5ª Tese – O chamado válido e legítimo para o ofício pastoral
Na pergunta sobre o chamado para o ofício pastoral, duas coisas precisam ser consideradas: 1°, se ele é um chamado válido (ratus), e 2°, se ele é legítimo (legitimus, rectus). Ele é válido, se feito por aqueles que têm o direito e a autoridade de Deus para tanto; ele é legítimo, se ele foi adquirido pelo caminho correto.
Observação – 1
A validade de um chamado depende daqueles que estendem o chamado, se eles têm o direito e a autoridade de Deus para fazê-lo. Isto está na natureza da questão e não necessita de provas. Que cada congregação cristã local tem este direito e autoridade, podemos ver dos seguintes escritos:
“A base e a razão da Sagrada Escritura de que uma assembléia cristã ou uma comunidade tem o direito e a autoridade, para julgar toda doutrina, e chamar, instalar ou depor professores, de Martinho Lutero, 1523”. (Cf.: Walch X, 1794s.; Erlangen XXII, 140ss.).
“Carta sobre como escolher e instalar, ao Conselho e Comunidade em Praga, de Martinho Lutero” (Walch X, 1808ss.).
“Quem tem poder, autoridade e direito para chamar pastores, por Tilemann Heshusius” (St. Louis, MO, por L. Volkening, 1862, 8).
Uma coleção de testemunhos para esta doutrina das Confissões Luteranas e dos escritos privados de professores ortodoxos de nossa igreja: “A voz de nossa igreja na pergunta sobre Igreja e Ministério” (Erlangen, 1852, segunda edição, 1865), Parte II, tese 6, seção A. Destacamos aqui somente os seguintes testemunhos:
Os Artigos de Esmalcalde, onde lemos: “Pois onde quer que esteja a igreja (ubicunque = onde esteja), ai existe o direito de administrar o evangelho. Razão por que é necessário que a igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros.
E esse direito é um dom propriamente dado à igreja e que nenhuma autoridade humana pode arrebatar à igreja, como também testifica Paulo em Êfeso, quando diz: Subiu, concedeu dons aos homens. (Ef 4.8,11). E enumera entre os dons próprios da igreja pastores e mestres, acrescentando que tais são dados para o ministério, para a edificação do corpo de Cristo. Por conseguinte, onde há igreja verdadeira, aí necessariamente existe o direito de eleger e ordenar ministros. Assim como em caso de necessidade até um leigo absolve e se torna ministro e pastor de outrem. Como no caso da história narrada por Agostinho, a respeito de dois cristãos num navio, dos quais um batizou o catecúmeno, e este, batizado, depois absolveu o primeiro. Para cá pertencem as sentenças de Cristo que atestam haverem as chaves sido dadas à igreja, não apenas a certas pessoas: Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome... (Mt 18.20). Por último, também a sentença de Pedro confirma isso: Vós sois sacerdotes reais... (1 Pe 2.9)” (Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 67-69; LC p. 356, 357).
Lutero escreve: “Onde está a santa igreja cristã, ali devem estar todos os sacramentos, o próprio Cristo e o Espírito Santo. Se somos agora uma santa igreja cristã e temos as maiores e mais necessárias coisas tais como a palavra de Deus, Cristo, o Espírito Santo, fé, oração, catecismo, o sacramento, o ofício das chaves, o ofício pastoral, etc., e não teríamos as coisas menores, a saber, a autoridade e o direito de chamar algumas pessoas ao ofício, para nos administrarem a Palavra, Batismo, Santa Ceia, o perdão (Absolvição) que estão todos aqui? Onde está a palavra de Cristo, ali disse: Onde dois ou três... (Mt 18.20). E novamente: Se dois entre vos sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que porventura pedirem, ser-lhes-á concedido por meu Pai que está nos céus (Mt 18.19). Se dois ou três têm tal autoridade, quanto mais a igreja toda” (Schriften Von der Winkelmesse und Pfaffenweihe do ano de 1533; Walch XIX, 1565).
