15– Se me amais, guardareis os meus mandamentos.
16 – E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco,
17 – o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.
18 – Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros.
19 – Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis.
20 – Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós.
21 – Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele.
15 Orar de forma a ser atendido pressupõe que nossa vida e serviço tenham a orientação correta. ―Se me amais, guardareis os meus mandamentos.‖ Com essa afirmação Jesus não torna a submeter seus discípulos à ―lei‖. A ―lei de Cristo‖ (Gl 6.2) é algo diferente que a ―lei do Sinai‖. Por essa razão Paulo pode ser livre da lei e apesar disso estar na ―lei de Cristo‖ (1Co 9.21). Jesus situa-se acima de seus discípulos como o ―Senhor‖, que lhes mostra sua vontade em ―mandamentos‖ ou ―incumbências‖. Esses seus ―mandamentos‖ precisam ser ―preservados‖, observados, cumpridos. Mas é um Senhor amado a quem eles servem, um Senhor que os salvou da perdição por meio de sua própria morte e lhes concede vida eterna. Do amor agradecido a ele ―guardar os seus mandamentos‖ torna-se seu anseio mais próprio. Notemos o fato de que Jesus não está falando na forma imperativa, e sim na simples forma afirmativa: ―Guardareis os meus mandamentos.‖ Vós o fareis, ―se me amais‖. Jesus falará sobre isso outra vez com seus discípulos em Jo 15.9-12. Agora, porém, podemos considerar que os ―mandamentos‖ de Jesus representam o único ―novo mandamento‖ do amor mútuo, que é cumprido com base no amor de Jesus aos discípulos e no amor dos discípulos a Jesus (Jo 13.34).
16 A promessa subseqüente evidencia imediatamente que em seu serviço a Jesus os discípulos já não se encontram sob a lei, mas sim, que obtêm uma existência completamente nova. ―E eu da minha parte rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Advogado, a fim de que esteja convosco eternamente.‖ De acordo com a maioria das traduções conhecemos e amamos na presente frase, bem como mais adiante nos discurso de despedida, a designação do Espírito Santo como o ―Consolador‖. Sem dúvida o Espírito também exerce o ministério da consolação. Contudo, na vida cristã, e muito menos no serviço dos discípulos, não se trata primordialmente de ―consolo‖. Os discípulos no ―mundo‖ lá fora precisam de um ―Advogado‖, ou seja, aquele que assume a causa deles, que os defende, conduz e protege. Até então Jesus foi esse ―Advogado‖ deles. Porém, sendo Jesus um ser humano, esse Advogado somente podia estar por breve tempo entre eles. O ―outro Advogado‖, que o Pai dará a pedido do Filho, está eternamente com os discípulos.
Ele na verdade não é o ―Advogado‖ dos discípulos perante Deus! Ali eles não carecem de ―outro Advogado‖. Ali o próprio Jesus, o Cordeiro de Deus, que carregou o nosso pecado é e continua sendo o único Defensor plenamente suficiente. É o que declara o próprio João em 1Jo 2.1; e Paulo, em Rm 8.34; Hb 4.14-16.
17 O ―Advogado‖ que Jesus promete a seus discípulos para sua caminhada é o ―Espírito da verdade‖. O discípulo e mensageiro de Jesus não precisa de mais nada em seu serviço e em sua luta no ―mundo‖. Ele não há de ser poupado do caminho do sofrimento, sim, da morte. Não é preciso que o Espírito confira ao discípulo artes especiais de retórica e discussão. Contudo todo mensageiro de Jesus tem de ser capaz de afirmar com Paulo: ―Recomendamo-nos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade‖ (2Co 4.2). Uma ―manifestação da verdade‖ dessas, que possui o poder de atingir a consciência das pessoas, não está em nosso próprio poder. Unicamente o Espírito pode abrir caminho até a verdade com tanta eficácia, motivo pelo qual ele é chamado de ―o Espírito da verdade‖. Está em jogo aquela ―verdade‖ essencial, que o ser humano nem sequer é capaz de conhecer por natureza. É somente o Espírito que ―convence‖ dela o mundo (Jo 16.8ss).
