A Santa Ceia
Introdução
A Santa Ceia é um assunto que ainda hoje provoca muitas discussões, isso devido às várias interpretações que são feitas das palavras de Jesus na instituição.
Mas, o que é a Santa Ceia? Conforme Lutero no Catecismo Menor: é o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dados a nós cristãos, para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo. E ainda: Que proveito há nesse comer e beber? Isso nos indicam as palavras: “dado em favor de vós” e “derramado para remissão dos pecados”, a saber, que, por essas palavras, nos são dadas no sacramento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação.
Durante sua vida Lutero escreveu muito a respeito da Santa Ceia. Foram vários sermões, artigos e exortações, com os quais sempre procurou defender as palavras da Escritura. Conforme diz o Dr. Martim Warth, “A Santa Ceia é para Lutero, um dos assuntos centrais para a vida da Igreja”. De 1519, quando escreveu pela primeira vez sobre esse assunto, até 1544, quando escreveu, “Sua breve Confissão a respeito do Santo Sacramento, Lutero escreveu muitas obras importantes que revelam seu pensamento a respeito da Santa Ceia”. É bem verdade que muitas dessas foram motivadas por controvérsias com a Igreja Romana, bem como contra os sectários e contra os sacramentários.
Os primeiros escritos de Lutero a respeito da Santa Ceia.
Lutero foi o reformador mais conservador entre todos e preservou a herança católica tanto quanto possível. Mas, não se opôs a Escritura Sagrada, pelo contrário, combatia tudo que ia contra a Escritura.
Encontramos no livro de Hermann Sasse, “Isto é o meu Corpo”, palavras que podem nos ajudar a entender o desenvolvimento do pensamento de Lutero: “podemos entender porque em alguns casos, o desenvolvimento de Lutero foi muito vagaroso. Aos poucos, parceladamente, abandona pontos de doutrina e praxes católicas tais como o “opus operatum”, o sacrifício da missa, o emprego de língua estrangeira na missa, a “communio sub una”, a transubstanciação.”
Uma primeira indicação de um novo conceito da Santa Ceia apareceu na controvérsia em torno das indulgências. Foram três escritos, todos de1518. Lutero nos escritos que falam do assunto, quis dizer, que não é o Sacramento, mas a fé no Sacramento que justifica o comungante. E mais, que a fé deve vir antes, e não apenas acompanhar o Sacramento.
Em 1519, Lutero escreveu: “um sermão sobre o Venerabilíssimo Sacramento do Santo e Verdadeiro Corpo de Cristo e sobre as irmandades”. Neste escrito ele ainda usou uma linguagem para descrever a transubstanciação, doutrina católica a respeito da Santa Ceia. Mas, mesmo que aqui não fale de assuntos, como o sacrifício e a presença real de Cristo, ele já bate de frente com a questão da distribuição somente sob uma espécie.
É possível notar o desenvolvimento do pensamento de Lutero já em 1520, tempo em que escreveu “Um sermão (...) a respeito da Santa Missa”. Neste podemos notar que ele se afasta definitivamente da doutrina da transubstanciação. Aqui já falou a respeito da presença real de Cristo na Santa Ceia com simplicidade, sem aludir a qualquer tipo de transubstanciação.
Segundo Lutero é preciso compreender bem as palavras de Cristo quando diz: “tomem e comam, isto é o meu corpo, que é dado por vocês. Tomem e bebam dele todos, este é o cálice do novo e eterno testamento em meu sangue, que é derramado por vocês e por muitos, para o perdão dos pecados”. E que todo cristão precisa crer nessas palavras sem questionar, pois estas são palavras do próprio Cristo, para perdão de nossos pecados, vida e salvação. “Cristo é o centro do culto e da Santa Ceia”, sendo assim, não é o sacrifício do ministro que transforma a Ceia em uma boa obra.
Em setembro de 1520, quando escreveu “Do cativeiro babilônico da Igreja”, estava na verdade revogando seu outro escrito “o sermão sobre o Venerabilíssimo Sacramento do Santo e verdadeiro Corpo de Cristo e sobre as irmandades”, isso porque na ocasião se ateve apenas ao uso comum, na verdade sem se importar se o papa tinha ou não razão. Mas neste, quer afirmar livremente o que pensa. Aqui além de atacar a distribuição apenas sob uma espécie, também rejeita publicamente a doutrina da transubstanciação, dizendo ser essa uma opinião humana.
No ano de 1521, em seu escrito “O abuso da Ceia”, defende-se dos sacramentários. Este é dividido em três partes: 1- A falsa concepção da Ceia baseada numa falsa concepção de sacerdócio; 2- A Ceia em si; e por último, a Ceia é antes o sacerdócio de Cristo e não do oficiante.
Logo em 1522, ataca novamente a comunhão sob uma espécie apenas, em seu escrito, “Recebendo ambos os elementos no Sacramento”. Neste, acrescenta que o valor da ceia, a sua essência não está nos elementos exteriores, mas na Palavra que é poder do Sacramento. Com isto vamos vendo o desenvolvimento de seu pensamento e a convicção de sua posição contra os ensinamentos errôneos a respeito da Santa Ceia.