Após ter provado em sua carta ao Concílio e Congregações de Praga que cada cristão originalmente tem o direito e a autoridade de sacerdote, Lutero continuou: “Mas nós dissemos tudo isso a respeito dos direitos e da autoridade comum a todos os cristãos. Visto que todos os cristãos têm todas as coisas em comum, [...] não é próprio para alguém que quer promover se a si mesmo, adonar-se daquilo que pertence a todos. [...] Mas o direito da congregação requer que um, ou quantos a congregação quiser, seja escolhido e aceito para executar as funções publicamente em lugar e em nome de todos que têm o mesmo direito. Isto, para que não ocorra uma horrível desordem entre o povo de Deus e a igreja, na qual tudo deve ser feitio com decência e ordem, como o apóstolo o ensina (1 Co 14.40), e não venha a ser uma Babel” (Walch X, 1857).
Lutero escreve: “Este é o chamado para um ofício público entre cristãos. Mas se alguém chegar a um grupo de não cristãos (gentios), faça como os apóstolos e não espere por um chamado. Pois, não temos ali o ofício da pregação e alguém pode dizer: Aqui não há cristãos. Eu quero pregar e instruí-los no cristianismo, e se um grupo se juntar, podem escolher e me chamar para ser o bispo deles, então tenho um chamado” (Sobre Êx 3.1. III, 1079). É obvio que, quando uma congregação tem um pregador e quer expedir mais um chamado, este só será válido se o pregador chamar junto. Por outro, um chamado também é válido quando a congregação chama por outros, delegando-lhes este direito [...]. Aqueles que, devido à grande corrupção nas congregações começam a duvidar do chamado, pois muitos Alina assembléia não sejam cristãos, lembramos o Artigo VII da Apologia da Confissão de Augsburgo, e o que confessamos no Credo Apostólico: Creio na santa igreja cristã, a comunhão dos santos. [...]
Lutero escreve: “Aqui (Mt 18.19-20) ouvimos que onde dois ou três estão reunidos em nome de Cristo, eles têm toda autoridade de São Pedro e de todos os apóstolos. Pois o próprio Senhor está aqui, como ele o disse em João 14.23. Por isso foi possível que uma pessoa, que crê em Cristo, resistiu a um grande grupo, quando Paphnutius resistiu no Concílio de Nicéia, como os profetas aos reis de Israel, aos sacerdotes e a todo o povo de Israel. Resumindo, Deus não está ligado a números, multidões, majestades, autoridades e personalidades do povo, mas só e unicamente a estes que amam sua Palavra e a guardam, mesmo se estes sejam simples empregados. Ele não pergunta por altos, grandes e poderosos senhores. Somente ele é a maior, a mais alta majestade. Temos aqui o próprio Senhor, sobre todos os anjos e criaturas, que diz: “Eles terão todos o mesmo poder e ofício, mesmo dois cristãos simples, reunidos em seu nome.” (Contra o papado em Roma, estabelecido pelo diabo, 1545; Walch VII, 1346ss.).
“Assim, se aqui não há pessoas de altos e distintos postos, funcionários da corte real ou dos Concílios eclesiásticos, etc., mas somente trabalhadores e agricultores participando do chamado, isto não tira ao chamado o seu poder e sua validade”. Lutero escreveu esse conforto aos Boêmios, contra a tentação de pensarem que um grupo pequeno não pudesse usar a validade do chamado divino: “Mas se tal dúvida vos atemoriza e quer enganar-vos, para pensarem que vocês não são igreja ou povo de Deus, então há uma só resposta: A Igreja não é visível. Ela não pode ser reconhecida por seus costumes exteriores, mas nós a reconhecemos somente pela palavra de Deus”. 1 Co 14.24,25. Pois a congregação, mesmo fraca e em pecado, não é pagã, mas cristã na Palavra. Os membros vivem ainda em muitos pecados, mas eles reconhecem a Palavra e não a negam. Por isso não devemos rejeitar aqueles que louvam a palavra e a confessam, mesmo que pareça não serem cristãos e não apresentam uma vida cristã. Desde que não sejam blasfemadores abertos, e viciados endurecidos. Por isso vocês não devem duvidar que são igreja, mesmo sendo somente seis ou dez que têm a Palavra. Pois tudo o que estes fazem nesta causa, mesmo atuando os outros, que não tem a Palavra, juntos. Mesmo assim devem estar certos que Cristo atua, onde se age de forma humilde e com pração. [...]. (Walch X, 1870ss.). [...].
