ETERNA (IN)SATISFAÇÃO
Quem poderia dizer, neste momento, que está plenamente satisfeito? Será que ninguém tem nada a reclamar, nada a criticar? Pergunto: Estás satisfeito contigo mesmo, teu relacionamento com os outros, o ambiente em que vives? Duvido muito. Afinal, estamos numa escola. E uma escola, embora o termo originalmente significasse "ócio", "descanso", é hoje sinônimo de atividade. Escola é quase que por definição um viveiro de insatisfeitos. Se cada um de nós estivesse plenamente satisfeito, não estaríamos aqui. Eterna insatisfação. Parece que faz parte da vida.
Jesus Cristo, o Messias da linhagem de Davi, observou isso na criançada que brincava na praça de Nazaré. Brincavam de festa de casamento e de enterro. Mas não se entendiam. Tinha um grupo de crianças chatas, despóticas e insuportáveis. Queriam sempre impor a sua vontade. Estavam com a flauta na mão e queriam que todos dançassem conforme a música que eles tocavam. Eram uns chatos insatisfeitos.
Mais tarde, no fogo da controvérsia com os líderes de Israel, Jesus lembrou aquela brincadeira das crianças aos adultos que, em sua atitude diante da visitação definitiva de Deus, mostravam um comportamento idêntico. Contou-lhes a parábola das crianças na praça.
João veio da parte de Deus e não comia nem bebia. Isto significa que ele vivia do mínimo necessário. Era um nazireu, um asceta. Era uma imagem ambulante a pregar a necessidade de profunda conversão face ao juízo que estava por despencar sobre a cabeça do povo. João estava, por assim dizer, em pano de saco e cinza. Estava de luto. Mas os líderes judaicos, que tinham a flauta na mão, queriam fazer João Batista dançar. E porque João não dançou conforme a música deles, foi tachado de louco. Ou, no dizer deles, "tem demônio".
Veio Jesus Cristo, o Filho do homem, o Agente escatológico do Pai, que comia e bebia. Isto significa que ele ia a jantares, tanto na casa de fariseus como de publicanos. Jesus sabia o que é se alegrar e até incentiva a alegria dos seus, ao perguntar: "Podem acaso estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles?" (Mateus 9.15a) Para Jesus, cada um desses jantares com pecadores era uma parábola viva, uma alegre antecipação tipológica do banquete celestial (mais ou menos como temos hoje na Santa Ceia), pois quem estava reunido à mesa era o Salvador com pecadores arrependidos e perdoados. Mas os líderes judaicos, que tinham a flauta na mão, queriam fazer Jesus bater no peito, em sinal de tristeza e luto. E porque Jesus não dançou conforme a música deles, foi chamado de glutão, beberrão, amigo de publicanos e pecadores.
Jesus avalia a situação e se refere àqueles seus contemporâneos insatisfeitos, despóticos, rebeldes, em termos de "esta geração". Esta é uma expressão que vem carregada de juízo e ira de Deus. Em Mateus 12.39 Jesus se refere a ela como sendo "geração má e adúltera". Jesus se dirige a ela com seu pungente " A i de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida!" (Mateus 11.21)
Tu e eu podemos até concluir: Que geração aquela! Eternamente insatisfeitos! Mas será que somos diferentes? Não é assim que também nós estamos instalados em nossa cadeira de juiz, emitindo pareceres o tempo todo? Temos a flauta na mão e queremos que todos dancem conforme a nossa música. "Aquele aluno é um desastre." "Professor fulado de tal não está com nada." "Aquele pregador não leva jeito." "O pastor é um desligadão." "As devoções são uma eterna mesmice, por isso não vou mais." "A lei que aparece nos sermões é muito amarga; prefiro o evangelho." "As mensagens são muito adocicadas. Demais evangelho. Falta lei". Sabemos criticar. Queremos dominar.
Todos devem dançar conforme a nossa música. Por isso, também a nós se aplica o ai de vós, pronunciado por Jesus. Também nós fazemos parte desta geração, o que, por certo, nos entristece.
No entanto, em meio a esse quadro de juizo, não percamos de vista o grande consolo da palavra de Deus. Mas onde haveria consolo num texto como o nosso, repleto de acusações? Pois o evangelho está exatamente numa das farpas jogadas contra Jesus. Chamam-no, em tom zombeteiro, de amigo de pecadores.
Amigo de publicanos, de pecadores. Meus amigo. Teu amigo. Amigo daqueles que precisam dele e o recebem, colocando de lado a sua flauta desafinada e ouvindo a música que ele toca no trombone da lei e na flauta doce do evangelho.
Jesus, o amigo de pecadores. Nenhum título é tão precioso quanto este. Sempre que Deus, por sua lei, te tirar a flauta desafinada ou te derrubar da cadeira do falso juiz que a todos julga e por ninguém quer ser julgado.. . ao caíres, lembra-te: Jesus, amigo do pecador. Aí terás eterna satisfação. Amém.
VS
Devoção proferida no Seminário Concórdia no dia 27 de junho
de 1990, sobre Mateus 11.16-19.
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