conceito de divindade. Isto é a base das diferenças que as tornam tão distantes entre si. Enquanto na narrativa bíblica impera o monoteísmo, na babilônica encontramos provas de um politeísmo forte.
Em vez de atribuir o Dilúvio ao Único e Eterno Deus, como está registrado no livro de Gênesis, a narrativa babilônica inclui uma grande quantidade de divindades que não se dão umas com as outras. Esses enquanto o dilúvio está sendo consumado negam ter qualquer participação nesta catástrofe. Escrevem também que a divindade culpada pelo castigo que seria para todos, se arrepende e permite que Utnapistim e sua esposa fiquem vivos e lhes oferece a vida eterna.
Outro exemplo notável da degradação da estória babilônica, devido ao seu Politeísmo grosseiro, pode ser observado na reação das divindades aos sacrifícios apresentados pelo herói do dilúvio após as águas terem baixado. Essa reação está profundamente em contraste com a reação de Deus frente à oferta de Noé. "E o Senhor aspirou o suave cheiro" e determinou-se a tolerar os pecados da humanidade e nunca mais visitar a terra com o dilúvio universal, ou quebrar as leis naturais, enquanto a terra existir (Gênesis 8: 21, 22).
A narrativa babilônica, por outro lado, está mergulhada no mais estúpido politeísmo, e apresenta uma cena desprezível. Quando "os deuses aspiram ao doce odor", "agrupam-se, em torno do que sacrificava como moscas", eles logo esquecem as desgostos que tinham contra a humanidade pecadora, e se alegram bastante porque Utnapistim sobrevivera. Mesmo se fosse agachando-se de medo "como cães" ou enxameando gananciosamente “como moscas”, a baixa concepção das divindades estabelece um abismo intransponível entre as narrativas politeístas cuneiformes e a imponente narrativa monoteísta da Bíblia.
2- As duas narrativas estão em grande contraste quanto às suas concepções morais.
É realmente natural que junto de uma idéia tão abominável de divindade se chegasse a uma totalmente errônea com respeito à moralidade. Esta é a razão pela qual a ética não fica clara nas estórias cuneiformes. Não é apresentada uma posição clara sobre o pecado e por fim o dilúvio aparece apenas como um capricho dos deuses e não como uma punição necessária sobre os pecados dos homens. Olhando desse ângulo a narrativa babilônica tem valor ético e didático muito duvidoso.
Já o relato bíblico por sua vez apresenta o dilúvio como um julgamento moral enviado por Deus, que é justo em todas suas relações com os homens. E por isso pune o pecador impenitente mesmo que isto acarrete destruição do mundo, mas salva aquele que se arrepende dos grandes pecados com seu poder e de forma divina. Isto nos ensina que Deus odeia o pecado, mas se alegra quando um de seus filhos se arrepende de seu mau caminho.
3- As duas narrativas estão em contraste quanto às suas concepções filosóficas.
A narrativa babilônica além de ser viciada por uma teologia errada, também está relacionada a uma filosofia falsa. Ela não tem a capacidade de atribuir a criação do mundo a um Ser Soberano que já existia antes de todas as outras coisas. Confunde matéria e espírito tornando ambos eternos. Desse modo falha em diferenciar espírito de matéria, e o espírito finito do Espírito infinito, e ainda mais é ignorante quanto aos princípios causais. Ao invés de atribuir o dilúvio ao Criador de todas as coisas, o qual coloca as forças naturais de sua criação para atingir seus objetivos como no relato bíblico, mostra o dilúvio como sendo vários fenômenos físicos em forma de divindades.
No relato bíblico, somente Deus como Criador e Mantenedor de toda sua criação, comanda o acontecimento para cumprir sua vontade. Após ter punido o pecado do homem através de forças naturais, ao mesmo tempo pôs de lado mesmo que temporariamente as leis que Ele mesmo havia criado. Deus diz que não tornará a fazer isso por causa da maldade humana nem quebrar de novo o ritmo normal de um universo que está em ordem (Gn 8.22).
3 – Explicações das semelhanças
A relação de origem entre as duas narrativas do dilúvio é clara, devido aos muitos paralelos que elas apresentam. Existem três possibilidades possíveis para o ocorrido. Ou os babilônicos copiaram sua versão dos escritos bíblicos, ou vice versa, ou ambas provêm de uma fonte comum, que se originou de uma ocorrência verdadeira.
1 – Os babilônicos se apropriaram da narrativa hebraica
Esta explicação é extremamente improvável, e apenas alguns eruditos a apóiam, justamente pelo fato de que os tabletes babilônicos mais antigos que se conhece são bem mais velhos que o livro de Gênesis em comparação com sua data de escrita. Pode ser que o relato bíblico do dilúvio que temos agora tenha existido em outra forma, séculos antes de ter sido escrito como o temos hoje.
2 – Os hebraicos se apoderaram da narrativa babilônica.
Na atualidade é a possibilidade mais aceita, mas que encontra certa resistência por parte dos estudiosos da Bíblia. Se for aceita esta explicação, se joga fora a Doutrina da Inspiração Divina. Estudiosos da Bíblia não se impressionam com estas explicações, pois consideram o fato de isto ser apenas teoria que não pode ser provada.
Um dos principais argumentos usados para alegar que os hebreus se apoderaram da história dos babilônicos é o suposto colorido da estória do Dilúvio Hebraico. É falado em uma terra sujeita a inundações, no caso a Babilônia, mas isto não é comprovado pela narrativa bíblica. Gênesis fala de rompimento de fontes subterrâneas, mas é justamente a Palestina, a terra onde existem fontes subterrâneas e não a Babilônia (Dt 8.7).
A passagem que fala do sacrifício após o dilúvio que está registrado em Gn 8.21 onde diz: “E o Senhor aspirou o suave cheiro”, é também dito ser derivada da narrativa babilônica. Esta apresenta sem dúvida um paralelo, mas a partir de um estudo mais cuidadoso da referida passagem é possível compreender que não há qualquer correspondência etimológica entre os termos empregados.
Também para a passagem de Gn 6.14, onde diz: “com betume por dentro e por fora”, encontramos paralelo, onde cofer deriva da palavra babilônica cupru. É possível que devido ao fato do betume ter sido inicialmente fabricado na Babilônia e este produto ter se espalhado por toda as nações vizinhas e com ele o nome babilônico.
3- Tanto a narrativa hebraica como a babilônica provêm de uma fonte comum de fato, que se originou de uma ocorrência verdadeira.
É possível que ambas as narrativas tenham uma origem comum entre os semitas, onde uns foram para a Babilônia enquanto outros foram para a Palestina levando consigo estas tradições. Os hebreus não viviam isoladamente, e seria bem estranho se eles não possuíssem tradições semelhantes às de outras nações semíticas.
As tradições comuns entre os hebreus são refletidas nos fatos autênticos e verdadeiros dados a eles através de revelação divina. É possível que Moisés estivesse familiarizado com as tradições, e a inspiração divina o tenha capacitado a registrá-las corretamente retirando qualquer vestígio de politeísmo e adotando elementos puramente monoteístas. Mas se ele não estava familiarizado com estas tradições é perfeitamente possível que o Espírito de Deus o tenha revelado esses acontecimentos, sem a necessidade de qualquer fonte oral ou escrita.
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