Observação - 2
O chamado para o ofício pastoral não precisa ser somente válido, mas também legítimo, para isso é sobre tudo necessário que a pessoa chamada não se tenha intrometida e procurada, por caminhos escusos, convencer pessoas ou aproveitando-se de partidos internos para conseguir o chamado, ou levando outros a interceder por ela; mas sem sua participação recebido o chamado, aceitando-o em obediência a Deus e amor ao próximo. Lutero escreve: “Agora há dois tipos de chamado para o santo ministério. Um que vem de Deus sem meios, outro que também vem de Deus, mas por meio de pessoas. No primeiro não devemos crer, exceto se a pessoa possa prová-lo por sinais miraculosos. Deixemos falar aqui pessoas experimentadas na palavra de Deus, como Lutero: “Aqui pertencem também aqueles que estão cientes de seus altos dons e julgam ser isto um grande prejuízo se não podem ensinar outros. Eles argumentam e julgam, por não serem melhor aproveitados, que estão enterrando seus dons na terra, quando deveriam ser aproveitados (Mt 25.18,24; Lc 19.20s.). Assim o diabo engana essas pessoas. Elas deveriam ter aprendido do Salmo 8.2 que não são eles que ensinam e que não é nossa palavra que deve ser pregada, pois nossa boca deve servir unicamente a palavra de Deus, quando e onde Deus o quer, quando ele nos chamar. Querido irmão, não duvide disso, quando Deus te quer, ele te buscará e achará. Sim, ele mandará um ano dos céu, que te conduzirá a isso (se for necessário). (Walch IV, 761, 767). Por isso espera até seres chamado. [...] E mesmo se tu operas milagres, queremos primeiro olhar qual é a tua doutrina, para ver se concorda com a palavra de Deus. Pois falsos profetas também podem operar sinais, como Moisés o disse aos judeus” (Dt 13.1).
“O outro vem por meio de pessoas e mesmo assim por Deus, a saber, por meios. Isto é um chamado de amor, é como quando alguém é escolhido do grupo para ser bispo e pregador, quando se vê que ele tem a palavra de Deus e pode também comunicá-la a outros através do ensino e da pregação. [...] Se tu és instruído e compreendes bem a palavra de Deus, e desejas ensiná-la corretamente e com proveito a outros, espera. Se Deus te quer, ele sem dúvida te achará. [...] Não coloque um propósito, tempo ou lugar a Deus. Pois para onde tu não queres ir, ali Deus te levará; e onde tu gostarias de estar, ali Deus não te colocará. Mesmo se tu fosses mais sábio e inteligente que Salomão e Daniel, tu fugirias, como que diante do inferno, a falar mesmo uma só palavra, a não ser se fosses requerido e chamado para isso. Creia-me, ninguém fará algo de bom pela pregação, a não ser que seja requerido e obrigado a isso, sem sua vontade e desejo. Pois temos somente um mestre, nosso Senhor Jesus Cristo, que ensina sozinho e traz o fruto por seus servos, os quais ele chama para isso. Mas, quem ensina sem um chamado, este não ensina sem prejudicar a ambos, a si e a seus ouvintes, pois Cristo não está com ele” (Walch XI, 25-49, 2555).
Estes, que vieram primeiramente sem chamado e então, por artimanhas, levaram as pessoas a conferi-lhes um chamado regular, não são legitimamente chamados. Ao comentar Êx 3.1, Lutero escreveu sobre estes gatunos: “Sim, eles foram atrás do povo, falaram até serem eleitos e chamados. Alguém pode levar pessoas a isso, mas eles são ladrões, assassinos e lobos” (Jo 10.1). (Walch III, 1077).
Carlstadt tinha um chamado assim. Lutero escreveu sobre ele: “Ao ele afirmar [...] que ele foi eleito como cura d`almas, e devidamente chamado, a isto Lutero respondeu: Não me importo se eles o chamaram depois. Eu estou falando do primeiro passo. [...] Com que facilidade pode-se convencer o povo. Mas isto não se chama chamado. Isto se chama criar sectários e agitações e desprezar as autoridades” (Contra os profetas Celestiais; Walch XX, 230).