A controvérsia acerca da Santa Ceia
Lutero já havia se posicionado contra o ensino tradicional da Igreja Católica Romana, desenvolvendo sua compreensão dos Sacramentos em seu escrito “Do cativeiro babilônico da Igreja”, isso em 1520. Mas a compreensão de Lutero foi rejeitada por alguns teólogos adeptos da Reforma. Então, surgiram outras interpretações acerca dos Sacramentos, mas muito mais sobre a Santa Ceia.
Uma das acusações dos opositores é de que Lutero havia permanecido como um bom católico, com a doutrina da Presença Real. Ele após ser atacado por esses escritos de vários teólogos, os quais não concordavam com sua interpretação das palavras da instituição, por volta de 1527/28 escreveu a obra “Da Ceia de Cristo – Confissão”. Esta obra está dividida em três partes, mas o assunto é comentado nas duas primeiras.
Na primeira, se ocupou em rebater os teólogos Zwinglio, Oecolampádio e também Schwenckfeld. Estes não concordavam com a Presença Real de Cristo na Santa Ceia o que acarretava outros pensamentos errôneos. Todos os teólogos aos quais Lutero rebateu com este escrito acreditavam que a Santa Ceia era apenas sinal do Corpo de Cristo.
Na segunda parte, ele faz explicação minuciosa dos textos bíblicos, nos quais aparecem as palavras da instituição da Santa Ceia. Vamos às palavras de Lutero. “As palavras unem (...) o pão e o cálice, para tornarem-se Sacramento. Pão e cálice compreendem o Corpo e o Sangue de Cristo: Corpo e Sangue de Cristo compreendem a nova aliança; a nova aliança compreende a vida eterna e bem-aventurança. Vês que as palavras da Santa Ceia nos oferecem e dão tudo isso, e nós assimilamos tudo com a fé.”
Vamos ouvir também o que Bernhard Lohse, tem a nos dizer em seu livro, “Martim Luther/ An Introduction to His Life and Work”: “O estudo desta controvérsia é particularmente importante para nosso entendimento de muitas questões relacionadas à teologia de Lutero. Lutero não só defendeu a doutrina da presença real, mas também a doutrina de que a vida do cristão está sempre e sob todas as circunstâncias baseada na graça de Deus.”
Lutero voltou a escrever sobre a Santa Ceia em 1530, sua obra “Admoestação a respeito do Sacramento do Corpo e Sangue de nosso Senhor”. Este é importante na medida em que complementa os escritos de Lutero, nos quais desenvolveu sua concepção eucarística e a defendeu, tanto contra a concepção romana quanto contra a da presença simbólica de Cristo na Ceia defendida por Zwinglio e seus adeptos.
Este é essencialmente pastoral, como podemos ver nas palavras de Lutero a seguir: “Temo, porém, e acredito que tudo isso é, em grande parte, culpa nossa, dos que somos pregadores, pastores, bispos e cura d’alma, uma vez que deixamos as pessoas sem que se emendem, não as exortamos, não incitamos, não admoestamos, como o exige nosso ministério. E ficamos roncando e dormindo tão seguros como eles, e não pensamos mais longe do que: quem vem, vem; quem não vem que fique de fora, e de ambos os lados procedemos de uma forma que bem poderia ser melhor.”
Em 1533, mais de uma década após ter escrito seu primeiro texto a respeito da Santa Ceia, o qual na ocasião mostrava claramente que Lutero ainda não havia se libertado da doutrina romana, escreve mais um dos muitos que escreveu neste período, mas agora sem esta influência. No texto “A Ceia privada e a consagração dos Sacerdotes”, ele ataca a sacramentalização do sacerdócio católico. Aqui reforça mais uma vez, que a Santa Ceia não depende do oficiante, mas sim das palavras de Jesus.
E para encerrar sua série de escritos a respeito da Santa Ceia, temos o que foi escrito em 1544, “A pequena confissão a respeito do Santo Sacramento”. Como se não bastassem todos os outros, este último também foi para combater teólogos que se opunham às suas idéias. Desta vez, é contra Bullinger e novamente contra Schwenckfeld que tentaram ressuscitar as idéias de Zwinglio e Carlstadt.
Conclusão
É bem verdade que o desenvolvimento do pensamento de Lutero quanto à Santa Ceia, pode não ser muito visível para muitos. Mas quero dizer que ele desenvolveu idéias que antes não tinha, e uma das principais é a rejeição da doutrina da transubstanciação.
Gostaria de destacar uma afirmação de Hermann Sasse, o qual em seu livro “Isto é o meu Corpo” diz o seguinte: “houve, na atitude de Lutero, desenvolvimento face a várias questões relacionadas com o Sacramento do Altar, como por exemplo, a questão da concomitância e problemas práticos tais como a manutenção da língua latina na missa e a elevação. Mas nunca houve, na vida de Lutero, uma época em que ele não acreditou na presença real do verdadeiro Corpo e sangue de Cristo no Sacramento”.
E para concluir vou usar palavras do próprio Lutero: “agora que temos a reta compreensão e a doutrina desse sacramento, bem se fazem necessárias, outrossim, uma exortação e animação no sentido que não se deixe passar em vão esse grande tesouro que entre os cristãos diariamente se administra e distribui.”
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