Obviamente isso não significa que o mundo todo será alcançado e convencido interiormente pelo Espírito de Deus. Justamente por ser o ―Espírito da verdade‖, o Espírito Santo não pode agir mecanicamente e transformar o mundo sem a vontade dele. O mundo, enquanto e na medida em que for ―mundo‖, ―não pode recebê-lo, porque não o vê, nem o reconhece‖. É bem verdade que o mundo experimenta o agir do Espírito em pessoas. Mas ele vê nisso somente ―processos psíquicos‖, que ele rejeita como tolice ou fanatismo. Em decorrência, fecha-se contra o Espírito de Deus e não o pode ―receber‖. E apesar disso, o Espírito de Deus supera sempre de novo também pessoas renitentes e escarnecedoras de tal maneira que elas o ―reconheçam‖ e aceitem. No instante em que isso acontece essas pessoas deixam de ser ―mundo‖. De ―mundo‖ são transformadas em ―igreja‖, tornam-se ―discípulas‖, para as quais vale: ―Vós o reconheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.‖ Sempre captamos o acontecimento no Espírito Santo apenas de tal forma que vemos simultaneamente: só quem acolhe o Espírito e o traz dentro de si é capaz de reconhecê-lo, e somente quem o vê e reconhece pode e há de recebê-lo. Em termos lógicos isso é uma contradição. Mas a realidade viva apenas pode ser descrita desse modo contraditório.
18 Novamente Jesus nos confronta com um mistério. Ele falou de um ―Advogado‖, o Espírito, que na verdade parece ser inicialmente um ―substituto‖ para Jesus. Mas na seqüência Jesus mostra logo que não é essa a intenção. Como um ―substituto‖ desses poderia consolar os discípulos, depois que Jesus lhes declarou em todas as suas poderosas palavras ―Eu sou‖ que justamente ele em pessoa ―é‖ tudo aquilo pelo que anseiam? Não, eles precisam dele, do próprio Jesus. Por isso ele lhes promete: ―Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós.‖ Jesus não lhes assegura o que esperaríamos depois de tudo o que foi dito: eu não vos deixarei órfãos, pois o Espírito vem a vós. Não, é a ele pessoalmente que terão outra vez. Então, ―o outro Advogado‖ não se torna desnecessário? Não, porque Jesus retorna não mais como pessoa entre pessoas, mas no Espírito Santo. Ele ―vem‖ numa forma completamente nova de existência, da qual Paulo escreverá mais tarde: ―O Senhor é o Espírito‖ (2Co 3.17). O Espírito de Deus não pode ser separado nem do Pai nem do Filho. Unicamente dessa maneira torna-se viável essa imbricação íntima e viva, da qual falará agora o v. 20:
20 ―Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós.‖ Outra vez fica claro que o relacionamento dos discípulos com Jesus corresponde exatamente ao relacionamento de Jesus com o Pai e constitui o efeito e praticamente é a ―continuação‖ desse relacionamento divino. O incompreensível ―Eu no Pai e o Pai em mim‖, que ainda assim deixa existindo o Pai e o Filho como ―pessoas‖ independentes, vivas, torna-se para os discípulos um fato igualmente incompreensível e não obstante permanentemente vivenciado em seu relacionamento com o Senhor: ―Vós em mim, e eu em vós.‖ Não acontece nenhuma fusão entre o Senhor e seus discípulos. Jesus continua sendo o ―Senhor‖ sobre eles. Eles permanecem pessoas autônomas sob o Senhor, obedecendo a ele e confiando nele. Apesar disso estão ―em Cristo‖, e Cristo está ―neles‖.