Pode, no entanto, haver casos em que o oferecer-se não seja contrário à consciência e não coloca em dúvida a retidão do chamado e seja, conforme 1 Tm 3.1 e Is 6.8, sinal de um legítimo chamado divino. Ouçamos nosso Reformador (Lutero) a este respeito. Ele escreveu: “Não devemos desprezar os que têm a coragem de, num espírito piedoso e bem intencionado, sem procurarem sua vantagem, proveito, honra e nem vida melhor e mais fácil, mas com o propósito de ensinarem e pregarem a palavra de Deus. Mas tais são aves raras. Tais homens, no entanto, nós devemos louvar, como diz o apóstolo Paulo: Fiel é a palavra: Se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja (1 Tm 3.1). E porque ele diz isto vemos no versículo que segue: É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar, não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento... (v.2,3). Tais pessoas aspiram excelente obra! Pois, tal ofício requer homens que aprenderam a renunciar à honra, à vida e aos bens, pois é um servir à verdade, a respeito da qual Jesus disse: Sereis odiados de todos por causa do meu nome (Mt 10.22). Disso serão capazes só os que sem sua vontade, nem esforço, poderão suportá-lo. Em vão esperam que alguém os suporte, cujo propósito é sua própria vontade, ou de alguém que não tenha sido preparado internamente por graça especial” (Sl 8.3; Walch IV,769ss.).
Observação – 3
O que deve fazer aquele cujo chamado é válido, mas não legítimo? Nossos teólogos responderam que ele não deve abandonar o chamado, mas o ofício requer que ele se arrependa e seja fiel. Pressupõe-se, naturalmente, que tal pessoa tenha a aptidão para conduzir o ofício... Lutero escreve: “Aqui temos a pergunta: É permitido que alguém se ofereça para um chamado? A resposta é: Se alguém, por desejos e intenções carnais, isto é, por ambição ou avareza, isto não presta. Mas se alguém adquiriu o ofício da pregação por este caminho e depois se converter, assim, que se torne uma pessoa diferente, então será bom para ele que fique” (Walch VII, 116ss.; Walther refere-se também a Walch X, 1825s). [...] A.H. Franke comenta: “Se num chamado não se procedeu corretamente e os requisitos necessários não estavam presentes, por isso a pessoa não precisa ser novamente ordenada. Esta pessoa também não tem a liberdade de abandonar a congregação. Ela deve, visto estar no lugar, voltar-se a Deus em profundo arrependimento e suplicar para que Deus por sua graça lhe queira perdoar aquilo que ele iniciou erradamente e abençoá-lo. Mesmo assim terá, provavelmente, ainda tormentos de consciência. Mas ele deve saber que seu chamado é diante de Deus e dos homens correta, se ele cair em si e o exercer corretamente. Sim, ele é também antes “ratum” (correto, o que se refere à administração externa, mesmo que a relação entre ele e Deus ainda não tenha sido ordenada (Collegium pastor, über Hartmanni past. ev. II, 60s.).
Observação – 4
Aqui na América, muitas congregações têm o costume de chamar o pastor só por um período determinado (Chamado temporário). Isto com o intuito de, após o período, estender o chamado para mais um período ou considerar sua atividade encerrada. A congregação, no entanto, não tem o direito de fazer tal chamado, nem o pastor é autorizado a aceitar um chamado temporário. Tal chamado não é válido diante de Deus, nem correto. É um absurdo. Tal chamado é contra a divindade do ofício na igreja, contra a doutrina do chamado como exposta na Escritura. (At 20.28; Ef 4.11; 1 Co 12.28; Sl 68.12; Is 41.27).
Pois é Deus quem realmente chama o pregador, a congregação é simplesmente o instrumento para separar a pessoa para o serviço para o qual Deus a chama (At 13.1). Este pregador está no serviço e ofício de Deus, e nenhuma criatura pode demitir um servo do ofício de Deus, a não ser que possa provar que o próprio Deus o tenha demitido do ofício (Jr 15.19; Os 4.6). Neste caso, não é a congregação que depõem ou demite o pregador, mas ela executa a ordem de Deus. Se a congregação age de forma diferente, então o próprio instrumento está usando mal do ofício (Mt 23.8; 2 Tm 4.2,3) e interfere no regimento e administração de Deus. Quer o faça ao chamar, determinado o período que servirá, ou demitindo o pastor do trabalho a seu belo prazer.
O pregador que dá a uma congregação o direito de chamá-lo nesses termos, para dispensá-lo arbitrariamente, torna-se um empregado e servo de homens. Tal chamado não é o que Deus ordenou para o santo ofício da pregação, mas algo bem diferente que não tem nada a ver com o chamado, pois não é um chamado indireto de Deus pela igreja, mas um contrato humano. Não é um chamado vitalício, mas uma função temporária fora da ordem de Deus ou contra a ordem de Deus. É uma ordem eclesiástica, uma terrível desordem. Por isso é nula e vã, sem nenhuma validade. Alguém chamado dessa forma não pode ser considerado um ministro de Cristo ou da Igreja.
