A CRISTOLOGIA DA PÁSCOA,
SEGUNDO I CO 15.20-28
A leitura de I Co 15.20-28 deu ensejo a uma reflexão sobre a pessoa e obra de Jesus Cristo. Quando Paulo diz que "Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem" (v. 20) ele afirma que Cristo morreu e ressuscitou. Ora, "o salário do pecado é a morte" (Rm 6.23). Só se morre por causa do pecado. Mas Cristo é "o Santo de Deus" (Mc 1.24; Jo 6.69; At 3.14; 4.30), pois Maria deu à luz o "ente santo" (Lc 1.35). Por essa razão se afirma a "perfeita impecaminosidade" (anamartesia) de Jesus Cristo, segundo a natureza humana (Dogmática Cristã, J . T . Mueller, Vol. I, p. 268). Claro, segundo a natureza divina ele é o próprio Santo Deus. Ele era verdadeiramente homem, mesmo sem pecado, pois o pecado não faz parte da essência do homem. A Fórmula de Concórdia chama o pecado de "accidens" (FC, Ep I, 23; SD I, 57). Uma das conseqüências desta impecaminosidade é a imortalidade (athanasia) de Jesus Cristo, também segundo a natureza humana. Assim Jesus Cristo não está sujeito à morte, nem segundo a natureza divina, nem segundo a natureza humana.
Como então morreu e ressuscitou dentre os mortos? Evidentemente não morreu a sua morte, mas a minha. Sua morte foi vicária em lugar de todos os homens. Assim também a ressurreição não foi a sua ressurreição, mas a minha. Sua ressurreição também foi vicária em lugar de todos os homens. Por essa razão Paulo diz que sua ressurreição é "primícias dos que dormem", é vicária em lugar dos que dormem. Quanto consolo: em Cristo vicariamente já ressuscitei e vou ressuscitar efetivamente para a vida eterna no último dia.
Como aconteceu então a morte e a ressurreição de Jesus Cristo? Evidentemente não morreu segundo a natureza divina, mas segundo a natureza humana no estado da humilhação. Mas, como 0 Concilio de Calcedônia (451) nos ensina, as duas naturezas estão unidas na unica pessoa de Cristo de forma inconfusa, imutável, indivisível e inseparável para sempre. Desta forma nem a morte vicária separou as duas naturezas. Assim a natureza divina participou efetivamente da morte vicária de Cristo e lhe conferiu valor eterno. Mas a natureza divina não saiu machucada ou diminuída. Na comunicação de atributos há apenas um gênero majestático, em, que a natureza divina comunica ou cede à natureza humana qualidades divinas. Não há um gênero tapeinótico, em que a natureza humana passaria qualidades humanas à natureza divina, fazendo-a diminuir ou ser humilhada. A humilhação não consistia na humanação, mas no fato de que Cristo não usou sempre e inteiramente as qualidades divinas comunicadas à natureza humana. A natureza humana tinha sempre a posse dessas qualidades divinas, mas na humilhação não fez sempre uso delas, como depois acontece na exaltação. A "forma de Deus" e a "forma humana" de Fp 2.6,7 dizem respeito à natureza humana: ela tinha a posse da "forma de Deus", mas usou a "forma humana" na humilhação para poder assumir a morte vicária por todos os homens.
E o que aconteceu na morte e na ressurreição de Jesus Cristo? Na morte não houve a separação das duas naturezas, mas a separação de corpo e alma, que ambos ficaram continuamente unidos à natureza divina. Assim o próprio Cristo deu a sua vida (não a tiraram dele) e a retomou, ressuscitando-se a si mesmo (junto com o Pai e o Espírito Santo) em lugar de todos os homens, unindo novamente corpo e alma. Agora o corpo era glorioso, pois já não estava "na carne", mas "no espírito" (I Pe 3.18), isto é, já não havia humilhação, mas iniciou a exaltação. Assim "no espírito" desceu ao inferno, antes de aparecer ressuscitado, para mostrar-se vivo e vitorioso sobre a morte e Satanás.
Paulo, no entanto, ensina que ainda há muito a vencer na exaltação. Cristo quer vencer todos os inimigos: as forças do mal dentro e fora de nós que conduzem à morte. O diabo já está vencido. O homem já está remido. Falta, porém, vencer a morte. Este é o último inimigo. Até lá Cristo vence continuamente a morte em nós pelo Evangelho do perdão. E quando chegar o último dia e Cristo tiver vencido a morte pela ressurreição geral dos mortos, então a tarefa da humanação estará cumprida. Segundo a natureza humana Jesus Cristo "também se sujeitará àquele que todas as cousas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos" (v. 28). Segundo a natureza humana Jesus Cristo recebeu de Deus Pai a sujeição de todas as coisas (Mt 28.18). O juízo final encerra a tarefa de Jesus Cristo, homem. Como homem não é somente o Mediador, mas também o juiz (1 Tm 2.5; II Tm 4.1; Jo 5.22,27). Então Jesus, segundo a natureza humana, devolve a Deus a autoridade que lhe foi confiada por ser "o Filho do homem" (Jo 5.27). Segundo a natureza divina não há nada a devolver, pois nada foi recebido. Na presença de Deus na eternidade os salvos confraternizarão com o Rei Jesus, que é seu irmão amigo e seu Deus para sempre. Até lá os cristãos recebem a presença real do corpo e do sangue de Jesus Cristo na Santa Ceia, o corpo e o sangue dado e derramado vicariamente pelos homens para selar a aliança eterna de Deus com o Seu povo. Pela ressurreição está vivo e garante a nossa vida eterna. Pela Santa Ceia se torna presente na vida dos cristãos para preparar e garantir a ressurreição final. Pela fé esta presença é graciosa e consoladora, pois garante o perdão e a vida para sempre. Que consolo nos dá esta Cristologia da Páscoa! —
Martin C. Warth
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