19 Quando isso haverá de acontecer? Quando é ―aquele dia‖? Jesus o diz: ―Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais. Vós, porém, me vedes, porque eu vivo e vós também vivereis.‖ Não é à parusia que ele se refere. O v. 3 do capítulo não é repetido. Porque na parusia de Jesus todos o verão, não apenas os discípulos. Agora, porém, se faz uma distinção entre ―mundo‖ e ―discípulos‖. ―Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais.‖ Em vinte e quatro horas Jesus estará na sepultura, afastado dos olhares do mundo, até a parusia. Mas para os discípulos já se tornará realidade em três dias que: ―Vós, porém, me vedes, porque eu vivo.‖ Isso é Páscoa. Nos dias da Páscoa os discípulos viram Jesus como aquele que verdadeiramente ―vive‖ (cap. 20 e 21). Porém, em parte alguma do NT a ressurreição de Jesus é algo que acontece apenas para Jesus e apenas enriquece
a ele. O ―por nós‖ do acontecimento da cruz vale de igual forma para a ressurreição de Jesus. Ela traz a vida não apenas para ele, mas também para nós. Em 1Co 15.12-28 Paulo se esforça para mostrar aos coríntios esse significado abrangente da ressurreição do Senhor. Cumpre-se a promessa de Jesus: ―e vós também vivereis.‖ Com a Páscoa começa para os discípulos aquela ―vida‖ que Jesus já havia prometido reiteradas vezes a todos os que crêem como ―vida eônica‖ (Jo 3.15,16 e depois várias vezes no presente evangelho). Com realidade plena ela é conferida aos discípulos e à igreja de todos os tempos na efusão do Espírito. Pentecostes está inseparavelmente ligado à Páscoa, como se torna visível precisamente no testemunho do evangelho de João. Páscoa e Pentecostes juntos formam ―aquele dia‖, em que os discípulos possuirão essa verdadeira ―vida‖ e esse ―vós em mim, e eu em vós‖ como um fato incontestável. Outra vez fica explícito que o envio do ―outro Advogado‖ e a própria vinda de Jesus aos discípulos representam opostos, mas formam uma unidade coesa.
21 O que Jesus promete aos seus é algo extraordinariamente grandioso. Por essa razão, Jesus tenta protegê-lo contra quaisquer equívocos. Será uma ―experiência mística‖ que aguarda os discípulos? Será que seus discípulos por isso também se igualarão em sua atitude e seu estilo de vida aos ―místicos‖ de todas as religiões? Não devem sê-lo nem o serão! O ―amor‖ que liga o discípulo com seu Senhor não é caracterizado por Jesus como experiências sentimentais, mas como obediência ao mandamento dele. ―Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama.‖ Novamente nos encontramos com ―aquele que‖ que confronta com a decisão em liberdade, abrindo o acesso a cada pessoa; cf. Jo 7.37,38; 8.12; 11.25s; 12.25s. Dessa maneira, diferente do v. 20, o foco recai sobre o indivíduo. A promessa do v. 20 agora é assegurada expressamente a cada discípulo, quando cumpre a condição de um amor obediente. Esse indivíduo será muito pessoalmente ―amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele‖. Por mais que Jesus esteja empenhado na fraternidade entre os seus, por mais que justamente seu amor recíproco se torne testemunho para o mundo (Jo 13.35), cada discípulo em separado pode esperar para si mesmo uma vida plena e realizada no amor do Pai e no amor de seu Senhor. Jesus promete ―manifestar-se‖ com seu amor a esses discípulos. Será que com isso ele assegura a esse discípulo novas ―revelações‖, que ultrapassam aquilo que está sendo revelado a todos nós no evangelho? O termo aqui empregado denota que Jesus não quer dizer isso. Contudo Jesus entrará na vida do discípulo e se tornará tão eficaz nela que o discípulo virá a conhecê-lo de forma cada vez mais profunda. Experimentar o amor de Jesus e ser presenteado com sempre novas atualizações e auto-revelações do Senhor faz parte da ―vida cristã normal‖. Contudo, ele está vinculado à condição prévia de que o discípulo de Jesus ―tenha meus mandamento e os guarda‖.
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