Tal chamado luta também contra o relacionamento no qual a congregação e o pregador estão de um para com o outro, conforme a vontade de Deus. Pois luta contra o respeito e a obediência que os ouvintes devem mostrar àqueles que administram o ofício divino conforme a palavra de Deus (Lc 10.16; 1 Tm 5.17; 1 Ts 5.12-13; 1 Co 16.15-16; Hb 13.17). Pois, se os ouvintes realmente tivessem esse alegado poder e autoridade, então estaria em suas mãos também o direito de retirar tal respeito e obediência que Deus deles requer.
Qualquer tipo de chamado temporário é contra a fidelidade e perseverança até a morte que Deus requer do pregador (1 Pe 5.1-4; 1 Tm 4.16; 1 Co 4.1ss.). É contra a prestação de contas que o pregador deverá prestar como vigia das almas sobre as quais Deus o colocou (Hb 13.17). Finalmente, o chamado temporário é contra a prática que o Senhor recomendou e que os apóstolos seguiram. Isto é contra a prática da Igreja em todos os tempos, enquanto não havia penetrado nela a corrupção, em doutrina, vida, ordem e disciplina.
Não há necessidade de prova, pois onde existe tal tipo de chamado, a igreja não foi mais bem cuidada, governada, e ali não se exercia mais a verdadeira disciplina. Ela não foi mais bem fundamentada na fé e vida santificada, nem cresceu. Tal chamado abre a porteira e as portas para toda a desordem, confusão e danos, para contraditores, para pessoas que querem agradar, que temem as pessoas e servem-se a si mesmas (Rm 16.17-18).
Quando o povo de Zwickau demitiu Conrad Cordatus, um de seus pastores, por causa de seu sermão no qual repreendeu o povo, Lutero escreveu para Valentin Hausmann no ano de 1532: “Vocês podem julgar por vocês mesmos. Um jovem estudou toda sua vida, e consumiu nisso os bens do pai, sofrendo toda a sorte de infortúnios. Agora ouço que em Zwickau querem um pastor. Mas eles querem ser senhores e o pastor deve-lhes ser um servo que está diariamente na gangorra [na incerteza]. Se o presidente quer, ele fica, caso contrário, ele terá que ir embora. Não, não, meus queridos senhores. Isto vocês não devem fazer, ou então não recebereis um pastor. Nós não estamos dispostos a fazer ou permitir isso, a não ser que eles confessem não serem cristãos. Dos gentios nós queremos sofrê-lo, mas o próprio Cristo não quer que o soframos de cristãos. Se os de Zwickau ou também tu mesmo, meu querido senhor e amigo, não queres alimentar teu irmão, isto podes deixar. Cristo é um pouco mais rico do que o mundo, mesmo que parecer ser pobre. Dele lemos: Encheu de bens os famintos (Lc 1.53). Isto basta, e os de Zwickau que continuem assim” (Walch, XXI, 357; Erlangen LIV, 219).
Hieronymus Kromayer, professor em Leipzig, falecido em 1670, escreve: “O chamado para o ofício da pregação não pode ser expedido por aquele que chama em forma de um contrato temporário, por um determinado período de anos, nem com o direito de a pessoa chamada poder ser demitida, quando bem parecer à congregação. Pois os que chamam não receberam de Deus tal poder nem licença para expedirem um chamado ou contrato assim, nem o chamado pode considerar tal chamado ou tal demissão como divino” (Theol. positiv. P. II, p. 530).
Ludwig Hartmann escreve: Aqui cabe também a pergunta: Será que um pastor pode aceitar um chamado temporário, o ofício numa congregação somente por alguns anos? Resposta: Não! 1. Pois tal chamado prescreve a Deus que chama, um determinado período para depois deixar o trabalho. Não cabe, no entanto ao servo prescrever ao seu Senhor o período em que quer servir. 2. Tal decisão envolve desejos carnais. Pois tal pessoa, se as coisas não vão como ela quer, quando não consegue reunir tesouros como pretendia, ou, por ouvir reclamações e não estar disposta a suportar críticas, pode sair fácil desta situação. 3. Também devido a várias outras desvantagens. Pois se a fidelidade de um ministro fosso algo muito apreciado, a igreja seria facilmente roubada da mesma; e porque as muitas mudanças de pastores numa congregação a empobrecem. Por outro, pode uma congregação (um patrão) demitir um pastor por não querer mais ouvi-lo ou aturá-lo e mandá-lo procurar outro chamado? Não! Pois, nós somos servos de Deus e o ofício é de Deus, para o qual fomos chamados por Deus, mesmo que através de pessoas. Esta obra santa precisa ser tratada de forma santa, não conforme arbitrariedades humanas. Um patrão pode contratar um empregado, por determinado tempo, para cuidar de suas ovelhas ou vaca, e quando o trabalho não lhe agradar mais, despedi-lo. Mesmo assim, terá que cumprir com determinadas leis do trabalho. Mas lidar assim com um pastor, um cura d´alma não está no poder das pessoas. Também o servo da Palavra não pode aceitar esse ofício, se não quiser ser um mercenário. Certamente, aqueles que aceitam o ofício nessas condições, não o executam com zelo e fidelidade, mas serão bajuladores e dirão o que as pessoas gostam de ouvir, ou terminarão, constantemente, serem despedidos” (Pastoral evang., pág. 104) .
[Nota, ao pé da página: Os pastores, no entanto, que atuam com um chamado numa congregação, e abrem mão dele com o consentimento de sua congregação, para atenderem uma congregação vacante por um determinado tempo, não se tornam culpados de serem servos “mercenários”].
Por outro, como um pregador consciencioso não pode aceitar um chamado temporário, assim também não pode comprometer-se para servir numa congregação até à morte. Sobre isso Johann Nikolaus Misler, professor em Giessen, falecido em 1683, escreve: “Comprometer-se com uma congregação local de servir nela até sua morte fere toda a doutrina do evangelho, do correto chamado do pastor e tira a Deus o poder de, conforme sua sabedoria e em sua liberdade, colocar seus servos em sua vinha aonde quer colocá-los. Tal procedimento carece de qualquer base na palavra de Deus e de sua Igreja. Ao mesmo tempo, tira ao pregador qualquer poder de, mesmo por motivos importantes e justos, ou mesmo por motivos de consciência, livrar-se de um jugo ímpio. Tal forma não deixa ao pregador nenhuma liberdade para contrapor-se, ou como Ló, por ordem de Deus, sair de Sodoma. Mesmo se a autoridade civil fosse abolida ou se degenerasse para uma tirania cruel e ímpia, ou se caísse em terríveis abusos e ordenasse doutrinas falas e ímpias e o pastor nada pudesse fazer. Nós só podemos permanecer numa comunidade e administrar ali o ofício enquanto o podemos fazer na verdadeira liberdade do Espírito Santo e de sã consciência” [...] (Opus novum quaestt. Practico-theol. p. 491).
Observação - 5
Não é somente pecaminoso e perigoso usurpar um ofício sem um chamado válido e legítimo, mas é também pecaminoso e perigoso declinar de um chamado válido e legítimo por considerações humanas (Jr 1.4-8; Ex 4.10-14). Tal também não pode ser justificado pelo sentimento de sua própria incapacidade ou indignidade, pois: Quem, porém, é suficiente para estas coisas. (2 Co 2.16).
[Nota ao pé da página: Walter mostra que esta situação pode confortar aqueles que já estão no ministério e sofrem tentações por se julgarem incapazes e indignos.]
Lutero o expõe de uma forma maravilhosa com a concordância de seus teólogos. Ele baseou o chamado para o santo ministério no mandamento do amor ao próximo: “Ama o teu próximo, como a ti mesmo. Ele escreve: Eu jamais pregaria em Wittenberg, se não fosse forçado a isso por Deus pelo Eleitor da Saxônia, pra que o faça. Assim é com outros também. Quando o povo me força e pressiona, e eu posso fazê-lo, e mesmo quando não posso fazer o que se requer de mim, vou fazê-lo da melhor forma possível. Ali Deus impulsiona por pessoas e isso está na lei de Deus, que o Espírito Santo me chamou e diz: Ama o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19.18). Nenhuma pessoa deve viver para si mesma, mas deve servir ao próximo. [...] Se este mandamento me toma e é colocado diante de mim, então nenhuma resistência me ajudará, a não ser que eu quero resistir até ser colocado sob a ira de Deus, por causa disso. Agora, este chamado é através de mãos humanas, mas é confirmado por Deus. Assim eu lembro e sirvo a Deus nele” (Do Comentário de Êxodo, 1524-1528; Walch III, 1076; Erlangen XXXV, 58s.).
Sobre o fato de Deus ter chamado o gago Moisés, que não quis aceitar o chamado por ser gago, Lutero escreve: ”Se Deus fosse tão sábio quanto nós, ele teria começado todas as coisas melhor do que fez. Pois aqui toma, para essa grande e difícil obra, alguém que não sabe falar bem, como o próprio Moisés o confessa. Mesmo assim Deus lhe disse: “Vai e execute bem a obra”. Isto é a mesma coisa que dizer a um cego, que deve enxergar; ou a um aleijado que deve correr e a um mudo que deve falar. Será que Deus não poderia achar outra pessoa para esta tarefa?”
“Mas isto foi escrito para aprendermos a conhecer a atitude de Deus. O que o mundo valoriza, Deus não o considera, sim, rejeita e destrói o que outros tomam a si, e o que outros amam e exaltam, ele rejeita; e o que o diabo não quer, ele aceita. Ele dá a Moisés uma resposta correta e diz: Tu és sábio e uma boa pessoa. Isto são alfinetadas, como quem diz: Pensas que eu não sei que tu gaguejas, como se eu não o ouvisse? – Assim pensamos nós. Sempre queremos ensinar a Deus em sua obra. Como se nós fossemos os primeiros a notar os erros e as fraquezas que Deus não está vendo. E Deus lhe diz: Que problema se alguém é surdo, cego ou mudo? Como? Se eu lhe peço e ordeno para fazer algo, será que não posso fazê-lo ouvir e falar? Quem é o que fala contigo? Não é um artesão sapateiro, mas aquele que dá a visão aos cegos, aos surdos os ouvidos, e faz os mudos falarem, e emudece os grandes palradores e tu que não podes falar queres me dar alvo e medida. Mesmo se pudesses falar não te deves orgulhar disso. Para que vejam que sou eu quem o faço e não tu, por isso te uso como gago. Pois se alguém fosse tão apto como o anjo Gabriel e Deus não o chamasse, não conseguiria executar nada. Deus torna alguém hábil para falar ou mudo. Por outro, se alguém tem dificuldade na fala, e Deus o chama, ele o executará, seja lá como for, para que o mundo veja, não somos nós, que o fazemos, mas Deus o faz” [...] (Walch III, 1129-32; Erlangen XXXV, 102-104).
[ ] Lutero escreve: “Também não vale a desculpa: Eu sou incompetente, fraco na fé e na vida santificada e devocional. A pessoa deve olhar para o seu chamado e ofício, em outras palavras, para a palavra de Deus que o chamou. Se eles são impuros e incapazes, o ofício e o chamado, a palavra de Deus são puros e suficientemente capazes. E se eles certamente o crêem que são chamados, então eles serão, pela fé, suficientemente capazes. Pois quem crê ser chamado para o ministério, esse certamente crê também que seu ofício e obra e ele próprio são agradáveis e justos. Mas quem não crê isso, então é certo que também não crê que seu chamado e ofício lhe foram ordenado por Deus. O que duvida ser chamado para tal ofício, que fique distante, pois ele não presta. Mas os que estão certos de estarem no ofício que Deus lhes ordenou, estes devem exercê-lo de forma alegre e corajosa, independente de sua capacidade ou incapacidade. Pois Fides vocationis habet conjunctam necessario fidem justificationis, cum sit in verbum vocantis Dei fidens ac praesumens (A fé no ofício tem necessariamente consigo a justificação, visto confiar e ser ousado na palavra de quem o chamou.) Quem crê no seu chamado, terá na verdade suficiente devoção, vontade e cede em exercê-lo, pois é impossível que aquele que está certo do seu chamado não sinta a força da graça. Tal pessoa não poderá dizer: Eu quero ir e adulterar ou praticar outras maldades, antes dirá: Eu quero ir e cuidar do meu ofício. Isto é a mesma coisa que dizer: Eu quero obedecer a meu Deus e amar o meu próximo.” (Do ano 1528. Walch X 2780-82; Erlangen LIV, 32,33).
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